Nota final da 2.ª edição

Concebida e publicada, num jornal de 1933, a primeira versão desta narrativa (há 40 anos, senhores!) já se escoaram mais de dez depois da edição em livro das Aventuras de João Sem Medo, escritas, não sei se ousa rei dizer, por acaso, como quase todos os meus livros de prosa que não me canso de comparar a restos de naufrágios. Os outros, os romances sonhados na adolescência, com tanta minúcia de insónias, nunca consegui crista lizá-los. E os que escrevi (O Mateus, Os Covardes, etc.) sob influência dos meus mestres desse tempo, Raul Brandão, Dostoievski e Gorki, ainda bem que os rasguei para não ter mais lixo de Passado impresso. De certa al tura em diante, porém, justamente quando a vida me forçou a desprezar sonhos e planos, os livros começaram a aparecer-me feitos, quase todos rabiscados à pressa diante do público, como O Mundo dos Outros (na Seara Nova) e este João Sem Medo, esfacelado em episódios n’O Senhor Doutor.

Tinha eu então trinta e poucos anos e a minha personalidade desse período ora tomava aquele ar de resignado à poesia dos passarinhos que «quando morrem caem do céu», tão docemente fixado pelo Fred Kradolfer no retrato que me pintou de jacto em 1932, ora o aspecto de lobo severo do quadro da Ofélia Marques para quem posei, mais ou menos na mesma época, de pijama e barba por fazer (fora essa a nossa combinação).

Pouco antes havia nascido o meu primeiro filho, Raul José (afilhado da Ofélia e do Bernardo), e eu vivia exclusivamente de traduzir fitas e escrevinhar para revistas, jornais e jornalecos. Enchia números inteiros da Imagem com artigos assinados por anónimos pseudónimos vários (Álvaro Gomes, Alberto Fernandes, Fernando Soares, «Caçador de Imagens», etc., etc.), inventava crónicas semanais para o Kino e o Notícias Ilustrado, intrigas policiais para não sei onde – literatura alimentícia, em suma, hoje por felicidade esquecida e oxalá ninguém se lembre de ressuscitá-la amanhã. (Aproveito o ensejo para proibir gravemente essas hipotéticas exumações em geral efectuadas por mini-eruditos, investigadores de larachas inúteis.)

Então, já morava no segundo andar do n. º 6 da Calçada dos Caetanos, com os meus compadres Ofélia e Bernardo Marques que suavam como eu nos trabalhos forçados de boémia idêntica. Até em muitos casos coincidentemente nas mesmas revistas e jornais da década. Sobretudo o Bernardo que, nos intervalos dos cartazes e dos bonecos das campanhas publicitárias, ilustrava artiguelhos e historietas para a Imagem e o Girassol (este último semanário dirigido pelo actor Erico Braga e aflitivamente secretariado pelo poeta Carlos Queiroz) e desenhava caricaturas para o Diário de Notícias (cargo que abandonou no início da Guerra Civil Espanhola).

Foi neste ambiente de estúrdia mansa e anseios mutilados que nasceu o meu João Sem Medo.

Convidado por António Lopes Ribeiro, então nosso companheiro no Kino e na Imagem, a colaborar n’O Senhor Doutor em formação, corri ao escritório do proprietário da futura revista infantil, o Senhor Mimon Anahory, muito luzente de importância e simpatia no seu fraque bem cheiroso a charuto sempre aceso que prolongava em

fumo o sorriso longo com que adoçava aquela tremenda maçada de discutir futuros incómodos de pagar artigos e acordar em deveres, obrigações e preços.

A entrevista não durou um quarto de hora. Se bem me recordo, por 60 escudos semanais comprometi-me a traduzir um folhetim com árabes e mesquitas e a publicar um conto inédito em todos os números, assinado pelo meu novo pseudónimo de Avô do Cachimbo.

