18 DE OUTUBRO
Uma garota muito má
Foi bem difícil convencer Amma a me deixar ir à festa de Savannah Snow. E era impossível ela não reparar, se eu tentasse sair escondido. Amma não ia mais a lugar algum. Não ia para a casa dela em Wader’s Creek desde que tirou o jogo de tarô que a fez ir até a cripta da rainha vodu. Ela não admitia, mas, quando eu perguntava por que não foi mais para casa, ficava na defensiva.
— Você acha que posso deixar as Irmãs sozinhas? Sabe que Thelma não anda muito bem desde o acidente.
— Ah, Srta. Amma. Pare de reclamar. Eu só fico um tantinho confusa de vez em quando — gritou Thelma da sala ao lado, onde estava ajeitando o sofá. Tia Mercy gostava de uma almofada e dois cobertores. Tia Grace gostava de duas almofadas e um cobertor. Tia Mercy não gostava de cobertores usados, o que significava que eles tinham de ser lavados antes de ela chegar perto deles. Tia Grace não gostava de almofadas com cheiro de cabelo, mesmo sendo dela mesma. O triste era que, desde “o acidente”, eu sabia mais sobre a preferência de almofadas e lugares para esconder o sorvete de café do que gostaria de saber.
O acidente.
“O acidente” costumava se referir à batida de carro da minha mãe. Agora, era um código delicado sulista para a condição de tia Prue. Eu não sabia se me fazia sentir melhor ou pior, mas quando Amma começava a falar do “acidente”, não havia como fazê-la mudar de assunto.
Mesmo assim, tentei.
— Elas não ficam acordadas depois das 20h. Que tal jogarmos Scrabble, e depois eu saio quando todas estiverem dormindo?
Amma balançou a cabeça ao tirar e botar travessas de biscoito no forno. De canela. De melado. Amanteigados. Biscoitos, não tortas. Biscoitos eram para entregar para alguém. Ela nunca dava biscoitos para os Grandes. Não sei por quê, mas os Grandes não gostavam muito de biscoitos. O que significava que ela ainda não estava falando com eles.
— Para quem está assando biscoitos hoje, Amma?
— Por quê? Meus biscoitos agora não são bons o bastante pra você?
— Não é isso. Você pegou os enfeites de papel, o que significa que esses não são pra mim.
Amma começou a arrumar os biscoitos na travessa.
— Bem, não é espertinho, você? Vou levar para o County Care. Achei que aquelas simpáticas enfermeiras pudessem querer um biscoito ou dois de companhia nas longas noites de plantão.
— Posso ir então?
— Você é mais limitado do que pensei se acha que Savannah Snow quer você na casa dela.
— É só uma festa comum de escola.
Ela baixou a voz.
— Não existe festa comum de escola quando tem uma Conjuradora, um Incubus e uma ex-Sirena com você. — Amma conseguia dar uma bela bronca mesmo sussurrando. Ela bateu a porta do forno e ficou parada com as mãos enluvadas nos quadris.
— Um quarto de Incubus — sussurrei em resposta. Como se isso mudasse alguma coisa. — É na casa da família Snow. Você sabe como eles são. — Fiz minha melhor imitação do reverendo Blackwell. — Tudo bem, povo temente a Deus. Mantenham uma Bíííí-blia ao lado da cama. — Amma olhou para mim com raiva. Parei. — Nada vai acontecer.
— Se ganhasse dez centavos pra cada vez que você fala isso, eu estaria morando em um castelo. — Amma cobriu os biscoitos com filme plástico. — Se a festa é na casa da família Snow, por que você vai? Eles nem convidaram você ano passado, pelo que lembro.
— Eu sei. Mas achei que seria divertido.
Encontrei Lena na esquina da rua Dove porque ela teve menos sorte ainda com o tio e acabou saindo escondida. Estava com tanto medo de Amma vê-la e mandá-la de volta pra casa que estacionou o rabecão à 1 quadra de distância. Não que o carro dela fosse difícil de perceber.
