19. Considerações introdutórias
O homem pensa o direito para o realizar e realiza-o pensando-o. Configura um abraço metódico permanente, mas situado. Ainda que procure assumir a atitude teorética mais pura, o homem pensa a partir de um contexto histórico determinado. Inexoravelmente, também se projetam nas suas construções, o local em que reflete, as condições sociais e culturais que naquela altura o envolvem, e a sua mentalidade, sobretudo, quando forjada entre contrastes, por exemplo, o de uma pauta educativa metropolitana exposta às diversas formas mentais das Áfricas, das Índias e das Américas. Um conjunto de linhas de ponderação que, seguramente, se terão cruzado no espírito de qualquer jurista em terras brasileiras.
No plano diacrônico, poderá dizer-se, sem hesitação, que o pensamento jurídico percorreu três fases fundamentais, cada uma delas obedecendo a um bem diverso recorte cultural e metódico. Aludimos naturalmente ao específico modo de pensar o ius por parte do direito romano, do direito medieval e do direito moderno-iluminista.
O direito romano, ao assumir a patente centralidade do caso concreto, envolta num conclamado casuísmo científico, afirmou uma característica atitude prudencial. O modelar direito romano da época clássica perseguia, quase que numa obstinação metódica, a justiça do caso concreto. Um agere justo ou um justo prático que converteu o ius romanum num direito de jurisprudentes e não num direito de leis.148 Roma nutriu pelos seus iurisprudentes a mais subida estima em nome da arte de conseguir o bom e o justo.
O ius praetorium, servido por um florilégio de expedientes que o pretor tinha à sua disposição, veio permitir a flexibilização e a plasticidade de um estático ius civile, levando-o até onde o reclamassem as exigências prático-normativas do justo concreto.149 Disto mesmo se tornaram um dos paradigmas jurisprudenciais as sugestivas actiones ficticiae.150 Tudo conduziu, afinal de contas, a uma juridicidade judicativo-casuística.
Diferentemente se apresentou já o pensamento jurídico medieval. Constituiu-se, na sua essência, com um cariz hermenêutico. Na Idade Média, importava perceber, de forma tão cristalina quanto coubesse no possível da formação jurídica daquele tempo, os textos provenientes das autoridades, as suas complexas construções dogmáticas e as suas rixas palavreiras. Se a teologia, por referência a Deus, se propunha explicar a palavra divina contida na Sagrada Escritura, também o direito se vocacionava para a interpretação do Corpus Iuris Civilis enquanto esplendoroso conjunto de venerados fragmentos textuais de grandes jurisconsultos que muito convinha esclarecer.151
Vivia-se sobre o império do princípio da autoridade. Aos olhos do jurista medieval, o direito romano justinianeu encarava a ratio scripta, ou seja, explicitava normativamente a razão prática da própria justiça. Significava que à racionalidade casuísta do direito romano sucedia, na Idade Média, uma racionalidade de forte pendor hermenêutico-dialético. Não se alimentava de casos, alimentava-se de textos, enfrentando-os através de uma retórica argumentativa fundada em cortejos de opiniões doutorais.
A terceira veste do pensamento jurídico subordina-se ao novo paradigma moderno-iluminista da juridicidade, entretecido em bases antropológicas e culturais gritantemente distintas das anteriores. Quebrando as amarras a pressupostos metafísico-religiosos, homem moderno assumiu o pleno senhorio da razão. O modelo de pensamento jurídico traduzia-se num normativismo.
O direito passou a exprimir-se numa ordem de normatividade lógico-sistematicamente enunciada. Em vez dos romanos juízos prudenciais ou dos medievos juízos hermenêuticos, o direito volvia-se agora para a revelação de um sistema lógico de normas, identificando o modo de pensar o jurídico com o voto analítico de deduzir soluções dessas normas. Assim se chegaria ao normativismo que o pensamento moderno conseguiu fazer vingar.152
20. A presença dos Glosadores e dos Comentadores em Regimentos de Tribunais Superiores Brasileiros
Faremos decerto avultar o interesse da exposição subsequente se a colocarmos, desde já, na órbita do direito aplicável em terras brasileiras. Para aquilatar da efetiva presença no Brasil das correntes doutrinais que, de seguida, irão merecer contemplação autônoma, importa oferecer provas insofismáveis.