Saí encantado por aquela deserção momentânea da escravatura cinematográfica da Imagem onde, por protesto contra a uniformidade bocejadora do vedetismo imperante, o Eduardo Chianca de Garcia e eu inventámos por inteiro e sem remorsos as biografias dos artistas em voga, (da Greta Garbo, da Marlene, de todos!), sem uma única nota verdadeira para amostra. (Desse ponto de vista a Imagem foi sem dúvida a revista mais mentirosa e falsa da História.)

Tudo combinado (60 escudos por semana, bem bom!), mal deixei o cheiro a charuto do Senhor Mimon Anahory, sentei-me no café mais próximo para desarrincar o primeiro conto a que pus o título de A Aldeia dos Choramingas. (Choramingas ou Choramigas? Já não me lembro. Talvez choramigas que eu, por essa altura, preferia por me parecer mais vernáculo. Hoje voto no popular choramingas.)

No segundo número mudei de rumo e, experimentando um novo caminho, redigi o Aeroplano Mágico em que tentava atrair a atenção dos leitores para as fabulosas vitórias técnicas do nosso século que ultrapassavam (e justificavam) as insistências dos prodígios mágicos tradicionais das histórias maravilhosas.

Mas, no terceiro número d’O Senhor Doutor, para facilitar o fardo do conto semanal, decidi inventar um herói de sabor popular que desafiasse as forças enigmáticas da Floresta Branca (branca, cor convencional da infância), desmitificasse os gigantes, os Príncipes, as Princesas, as Fadas, etc., me permitisse criar novos mitos, tornar mágicos os objectos vulgares da vida diária, e dar contorno às minhas verdades mais profundas numa linguagem de acção poética que a muitos, até a mim mesmo, só me parecia possível, quando dirigida a crianças imaginárias (que todos trazemos escondidas na nossa soberba gravidade de adultos).

Escassos minutos gastei a conceber o meu herói. Apareceu-me logo, valente e refilão, sem idade determinada nem feições fixas, a fim de cada um lhe desenhar o perfil e atribuir a idade que lhe desejasse.

O nome sim. O nome é que se me afigurava importante para caracterizar rapidamente esse inimigo de déspotas e tiranias. Vamos ao nome.

Comecei por lhe chamar José Coragem (mas soou-me mal). Depois, lembrei-me do João Pequeno, de que tantas peripécias astutas ouvira em miúdo.

João? Sim, João. Seria João. Mas não arteiro e tolo à Pedro das Malas-Artes. Antes leal, duro, intransigente, criador constante da própria liberdade e atirador implacável de nãos contínuos a todas as transigências e cantos de sereias de poucas-vergonhas.

Sim, seria João. Mas João quê?... Claro, logo irresistivelmente me acudiu o nome de João Sem Terra, irmão de Ricardo Coração de Leão.

E de posse da partícula sem, instalado ao comprido na Idade Média, recordei a seguir o Geraldo Sem Pavor, o bandido filho de algo, que conquistou Évora aos mouros. E não tardei a colar o Sem Pavor ao João: João Sem Pavor.

João Sem Pavor? Não. Também me veio à ideia o Frei João Sem Cuidados (outro malandrim de artimanhas); que não tomei em consideração, claro.

João Sem Receio? (Não.) João Sem Temor? (Talvez.) João Sem Medo? (Dois saltos de alegria no coração.)

Pronto, achei. Seria João Sem Medo, embora não desconhecesse a existência de Jean Sans Peur, duque de Borgonha, historiado pelo marquês de Sade na sua Histoire Secrète de Isabelle de Bavière, Reine de France, fundamentada, ao que parece, em documentos falsificados.

Mas que tinha a ver o filho de Filipe, «Le Hardi», que mandou assassinar o duque de Orleães (ciência de Petit Larousse), com o meu João Sem Medo, fala-barato de imprecações e graçolas populares, desprezador dos tiranetes e dos poderosos e, sobretudo, cheio de alegria de existir, de respirar, de acreditar nos bons sentimentos e de inventar monstros para os destruir e vencer?