Macon tinha deixado claro que ninguém ia a festa nenhuma, não enquanto a Ordem ainda estivesse rompida, e, sobretudo, não na casa da família Snow. Ridley tinha deixado igualmente claro que ia. Como esperavam que ela se encaixasse na sociedade como Mortal se não tinha permissão de fazer coisas normais com os novos amigos Mortais? Coisas voaream pelos ares. No fim, tia Del cedeu, mesmo que Macon não tivesse.
Então Ridley saiu pela porta da frente enquanto Lena teve de achar uma forma de sair escondida.
— Ele pensa que estou no meu quarto emburrada porque não me deixou sair. — Lena suspirou. — Que é onde eu estava até elaborar minha estratégia de saída.
— Como você saiu? — perguntei.
— Precisei usar uns 15 Conjuros diferentes: de esconder, de cegar, de esquecer, de disfarçar, de duplicar.
— Duplicar? Você quer dizer que clonou a si mesma? — Esse era novidade.
— Só meu cheiro. Qualquer um que Conjurar uma Revelação na casa pode ser enganado por um ou dois minutos. — Ela suspirou. — Mas não tem como enganar tio Macon. Estou morta quando ele descobrir que saí. Você acha que é ruim morar com uma Vidente? Tudo que tio Macon quer fazer é praticar as habilidades de Caçar na Mente.
— Fantástico. Então temos a noite toda. — Puxei-a para perto de mim, e ela se encostou no carro.
— Humm. Talvez mais. Provavelmente não vou conseguir voltar esta noite. A casa está protegida mil vezes.
— Pode ficar comigo, se quiser. — Beijei o pescoço dela e fui subindo até a orelha. Minha boca já estava queimando, mas não me importei. — Por que vamos para essa festa idiota mesmo quando temos um carro perfeito bem aqui?
Ela ficou na ponta dos pés e me beijou até minha cabeça estar latejando com tanta força quanto meu coração. Depois se afastou e abaixou.
— Tia Mercy e tia Grace adorariam isso, não é? Quase valeria a pena ver as expressões nos rostos delas quando eu descesse pra tomar café de manhã. Podia até descer enrolada na sua toalha. — Ela começou a rir, e eu imaginei a cena toda, só que a gritaria na minha cabeça era tão alta que desisti.
— Vamos apenas dizer que o vocabulário poderia ficar bem mais pesado do que a palavra “traseiro”.
— Aposto que elas chamariam a “maldita polííí-cia”. — Ela estava certa.
— É, mas eu que seria preso por roubar sua virtude.
— Então acho melhor irmos buscar Link antes que você tenha a chance de fazer isso.
Não conseguia me lembrar da última vez em que botei os pés na casa de Savannah, mas comecei a me sentir desconfortável assim que subimos a escada. Havia fotos dela em todos os lados (usando tiaras brilhantes e todos os tipos de faixas de MISS SOU MELHOR QUE VOCÊ, posando com o uniforme de líder de torcida e com os pompons), e uma fileira inteira do que, acho, deviam ser fotos de modelo, com Savannah de biquíni, cílios postiços e muito batom. Pelo que parecia, ela usava batom desde que parou de usar fraldas.
A família Snow realmente não precisava de decoração de festa. Além da mesa coberta com cem cupcakes em formato de bola de basquete, da tigela de ponche com pequenas bolas de basquete congeladas nas pedras de gelo, dos sanduíches de salada de galinha cortados no formato de bolas de basquete com cortadores de biscoito redondos, Savannah era a maior decoração de todas. Ela ainda estava usando o uniforme de líder de torcida, mas tinha escrito o nome de Link em uma das bochechas e desenhado um enorme coração cor-de-rosa na outra. Estava no meio do quintal, esperando, sorrindo, iluminando o ambiente, como se fosse a árvore de Natal na festa de Natal. E assim que Savannah viu Link, foi como se alguém tivesse ligado o interruptor que acendia todas as luzes.
— Wesley Lincoln!
— Oi, Savannah.
Savannah estava esperando que saísse faísca entre eles, mas ela não tinha chance. Quando se tratava de Link, só havia uma garota que podia causar esse tipo de faísca, e foi apenas uma questão de minutos até ela chegar e incendiar a festa.
Na verdade, demorou uma hora.
Foi quando Ridley chegou e esquentou as coisas um ou dois graus… ou uns duzentos.
