SANSA

A sala do trono era um mar de jóias, peles e tecidos brilhantes. Senhores e senhoras enchiam o fundo da sala e aglomeravam-se por baixo das grandes janelas, empurrando-se como peixeiras numa doca.

Aqueles que habitavam a corte de Joffrey tinham procurado exceder-se uns aos outros naquele dia. Jalabhar Xho estava coberto de penas, uma plumagem tão fantástica e extravagante que parecia pronto a levantar voo. A coroa de cristal do Alto Septão disparava arcos-íris pelo ar de cada vez que movia a cabeça. À mesa do conselho, a Rainha Cersei cintilava num vestido de pano de ouro, com cortes de veludo Borgonha, enquanto a seu lado Varys se agitava e sorria afectadamente dentro de brocado lilás. O Rapaz Lua e Sor Dontos usavam novos fatos multicolores, limpos como uma manhã de Primavera. Até a Senhora Tanda e as filhas pareciam lindas em vestidos a condizer de seda turquesa e veiro, e o Lorde Gyles tossia para dentro de um quadrado de seda escarlate debruado de renda dourada. O Rei Joffrey sentava-se acima de todos eles, entre as lâminas e farpas do Trono de Ferro. Vestia samito carmim, com o manto negro incrustado de rubis, e tinha na cabeça a sua pesada coroa de ouro.

Abrindo caminho através de uma multidão de cavaleiros, escudeiros e ricos cidadãos, Sansa chegou à frente da galeria precisamente quando o estrondo das trombetas anunciou a entrada de Lorde Tywin Lannister.

Este atravessou o salão montado no cavalo de guerra e desmontou perante o Trono de Ferro. Sansa nunca vira uma armadura assim; toda de lustroso aço vermelho com arabescos e ornamentos de ouro nele embutidos. Os rondéis eram resplendores, o leão a rugir que lhe coroava o elmo tinha olhos de rubi, e uma leoa em cada ombro prendia um manto de pano de ouro tão longo e pesado que envolvia os quartos traseiros do seu cavalo. Até a armadura do cavalo era dourada, e os jaezes eram de brilhante seda carmesim brasonada com o leão de Lannister.

O Senhor de Rochedo Casterly fazia uma figura tão impressionante que foi um choque quando o seu corcel despejou um monte de bosta precisamente na base do trono. Joffrey teve de o rodear com cuidado quando desceu para abraçar o avô e proclamá-lo Salvador da Cidade. Sansa cobriu a boca para esconder um sorriso nervoso.

Joff fez um grande espectáculo com o pedido ao avô para assumir o governo do reino, e o Lorde Tywin aceitou solenemente a responsabilidade, “até que Vossa Graça seja maior de idade”. Então, escudeiros tiraram-lhe a armadura e Joff prendeu-lhe em torno do pescoço o colar da Mão. O Lorde Tywin ocupou um lugar na mesa do conselho ao lado da rainha. Depois de o corcel ter sido levado e a sua homenagem removida, Cersei fez sinal para que as cerimónias prosseguissem.

Uma fanfarra de trombetas de bronze saudou cada um dos heróis no momento em que atravessavam as grandes portas de carvalho. Arautos gritavam-lhes os nomes e feitos para que todos ouvissem, e os nobres senhores e bem-nascidas senhoras aplaudiam tão vigorosamente como assassinos numa luta de galos. Um lugar de honra foi dado a Mace Tyrell, o Senhor de Jardim de Cima, um homem outrora forte que engordara, mas que ainda era bonito. Os filhos entraram atrás dele; Sor Loras e o irmão mais velho Sor Garlan, o Galante. Os três vestiam de forma semelhante, de veludo verde forrado de zibelina.

O rei desceu do trono uma vez mais para os saudar, uma grande honra. Prendeu uma corrente de rosas trabalhadas em ouro mole e amarelo em volta do pescoço de cada um, da qual pendia um disco de ouro com o leão de Lannister realçado com rubis.

— As rosas suportam o leão, assim como o poder de Jardim de Cima suporta o reino — proclamou Joffrey. — Se houver alguma mercê que me queirais pedir, pedi-a, e será vossa.

E é agora, pensou Sansa.

— Vossa Graça — disse Sor Loras —, peço a honra de servir na vossa Guarda Real, a fim de vos defender contra os vossos inimigos.

