13. Clandestinos

Pessoas de outro tempo, outra cidade, outro país. Ele e ela ali no quarto de hotel têm mais ou menos uma hora e meia para ficarem juntos. Um hotel modesto, fora do centro da cidade, pois ela não pode correr o risco de ser vista numa situação comprometedora. Chegam separados, primeiro ele, depois ela, que sobe cheia de cautela ao segundo andar. Para não ficar face a face com outros hóspedes, nada de usar o velho elevador com sua porta gradeada. É o hotel Old Town, e já ficou acertado com o chinês da portaria que ela não precisa preencher ficha. Com o coração disparado, ela abre a porta destrancada do quarto cujo número o porteiro lhe indicou e se deixa cair nos braços do amante, trêmula. Eles se beijam demoradamente e, nesse momento, nem precisam trocar palavras. Ou, às vezes, caem diretamente sobre a cama e se entregam vorazmente.

Começa a correr o tempo, cuja dimensão lhes é dada não apenas pelo relógio, mas também pelo barulho do trem metropolitano que, perto dali, sobe do subterrâneo para a superfície para logo adiante descer de novo ao subterrâneo. Esse barulho que depois vem à memória deles como um fundo sonoro dos encontros.

A passagem do tempo que eles gostariam de interromper, e estão sempre a falar disso. Falam também de outras coisas, claro, e pouco importa que pareçam tolices.

Coisas como eu te adoro, você é minha querida para sempre. Nem tenho o direito de pedir, mas sou a única? Sim, a única. Você jura? Juro, meu amor. E eu sou sua, meu querido.

Ou, de repente, as obscenidades, que se tornam ainda mais excitantes por ela ter todo o jeito de uma mulher recatada. Uma mulher direita, como se dizia. Mete tudo, meu amor. Me fode toda, faz comigo o que você quiser.

Aquela tarde em que ela propôs: “Vamos marcar uma hora para estar em pensamento um com o outro? O que você estará fazendo à meia-noite?”.

“Estarei em meu apartamento. Provavelmente.” E ele se mostra relutante e até um pouco cruel: “Mas você estará na cama com seu marido”.

“Ele diz que, se um dia souber que tenho outro, matará os dois. É um homem perigoso, você sabe.”

Na verdade, ele também sabe que, se vivessem juntos, tanta paixão poderia arrefecer no hábito. Talvez seja essa urgência mesma e essa clandestinidade, talvez até o medo, que mantenham a chama tão acesa.

“E se nos matássemos juntos?”, ela disse.

“De que maneira, minha querida?” Ele a abraça, inquieto. De repente, teve medo de que ela fizesse alguma besteira.

“Ligando o gás no banheiro de algum hotel. Deitaríamos na cama e nos encontrariam abraçados.”

“Mas aí seria o nada, amor. De que nos serviria o nada?”

“Nunca se sabe. E eu gostaria de habitar para sempre o mesmo espaço que você, ainda que fosse o nada.”

“Se olharmos os cadáveres de verdade, não há nenhum encanto, nenhum romantismo neles. São tétricos, feios. Quero você é viva.”

Eles se abraçam mais uma vez. Ele entra nela e diz:

“Ah, vamos demorar assim, eu dentro de você. Como se isso, sim, fosse para sempre.”

Ela goza uma, duas, três vezes. Ela é mulher e seus orgasmos são prolongados. Já ele procura se conter, para que demore, mas chega o momento em que não dá mais, ele goza e se esvazia.

Agora é a vez de ela ser racional. “Tenho de ir, querido.” E ela vai ao banheiro se lavar, mas não toma banho, pois se por acaso o marido chegou antes dela em casa, o que ela sempre procura evitar, não pode vir da rua com os vestígios de um banho recente. Cheiro do amante, ela não leva, pois pediu a ele que não usasse nenhuma colônia. Ele nem mesmo fuma perto dela, para que ela não fique com cheiro de cigarro.

Chegada a hora, ainda resta a ele a emoção de vê-la vestir-se. Como ela sai primeiro, ele pode dar-se ao luxo de ficar na cama, observando-a. Ela se vestindo dá a ele uma sensação de intimidade tão grande quanto no momento em que ela se despe. Os gestos tão graciosos dela de levantar uma perna e depois a outra para pôr a calcinha. Depois o sutiã, que ela não pede mais a ele para abotoar. Pois na última vez que fez isso, ele segurou os dois seios dela pelas costas e trouxe-a de novo para a cama, fazendo com que caísse de costas sobre ele, que a penetrou assim, e ela sentou-se sobre o pau dele para ficar mais fácil, e como foi bom vê-la nessa posição. Mas, daquela vez meu Deus, passei da hora , ela chegando em casa depois do marido e, procurando parecer casual, dizendo que fora olhar as lojas, nada que pudesse ser verificado.

A expectativa dele de que tudo houvesse dado certo, o medo de que o marido a tivesse agredido ou matado, certa vergonha de nada fazer a respeito, como um covarde. Ela demorando a tornar a ligar os telefonemas têm de partir dela , até que, finalmente, ele atende ao telefone em seu escritório e ouve a voz tão esperada: “Sou eu”. Ela liga de um desses telefones de cabine pública e não falam muito. Logo chegam ao código costumeiro: “No lugar de sempre, às três horas”. Na cabine telefônica corações trespassados por flechas e cortados por nomes: Lucy, Paul, Dolores, Mary, Conrad, Samantha… Desenhos e frases obscenos, gravados a canivete ou escritos com esferográficas, héteros e homossexuais.

Sim, como é bom deixá-la vestir-se, desfrutar do prazer de vê-la. Ela de combinação escovando o cabelo. A cena quase doméstica. Assim seria se ela fosse só sua, andando de combinação por um apartamento. Uma das alças caída. Depois o vestido que ela veste pela cabeça, ou pode ser desses de abotoar, mas sempre um vestido discreto, que não sugira um encontro íntimo.

É o último momento dela, ele se levanta, veste rapidamente a calça já que ela está vestida, ele não quer ficar nu e vai abraçá-la, não a beija mais, a fim de que não haja nenhum borrão na pintura também discreta. Abraçam-se por alguns instantes.

Eles são vultos recortados na janela do quarto de hotel. Nesse momento, passa o metropolitano. Ela diz, quase murmurando, como se falasse de si mesma: “As pessoas que seguem seu caminho”. O que ela não pode saber, nem ele, é que num vagão do trem uma moça sentada junto à janela lança um olhar para o Old Town, sem saber que tipo de prédio é, vislumbra o casal se abraçando e inveja aquela mulher desconhecida amando cheia de paixão.

Depois ela sai do quarto, desce a escada, ele escuta o bater de seus sapatos nos degraus. Ele acende um cigarro à janela e vê quando ela deixa o prédio, decidida, ansiosa, desprotegida.