— Boa noite, rapazes.
Link virou a cabeça de repente quando a viu e abriu um sorriso de 1 quilômetro de largura, confirmando o que eu já sabia. Ridley ainda estava na cabeça dele e em todo o resto do corpo. Eu sabia como era esse tipo de radar. Era o que sentia com Lena.
Oh-oh. Isso não é bom, L.
Eu sei.
— Vamos. Acho que a coisa vai ficar feia. — Peguei a mão de Lena e me virei para sair, mas ali estava Liv. Lena me lançou um olhar.
Merda.
Com tudo o mais acontecendo, havia esquecido que tinha dado o convite para Liv.
— Lena. — Liv sorriu.
— Liv. — Lena meio que sorriu. — Eu não sabia se você vinha.
— É mesmo? Deixei um bilhete pra Ethan. — Liv sorriu para mim abertamente.
— É mesmo. — Lena me lançou um olhar que me disse que eu ouviria sobre isso depois.
Liv deu de ombros.
— Ah, você conhece Ethan. — Não conhece? Foi o que Lena ouviu.
— É, conheço. — Lena não estava mais sorrindo.
Comecei a entrar em pânico e reparei na mesa do ponche, a uns 4 metros de distância. Pareceu uma distância segura.
— Vou pegar alguma coisa pra comer. Alguém quer alguma coisa?
— Não. — Liv sorriu para mim como se tudo estivesse bem.
— Nadinha. — Lena sorriu para mim como se estivesse prestes a me matar.
Fugi o mais rápido que consegui.
A Sra. Snow estava perto da tigela de ponche, conversando com dois homens que eu nunca tinha visto antes. Os dois estavam com bonés de universidade e camisas com colarinho.
— É surpresa — disse a Sra. Snow para eles. — Foi por isso que minha filha quis fazer essa reuniãozinha. Ela queria que vocês pudessem falar com Wesley em um ambiente casual.
— Foi muita gentileza da sua filha, senhora.
— Savannah é uma garota muito atenciosa. Sempre coloca os outros na frente. E o namorado dela, Wesley, é um jogador de basquete muito talentoso. Por isso, meu marido pediu que viessem. E Wesley é de uma boa família, que frequenta a igreja. A mãe dele está envolvida em tudo que acontece nessa cidade.
Parei ao lado da mesa, com uma bola de basquete de chocolate na boca. Eles eram olheiros de universidade. E estavam aqui para conhecer Link.
Olhei para o quintal, para onde Link e Savannah estavam dançando e Ridley andava ao redor como um tubarão. Rid agiria a qualquer minuto, e seria tão rápido que não sobraria nada além de sangue na água.
Saí andando e quase derrubei a tigela de ponche.
— Com licença, Savannah. Preciso falar com Link um minuto. — Segurei Link e o puxei pelo portão dos fundos de Savannah.
— Mas que diabos? — Link olhou para mim como se eu fosse louco.
— Tem olheiros da universidade aqui. A Sra. Snow armou isso tudo pra você. E, se você deixar Ridley chegar perto de Savannah hoje, vai estragar tudo.
— Do que você está falando? — Ele pareceu confuso.
— Basquete. Olheiros de faculdade. É sua passagem pra fora daqui.
Ele balançou a cabeça.
— Não, cara. Você entendeu tudo errado. Não quero uma passagem pra sair desta cidade. Só quero uma passagem pra sair desta festa.
— Você o quê?
Ele já estava balançando a cabeça e andando de volta para a festa.
— Não é Savannah. Nunca foi. É Ridley, pra melhor ou pra pior. — Ele olhou para mim como se estivesse me contando que tem uma doença fatal. — Não consigo me livrar disso.
— Se livrar de que, Shrinky Dink?
Ridley estava de pé com as costas para o portão. Ao contrário do restante das garotas da equipe, não estava com o uniforme de líder de torcida. O vestido verde dela era tão apertado em algumas partes e com fendas tão grandes em outras que não dava para ter certeza de para onde se devia olhar.
Link chegou mais perto dela.
— Venha, Rid. Quero falar com você.
— Não foi o que sua namoradinha disse. Ela disse que você não queria falar comigo. Na verdade, ela me mandou sair da casa dela.