Joffrey pôs o Cavaleiro das Flores em pé e deu-lhe um beijo no rosto.

— Dito e feito, irmão.

O Lorde Tyrell inclinou a cabeça.

— Não há maior prazer do que servir a Graça Real. Se fosse considerado digno de integrar o vosso real conselho, não encontraríeis ninguém mais leal ou fiel.

Joff pousou uma mão no ombro do Lorde Tyrell e beijou-o quando se pôs em pé.

— O vosso desejo é concedido.

Sor Garlan Tyrell, cinco anos mais velho do que Sor Loras, era uma versão mais alta e barbuda do irmão mais novo e famoso. Era mais largo de peito e ombros, e embora o seu rosto fosse bastante bem-parecido, faltava-lhe a surpreendente beleza de Sor Loras.

— Vossa Graça — disse Garlan quando o rei se aproximou dele —, te-nho uma irmã donzela, Margaery, o deleite da nossa Casa. Era casada com Renly Baratheon, como sabeis, mas o Lorde Renly partiu para a guerra antes de o casamento poder ser consumado, e portanto continua inocente. Margaery tem ouvido histórias sobre a vossa sabedoria, coragem e cavalheirismo, e tem-vos amado de longe. Suplico-vos que a mandeis chamar, a fim de tomar a sua mão em casamento e ligar a vossa Casa à minha para toda a eternidade.

O Rei Joffrey fingiu surpresa.

— Sor Garlan, a beleza da vossa irmã é famosa por todos os Sete Reinos, mas eu estou prometido a outra. Um rei deve manter a sua palavra.

A Rainha Cersei pôs-se de pé num roçagar de saias.

— Vossa Graça, na opinião do vosso pequeno conselho, não seria nem próprio nem sensato que casásseis com a filha de um homem decapitado por traição, uma rapariga cujo irmão se encontra em rebelião aberta contra o trono neste preciso momento. Senhor, os vossos conselheiros suplicam-vos, a bem do nosso reino, que ponhais de parte Sansa Stark. A Senhora Margaery será para vós uma rainha muito mais adequada.

Como uma matilha de cães treinados, os senhores e senhoras no salão começaram a gritar o seu júbilo. “Margaery”, gritavam. “Dai-nos Margaery!” e “Nada de rainhas traidoras! Tyrell! Tyrell!”

Joffrey ergueu uma mão.

— Gostaria de ceder aos desejos do meu povo, mãe, mas fiz um voto sagrado.

O Alto Septão deu um passo em frente.

— Vossa Graça, os deuses consideram a promessa de casamento um acto solene, mas o vosso pai, o Rei Robert de abençoada memória, fez este pacto antes de os Stark de Winterfell revelarem a sua falsidade. Os seus crimes contra o reino libertaram-vos de quaisquer promessas que possais ter feito. No que à Fé diz respeito, não existe nenhum contrato de casamento válido entre vós e Sansa Stark.

Um tumulto de aclamações encheu a sala do trono, e gritos de “Margaery, Margaery” romperam por todo o lado. Sansa inclinou-se para a frente, agarrando com força o parapeito de madeira da galeria. Sabia o que se seguiria, mas ainda tinha medo do que Joffrey pudesse dizer, medo que ele recusasse libertá-la mesmo agora, quando todo o seu reino dependia disso. Sentia-se como se estivesse de volta aos degraus de mármore em frente do Grande Septo de Baelor, à espera que o seu príncipe concedesse ao pai misericórdia, e em vez disso o ouvisse ordenar a Ilyn Payne que lhe cortasse a cabeça. Por favor, rezou com fervor, fazei com que ele o diga, fazei com que ele o diga.

O Lorde Tywin fitava o neto. Joff deitou-lhe um relance mal-humorado, arrastou os pés, e ajudou Sor Garlan Tyrell a erguer-se.

— Os deuses são bons. Estou livre de seguir o meu coração. Casarei com a vossa querida irmã, e com alegria, sor. — Beijou Sor Garlan numa bochecha barbuda enquanto vivas se erguiam em redor deles.

Sansa sentiu a cabeça curiosamente leve. Estou livre. Sentia olhos postos nela. Não devo sorrir, lembrou a si própria. A rainha prevenira-a; sentisse o que sentisse, a cara que mostrasse ao mundo devia parecer perturbada.