E nada melhor do que chamar em nosso socorro a testificação proporcionada pelas leis regimentais de dois tribunais superiores brasileiros. Separam os diplomas convocados mais de cento e quarenta anos, arco temporal suficientemente amplo para se observar a grandeza das pegadas doutrinais.
Trata-se, em primeiro lugar, do Regimento da Relação da Baía de 7 de março de 1609. Aí se dispunha que o Chanceler encaminhado a essa Relação levasse do Reino “trez volumes de Ordenações recopiladas, e cada um com seu Repertorio, e textos de Canones, e Leis, com glossa de marca pequena”.153 Ou seja, o direito português contido nas Ordenações, a que se juntavam os direitos canônico e romano, com menção expressa das respectivas glosas.
Panorama mais esclarecedor e municioso revelava o Regimento da Relação do Rio de Janeiro de 13 de outubro de 1751. Na verdade, a lei determinava que, em ordem ao expediente judicial, houvesse na Relação “as Ordenações do Reino com seus Repertorios; e haverá também hum jogo de Textos de Leis com as Glossas de Acursio, e outro de Cânones; como também hum jogo de Bartholos da ultima edição”.154 Por conseguinte, além das alusões repetidas aos direitos pátrio e romano-canônico, surgiam agora as presenças obrigatórias da Glosa Magna de Acúrsio e da obra de Bártolo. Estas últimas funcionavam, como sabemos, a título de fontes de direito subsidiário.
Diante do exposto, tudo aconselha a que se proceda a uma abordagem do pensamento jurídico marcado pelo ius commune romano-canônico, com a preocupação de desvelar as linhas jurídicas e metodológicas que entreteceram a Escola dos Glosadores, e, depois, a Escola dos Comentadores. Os ecos de tais orientações na jurisprudência brasileira ressoavam amiúde.
21. O romanismo na Europa. Da Escola dos Glosadores ao Usus Modernus Pandectarum
Observou-se como um bastante tardio romanismo glosador e bartolista continuava reluzente no Regimento da Relação do Rio de Janeiro de 1751.155 Não podemos, pois, prescindir de levar a cabo uma análise, posto que em traços breves, das correntes jurídicas que desaguariam no Século das Luzes e aí acabariam por se desluzir e fenecer.
Apresentavam entre si tonalidades bem distintas. Cingindo a exposição, muito à flor da terra, ao plano da prática do direito, assiste-se a partir do Renascimento a uma rivalidade de atitudes fundamentalmente opostas.156 Alude-se, como é óbvio, à controvérsia entre os métodos italianos e os métodos franceses, entre o “mos italicus” e o “mos gallicus iura docendi”.157
A ciência jurídica encarou, após a recepção do direito romano justinianeu, o Corpus Iuris Civilis segundo diferentes perspectivas ao longo dos tempos.
Com objetivos eminentemente práticos, a Escola de Bolonha também designada por Escola dos Glosadores ou Irneriana, perfilhou, no século XII, uma orientação teorética, venerando o código de Justiniano, ao ponto de não admitir senão meras interpretações aclaradoras do jus contido no Digesto. O direito justinianeu, pelo seu valor formal e pelo seu intrínseco conteúdo ético-jurídico, constituiu uma autêntica bíblia jurídica, inquestionável, porque demasiado complicada ante o olhar ainda perplexo dos Glosadores, e irretocável, porque demasiado perfeita para uma ciência jurídica medieva, que, titubeante, dava os primeiros passos. Aliás, a excelência dogmática e o refinamento técnico-jurídico do Corpus Iuris Civilis desde logo incutiu no espírito dos Irnerianos a ideia deveras avisada de que só uma mediação doutrinal elaborada por uma classe de juristas, cientificamente preparados em torno de uma corporação universitária, poderia cumprir a instante tarefa de conseguir transformar as normas romanas em direito vigente.158 Deste modo, o propósito dos Glosadores não foi inovar, mas essencialmente o de reproduzir, com fidelidade, as construções jurídicas romanistas.159 Os limites que se assinalam a uma análise exegético-jurídica com estas características forçaram o esgotamento metodológico da Escola Irneriana.160
Sucederam-lhe, com grande estridor, no século XIV, as diretivas provenientes da Escola dos Comentadores.161 O prestígio granjeado pelo método escolástico, por um lado, e a necessidade de adaptar o direito romano às condições da época, por outro, asseguraram o triunfo da corrente bartolista.