— Savannah não é minha namorada.
Tentei fingir que não sabia o que estava prestes a acontecer. Tentei não escutar e nem me importar.
Mas conseguia ouvir o desespero na voz de Link.
— Nunca teve ninguém além de você.
— Do que você está falando? — Ela ficou paralisada, mas era tarde demais.
Link não conseguiu parar.
— Às vezes penso coisas loucas, como que quero ficar com você pra sempre. Poderíamos morar em um trailer e conhecer o mundo. Quero dizer, as partes onde dá pra ir dirigindo. E você poderia compor músicas, e eu poderia tocá-las em shows. Não consegue ver isso?
O rosto de Ridley parecia prestes a se partir em mil pedaços.
— Eu… não sei o que dizer.
— Diga que vai ser minha namorada, como era antes.
Ela hesitava, e percebi o quanto esse momento devia estar sendo difícil para ela. Porque ela não era a Ridley que costumava ser, assim como ele não era o Link que costumava ser. Nada era o mesmo. Para ninguém.
Mas então ela notou Lena e Liv observando de um lado, e eu, de pé do outro. Ela ficou emburrada. Ridley não ia desabar, principalmente na nossa frente.
— O que você está tomando, Shrinky Dink?
— Pare com isso, Rid. Você é minha garota. Pare de fingir que não sente a mesma coisa por mim.
— Sou uma Sirena. Não sou garota de ninguém. Não sinto nada. E não me apaixono. Não sou capaz disso. — Ela começou a se afastar. — Sempre foi apenas diversão.
— Rid, você não é mais Sirena. Nunca vai voltar a ser.
Ridley se virou com os olhos azuis em fúria.
— É aí que você está errado. Não vou ficar presa nessa cidade patética pra sempre. E não vou viajar pelo mundo em um lixo de trailer com você de jeito nenhum. Tenho outros planos.
— Ridley… — Link pareceu infeliz.
— Grandes planos. E posso dizer agora que não incluem você! — Ela se virou para olhar para nós. — Nenhum de vocês!
Parecia que ela tinha dado um tapa no rosto de Link. Para um cara que passava a maior parte do tempo brincando, eu nunca o tinha ouvido se abrir assim com uma garota.
Quando Ridley saiu andando em direção ao portão, Link chutou a grama ao lado dele, e ela saiu voando.
Do outro lado do quintal, Savannah viu sua oportunidade e aproveitou. Ajeitou o cabelo louro e passou pela multidão, indo até Link. Deslizou as mãos pela camiseta dele.
— Venha, Link. Vamos dançar.
No minuto seguinte, eles estavam dançando, e Savannah estava se jogando para cima dele. Lena, Liv e eu ficamos olhando como se estivéssemos vendo um acidente entre três carros na autoestrada 9. Não dava para desviar o olhar.
Liv franziu o nariz.
— Será que devíamos deixar isso acontecer?
Lena deu de ombros.
— Não vejo o que possamos fazer pra impedir. A não ser que você queira ir até lá.
— Não, obrigada.
Foi quando Savannah (que obviamente não tinha percebido que estava dançando com um sujeito magoado, cujas esperanças e sonhos de amor verdadeiro e contratos com gravadoras e campings de trailer pelo país tinham acabado de ser destruídos) fez o gesto fatal.
Nós três prendemos a respiração.
Bem ali, debaixo das luzes piscantes, Savannah pegou o rosto de Link nas mãos e o puxou em sua direção.
— Caramba. — Liv escondeu o rosto.
— Isso é ruim. — Lena também não quis olhar.
— Estamos ferrados. — Eu me preparei.
O beijo durou vinte segundos inteiros.
Até Ridley, por acaso, olhar por cima do ombro.
Deve ter dado para ouvir o som à 1 quilômetro de distância. Ridley estava parada atrás do portão na extremidade do quintal de Savannah, gritando tão alto que todo mundo na festa parou de dançar. Ela estava segurando o cinto de escorpião, com os lábios se movendo como se estivesse Conjurando.
— Ela não pode estar… — sussurrou Lena.
Segurei a mão de Lena.
— Precisamos impedi-la. Ela perdeu a cabeça.
