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Sei que esta tarde Matías está sozinho na livraria. Peço ao taxista que me leve até lá e que espere cinco minutos à entrada da rua.

— Olha, olha, a minha cliente misteriosa.

A frase surpreende-me. E agrada-me, porque suspeito que não vou ter de dar muitas explicações. Matías sorri-me do outro lado do balcão com evidente cumplicidade.

— Estou a ver que já sabe.

— A minha mulher disse-me. Sim, senhor… Pelos vistos têm estado a passar uns bons momentos juntas.

— Olhe…

Estou prestes a contar-lhe tudo e fá-lo-ia se tivesse tempo. Mas não tenho.

— Estou a caminho da estação e não queria sair de Madrid sem me despedir.

— Despedir? — pergunta subitamente alarmado.

Ficou com a mesma cara que Amparo, primeiro de sobressalto e depois de deceção. Bem, é bom saber que as pessoas não querem que nos vamos embora.

— A sua mulher deve ter ficado à espera hoje de manhã, mas as coisas complicaram-se e não tive nem um minuto para a avisar.

— Aconteceu alguma coisa grave?

— Não, não, de todo. São apenas problemas familiares.

— Vai regressar?

Está a olhar para mim com uma franca simpatia. É bonito. Moreno. Tem um aspeto grave. Um pouco melancólico. Por um instante quase lamento não ser mais nova.

— Sim, quando os resolver. Mas não vou poder aceitar o convite para jantar convosco na noite de Natal. Tenha pena porque a ideia me agradava muito.

Ele faz um gesto de conformidade.

— Também vos queria deixar isto.

Tiro a carta da mala. É um envelope muito grosso; acho que escrevi demasiado. Matías está a olhar para mim com um sorriso travesso enquanto eu lhe estendo o envelope fechado.

— Gostava que a lessem os dois, se for possível.

— Ah… — diz esticando a mão e pegando no envelope. — Por um momento, quando a vi procurar alguma coisa na mala, pensei que ia deixar algum livro debaixo do balcão.

Então ele sabe? Isso também? O seu sorriso indica que sim, que me descobriu.

— Achou que eu não me ia dar conta?

Ouço uma buzina. Suponho que o taxista está impaciente, mas agora não posso sair.

— Há quanto tempo é que sabe?

— Desde esta manhã, quando Lola me contou que liam o livro juntas. Quando me começou a falar de si e me relatou dois ou três pormenores, imaginei o resto.

Com que então… É mais esperto do que parece. A minha carta deixa de fazer sentido neste momento.

— Disse a Lola?

— Sim, mas não acredita em mim. Tem a certeza de que a senhora se chama Alice e de que passou a juventude na Rodésia.

Acho que se está a rir de mim. Na verdade, prefiro que assim seja.

— Quando ler esta carta que lhe acabo de entregar, ela vai acreditar, não se preocupe. E agora, lamento muito, tenho de ir ou vou perder o comboio.

Hesita.

— Só mais uma coisa — acrescenta intrigado. — Como é que fez? Deixar as suas memórias entre os livros que tinha por arrumar, quero dizer.

O taxista volta a buzinar.

— Foi fácil. — Agora eu também lhe ofereço o meu melhor sorriso. — O senhor é muito crédulo. Deixou-me entrar sem me conhecer de lado nenhum. E estava distraído com um homem chamado Garrido, lembra-se? Isso fez com que não se desse conta.

Ele abana a cabeça brincalhão. Um caracol castanho desliza e cai sobre a sua testa. Não é nada parecido com Henry, mas nesse momento recorda-mo.

— Continue a ser sempre assim — digo-lhe. — E diga à Lola que acabe de ler o livro sem mim, pois eu sei o final.

Estendo-lhe a mão, ele aperta-ma. A carta descansa sobre o balcão.

O táxi entrou na rua e deu a volta. Matías veio até ao passeio para se despedir de mim. Enquanto abro a janela, ouço-o dizer:

— Até à próxima, Rose Tomlin. Não demore muito tempo a regressar.

Penso em Lola a ler sozinha o final da história.