47
— O espaço é fantástico. E na rua, como vê, não para de passar gente. Que negócio querem montar?
Pedi a Sagrario para ir comigo tratar das diligências necessárias. Como ela organiza a papelada da ótica do seu pai e conhece a burocracia espanhola, acho que me poderá ajudar.
— Uma livraria — respondo ao vendedor, que está a tremer de frio apesar de ter o sobretudo abotoado e o cachecol posto.
— Ah — exclama o homem obsequiosamente —, uma ideia muito boa, sim, senhor; a cultura é um assunto pendente neste país, embora fique mal dizê-lo. — Percorre o interior como se estivesse a avaliar as possibilidades do espaço. — Então repare bem que não vão ter de fazer obras. Tal como está conservado, seria uma livraria de primeira.
O homem tem razão. Eu também a imagino perfeitamente: o balcão, as estantes, mesas centrais para as novidades… Nem um lápis ou borracha, e muito menos livros usados.
— Vamos pagar-lhe em apenas duas letras — ouço que propõe Sagrario, cumprindo o seu papel na perfeição —, assim já nos pode oferecer um bom preço. Não vai encontrar outra compradora igual.
— Sem dúvida, sem dúvida… Garanto-vos que, se finalmente chegarmos a um acordo, o preço baixará até onde for necessário para que as senhoras fiquem satisfeitas, embora eu fique sem comissão.
— Bem, bem… Mas vamos falar de números antes de continuarmos. Quanto?
O homem coça a nuca, como se mentalmente fizesse algum tipo de cálculo.
— Acho que podia ficar em cento e vinte e cinco mil pesetas — diz por fim.
Deixo que Sagrario fale. Está a fazer tudo muito bem.
— Nem pensar — protesta com serenidade —, só começamos a falar de negócios a partir de cem mil.
O vendedor põe as mãos na cabeça.
— Mas isso é mais de quinze por cento!
— Pois — diz Sagrario —, mas o senhor vai cobrar praticamente com o dinheiro na mão. E isso também conta.
O homem começa a passear nervoso pelo espaço. Eu puxo a manga de Sagrario para que não force tanto as coisas, mas ela não me liga nenhuma. Os seus olhos faíscam de astúcia.
— Está bem — diz de repente o homem parando de súbito. — Vamos deixar em cento e quinze mil e olhe que eu já estou a perder dinheiro.
Sagrario estende-lhe a mão como se a compra fosse só coisa sua.
— Negócio fechado — diz sem me consultar.
Depois, quando ficamos sozinhas, explica-me:
— Estive a ver preços antes de vir e liguei a um amigo do meu pai que acaba de comprar um espaço mais pequeno do que este na rua Embajadores. Custou-lhe cento e dez mil pesetas e garanto-lhe que a Embajadores não tem nada que ver com a rua Barquillo. Pode dar-se por satisfeita: conseguimos uma verdadeira pechincha.
Estou satisfeita, sim; mas ela não sabe porquê.
— E pensa mesmo montar uma livraria? Não é que não me pareça bem, já que estou mesmo a vê-la rodeada de livros; mas…
Espero que termine. Acho piada a esta rapariga.
— Não sei, vai dizer que eu estou louca, mas vejo-a mais como uma artista, sabe como é, sem horários e sem obrigações, só com a sua arte. A viajar pelo mundo e a dar concertos de violino, por exemplo.
Solto uma gargalhada.
— Ai, minha querida menina, eu nunca tive o menor talento musical.
Ela recusa-se a acreditar em mim.
— Há dois anos que vou consigo aos concertos. A mim não me engana.
Desisto. Sobretudo porque sei que quando insiste numa coisa não há quem a faça acreditar no contrário. Estamos a lanchar no café La India. Todo o estabelecimento cheira ao charuto que um homem fuma ao pé da janela.
— A livraria não é para mim. Eu compro a loja, mas são os meus sócios que vão gerir o negócio, um casal jovem que já tem a sua própria livraria.
— E então?
— É pequena — respondo. — E fica num sítio que não é precisamente muito bom. Acho que eles podem aspirar a mais.
— E a senhora? Vai fazer isto só por eles?
— Não, querida, não é só por eles. — Acho que lhe vou fazer uma confidência pela primeira vez desde que a conheço, mas acabo por esperar. — Estou a entretê-la muito e a senhora tem de voltar para a ótica.
— Não, que ideia. Eu vou todos os dias só para não ficar em casa. Não tenho pressa.
Levantamo-nos e ela veste o casaco. Abotoa-o até ao pescoço.
— Ah, já me esquecia, como é que correu na consultoria? — pergunta enquanto tira as luvas da mala. — O Sanchís atendeu-a bem?
— Sim, sim, foi muito atencioso. Fiquei com uma excelente impressão dele.
— E podem tratar de toda a papelada, as autorizações e tudo mais? São eles que nos organizam tudo na ótica. A verdade é que o meu pai está muito contente, embora diga que são um pouco careiros.
— Sim, sem dúvida, eles encarregar-se-ão de tudo. Já agora, muito obrigada pela sua ajuda. — Ofereço-lhe um rasgado sorriso, enquanto contemplo como desliza os seus dedos jovens pelas luvas de lã. — A senhora é um anjo.
— Não diga isso, senhora Rosa — responde ela com a sua naturalidade habitual —, não há nenhum mérito. Eu até me divirto com estas coisas.
Saímos para a rua. Na Porta do Sol a neve começou a coalhar. As vendedoras de lotaria, com a cabeça coberta pelos seus xailes de lã, esfregam os dedos que espreitam pelas mitenes, enquanto cantam o número da sorte.