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Estou contente. Hoje é quinta-feira. Acordei com um magnífico humor, desejando que cheguem as dez horas para me colocar em frente da montra. Não foi preciso sair à varanda para perceber que vai ser uma manhã muito fria. Se pelo menos tivéssemos carvão suficiente…

Tento abrigar-me. Enquanto me visto invejo os homens que não têm de recorrer às saias e às meias de seda, aos soutiens e às blusas de mil botões; não, eles vestem um fato e já está, uma gravata no máximo, e ficam vestidos para qualquer ocasião. Custa-me muito decidir o que vou vestir todas as manhãs. Sempre me aconteceu. Tenho de pensar nas diferentes peças, nas suas cores, na forma de as combinar com os sapatos, no frio da rua e no calor dos aquecedores, se levo cachecol ou lenço, se preciso de um cinto e em que mala guardar a carteira e as chaves. Na guerra, quando levávamos o fato-macaco de miliciano era tudo muito mais simples. Além disso, ao chegarem os primeiros frios, o meu corpo ainda não está preparado para se adaptar às baixas temperaturas de Madrid e fico com as pernas geladas apesar das meias de algodão e dos sapatos abotinados. Quem inventaria esta forma de vestir? Claro que antes era pior; há quarenta anos não havia quem resistisse aos invernos, nem aos verões, com aquelas peças que poucas vezes se lavavam e acumulavam suores. Lembro-me perfeitamente de como cheiravam as pessoas.

Chama-se Lola. Ela disse-mo. Também me prometeu que hoje porá na montra outras duas páginas.

Gosto desta mulher. É… não sei… bonita e elegante, não por fora — o que também é —, mas por dentro. Acho que é dessas pessoas em que podemos confiar. Sempre gostei de gente franca e direta, porque me deixa calma.

O frio desta manhã de finais de outubro não é só uma promessa, é uma realidade, é mesmo… Está vento, vem do norte, da serra de Guadarrama, e de repente lembro-me de uma lagoa gelada que vimos no final da guerra, quando tentávamos atravessar todas aquelas montanhas. Na primavera, com o degelo, havia água por todo o lado, em pequenos buracos entre o musgo, nos riachos que atravessavam a erva, perfurando-a, e em pequenas torrentes que resvalavam pelas paredes de rocha. As flores amarelas e malvas crescem na minha memória misturadas com os arenques secos e o pão grande… E os caminhos que atravessamos para chegar à aldeia onde os camiões nos virão buscar. Henry caminha com passo rápido, vai sempre à frente de todos. Alguém canta uma canção em inglês, uma toadilha que não me é familiar.

Enfim. A vida é isto, presente e passado. O que conhecemos. Felizmente, o futuro é sempre conjugado no condicional.

Gostava de saber como será o tempo que me resta, o que farei além de permanecer encalhada nesta cidade que está tão longe de… Ia dizer da minha pátria, como os soldados americanos, mas aos meus cinquenta e um anos ainda não consegui saber qual é a minha verdadeira pátria. Isso também não me importa. A minha pátria era Henry, a cavidade de um ombro onde apoiava a cabeça. Eu não precisava de mais nada. Só disso. Só dele.

Já aqui estou. E ela também. O que lhe vou dizer? Ainda não me viu. Hoje não lhe posso contar que me esqueci outra vez dos óculos…