— Não aceitarei que o meu filho seja humilhado — dissera Cersei. — Estás a ouvir-me?

— Sim. Mas se não vou ser rainha, o que será de mim?

— Isso terá de ser decidido. De momento, ficarás aqui na corte, como nossa protegida.

— Quero ir para casa.

Aquilo irritara a rainha.

— Por esta altura já devias ter aprendido que nenhum de nós consegue o que quer.

Mas eu consegui, pensou Sansa. Estou livre de Joffrey. Não terei de o beijar, nem de lhe entregar a minha virgindade, nem de lhe dar filhos. Que Margaery Tyrell fique com tudo isso, pobre rapariga.

Quando a explosão de júbilo se atenuou, o Senhor de Jardim de Cima tinha ocupado um lugar à mesa do conselho, e os filhos tinham-se juntado aos outros cavaleiros e fidalgos por baixo das janelas. Sansa tentou parecer desamparada e abandonada enquanto outros heróis da Batalha da Água Negra eram chamados a fim de receber as suas recompensas.

Paxter Redwyne, Senhor da Árvore, marchou ao longo do salão flanqueado pelos dois filhos, Horror e Babeiro, com o primeiro a coxear de um ferimento recebido na batalha. Depois seguiu-se o Lorde Mathis Rowan trazendo um gibão branco como a neve com uma grande árvore bordada no peito em fio de ouro; o Lorde Randyll Tarly, magro e a perder o cabelo, com uma grande espada amarrada às costas numa bainha incrustada de jóias; Sor Kevan Lannister, um homem maciço com pouco cabelo e uma barba bem aparada; Sor Addam Marbrand, de cabelo acobreado que lhe caía sobre os ombros; os grandes senhores do Ocidente Lydden, Crakehall e Brax.

A seguir vieram quatro homens de nascimento inferior que se tinham distinguido na luta: o cavaleiro zarolho Sor Philip Foote, que matara o Lorde Bryce Caron em combate singular; o cavaleiro livre Lothor Brune, que abrira caminho através de meia centena de homens de armas Fossoway para capturar Sor Jon da maçã verde e matar Sor Bryan e Sor Edwyd da vermelha, ganhando assim o cognome de Lothor Papa-Maçãs; Willit, um homem de armas grisalho ao serviço de Sor Harys Swyft, que puxara o seu senhor de debaixo do cavalo moribundo e o defendera contra uma dúzia de atacantes; e um escudeiro de cara lisa chamado Josmyn Peckledon, que matara dois cavaleiros, ferira um terceiro, e capturara mais dois, embora não pudesse ter mais de catorze anos. Willit foi trazido numa liteira, de tal modo graves eram os seus ferimentos.

Sor Kevan sentara-se ao lado do irmão, Lorde Tywin. Quando os arautos terminaram de anunciar os feitos dos heróis, ergueu-se.

— É desejo de Sua Graça que estes bons homens sejam recompensados pelo seu valor. Por seu decreto, Sor Philip será de hoje em diante Lorde Philip da Casa Foote, e para ele irão todas as terras, direitos e rendimentos da Casa Caron. Lothor Brune será elevado ao estatuto de cavaleiro e ser-lhe-ão atribuídas terras e fortaleza nas terras fluviais após o fim da guerra. Para Josmyn Peckledon irá uma espada e uma armadura, o direito de escolher qualquer cavalo de guerra dos estábulos reais e um grau de cavaleiro quando se tornar maior de idade. E por fim, para o Morgado Willit, uma lança com haste reforçada a prata, um lorigão de cota de malha recém-forjada e um elmo completo com viseira. Além disso, os filhos do morgado serão recebidos ao serviço da Casa Lannister em Rochedo Casterly, o mais velho como escudeiro e o mais novo como pajem, com a hipótese de avançar para cavaleiros se servirem com lealdade e bem. A Mão do Rei e o pequeno conselho consentem com tudo isto.