Não procurei mais, portanto. Obriguei-o a marinhar o muro proibido e principiei a narrar (principalmente para a criança que brincava dentro de mim com a morte e o amor e, por felicidade, ainda hoje continua a brincar) os sucessos audaciosos desse rapaz «dotado da mais nobre virtude de que um ser vivente se pode orgulhar: a coragem. A verdadeira coragem. A força do coração».

Forçado a publicar um episódio por semana, as circunstâncias não me permitiam esmeros de oficina escrupulosa. Improvisava-os. Muitas vezes sem tempo para os recopiar. E, em não raras ocasiões, escritos contra-relógio. «É uma hora da noite. Preciso de terminá-lo antes das duas, para ir dormir.»

E, a orientar-me pelos ponteiros, iniciava na noite fatigada a minha luta com o antessono que libertava um certo instinto, por assim dizer, genésico que ainda hoje sinto acender-se nos momentos mais felizes da minha criação literária: uma espécie de Razão fulgurante1, sem raízes aparentemente conscientes, que constrói, delibera, resolve, liga, explica, entretece, torna lógica uma intriga quase instantaneamente concebida no acto voluptuoso de escrever.

Assim criei, por exemplo, O Príncipe das Orelhas de Burro, pasmado com a surpresa final da narrativa – tão ilógica e tão certa.

«Agora, por exemplo, dava o meu título, a minha coroa, o meu reino, a minha glória, tudo, para ser tão feio como tu.

«– Como eu? – melindrou-se João Sem Medo.

«– Sim, como tu – insistiu o príncipe. – Juro que nunca vi ninguém mais feio na minha vida. Até tens orelhas de burro.

«– Eu tenho orelhas de burro? – explodiu o rapaz, inquieto, a apalpar com ternura as orelhinhas em forma de concha», etc.

Já houve, em conversa privada, quem quisesse atribuir a este passo a seguinte intenção subterrânea: os príncipes e os reis vêem sempre no povo e nos súbditos burros de carga. As orelhas de asno, criadas tão imprevistamente pelos olhos mágicos do meu príncipe, não denunciariam outro propósito.

Ora, eu nessa altura jurei e continuo a jurar, pelo sangue da Verdade e do Bom Gosto, que seria incapaz, mesmo inconscientemente, de obedecer a desígnio tão grosseiro.

Preferiria – e prefiro – assacar esse pequenino golpe de nonsense aos meus habituais caprichos de desconcerto e tendência para obrigar as palavras e os factos a fazerem o pino, em busca de não sei que profundidade que aliás sempre se me furta, implacável. E já que estou a ocupar-me de O Príncipe das Orelhas de Burro consintam que me refira a certa técnica de narrar que utilizo com frequência nas Aventuras de João Sem Medo e surge bem visível nesse episódio. Trata-se do processo clássico de pôr as personagens a contar, cada uma por sua vez, histórias e proezas passadas – técnica que se me entranhou, em rapazinho, quando li as Aventuras de Telémaco de Fénelon, traduzidas pelo capitão Manuel de Sousa e por Filinto Elísio, posteriormente retocadas por José da Fonseca, em 1837, data da publicação em Paris do livro a cheirar a pó velho, que encontrei na estante de meu pai.

Sem dúvida alguma, quando escrevi que o meu príncipe se dirigia a João Sem Medo nestes termos:

«– Talvez tenhas razão. Mas ouve primeiro o que te vou contar e dize-me depois sinceramente se poderia proceder doutro modo...»

... estava com certeza a modernizar o ritmo da lição do meu velho Telémaco – aprendida em trechos deste sabor:

«A relação das minhas desgraças é assaz extensa, lhe respondeu Telémaco. Não, não, lhe replicou Calipso, já estou impaciente por sabê-las; dá-te pressa em mas contar; e tanto o importunou que ele não pôde escusar-se, e falou deste modo:», etc.

Esta forma narrativa deparou-se-me depois dezenas de vezes durante a minha longa história de devorador adolescente de livros inesquecíveis (os romances filosóficos de Voltaire, as Novelas Exemplares de Cervantes, etc.). Não admira pois que, quando me lancei na empreitada apaixonante do João Sem Medo, logo resvalasse, despreconcebido, para esse toque antigo, actualizando-o embora, para lhe sugerir um estilo oral, tão de acordo com o tom popular da obra.

