Caro leitor,
Este é um livro sobre a Primeira Guerra Mundial. Não sobre o que foi essa guerra — ou seja, suas causas, seu desenrolar, seu final ou suas consequências —, e sim como foi esse conflito. O leitor não encontrará aqui tantos fatores, mas pessoas. Não encontrará tantos eventos e processos, mas impressões, experiências ou estados de ânimo. O que tentei reconstruir aqui foi o mundo emocional em primeiro lugar, e depois o curso dos acontecimentos.
O leitor acompanhará dezenove indivíduos, todos reais (o livro não contém nada fictício, pois seu conteúdo se baseia nos diferentes tipos de documentos que essas pessoas nos deixaram), todos eles resgatados do anonimato ou esquecidos e situados nas camadas mais baixas das hierarquias. Enquanto a Primeira Guerra Mundial, como é percebida em geral, veio a ser sinônimo da lama da Frente Ocidental, muitas dessas pessoas se encontravam em outros palcos de guerra, como a Frente Oriental, os Alpes, os Bálcãs, a África Oriental e a Mesopotâmia. A maioria delas é muito jovem, tendo por volta de vinte anos.
Desses dezenove indivíduos, dois morrerão em combate, dois serão aprisionados, dois se tornarão heróis e dois sofrerão danos físicos permanentes. Muitos deles veem a guerra como algo positivo, mas que, mais tarde, aprenderão a odiar. Alguns nutrem um sentimento de ódio pelo conflito, desde o primeiro dia. Há um que ama a guerra, do início ao fim.
Uma dessas pessoas perderá literalmente a razão, indo parar em um hospital psiquiátrico. Outra nunca ouvirá uma arma ser disparada. E assim por diante. Apesar de suas diferenças quanto ao destino, ao seu papel, ao sexo e à nacionalidade, todos têm algo em comum. A guerra os privará da juventude, das ilusões, da esperança, da humanidade, da vida.
A maior parte dessas dezenove pessoas passará por situações dramáticas e atrozes, mas o que se pretende enfocar aqui é o cotidiano da guerra. Em resumo, este texto é um pedaço de anti-história, em que procurei me concentrar nos elementos mais atômicos e mais ínfimos, ou seja, no indivíduo e nas suas vivências. Um acontecimento que, por onde quer que se olhe, ficou marcado na memória.
Sobre o melancólico ceticismo de minha própria profissão, que impulsiona esta abordagem, talvez eu venha a falar em outra ocasião.
Peter Englund
Segunda-feira, 30 de junho de 2008,
com chuva batendo na janela