Os Comentadores afirmaram progressivamente a ideia da lei romana como ratio scripta de um conjunto de princípios que o jurista prático se devia encarregar de reelaborar e desenvolver. O direito romano assumia o importante papel de constituir, acima de tudo, o fundamento sólido para a construção racional de um direito que se pretendia novo e unissonante com a época.
Mercê da utilização da nova metodologia derivada da doutrina aristotélico-escolástica, os Bartolistas conseguiram, em larga medida, a almejada revitalização do direito romano. Usufruindo de uma maior liberdade na interpretatio dos preceitos contidos no código justinianeu, a elaboração doutrinal levada a cabo a partir desta compilação de ius e de leges transforma-se numa autêntica técnica de construtivismo jurídico.162 A scientia iuris surge agora envolta numa manta de teorias e princípios que, dedutivamente, permitiam a resolução de muitos problemas.163
Não passou despressentido o progresso que a Escola Bartolista trouxe para a ciência do direito.164 Todavia, pretextaram severas críticas, a partir de certa altura, os excessos viciosos que a aplicação do método escolástico ao direito havia propiciado. E os excessos mais assinaláveis eram dois: o abuso da forma lógico-dialética e o abuso do argumento de autoridade. Se o primeiro mergulhava a vida jurídica num mar caótico de infinitas sutilezas distintivas, o segundo provocava a renúncia imediata à independência e à criatividade do pensamento jurídico, em nome de uma fastidiosa e quase interminável citação de autores precedentes.165
É, perante este conspecto geral, que irrompe a reação do humanismo jurídico quinhentista. Abriu-se, por este tempo, um ciclo de criatividade do espírito humano nos mais diversos aspectos. A fons cognoscendi do direito justinianeu foi encarada, não tanto como objeto de indagação lógica, mas, sobretudo, como base de investigação cultural e erudita num sentido filológico.166
Em contraste com o bárbaro desconhecimento histórico dos Comentadores, impunha-se agora um escrupuloso rigor iuris na interpretação histórica dos preceitos romanistas. Sugestivamente, o Corpus Iuris Civilis deixa de ser um complexo normativo unitário, tal qual o viam Glosadores e Bartolistas. A proveniência diversa dos materiais jurídicos recolhidos por Justiniano constituiu uma das preocupações mais absorventes dos juristas humanistas. Procurava-se, com efeito, identificar os verdadeiros preceitos do jus romanum clássico na sua genuína autenticidade. E, consequentemente, a postura histórica dos juristas humanistas em face da compilação justinianeia trouxe consigo, até certo ponto, a relativização do valor do direito romano, pela consideração do Corpus iuris como produto individualizado de um certo ambiente histórico-concreto, negando, a um tempo, a valoração metajurídica e eterna das normas romanistas.167
Todavia, a vertente filológico-crítica, orientada para a reconstrução dos textos clássicos, não exauria o pensamento jurídico humanista. Do mesmo modo, manifestava-se uma tendência histórico-dogmática, alicerçada numa maior liberdade e autonomia do jurista ao desenvolver a interpretatio iuris.168
No palco europeu, não declinou, em resultado da rixa metodológica entre mos gallicus e mos italicus a supremacia das diretivas bartolistas. Ainda assim, porém, a Escola Cujaciana encontrou, no início de setecentos, dignos sucessores. Tratava-se da Escola dos “Jurisconsulti elegantiores”, com assento privilegiado na Holanda. Estes juristas holandeses, além de terem feito progredir notavelmente a história e a arqueologia jurídicas, mercê de um conjunto de trabalhos reveladores de uma surpreendente erudição e de uma mais elegante latinidade, não descuraram também a orientação exegética e dogmática dos textos jurídicos. Combinaram, afinal, na sua condição de herdeiros sobrecarregados, os postulados metodológicos fundamentais do humanismo jurídico e a velha metodologia prático-exegética.169
