39
— Tu não ias fazer um registo dos livros que entravam e saíam?
— Sim, mas a verdade é que não tive muito tempo.
— Pensei que ias fazê-lo às terças e às quintas-feiras. Dizias que te aborrecias com tantas horas aqui.
— Sim, mas nestes últimos meses houve muita confusão.
— Confusão?
— Tentei arrumar, mas chegaram muitos pedidos de papelaria… já sabes como é.
Não, Matías não podia sabê-lo, porque não era verdade.
— Além disso, estive a ler algumas coisas. Já agora, agradece ao Garrido pelo livro daquela rapariga, a Carmen Laforet. Gostei muito.
— Agradecer? Ele cobrou-me oito pesetas…
— Esse Garrido é um abutre… Novo deve custar quase o mesmo.
— Não é uma irmãzinha da caridade; garanto-te.
Matías está a tentar arrumar as estantes do fundo. Continuam a existir mais livros em inglês do que pensava. Vai perguntar a Lola quando ela se antecipa:
— A que horas é o funeral?
— Ao meio-dia — responde ele. — Mas vou mais cedo para falar com o pessoal da funerária.
Aproxima-se dele e abraça-o por trás. Matías fica quieto. Ela apoia a cabeça nas suas costas e os dois ficam assim durante um instante.
— Bom dia.
Viram-se ao mesmo tempo.
— Desculpe — diz a rapariga. — Queria trocar um romance.
É a jovem que vem todas as semanas com o seu romancezinho cor-de-rosa. Lola aproxima-se para a atender. A rapariga corou como um tomate.
— Li-os quase todos — diz como sempre que Lola põe a caixa em cima do balcão. — Não tem nenhum novo?
É uma rapariga anódina, nem bonita nem feia, com um cabelo comprido e encaracolado que fica mais encrespado na franja e nas têmporas. Tem um casaco velho.
— Leia este — diz Lola estendendo-lhe o livro sobre o qual ela e Matías falaram há uns minutos.
A rapariga pega nele e lê:
— Nada, de Carmen Laforet.
Depois olha para Lola com uma certa desconfiança.
— Mas é de amor? — pergunta.
— É muito melhor — responde Lola. — É de verdade.
A rapariga duvida.
— É que eu não sei se vou gostar.
— Leia-o — insiste Lola — e, se não gostar, traga-mo e eu troco-o grátis.
Matías está a olhar para ela assombrado.
— Está bem — aceita a jovem sem demonstrar nenhuma confiança apesar de tudo. Paga as suas duas pesetas e sai a olhar para o livro como se fosse alguma coisa estranha.
— Olha, olha… — diz Matías quando a rapariga se vai embora. — E eras tu que não querias que eu pusesse o livro da Rose Tomlin na montra.
Lola sorri.
— Pois… Todos nos enganamos. Se a montra estivesse na rua Barquillo em vez de estar aqui, colocá-lo-ia de novo sem duvidar. Mas nesta rua é inútil. Nunca ninguém para.
Abriu uma das gavetas da mesa e está a remexer como se procurasse alguma coisa.
— Trouxeste a braçadeira? — pergunta a Matías.
— Sim — responde ele tirando do bolso do casaco uma faixa preta que tenta colocar à volta do braço.
Por fim Lola encontra aquilo que procurava.
— Anda cá, vou cosê-la.
— Pensava pô-la com um alfinete.
— O quê? Com um alfinete? Por favor…
Pôs o dedal e está a enfiar uma linha preta na agulha.
— Vá, anda, vem — ordena, puxando Matías pela manga.
Ele sorri. Olhando-a em silêncio enquanto ela dá dois pontos à braçadeira que ele levará em sinal de luto por Adela.
Ela também sorri. Sem olhar para ele, mas sabendo que tem essa expressão através da qual tudo o resto vale a pena. De repente lembra-se das palavras da sua amiga inglesa: «O seu marido ficaria assombrado se soubesse até que ponto o ama. Garanto-lhe.»
— Hoje vou almoçar a casa dos meus pais — diz-lhe.
Não lhe apetece nada, mas sabe que ele se vai sentir melhor. Não quer que tenha pressa nenhuma.
— Depois eu e a minha mãe queríamos ir às compras. Ligas-me se precisares que eu venha à tarde?
— Não é preciso. Vai descansada.
Dá duas voltas à linha quando chega ao extremo da braçadeira e depois remata-a metendo a agulha pelo interior de cada uma das malhas com uma rapidez que até a surpreende a ela própria. O último ponto. Terminou.
— Já não vai cair — diz, levantando-se.
Matías pega-lhe no queixo.
— Tenho de ir — protesta de muito perto. Lola sente o seu hálito, tão conhecido que às vezes parece o dela.
— Então vai — lança-lhe, sabendo que ainda não o fará.
Ele beija-a nos lábios.
— Mas que bonita é a minha mulher — diz afastando-se e voltando a beijá-la de novo.
Agora é ela quem se afasta…
— Não te ias embora?
E volta a beijá-la.
Depois de uma despedida que parece nunca terminar, Matías pegou finalmente no sobretudo, pendurou-o no braço e está prestes a levantar o balcão para sair da loja, quando se lembra.
— Já agora… — diz ao ver a caneta ao pé do pano manchado de tinta azul. — Provavelmente hoje virá um homem com ar de bófia, um tipo baixinho e desagradável; não te assustes, vem buscar essa Parker que está debaixo do balcão. Explicas-lhe o que aconteceu e que não tive tempo de a limpar. Se quiser que a leve, e não cobras nada.
Lola ficou outra vez pálida.
— Veio ontem.
Vira-se de costas para que ele não se dê conta de que está com falta de ar. Matías justifica-se.
— Desculpa, com a história da Adela não me lembrei de te avisar.
Lola tenta que a voz não lhe trema.
— Não te preocupes, disse que não tinha pressa; voltará quando tu estiveres.