Enquanto Rosa desce as escadas do gabinete do primeiro-ministro atrás do agente dos serviços de informação, tenta em vão ligar para Steen. Mal consegue esperar para falar com ele, porque sabe que ele vai partilhar o que ela sente naquele momento. Pouco tempo antes, o agente dos serviços de informação interrompera a reunião do ministério para lhe dizer que a polícia conduzira uma busca e que provavelmente encontrara o local onde viviam os assassinos das três mulheres e do agente da polícia. Rosa tentara durante muito tempo não expressar o que sentia, mas, desde que Steen a fizera perceber que as impressões digitais de Kristine nos bonecos de castanhas tinham de significar alguma coisa, começara a ceder às saudades. A descoberta da polícia podia ser a revelação que esperavam, mas, ao mesmo tempo, sente algo que a deixa ansiosa e insegura.
Quando Rosa desce para a porta do Prince Jørgens Gård, que normalmente está reservado ao gabinete do primeiro-ministro, encontra vários agentes dos serviços de informação à sua espera. Eles protegem-na enquanto a levam para um carro escuro e, no momento seguinte, quando o carro percorreu a curta distância de 100 metros até ao Ministério dos Assuntos Sociais, repetem o mesmo procedimento quando ela sai do carro e se dirige para a entrada principal.
Rosa ignora as perguntas dos jornalistas que acamparam em frente à porta, e, quando passa pelos seguranças, Liu está à sua espera junto ao elevador para a levar para junto dos outros. Desde que os media começaram as suas especulações sensacionais acerca de Kristine, Rosa recebeu inúmeros contactos, mas recusa-se a comentar. Primeiro, sentira-se frustrada e zangada quando Steen começara a fantasiar sobre a venda à beira da estrada de Kristine e da sua amiga Mathilde e sobre bonecos e animais de castanhas. Sabia que ele bebia e que todos os dias se esforçava para parecer forte, mas na realidade estava ainda mais envolvido do que ela. Tinham discutido por causa do significado das impressões digitais nos bonecos de castanhas encontrados nos locais dos dois primeiros homicídios — se era importante saber se Mathilde e Kristine tinham feito bonecos de castanhas no ano anterior, mas depois percebera que, independentemente do que dissesse, Steen não ia desistir. Talvez não houvesse mais ninguém, nem mesmo na polícia, a partilhar a opinião dele, mas, ainda assim, ele acabara por a convencer. Não por acreditar nos seus argumentos, mas porque acreditava nele e queria acreditar. Steen já não era uma sombra do homem que fora, como parecera durante tanto tempo, e, quando lhe perguntou se acreditava realmente que a filha ainda podia estar viva, ele assentira e pegara-lhe nas mãos, e ela começara a chorar. Fizeram amor pela primeira vez em mais de meio ano, e Steen falou-lhe do seu plano, e ela apoiou-o sem saber se seria capaz de o cumprir. Na noite de sexta-feira, ele aparecera no noticiário, onde dissera que acreditava que Kristine estava viva. Tal como fizera um ano antes, pedira às pessoas que entrassem em contacto e instara o criminoso a libertar Kristine. Rosa tentara ver o noticiário com Gustav, que preparara na medida do possível. Mas Gustav ficara zangado e incrédulo, e Rosa percebeu a sua confusão e relutância e quase se arrependeu da sua decisão. No entanto, mais tarde, nessa mesma noite, Rosa e Steen foram informados de que um novo boneco de castanhas com as mesmas impressões digitais, o terceiro, fora encontrado num local do crime, e isso fortaleceu a sua esperança, apesar de o chefe do Departamento de Homicídios e os dois investigadores que a tinham entrevistado naquele dia terem dito que não havia motivo para ter esperança.
Ainda assim, os muitos contactos de pessoas que tinham visto Steen na televisão pareceram revelar-se infrutíferos, e a investigação de Steen dos passos de Kristine no dia do seu desaparecimento também ainda não tinha produzido resultados. Durante o fim-de-semana, ele começara a reconstruir os vários percursos que Kristine podia ter seguido no regresso do complexo desportivo, esperando encontrar novas possibilidades ou testemunhas que pudessem dar-lhe uma explicação. Sendo arquitecto, tinha acesso aos mapas dos esgotos, túneis e centrais eléctricas que poderiam ter sido usados para fazer Kristine desaparecer rapidamente. Ainda era como procurar uma agulha num palheiro, mas Rosa comovera-se ao ver a dedicação com que ele se entregava ao trabalho. É por isso que está ansiosa para lhe contar a notícia que interrompera a reunião desagradável que começara quando o primeiro-ministro a recebera à porta.
— Entre, Rosa. Como está?
Ele abraçara-a.
— Obrigada, não estou muito bem. Já pressionei várias vezes o Gert Bukke para termos mais uma reunião, mas não tive notícias dele, portanto acho que devemos começar a negociar com o outro lado o mais rapidamente possível.
— Eu não estava a perguntar pelo Bukke, porque é óbvio que ele não quer colaborar connosco. Estava a perguntar por si e pelo Steen.
