O quarto de Magnus Kjær tem uma decoração simples, comparada com a dos quartos sumptuosos das filhas do casal Sejer-Lassen, mas, mesmo sob a luz fraca da lanterna, Hess percebe que é acolhedor. Um tapete felpudo, cortinas verdes e um candeeiro de papel de arroz pendurado no tecto. Pequenos pósteres do Pato Donald e do Rato Mickey nas paredes, e em todas as prateleiras brancas há figuras de plástico de contos de fadas, onde o bem derrota sempre o mal. Em cima da secretária há um copo com lápis e canetas de feltro, e da pequena estante ao lado da secretária um indício de que Magnus Kjær se interessa por xadrez. Hess tira alguns livros da estante e olha para eles sem saber porquê. Parece um ambiente seguro, talvez o melhor da casa.
Hess olha para a cama, e um velho hábito fá-lo ajoelhar-se e espreitar para debaixo dela, embora saiba que os colegas investigaram aquele lugar durante muito tempo. Há um objecto preso entre a cama e a parede, mas, quando consegue extraí-lo, percebe que é apenas um velho manual de instrucções do League of Legends, o que faz Hess sentir-se culpado porque não cumpriu a promessa de voltar a visitar o rapaz no hospital.
Hess põe de lado o manual e começa a arrepender-se de não ter ido com Thulin para a cidade. Durante algum tempo, as informações sobre o autor da denúncia tinham-lhe parecido o detalhe que ia lançar uma nova luz sobre o caso, mas agora sente-se estúpido, especialmente porque vai ter de ir a pé debaixo de chuva, pelo menos até à estação de comboios ou até conseguir apanhar um táxi. O cansaço começa a apoderar-se dele, e Hess pergunta-se se pode dormir uma sesta ali, na cama do rapaz, que parece tão agradável e confortável, ou se deve ir directamente para a esquadra e mentir a Nylander, dizendo que precisa de voltar a Haia naquela noite. Claro que pode simplesmente dizer a verdade. Que não consegue lidar com aquela tarefa. Que Kristine Hartung e impressões digitais e merdas e papéis não têm nada a ver com ele — que talvez tenha sido apenas a falta de sono que o levou a elaborar teorias de pesadelo sobre corpos desmembrados e bonecos feitos de castanhas. Com um pouco de sorte, Hess ainda conseguirá apanhar o último avião, às 20h45, e amanhã pode implorar pelo perdão de Freimann, e naquele momento essa ideia parece-lhe quase tentadora.
Hess olha uma última vez pela janela, para o jardim e para o parque infantil onde Laura Kjær foi encontrada, e é então que o vê. Parcialmente oculto pela cortina verde, ao lado da janela, está um a pilha de desenhos infantis em folhas A4. Estão pendurados na parede com um pionés. O primeiro é um desenho de uma casa — um desenho que Magnus Kjær deve ter feito há alguns anos. Hess aproxima-se e aponta a lanterna para o desenho. Os traços são primitivos. Nove a dez traços formam uma casa com uma porta da frente, e, por cima dela, o Sol brilha. Um impulso faz Hess virar a página, mas esta revela conter outro desenho de uma casa, desta vez pintada de branco e numa composição um pouco mais precisa e com mais traços. Hess percebe que os desenhos representam a casa em que se encontra. O terceiro desenho tem o mesmo motivo, a casa branca, o Sol, e agora uma garagem. O mesmo é verdade em relação ao quarto e ao quinto, e, a cada desenho, Magnus parece ter crescido e melhorado as suas capacidades de expressão. Por algum motivo, Hess sente-se impressionado com o rapaz e sorri. Até que chega ao último desenho. O motivo é o mesmo. Casa, Sol, garagem. Mas há algo de errado na garagem. É desproporcionalmente grande e ocupa mais espaço do que a própria casa. Ergue-se acima do telhado. As paredes são espessas e negras e destroem a simetria.