APRESENTAÇÃO
No segundo semestre de 2008, comecei a conversar com amigos em comum, pois queria muito fazer um livro com o Gil. É claro que acreditava antecipar a comemoração dos 70 anos em 26 de junho de 2012, quatro anos depois.
Não que Gilberto Gil, sua trajetória e o seu “ser pra gente” precisasse de data e motivo. Mas, entre o que é o mercado, o hábito ou a sábia decisão de marcarmos os ritmos da vida... tínhamos belíssimos 70 anos!
Pensava no projeto editorial, e Gil me impunha tantos caminhos, estudos e possibilidades que inicialmente chamei o livro de 70 vezes Gil (o tal título provisório). E me apeguei ao título. Até hoje, em nossa editora, tem gente que ainda se refere a ele assim: 70 vezes Gil. Não que 70 tome, contenha Gil, mas virou um apelido carinhoso para aqueles que há muito esperam fazer parte dessa obra, ainda que em trabalho invisível (e, para todos e cada um, obrigada e beijos).
Em 2009 chegamos a Gege, pelas mãos de Flora Gil, Nara Gil e Ju Velloso, amiga-irmã e produtora destacada do livro. Depois, ainda se juntaram a nós Maria Gil e Gilda Mattoso, e a todas devemos muitos agradecimentos pela paciência e dedicação ao projeto.
Sempre digo que trafego bem entre aqueles que me formaram, que me puseram pra pensar (e nesse processo Gil ocupa um espaço enorme em minha biografia). No entanto, fui fã. No primeiro cumprimento, falei a Gil que eu quase diariamente repetia mentalmente os versos: “Se eu ando o tempo todo a jato, ao menos/ Aprendi a ser o último a sair do avião”, de “Cada tempo em seu lugar”. E toda a música em sequência me vem, com a propriedade sábia e redentora de cada palavra. Disse tudo de pronto, logo que estendi a mão, com o olho transbordando. Esse efeito Gil em mim, naquele momento, me surpreendeu (e continua me surpreendendo) como muito do que ele diz, em música ou não. Gil pega e carrega a gente assim, e vou dar só um exemplo. A gente está ouvindo um baião, aquela música que nos é próxima como uma trilha sonora imperceptível da história brasileira, e ele manda: “Debaixo do barro do chão da pista onde se dança/ Suspira uma sustança sustentada por um sopro divino/ Que sobe pelos pés da gente e de repente se lança/ Pela sanfona afora até o coração do menino” (“De onde vem o baião”). E o menino é Gil, como ele nos conta aqui neste livro. E é também a gente ali com ele. Não se pode ficar imóvel diante de Gil, e eu não estou falando apenas da Deusa Música ou do Deus da Mudança e o da Dança. Estou falando do olhar de Gilberto Gil sobre o mundo.
Começamos então a conversar e a trabalhar. Gil chegou a dizer, um dia, que adoraria ele mesmo escrever, mas que tinha outras urgências da escrita e que, também, não tinha a memória de Caetano, que era capaz de contar, detalhadamente, os fatos que o próprio Gil havia vivido. Gil não escreveu de próprio punho, mas nos contou e indicou tudo, em longas e repetidas horas de conversa. Depois leu, releu e “refalou”. Se a memória de Caetano é melhor? Não sei, mas a de Gil é ótima.
Nesse início do projeto contamos com o raro e dedicado trabalho de Otávio Rodrigues, jornalista e amigo de Gil e de Flora, que realizou as primeiras entrevistas e pesquisas, tanto com o Gil, quanto com os seus familiares e amigos dos primeiros tempos de Bahia. Otávio não pôde prosseguir, mas nos deixou um belíssimo acervo e o necessário registro, sempre insuficiente, da nossa gratidão, para além do exercício do crédito formal.
Em 2011 recebemos de Regina Zappa, que dispensa apresentações e credenciais, os originais do livro Para seguir minha jornada, sobre Chico Buarque. A maneira como Regina costurou a voz do biografado e trabalhou conosco na edição do discurso iconográfico nos impunha o convite ao belíssimo e difícil trabalho de editar um pouco da vida de Gilberto Gil.
O título já não era mais provisório, e foi dado por Rita Lee, em “Giló”, gravada no LP realizado com Gil, Refestança. Vale a pena ir à letra, uma justa descrição de Gil, feita de bem perto de Gil.
O livro chega agora, no tempo dele. Não chegou para os 70, e Gil não cabe mesmo neles: está antes, agora e para além desses tempos, sendo, como poucos, um homem do seu tempo e gentes, tradutor e voz deles.
Fui fã, mas confirmei as minhas metas de sempre, quase em mantras (porque são as de Gil, as ensinadas por ele): cada tempo em seu lugar. Tínhamos chegado ao livro.
Leila Name
Editora