Mas era tarde demais.
Um minuto depois, tudo se transformou em um caos completo.
Senti o Conjuro percorrer a festa como uma onda. E quase dava para vê-lo, atingindo uma pessoa e seguindo para a próxima. Dava para ver onde ele tinha acertado, pelas expressões de raiva e gritos que deixava no caminho. Em um minuto, casais estavam dançando e, no seguinte, estavam brigando. Rapazes empurravam uns aos outros enquanto vítimas inocentes tentavam sair do caminho. Até o Conjuro atingi-las, e então eram elas que começavam a empurrar e gritar.
Ouvi a tigela de ponche se espatifar no chão, mas não consegui ver o que houve por causa do grupo de líderes de torcida puxando os cabelos umas das outras e dos jogadores de basquete brigando. Até a Sra. Snow estava gritando com os olheiros, dizendo coisas horríveis para que eles jamais voltassem a cruzar a divisa entre os condados.
Os olhos de Lena ficaram sombrios.
— Consigo sentir… um Furor! — Ela segurou a mim e a Liv e nos puxou em direção ao portal, mas era tarde demais.
Soube assim que nos atingiu, porque Liv se virou e bateu na cara de Lena com o máximo de força que conseguiu.
— Você perdeu a cabeça? — Lena botou a mão na bochecha, que já estava ficando com um tom intenso de vermelho.
Liv apontou para ela, com o pesado selenômetro preto pendurado no pulso.
— Isso foi por tanto choramingo, princesinha.
— O quê? — O cabelo de Lena começou a se encaracolar, e os olhos verde e dourado se apertaram.
Liv prosseguiu.
— Mas que pobrezinha e linda que eu sou. Meu namorado lindo está tão apaixonado por mim, mas meu coração está partido porque… ei… é assim que lindas garotas emo como eu devem agir.
— Cala a boca! — Lena parecia prestes a dar um soco na cara de Liv. Ouvi um ribombar de trovão no céu.
— Em vez de ficar feliz por um cara legal me amar, vou colocar esmalte preto e fugir com outro cara bonito.
— Não foi o que aconteceu! — Lena se virou para bater em Liv, mas segurei o braço dela. A chuva começou a cair.
Liv continuou a falar.
— E, espere só, sou a Conjuradora mais poderosa do universo. Caso o resto de vocês, meros Mortais, já não se sinta como lixo.
— Você está louca? — gritou Lena para ela, mas era difícil ouvi-la em meio à confusão. — Meu tio morreu. Achei que estava indo para as Trevas.
— Você sabe como é passar o tempo ao lado de um cara quando se gosta dele? Ajudá-lo a encontrar a namorada que não quer ser encontrada? Vê-lo partir o próprio coração e o seu também por causa de uma garota Conjuradora idiota que não está nem aí pra ele?
Um relâmpago cruzou o céu, e a chuva caía sobre nós com a força de granizo. Lena partiu para cima de Liv. Entrei na frente dela e a segurei.
— Liv. Já chega. Você está enganada. — Eu não fazia ideia do que Liv estava fazendo, mas queria que ela calasse a boca.
— Gostar dele? Pelo menos, você finalmente admite! — Lena estava gritando.
— Não admito nada além do fato de que você é uma vagabundazinha maldita que acha que o mundo gira em torno de seus belos cachos.
Foi a gota d’água. Lena soltou os braços e bateu com as mãos nos ombros de Liv. Liv caiu para trás, batendo no chão com força. Lena não ia deixar que ela tivesse a última palavra. Nem o último golpe.
— Muito bem, Srta. Não-Estou-Aqui-Para-Roubar-Seu-Namorado. — Lena imitou a voz de Liv. — É verdade, somos apenas amigos, apesar de eu ser mais inteligente e mais loura do que o resto de vocês todos juntos. E já mencionei meu sotaque britânico fofo?
Liv chutou lama em cima dela, mas Lena saiu do caminho bem a tempo. E não parou por aí.
— E, se isso não for o bastante, vou me martirizar para que você possa passar o resto da sua vida se sentindo culpada. Ou talvez eu possa passar meu tempo todo com seu tio para que ele possa me ver como a filha que nunca teve. Ah, espere… ele já tem uma! Mas quem se importa. Porque se Lena tem uma coisa vou tentar tirar dela!