Só que, por esta altura, a orientação prática já não era representada pelo bartolismo. Havia-se entretanto imposto o “uso moderno”, surgido na Alemanha em estreita ligação com a corrente jusracionalista.170 Com efeito, a atitude jusracionalista conduziu ao repensamento crítico e à racionalização do direito romano, muito embora dominada por um transluzente pragmatismo metodológico. Os juristas alemães procuravam, instados por exigências jurisprudenciais, adequar o complexo jus romanum às necessidades da sociedade alemã de então.171
A fons cognoscendi do direito justinianeu não mais foi unitariamente inquestionável. Forcejavam os juristas por discernir, no mare magnum das normas romanistas, aqueles preceitos suscetíveis de “uso moderno”, isto é, adaptados às exigências dos novos tempos, daqueles outros irremediavelmente anquilosados, que, por corresponderem a particularismos romanistas, se deviam considerar, sem rebuço, inelutavelmente perimidos. Somente após a realização desta tarefa fundamental se poderia encontrar o verdadeiro ius modernum e, como tal, vigente.
Por outro lado, um fenômeno já esboçado anteriormente veio, por este tempo, declarar-se em definitivo. Pretende-se aludir à afirmação do direito pátrio. A relativização do valor dos jus romanum conduziu ao seu estudo mais em função dos direitos nacionais e da prática jurídica, do que propriamente pela sua isolada validade intrínseca. Na verdade, as tradições jurídicas nacionais, depois de muito tempo reprimidas e subalternizadas por um direito estrangeiro, acabaram por reagir de forma pertinaz, resultando daqui a especial dedicação que, doravante, passou a merecer o direito pátrio.
O direito romano que, na cadência da história, fora entendido, ora como um direito vivo pelos Irnerianos, ora como um direito carecido de adequação às novas condições da sociedade pelos Bartolistas, ora como uma pura manifestação do culto renascentista devotado à antiguidade clássica pelos juristas humanistas do século XVI, transmudava-se agora num direito que se pretendia atualizado, mas cujo critério de interpretação e de renovação era, desta feita, um critério de natureza filosófica. A recta ratio jusnaturalista constituía, a bem dizer, o modus operandi na indagação do direito moderno. Um tema que, adiante, irá merecer mais detida atenção.
A exaltação do direito pátrio e do uso moderno representaram tendências firmes. Prolongaram-se no tempo e alargaram-se no espaço. Ecoaram no Brasil e tornaram-se ainda mais altissonantes no período posterior à Independência, com reflexos nítidos nos traços do ensino jurídico brasileiro.
A Universidade de Bolonha, fundada em torno do ano 1080, centrou o seu magistério no ensino do direito romano. Coube a Irnério o mérito de o ter autonomizado do estudo das artes liberais. Idêntico lustre haveria de pertencer ao grande canonista Graciano que, por meados do século XII, demarcou o ensino do direito canônico da teologia.172
A Escola de Bolonha adquiriu uma extraordinária projecção na Europa, cativando escolares de muitos reinos, como França, Espanha, Portugal e Inglaterra.173 Ora, os portugueses mostraram-se adeptos fervorosos da peregrinatio acadêmica medieval. Frequentaram ao longo do tempo, diversas Universidades do Velho Continente, onde granjearam o estatuto de respeitados legistas e canonistas.174 Senhores dessa formação romano-canônica exerceram importante influência no seu país. Ocuparam lugares de proa nas chancelarias régias e destacaram-se ao serviço de instituições pertencentes à administração pública portuguesa. Progressivamente, o espectro de juízes diplomados foi-se espraiando no seio da magistratura do Reino.