Os capitães dos navios de guerra reais Vento Vivo, Príncipe Aemon e Seta do Rio foram honrados de seguida, em conjunto com alguns oficiais inferiores da Graça dos Deuses, Lança, Senhora de Seda e Cabeça de Carneiro. Tanto quanto Sansa sabia, o seu feito principal tinha sido sobreviver à batalha no rio, um feito de que bem poucos se podiam gabar. Hallyne, o Piromante, e os mestres da Guilda dos Alquimistas, receberam também os agradecimentos do rei, e Hallyne foi elevado ao título de lorde, embora Sansa notasse que nem terras nem castelo acompanhavam o título, o que fazia com que o alquimista não fosse mais um verdadeiro lorde do que Varys. De longe mais significativa foi a senhoria atribuída a Sor Lancel Lannister. Joffrey premiou-o com as terras, castelo e direitos da Casa Darry, cujo último jovem senhor tinha perecido durante a luta nas terras fluviais “sem deixar herdeiros legítimos de sangue Darry legal, mas apenas um primo bastardo”.

Sor Lancel não apareceu para aceitar o título; dizia-se que os seus ferimentos lhe podiam custar o braço ou até a vida. Dizia-se também que o Duende estava à morte, de um terrível golpe na cabeça.

Quando o arauto chamou “Lorde Petyr Baelish”, ele avançou, vestido em tons de rosa e ameixa, com um padrão de tejos no manto. Sansa conseguiu vê-lo a sorrir ao ajoelhar perante o Trono de Ferro. Parece tão satisfeito. Não ouvira dizer que o Mindinho fizera alguma coisa especialmente heróica durante a batalha, mas parecia que ia ser recompensado na mesma.

Sor Kevan voltou a pôr-se em pé.

— É desejo da Graça Real que o seu leal conselheiro Petyr Baelish seja recompensado pelos fiéis serviços prestados à coroa e ao reino. Que se saiba que a Lorde Baelish é atribuído o castelo de Harrenhal com todas as suas terras e rendimentos, para dele fazer a sua sede e governar de hoje em diante como Senhor Supremo do Tridente. Petyr Baelish e os seus filhos e netos deterão e beneficiarão destas honrarias até ao fim dos tempos, e todos os senhores do Tridente prestar-lhe-ão homenagem como seu suserano de direito. A Mão do Rei e o pequeno conselho consentem.

De joelhos, o Mindinho ergueu os olhos para o Rei Joffrey.

— Agradeço-vos humildemente, Vossa Graça. Suponho que isto queira dizer que terei de tratar de arranjar alguns filhos e netos.

Joffrey riu-se, e a corte acompanhou-o. Senhor Supremo do Tridente, pensou Sansa, e também Senhor de Harrenhal. Não compreendia por que motivo estaria tão feliz com aquilo; as honrarias eram tão ocas como o título dado a Hallyne, o Piromante. Harrenhal estava amaldiçoado, todos o sabiam, e os Lannister nem sequer controlavam de momento o castelo. Além disso, os senhores do Tridente estavam ajuramentados a Correrrio, à Casa Tully e ao Rei no Norte; nunca aceitariam o Mindinho como suserano. A menos que sejam obrigados. A menos que o meu irmão, o meu tio e o meu avô sejam todos derrubados e mortos. A ideia pôs Sansa ansiosa, mas disse a si própria que estava a ser tola. Robb ganhou-lhes sempre. Também ganhará ao Lorde Baelish, se tiver de o fazer.

Naquele dia foram armados mais de seiscentos novos cavaleiros. Tinham mantido vigília no Grande Septo de Baelor ao longo de toda a noite, e de manhã atravessaram descalços a cidade a fim de demonstrar que tinham corações humildes. Agora avançavam vestidos com camisões de lã não tingida, a fim de lhes serem dados os graus pela Guarda Real. Levou muito tempo, pois apenas três dos Irmãos da Espada Branca se encontravam disponíveis para os armar. Mandon Moore perecera na batalha, o Cão de Caça desaparecera, Aerys Oakheart encontrava-se em Dorne com a Princesa Myrcella, e Jaime Lannister era cativo de Robb, de modo que a Guarda Real ficara reduzida a Balon Swann, Meryn Trant e Osmund Kettleblack. Depois de armado cavaleiro, cada um dos homens erguia-se, afivelava o cinto com a espada e ia colocar-se sob as janelas. Alguns traziam pés ensanguentados da caminhada pela cidade, mas a Sansa pareciam na mesma altos e orgulhosos.

