A colónia de férias de Valby, composta por pouco mais de cem casas, está fechada para o Inverno. No Verão, é um dos oásis mais animados da cidade, mas, quando chega o Outono, as pequenas casas de madeira e os jardins são fechados e deixados vazios até ao regresso da Primavera. Por esse motivo, só há luz numa casa no centro da colónia, que pertence à cidade de Copenhaga.
É de noite, mas Jessie Kvium ainda está acordada. Lá fora, o vento faz abanar as árvores e os arbustos, e às vezes parece que vai deitar abaixo a pequena casa de madeira com dois quartos. A casa tem um cheiro diferente do que tem no Verão, e da cama, no quarto escuro, onde está deitada com a sua filha adormecida, Jessie vê a luz da sala pela fresta debaixo da porta. Ainda tem dificuldade em entender que há realmente dois polícias do outro lado para a protegerem a si e a Olivia. Jessie acaricia a face da filha. São tão raras as vezes em que o faz que lhe vêm lágrimas aos olhos, e, embora perceba naquele momento que a filha é a única coisa importante que tem, reconhece subitamente que tem de a entregar às autoridades se quer que as coisas melhorem.
O dia foi bastante dramático. Começou com Nikolaj a humilhá-la no centro. Depois a fuga pelos corredores, o interrogatório na esquadra da polícia e por fim a deslocação para aquela colónia de férias vazia. Embora Jessie tivesse insistido na sua inocência, ficara chocada com as acusações que ouvira durante o interrogatório. Acusações de negligência e maus-tratos à filha, como a denúncia anónima afirmara. Ou melhor, não foram as acusações que a abalaram. Já as tinha ouvido, mas o que a chocou foi a seriedade que as acompanhava. Os dois investigadores que a interrogaram eram diferentes das pessoas da Câmara. Era como se soubessem o que acontecera. Ela gritara, descabelara-se e chorara, como imaginava que uma mãe transtornada faria, mas, por mais convincente que fosse nas suas mentiras, eles não acreditavam nela. E, embora não entendesse porque fora levada com a filha para uma casa de madeira fria e húmida para serem protegidas, sabia que em grande parte a culpa era sua. Como em tantas outras coisas.
Quando foram deixadas a sós no quarto, a princípio Jessie pensou que conseguiria controlar-se. Mudar de vida numa noite. Parar de sair à noite e de beber, parar de tentar fazer alguém morder o anzol para se sentir amada. Já tinha apagado o número de Nikolaj do telemóvel para não poder ligar para ele. Mas iria durar? Ou simplesmente arranjaria outros? Antes dele também houvera outros, rapazes e raparigas, e, durante muito tempo, a sua vida de merda tornara-se também a de Olivia. Nos longos dias na escola e nas actividades de tempos livres, na solidão dos parques infantis, nas noites loucas em bares, até nas after parties com desconhecidos que Jessie levara para casa e a quem dera permissão para fazerem o que quer que tornasse a sua vida suportável por um momento. Odiara a filha e batera-lhe. Houvera alturas em que só não abdicara dela por causa dos subsídios do município.
Mas, embora esteja arrependida e queira mudar, Jessie também sabe que não conseguirá fazê-lo sozinha.
Afasta cuidadosamente o edredão para não acordar Olivia. Embora o chão lhe pareça gelado sob os pés descalços, passa algum tempo a aconchegar a filha antes de se dirigir para a porta.