Assume subido relevo a imediata penetração do direito comum romano-canônico na Universidade portuguesa.
Os estudos jurídicos remontam, em Portugal, à fundação da Universidade, durante o reinado de D. Dinis. A data exata da sua criação situa-se, com certeza, entre 1288 e 1290.175 É tradicional, embora não isento de controvérsia, o ponto de vista que reconhece a instituição do Studium Generale na carta dionisiana de 1º de março de 1290. De qualquer modo, a bula do Papa Nicolau IV que o confirmou, em 9 de agosto de 1290, representa, sem dúvida, o momento decisivo da legitimação aos olhos da Europa culta. Ora, logo então, a bula De statu regni Portugaliae encerrava uma referência expressa ao magistério do direito canônico e do direito romano. Aqueles que se graduassem teriam ubique, sine alia examinatione, regendi liberam potestatem. Tais diplomados podiam assim ensinar em qualquer parte do mundo cristão.
Uma vez deslocada, em 1308, da sua sede inicial em Lisboa para Coimbra, foi outorgada à Universidade, ainda pelo monarca Lavrador, uma carta de privilégios, com data de 15 de fevereiro de 1309, onde se determinava que houvesse um doutor in Decretis e um mestre in Decretalibus, bem como um professor de Leis. Aliás, a Universidade encontrava-se, a princípio, composta de simples “cadeiras”, e não de autênticas “Faculdades” no sentido moderno. Ao que se julga, a metodologia adotada nas aulas de direito seguiria de perto o modelo bolonhês, assente num discurso glosador que radicava em processos explicativos de exegese textual. Admite-se que se recorreria a três espécies de exercícios: as lectiones, as repetitiones e as disputationes. Assim se justifica o verso de Camões. D. Dinis “fez primeiro em Coimbra exercitar-se valoroso ofício de Minerva”.176
Não se pense, todavia, que o ensino pátrio estancou a atração pelas Universidades estrangeiras prestigiosas e afamadas.177 O universalismo medieval que inspirou a doutrina da unidade do mundo ocidental na veste de respublica christiana continuava a promover irresistivelmente a mobilidade dos universitários em sintonia com a idade de direito comum.178
Num caso de singular itinerância, a Universidade portuguesa continuou a viajar entre Lisboa e Coimbra até ao século XVI.179 Mas o que cumpre destacar é que, desde o começo, os cursos jurídicos ocuparam uma posição cimeira no nosso Estudo Geral.180 Sintomaticamente, estes cursos eram os que reuniam maior número de alunos, e as remunerações atribuídas aos respectivos professores eram muito mais elevadas do que as dos restantes. O domínio licenciado da ciência do direito, além de conferir poder e prestígio social, abria as portas ao desempenho de atividades rendosas, sobrepondo-se mesmo neste aspecto à medicina.
Embora sem grande sucesso, D. João II e D. Manuel I tentaram valorizar os nossos estudos superiores.181 Este último concedeu estatutos à Universidade, que traduzem, essencialmente, uma simples reposição sistematizada de preceitos em vigor nos fins do século XV.182 Consagram a existência de três cátedras remuneradas de Cânones e outras tantas de Leis. Por resolução do mesmo monarca, viria a ser criada uma nova cátedra de Cânones (a de Sexto).
No ano de 1537, D. João III, com o intuito de promover uma reforma digna dos tempos renascentistas, instala definitivamente a Universidade em Coimbra. As Faculdades de Leis e de Cânones muito se beneficiaram da atitude decidida do soberano. A generalidade dos professores viu-se exonerada,183 transitando para Coimbra apenas os enobrecidos pelo crédito científico.184 Gonçalo Vaz Pinto foi o único lente de Leis a merecer tamanha distinção, sendo reconduzido em funções na importante cadeira de Prima.