Quando por fim todos os novos cavaleiros receberam os seus sores, a multidão no salão tornara-se impaciente, e ninguém mais do que Joffrey. Alguns dos que ocupavam a galeria tinham começado a sair discretamente, mas os notáveis lá em baixo estavam encurralados, impossibilitados de sair sem a licença do rei. Ajuizando pelo modo como se agitava em cima do Trono de Ferro, Joff tê-la-ia dado de boa vontade, mas o trabalho do dia estava longe de terminado. Pois agora a moeda virava-se ao contrário, e os cativos foram introduzidos no salão.

Também havia grandes senhores e nobres cavaleiros naquele grupo: o velho e amargo Lorde Celtigar, o Caranguejo Vermelho; Sor Bonifer, o Bom; Lorde Estermont, ainda mais velho do que Celtigar; o Lorde Varner, que manquejou ao longo do salão sobre um joelho estilhaçado mas recusou qualquer ajuda; Sor Mark Mullendore, com a cara cinzenta, e o braço esquerdo desaparecido até ao cotovelo; o feroz Ronnet Vermelho do Poleiro do Grifo; Sor Dermont da Mata de Chuva; Lorde Willum e os filhos Josua e Elyas; Sor Jon Fossoway; Sor Timon, a Espada Raspada; Aurane, o bastardo de Derivamarca; Lorde Staedmon, chamado Amigo das Moedas; centenas de outros.

Aqueles que tinham mudado de campo durante a batalha só necessitavam de jurar lealdade a Joffrey, mas os que lutaram por Stannis até ao amargo fim eram obrigados a falar. As palavras que dissessem decidiam os seus destinos. Se suplicassem perdão pelas suas traições e prometessem servir lealmente daí em diante, Joffrey acolhia-os de volta à paz do rei e restituía-lhes todas as terras e direitos. Mas uma mão-cheia permaneceu desafiadora.

— Não penses que isto acabou, rapaz — preveniu um deles, filho bastardo de algum Florent. — O Senhor da Luz protege o Rei Stannis, hoje e sempre. Nem todas as tuas espadas e artimanhas te salvarão quando a sua hora chegar.

— A tua hora chegou agora mesmo. — Joffrey chamou com um gesto Sor Ilyn Payne para levar o homem lá para fora e cortar-lhe a cabeça. Mas assim que foi arrastado para fora do salão, um cavaleiro de porte solene com um coração flamejante na capa gritou:

— Stannis é o legítimo rei! É um monstro que se senta no Trono de Ferro, uma abominação nascida do incesto!

— Silêncio — bradou Sor Kevan Lannister.

Em vez de se calar, o cavaleiro levantou mais a voz.

— Joffrey é o verme negro que corrói o coração do reino! O seu pai foi o negrume e a mãe foi a morte! Destruí-lo antes que vos corrompa a todos! Destruí-los a todos, à rainha rameira e ao rei verme, ao vil anão e à aranha dos segredos, às falsas flores. Salvai-vos! — Um dos homens de manto dourado atirou o homem ao chão, mas ele continuou a gritar. — O fogo purificador virá! O Rei Stannis regressará!

Joffrey pôs-se em pé.

— O rei sou eu! Matai-o! Matai-o já! Ordeno-o. — Fez um movimento brusco com a mão, num gesto furioso… e guinchou de dor quando o braço roçou num dos afiados dentes de metal que o rodeavam. O brilhante samito carmesim da sua manga tomou um tom mais escuro de vermelho quando o sangue o empapou. — Mãe! — gemeu.

Com todos os olhos postos no rei, de algum modo o homem no chão conseguiu arrancar uma lança a um dos homens de manto dourado e usou-a para se pôr de novo em pé.

— O trono renega-o! — gritou. — Ele não é nenhum rei!

Cersei correu para o trono, mas o Lorde Tywin permaneceu imóvel como pedra. Teve apenas de erguer um dedo, e Sor Meryn Trant avançou com a espada desembainhada. O fim seria rápido e mortal. Os homens de manto dourado seguraram no cavaleiro pelos braços.

Nenhum rei! — voltou ele a gritar quando Sor Meryn lhe espetou a ponta da espada no peito.

Joff caiu nos braços da mãe. Três meistres aproximaram-se a correr para o levar pela porta do rei. Então toda a gente começou a falar ao mesmo tempo. Quando os homens de manto dourado arrastaram o morto para fora da sala, ele deixou um rasto de sangue brilhante no chão de pedra. O Lorde Baelish afagou a barba enquanto Varys lhe segredava ao ouvido. Será que nos vão mandar agora embora? perguntou Sansa a si própria. Ainda havia uma vintena de cativos à espera, mas quem poderia dizer se seria para jurar lealdade ou gritar pragas?