Rosa pensara que fora chamada para dar um relatório de estado das negociações paradas, mas o ministro da Justiça estava presente, e o assunto da conversa era outro.
— Não me interprete mal. Nós entendemo-vos, mas, como sabe, o governo já sofreu alguns arranhões na pintura no ano passado, e a situação actual não está a ajudar. A mensagem do Steen na televisão foi uma crítica ao trabalho do ministro da Justiça. O ministro da Justiça afirmou repetidas vezes que o caso da Kristine foi investigado até ao limite: investigaram-se todas as pistas — fizemos tudo para vos ajudar, algo por que se mostraram gratos —, mas agora foram lançadas sérias dúvidas sobre a credibilidade dele.
— Eu diria que foi sobre a credibilidade de todo o governo — acrescentou o ministro da Justiça. — O meu ministério recebe chamadas a todas as horas do dia. Os jornalistas querem saber tudo, a oposição quer que o caso seja investigado, e há quem fale em pedir a minha demissão. Por mim tudo bem, mas esta manhã pediram ao próprio primeiro-ministro que comentasse o caso.
— Coisa que não ponderei fazer, mas a pressão é inegável.
— O que querem que eu faça?
— Gostaríamos que se mostrasse de acordo com a declaração oficial do Ministério da Justiça. Ou seja, que se distancie das alegações do Steen. Compreendo se for difícil para si, mas preciso que justifique a confiança que depositei em si ao deixá-la regressar ao seu cargo como ministra.
Rosa ficara furiosa. Insistira que havia coisas por esclarecer no caso. O primeiro-ministro tentara encontrar um meio-termo enquanto o ministro da Justiça só se mostrara mais frustrado, e então foram interrompidos. Rosa não queria saber. Podiam ir os dois para um certo sítio, e deixa uma mensagem rápida no voice mail de Steen enquanto ela e Liu entram no gabinete do ministério.
— Como correu a reunião com o primeiro-ministro?
É Vogel quem pergunta.
— Não importa. O que é que vocês sabem?
Vogel, dois agentes dos serviços de informação, Engells e dois funcionários estão reunidos em volta da mesa onde ela se instala enquanto pede um resumo da situação. Os serviços de informação já tinham contactado o ministério há dez minutos com o nome do inquilino da casa em Sydhavn, e Engells encontrara imediatamente o caso de Benedikte Skans. Resumem o caso, embora Rosa se lembre dele, e Engells e Vogel atropelam-se com suposições de como as coisas podem estar relacionadas. O telemóvel do agente dos serviços de informação toca, e ele sai da sala para atender a chamada. Rosa ouve o outro agente a perguntar-lhe se se lembra de ter tido algum contacto recente com Benedikte Skans ou com o namorado dela. Ainda não conseguiram fotografias do namorado, mas há muitas de Benedikte Skans, de quando esteve presente nos media.
— É esta.
Rosa reconhece a mulher dos olhos escuros zangados. Foi ela que lhe deu um encontrão no salão há uma semana. A mulher usava um colete acolchoado e uma camisola vermelha com capuz, e tinham chocado uma com a outra no mesmo dia em que alguém vandalizara o carro do ministério com palavras escritas a sangue.
— Posso confirmar. Também a vi.
O agente dos serviços secretos toma nota das palavras de Vogel, e Engells continua a ler o ficheiro que diz que Benedikte Skans perdeu a guarda do filho e que este morreu tragicamente na casa da família de acolhimento, e Rosa percebe a que se deve a sensação de medo anterior.
— Porque é que o Gustav ainda não chegou?
Vogel pega-lhe na mão.
— O motorista vem a caminho. Está tudo bem, Rosa.
— De que mais se lembra em relação a Benedikte Skans? Ela estava com alguém em Christiansborg nesse dia? — continua o agente.
Mas o medo instalou-se. Por algum motivo, Rosa lembra-se de o motorista lhe ter perguntado no dia anterior se era ele ou Steen que ia levar Gustav à aula de ténis. Mas a voz de Engells paralisa-a.
— Aparentemente, não temos muitas informações sobre o pai da criança. Só sabemos que esteve destacado no Afeganistão como motorista e que se chama Asger Neergaard…
Vogel também pára, e os dois olham-se.
— Asger Neergaard?
— Sim…
Rosa consulta imediatamente a app no seu telemóvel, enquanto Vogel se levanta tão depressa que a cadeira cai para trás. É uma app de segurança chamada «Encontra o meu Filho», e ela e Steen instalaram-na no ano anterior para localizarem o telemóvel de Gustav. Mas o mapa do GPS está em branco. O telemóvel de Gustav não está a emitir nenhum sinal. Antes que Rosa tenha tempo de o dizer, o outro agente dos serviços de informação entra enquanto afasta o telemóvel do ouvido. Quando olha para os olhos dele, Rosa sente o chão a desaparecer-lhe debaixo dos pés, como no dia em que Kristine desapareceu.