D. João III fez autêntica profissão de fé no enriquecimento do corpo docente universitário, à custa do prestígio e da ação de mestres insignes trazidos do estrangeiro. Avultam os nomes do canonista Martín de Azpilcueta, cuja fama e vencimento rivalizavam em grandeza, e dos civilistas Fábio Arcas de Narni e Ascânio Escoto. Por outro lado, atraíram-se os portugueses diplomados no estrangeiro que haviam atingido notoriedade. Assim sucedeu com Manuel da Costa e Aires Pinhel. Formados em Salamanca, afirmaram-se como juristas de alta estirpe e como poetas.185 Ainda neste grupo, devem incluir-se Heitor Rodrigues, também ele alumnus Salmanticensis, e o canonista Bartolomeu Filipe. Era o clarão do humanismo jurídico que raiava fugazmente pelo ensino do direito.186
Vem de molde salientar que, por este tempo, já se estabelecera uma corrente de migração intelectual que do Brasil rumava à Universidade de Coimbra. Aí os estudantes brasileiros alcançavam os seus graus acadêmicos, em especial na área do direito. Ao que se julga, o primeiro desses conimbricenses brasileiros, Manuel de Paiva Cabral,187 formou-se exatamente em Leis, em 3 de junho de 1586.
A Universidade de Coimbra, após D. João III, só em 1598, viria de novo a ser alvo de um diploma regulamentar e largo fôlego. Alude-se aos Estatutos Filipinos de 1598. Revistos anos depois por Filipe II, mereceram pela mão de D. João IV, em 1653.188 Vigoraram até à reforma pombalina, reservando-lhes a história a designação de “Estatutos Velhos”, em confronto com os chamados “Estatutos Novos” de 1772.189
Para o caminho do romanismo português, importa recordar que, segundo esses velhos Estatutos, o ensino do direito se dividia entre as duas Faculdades jurídicas existentes. Uma, a Faculdade de Cânones, dava a conhecer o Corpus Iuris Canonici. Outra, a Faculdade de Leis, explicava os preceitos contidos no Corpus Iuris Civilis.190
O passado jurídico medievo encontrava-se bem presente e constantemente vivificado na Faculdade de Leis. Com efeito, se a Escola dos Glosadores se projetava no elenco das oito cadeiras professadas que correspondiam às diferentes partes em que os sequazes de Irnério, por vários motivos, uns de ordem histórica e outros de ordem didática, haviam sistematizado a compilação justinianeia, não se achava menos notória a interferência da Escola Bartolista no método de ensino adotado pelas duas faculdades jurídicas. Certos passos do Corpus Juris Canonici, ou do Corpus Juris Civilis eram lidos, analisados e comentados, sem nunca esquecer um minucioso cotejo das opiniões expressas pelos doutores mais ilustrados.
É bem verdade que o humanismo jurídico ainda assomou timidamente na Universidade portuguesa, logo após a sua transferência definitiva para Coimbra. No entanto, tratou-se de um lampejo demasiado fugaz para poder ensombrar o clarão bartolista.191
Não se duvida, contudo, que alguns juristas portugueses tivessem acolhido as diretrizes provenientes do humanismo jurídico. Mas o que terá forçosamente de inferior do conjunto da sua atividade é que ela passou, a bem dizer, despressentida na vida jurídica nacional.192
Tanto a vertente filológico-crítica do humanismo jurídico não ressoou em Portugal, como aquela outra, que exigia uma especial postura do jurista em face da lei no sentido de uma maior liberdade e autonomia concedida à interpretatio iuris, apenas tremeluziu, a espaços, entre nós.
Com efeito, quanto à orientação filológico-crítica, os juristas humanistas portugueses de formação europeia, ou não regressaram à pátria, ou aqueles que o fizeram pouco interferiram no pensamento jurídico português. Foi o caso de António de Gouveia, o mais ilustrado dentre eles, que, após ter estudado em Paris, passou toda a vida no estrangeiro, onde espalhou a sua desbordante erudição por Universidades francesas e italianas.193
Por outro lado, a corrente humanista que exigia uma maior liberdade do jurista na interpretação das normas revestiu-se, em Portugal, de um grande equilíbrio. Os juristas souberam dosar, na proporção adequada, o utilitarismo bartolista com os esmeros eruditos e, muito especialmente, com a livre iuris interpretatio.194 Devem, a este propósito, destacar-se os nomes de Manuel da Costa,195 Aires Pinhel196 e Heitor Rodrigues.