O Lorde Tywin pôs-se em pé.

— Prosseguimos — disse numa voz clara e forte que silenciou os murmúrios. — Aqueles que desejarem pedir perdão pelas suas traições podem fazê-lo. Não teremos mais loucuras. — Deslocou-se até ao Trono de Ferro e sentou-se num degrau, a um mero metro do chão.

A luz fora das janelas já desaparecia quando a sessão chegou ao fim. Sansa sentiu-se exausta ao descer da galeria. Gostaria de saber qual a gravidade do corte de Joffrey. Dizem que o Trono de Ferro pode ser perigosamente cruel para aqueles que não estão destinados a sentar-se nele.

De volta à segurança dos seus aposentos, abraçou uma almofada contra a cara e abafou um guincho de alegria. Oh, pela bondade dos deuses, ele fê-lo, ele pôs-me de lado na frente de todos. Quando uma criada lhe trouxe o jantar, quase a beijou. Havia pão quente e manteiga acabada de bater, uma espessa sopa de carne de vaca, capão e cenouras, e pêssegos mergulhados em mel. Até a comida sabe melhor, pensou.

Ao chegar a noite, pôs um manto e dirigiu-se ao bosque sagrado. Sor Osmund Kettleblack guardava a ponte levadiça na sua armadura branca. Sansa fez o seu melhor para parecer infeliz quando lhe deu as boas-noites. Pela maneira como ele a olhou de esguelha, não ficou com a certeza de ter sido totalmente convincente.

Dontos esperava ao luar folhoso.

— Porquê essa cara tão triste? — perguntou-lhe alegremente Sansa. — Estáveis lá, ouvistes. Joff pôs-me de lado, acabou comigo, ele…

Dontos pegou-lhe na mão.

— Oh, Jonquil, minha pobre Jonquil, não compreendeis. Acabou convosco? Praticamente ainda nem começou.

O coração dela afundou-se.

— Que quereis dizer?

— A rainha nunca vos deixará partir, nunca. Sois um refém demasiado valioso. E Joffrey… querida, ele ainda é o rei. Se vos quiser na sua cama, ter-vos-á, só que agora serão bastardos que vos plantará no ventre e não filhos legítimos.

Não — disse Sansa, chocada. — Ele deixou-me ir, ele…

Sor Dontos deu-lhe um beijo baboso na orelha.

— Sede brava. Eu jurei levar-vos para casa, e agora posso fazê-lo. O dia foi escolhido.

— Quando? — perguntou Sansa. — Quando partimos?

— Na noite do casamento de Joffrey. Depois do banquete. Tudo o que é necessário já foi combinado. A Fortaleza Vermelha estará cheia de estranhos. Metade da corte estará bêbada e a outra metade estará a ajudar Joffrey a deitar-se com a sua noiva. Durante um pequeno momento, vós sereis esquecida, e a confusão será nossa amiga.

— O casamento não acontecerá antes de uma volta de Lua. Margaery Tyrell está em Jardim de Cima, só agora a mandaram buscar.

— Esperámos tanto tempo, tende um pouco mais de paciência. Tenho aqui algo para vós. — Sor Dontos apalpou a bolsa e tirou de lá uma teia de aranha prateada, suspendendo-a dos seus dedos grossos.

Era uma rede para o cabelo de prata fina, com cordões tão finos e delicados que a rede pareceu não pesar mais do que um sopro quando Sansa lhe pegou. Pequenas pedras preciosas estavam encastoadas nos locais em que dois cordões se cruzavam, tão escuras que bebiam o luar.

— Que pedras são estas?

— Ametistas negras de Asshai. Do tipo mais raro, um profundo púrpura verdadeiro à luz do dia.

— É muito lindo — disse Sansa, pensando: é de um navio que preciso, não de uma rede para o cabelo.

— Mais lindo do que julgais, querida menina. É que essa rede é mágica. O que segurais é a justiça. Vingança pelo vosso pai. — Dontos inclinou-se e voltou a beijá-la. — É a vossa Casa que aí tendes.