Liv ficou de pé e tentou passar por mim. Eu a segurei.
— Parem! Estão agindo como idiotas. É um Conjuro! Vocês nem percebem de quem deveriam estar com raiva!
— E você percebe? — gritou Lena, tentando esticar a mão para agarrar o cabelo de Liv.
— É claro que percebo. Mas a única pessoa de quem estou com raiva não está aqui. — Eu me inclinei e peguei o cinto de escorpião de Ridley na grama enlameada. Entreguei para Lena. — É Ridley. E ela foi embora. Então, não tenho com quem gritar.
Ouvi o motor do Lata-Velha sendo ligado. Apontei para o portão, e vimos o carro se afastar do meio-fio.
— Na verdade, acho que tem alguém com mais raiva dela do que eu. E parece que ele saiu pra procurá-la.
— Acha mesmo que isso é alguma espécie de Conjuro? — Lena olhou para Liv.
— Não. Acho que sempre brigamos como cachorros de rua quando tentamos nos enturmar em festas. — Liv revirou os olhos.
— Está vendo? Você tem de bancar a espertinha o tempo todo. — Lena tentou se soltar, mas segurei os dois braços dela com mais força.
— É um Furor, sua idiota — respondeu Liv.
— Eu sou uma idiota? Eu disse Furor antes de tudo isso começar.
Empurrei as duas pelo portão à minha frente.
— Vocês duas estão agindo como idiotas. E agora vamos entrar no carro e ir para Ravenwood. E, se não conseguem dizer nada legal uma para a outra, não digam nada.
Mas eu não precisava me preocupar, porque se havia uma coisa que tinha entendido sobre essas garotas era que logo elas parariam de implicar uma com a outra. Estariam ocupadas demais implicando comigo.
— Isso é porque ele tem medo de tomar uma decisão — disse Liv.
— Não, é porque ele não quer aborrecer ninguém — respondeu Lena.
— Como você pode saber? Ele nunca diz o que está pensando.
— Não é isso; Ele nunca pensa o que está dizendo — retrucou Lena.
— Já chega! — Entrei pelos portões contorcidos de Ravenwood, furioso com as duas.
Furioso com Ridley. Furioso com a forma como o ano estava se desenrolando. Furor, esse era o nome certo, fosse o que fosse. Eu odiava me sentir assim e odiava mais ainda porque sabia que os sentimentos eram reais, mesmo que fosse preciso um feitiço para expô-los.
Lena e Liv ainda estavam brigando quando saímos do carro. Embora soubessem que estávamos sob influência de um Conjuro, não conseguiam evitar. Ou talvez não quisessem. Nós três andamos em direção à porta da frente, e fiquei entre elas. Só por garantia.
— Por que você não nos dá um pouco de espaço? — Lena se colocou na frente de Liv. — Já ouviu falar de segurar vela?
Liv a fez dar um passo para trás.
— E você acha que eu queria estar aqui? Pra, mais uma vez, limpar sua sujeira? Pra você se esquecer de mim até a próxima vez…
Eu não estava mais ouvindo. Estava olhando para a janela de Ridley. Vi uma sombra passar na frente dela, por trás da cortina. Só conseguia ver uma silhueta, mas pude perceber que não era Ridley.
Link deve ter chegado primeiro, só que eu não estava vendo o Lata-Velha.
— Acho que Link está lá.
— Não quero saber. Ridley tem muita coisa a explicar.
Lena estava na metade da escada quando cruzei a soleira da porta. Senti a mudança imediatamente. O próprio ar parecia diferente. Mais leve, de alguma forma. Olhei para Liv.
A expressão dela estava do jeito como eu me sentia. Confusa. Desorientada.
— Ethan, alguma coisa parece estranha pra você?
— Sim…
— É o Furor — disse Liv. — Foi rompido. A magia não consegue passar pelos Feitiços.
— Ridley! Onde você está? — Lena estava a alguns passos da porta da prima. Quando a alcançou, abriu sem bater. Não ligava se Link estava lá ou não. Mas não tinha importância.
O sujeito no quarto de Ridley não era Link.