Mas, cumpre assinalar que, à medida que nos afastamos de meados do século xvi, só por via de exceção é que se pode deparar ocasionalmente com algum jurista português filiável na Escola Cujaciana.197-198
Não subsiste réstia de exagero em sustentar que o romanismo português, perante o balanço dos informes histórico-jurídicos, era fundamentalmente um romanismo de cariz bartolista. Pela via do direito subsidiário, as opiniões de Bártolo marcavam de modo indelével a jurisprudência dos tribunais portugueses. A asfixiante influência da Escola dos Comentadores não se quedava por aqui. Dominava igualmente uma literatura jurídica que se tornou monótona e rotineira, onde sobressaíam obras de mera casuística que, sem terem em conta as novas correntes jurídicas europeias, embrenhavam os problemas numa confusa teia romanista de que dificilmente conseguiam extrair uma solução líquida.
Em suma, quando, por meados do século XVIII, se promulgou o Regimento da Relação do Rio de Janeiro, era ainda um resistente bartolismo que orientava o ensino do direito, entretecia a vida forense e interferia decisivamente na composição da literatura jurídica. Só o clarão da reforma pombalina cegaria o bartolismo português.
148 Neste sentido, ver Juan Iglesias, Pasado, presente y futuro del Derecho, in “Vida y Sobrevida del Derecho Romano”, Granada, 1998. p. 69.
149 Sobre o direito pretório, ver, por todos, Sebastião Cruz, Direito Romano I, Introdução. Fontes, Coimbra, 1984. p. 297 e segs.
150 Ver António dos Santos Justo, A “Fictio Iuris” no Direito Romano, Coimbra, 1989; do mesmo autor, Direito Privado Romano – Parte Geral, 5. ed., Coimbra, 2011. p. 335 e segs.
151 Ver Helmut Coing, Trois formes historiques d’interpretation du droit. Glossateurs, pandectistes, école de l’exégèse, in “Revue Historique de Droit Français et Etranger”, ano 48 (1970), p. 535 e segs.
152 Ver a eloquente exposição de António Castanheira Neves, O Jurisprudencialismo. Proposta de uma Reconstituição Crítica do Sentido do Direito, in “Teoria do Direito. Direito Interrogado Hoje – o Jurisprudencialismo: Uma Resposta Possível?”, Salvador da Bahia, 2012. p. 11 e segs.
153 Ver Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, vol. I, reprodução “fac-símile” da edição feita por Cândido Mendes de Almeida em 1870 no Rio de Janeiro, Lisboa, 1985. p. 6.
154 Ver Regimento da Relação do Rio de Janeiro de 13 de outubro de 1751, título I, § 7, in Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, vol. I, cit., p. 19.
155 Ver Martin de Albuquerque, Bártolo e bartolismo na história do direito português, in “Estudos de Cultura Portuguesa”, vol. I, Lisboa, 1984. p. 111, nota 204; e Rui Manuel de Figueiredo Marcos, A Legislação Pombalina. Alguns aspectos fundamentais, 2. ed., Coimbra, 2006. p. 84.
156 Para uma esclarecedora síntese evolutiva, no período que decorre do Renascimento ao Iluminismo, em matéria de filosofia jurídica e política, ver, por todos, Mário Júlio de Almeida Costa, Debate jurídico e Solução Pombalina, Coimbra, 1983. p. 4 e segs. (sep. do número especial do “Boletim da Faculdade de Direito” – “Estudos em Homenagem aos Professores Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, II, vol. LVIII, 1982).
157 Ver G. Astuti, Mos italicus e mos gallicus nei dialoghi “De iuris interpretibus” di Alberico Gentili, in “Rivista di Storia del Diritto Italiano”, vol. X (1937), p. 149 e segs.; Francisco Carpintero, “Mos italicus”, “mos gallicus” y el Humanismo racionalista”, vol. 6 (1977), p. 108 e segs.