Entretanto a minha comadre Ofélia que, a meu rogo, aprazara com o fraque sorridente do Sr. Anahory não sei que contrato para ilustrar as façanhas do meu herói, via-se aflita para me apanhar os elementos necessários para os desenhos.

Nos primeiros dias da semana instava implorativa, mas eu só me deixava impressionar pelas súplicas quando já não podia adiar mais. Dignava-me então informá-la, apesar de não saber ainda com segurança o que iria escrever nessa mesma noite. «Olhe, desenhe um animal com pescoço de bicho-da-seda, asas de zinco ondulado, rodas em vez de pés e uma cadeirinha no dorso com o João Sem Medo bem instalado na ave.» Em suma: a primeira ideia que me vinha à cabeça. E a pobre não tinha outro remédio senão improvisar sem possibilidade de apuros vagarosos. Tudo a correr, com agilidade de haver asas na juventude.

Então, para vingar, a Ofélia imaginou esta represália atroz: ignorar a minha resolução de não atribuir idade definida ao aventureiro de Chora-Que-Logo-Bebes e desenhar, de propósito para minha arrelia, um menino burguês de colarinho à bebé, muito fino, muito composto, todo brunido, com botinas janotas de atacadores bem apertados e peúgas menineiras. Um anti-herói completo.

E assim, de tropeço em tropeço, de pesadelo em pesadelo, ao fim de dois anos de alinhar palavras chegámos ao 26.º episódio, justamente quando, pescado por um navio pirata, João Sem Medo, transformado em peixe, ia ser cozido num imenso caldeirão de azeite a ferver. Coitado! O que ele se debatia e protestava para provar que era homem. Debalde! O piratão esfomeado não se comovia. Quando correram a dar-lhe a notícia fenomenal de que o peixe falava como uma espécie de papagaio marítimo, exclamou guloso:

– Eu não sou nenhum ictiólogo. (O pirata sabia palavras difíceis.) Quer fale ou não fale, come-se. Sou um lobo do mar e tenho fome. Como tudo.

Neste em meio, o Eduardo Chianca de Garcia pediu-me que acompanhasse o Cotinelli Telmo na filmagem de A Canção de Lisboa. Aceitei logo, cúmplice – o que me abriu um mundo novo que, aliás para nada me serviu, pois nunca me iludi em supor que o cinema pudesse tornar-se uma linguagem possível de expressão pessoal minha e (in)transmissível. (E bastantes esforços fizeram várias pessoas para me persuadir a realizar filmes!)

Resultado: interrompi as aventuras do futuro fabricante de lenços e o pobrezinho lá ficou imobilizado nas páginas d’O Senhor Doutor com os pulmões substituídos por guelras, graças a uma operação sapientíssima do Dr. Peixe-Serra, cirurgião do Hospital de Neptuno erguido numa cidade com Avenidas de Algas e Palácios de Coral no fundo do Oceano.

Durante 30 anos dormiu o seu destino incompleto. Mas não em sossego. Porque alguns talentos de comércio arteiro, encontrando aquela mina abandonada e sem dono visível, entraram por ali dentro e rapinaram o que puderam, sem nojo de si mesmos e de veniagas indignas. Chegaram mesmo a publicar em folhetos alguns dos episódios sob outros nomes que não o do venerável Avô do Cachimbo. Autênticos roubos que – porque não hei-de confessar? – me desvaneceram por sentir que os gatunos pensavam que se apoderavam de produções populares. Além disso, sempre gostei de que vivessem à custa da minha imaginação. (Os meus editores é que não gostam e estão dispostos a reprimir qualquer abuso semelhante.)

