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Entrei no café da rua Barquillo. O empregado reconheceu-me logo.

— Olha, olha! Que surpresa.

Tem a jaqueta branca cheia de nódoas e um corte com sangue seco no queixo. Já me tinha esquecido de como são os cafés espanhóis. Não se pode dizer que sejam precisamente a Ladurée, mas lá ninguém me receberia assim. O homem enxuga-se de maneira apressada com um pano e estende-me a mão. Está fria e húmida.

— Julgava que tinham fechado a loja — diz-me, supondo sem dúvida que sou uma das proprietárias da velha livraria. — Passei um dia por lá e vi que a persiana estava fechada.

— Mudámo-nos — digo-lhe orgulhosa por poder fazê-lo. — Agora estamos nesta mesma rua, quinhentos metros mais abaixo.

Põe a mão na cabeça.

— Não me diga que são vocês os daquela livraria nova?!

— Sim — reconheço.

— Que grande mudança. Da noite para o dia…

Que alegria me dá este homem sem sabê-lo. Encomendo-lhe café, croissants e churros quentes para mais ou menos dentro de uma hora.

— Desta vez é para três pessoas — aviso-o.

— Não se preocupe.

O homem insiste em que eu tome um café antes de sair. A Amparo tem razão, o café de agora não é nada parecido com o de antes.

Henry e eu estamos na cama. Passámos aqui o dia inteiro. Bebemos este líquido preto que parece café, que dizem que é café, mas que não sabe a café. Jordan deixou-nos o seu quarto e ele foi dormir para o vestíbulo, é isso que diz, mas vi como olha para a mulher alta e loura que está com o fotógrafo americano. O quarto está cheio de pó e um dos vidros da janela partiu-se e taparam-no com um papelão. Eu também não estou muito apresentável; há dez dias que não tomo banho, mas para mim e para Henry isso não é muito importante: reconhecemos o nosso cheiro como os cachorros de uma ninhada se reconhecem entre eles. Tenho o cabelo oleoso. Se Frances me visse…

Olho para o empregado e o homem sorri-me com a sua jaqueta branca cheia de nódoas e o corte no queixo. Ele não consegue saber o que pensa esta velha de cabelo branco que tem à sua frente. Também não pode imaginar que em tempos fui jovem e apaixonada.

A concavidade da minha anca pela qual Henry desliza os dedos. Essa carícia que me paralisa.

— O que estamos aqui a fazer?

Henry deixa de me acariciar.

— Eu vou defender algo em que acredito.

— E eu?

— Tu estás aqui porque acreditas em mim.

— E esta guerra? Porque é que fazemos tudo isto por um país que não é o nosso, por um país que há cinco anos nem sequer conhecíamos?

— Porque às vezes este país é o melhor do mundo, Rose. E também o pior.

O quarto inteiro soa como se tivesse caído uma bomba.

— São obuses — diz Henry com indiferença. — Se ficares, vais ouvi-los permanentemente.

Fico. Sei que já não irei para nenhum outro lugar, que o seguirei para onde quer que vá. Owen vai ser evacuado para Madrid e os três juntos faremos parte desse pequeno grupo de voluntários internacionais que não vão ao desfile de despedida e que ficam até ao final.

— Tenho quarenta e seis anos — disse Owen quando decidiu ficar a defender Madrid. — Sou demasiado velho para fugir.

E depois… Quando já não há defesa possível, aí vamos, a atravessar a serra de Ayllón com a sua neve e o seu gelo. Aí vamos, até às aldeias de Guadalajara onde já floresceram os gerânios nos vasos e nos bidões cortados. Não somos muitos, não somos os melhores; mas somos aqueles que ficaram.