Esse sono cataléptico do peixe-papagaio que, conforme a interpretação da Ofélia, continuava a usar o colarinho à bebé do João Sem Medo, só findou decorridos trinta anos quando entrou em cena o meu querido camarada Carlos de Oliveira, a quem já devia o incitamento para a coordenação das vagabundagens de O Mundo dos Outros. Em certa ocasião, não me recordo em que circunstância, falei ao grande Poeta dos meus folhetins d’O Senhor Doutor e ele manifestou interesse em lê-los. Ou – o que suponho mais possível – impingi-lhos, explorando a sua benevolência de amigo verdadeiro.

A opinião do Carlos incitou-me a pegar nessa matéria-prima e a trabalhá-la, esforçando-me por lhe conservar toda a frescura de improviso dos 30 anos – aquela mistura dos meus dois retratos do Fred e da Ofélia: o dos «passarinhos» e do «lobo».

Comecei por fazer nascer o João Sem Medo em Chora-Que-Logo-Bebes que se ajustava à paisagem d’A Aldeia dos Choramingas, o meu primeiro conto para O Senhor Doutor. Aliás, relendo-o agora, mesmo desatento, verifico que esse improviso de café não passava de uma biografia resumida do meu futuro João Sem Medo de 1963 que, farto de viver numa terreola onde as gentes e as coisas choramingavam de manhã até à noite, resolvera evadir-se em busca de novas asas com outros horizontes. Afinal, após várias provas terríveis de desalento e desgosto, o meu não-herói cínico acabava por regressar à Pátria, e vendo que a choraminguice se mantinha, infatigável, não esteve com meias-medidas: montou uma fábrica de lenços e enriqueceu.

Na versão que publiquei do livro no ano de 1963 não aproveitei todos os episódios de 1933. Mas nada, ou pouco, inventei de novo. Apenas dei um sentido diferente à criação de João Sem Medo n.º 2. E quando ao desfecho, ali estava há 30 anos à espera n’A Aldeia dos Choramingas. Embora nem por um momento duvidasse que se tratava de um livro que só dificilmente seria aceite no nosso país, pelo seu tom híbrido [todos os meus livros de prosa são (in)felizmente híbridos].

Mas neste, a ambiguidade excedia a trapalhada difusa habitual. Porque, além da mescla de romance popular e de panfleto mágico, muitos iriam considerá-lo uma sátira à casca de certos aspectos do ambiente pátrio, outros descobrir-lhe-iam talvez acentos menos restritos (como, por exemplo, a filosofia de que o Tédio, ou mais portuguesmente a Chatice impera, dominadora e total, na vida do século xx do nosso planeta) e todos por fim embarcariam na confusão, até certo ponto legítima, de esta história parecer exclusivamente destinada a crianças (que só lhe poderão entender a superfície). Visão pitosga, em suma, mas inevitável.

Resumindo: o livro publicou-se e, como de costume, houve quem o aplaudisse com exagero e quem o desdenhasse como o lixo dos lixos. Enquanto eu, fiel ao meu velho hábito de espectador aparentemente neutro, me limitava a assistir à contenda surda, embora tendesse a aceitar as opiniões restritivas como as mais próximas da verdade.

Mas o que ninguém conseguiu nem conseguirá anular, garanto-vos, é a alegria encantada com que criei o meu João Sem Medo, afinal um pequeno-burguês gabarola que se ilude de não parecer covarde. E o sentimento de liberdade feliz com que senti correr a pena no papel, mesmo quando a constrangia a não cair no sentimentalismo moralizante. Ou o prazer com que ainda hoje me recreio com algumas páginas deste divertimento pícaro, sempre esperançado que o meu gozo, suspeito de vaidade efémera, contagie os leitores mais relapsos e os convença a lerem esta saga de contestação mansa, vencendo o preconceito de nela entrarem gigantes, fadas e bruxas.

Bruxas? Não existem – dirão os senhores peremptórios, naturalistas e suficientes.

Pois não.

Mas a caça às bruxas, isso afirmo-vos eu que há.

Lisboa – 1973

1 «Para nós a intuição é a inteligência rápida… » António Sérgio – Obras de Antero de Quental – Sonetos. Edição de 1943 – pág. 68.