158 Neste sentido, ver Adriano Cavanna, Storia del diritto moderno in Europa, Milano, 1982. p. 117.
159 A despeito disso, os Glosadores, por razões de ordem histórica e didática, afoitaram-se a uma sistematização própria dos cofres Iuris civilis. Por exemplo, o Digesto surgiu dividido em três parcelas: Digesto velho, Digesto esforçado e Diesto Novo. Ver, por todos, Guicardo Moschetti, Il frammento del Digestum Novum degli inizi del sec. XII conservato nell’Archivio di Stato di Maceratá in “Rivista di Storia del Diritto Italiano”, vol. LXXXXIV (2011) p. 5 e segs.
160 Sobre o período Pré-Irneriano, consultar Guido Astuti, Lezioni di Storia del Diritto Italiano, Le Fonti, Età Romano-barbarica, Padova, 1953. p. 339 e segs.; P. S. Leicht, Storia del Diritto Italiano, Le Fonti, Milano, 1966, p. 101 e segs. Quanto à Escola dos Glosadores, ver, entre outros, A. Pertile, Storia del Diritto Italiano, Torino, 1898, vol. II, parte II, p. 35 e segs.; Biagio Brugi, Il metodo dei glossatori bolognesi, in “Studi in Onore di Salvatore Riccobono”, Palermo, 1936, vol. I, p. 23-31; Woldemar Engelmann, Die Wiedergeburt der Rechtskultur in Italien, Leipzig, 1939. p. 42 e segs.; Francesco Calasso, Medio Evo del Diritto, Le Fonti, Milano, 1954. vol. 1. p. 503 e segs.; P. Koschaker, Europa y el Derecho Romano, Madrid, 1955. p. 101 e segs.; Gino Masi, L’Università di Bologna al suo primo albeggiare, in “Rivista di Storia del Diritto Italiano”, vol. 31 (1958); p. 269 e segs.; Alfred Söllner, Die causa im Kondiktionnent und Vertragsrecht des Mittelalters bei den Glossatoren, Kommentatoren und Kanonisten, in “Zeitschrift für Rechtsgeschichte” (Romanistische Abteilung), vol. 77 (1960), p. 182 e segs.; Severino Caprioli, Tre capitoli intorno alla nozione de “regula iuris” nel pensiero dei glossatori, in “Annali di Storia del Diritto”, vols. V-VI (1961-62), p. 221 e segs.; António García e García, La penetración del Derecho clásico medieval en España, in “Anuario de História del Derecho Español”, tom. 36 (1966), p. 575 e segs.; P. S. Leicht, Storia del Diritto Italiano, cit., p. 112 e segs.; Luigi Lombardi, Saggio sul Diritto Giurisprudenziale, Milano, 1967. p. 109 e segs.; Giovanni de Vergottini, Bologna e lo Studio nell’età di Accursio, in “Atti del Convegno Internazionale di Studi Accursiani”, Milano,1968, vol. I, p. 5 e segs.; Guido Fassò, I glossatori e il giusnaturalismo medievale, in “Atti”, cit., vol. I, p. 205 e segs.; Guido Astuti, La Glossa accursiana, in “Atti”, cit., vol. II, p. 287 e segs.; Bruno Paradisi, Osservazione sull’uso del metodo dialettico nei Glossatori del secolo XII, in “Atti”, cit., vol. II, p. 619 e segs.; Mário Júlio de Almeida Costa, La présence d’Accurse lans l’histoire du droit portugais, in “Atti”, cit., vol. III, p. 1.053 e segs.; Peter Weimar, Die legistische Literatur und die Methode des Rechtsunterrichts der Glossatorenzeit, in “Ius Commune”, vol. 2 (1969), p. 43 e segs.; André Gouron, Remarques sur les influences italiennes dans la pratique juridique du Midi de la France ao Xlle siècle, in “Atti del Convegno I Glossatori”, Pavia, 1973. p. 71 e segs.; Antonio Faconda, Riflesssioni sulle “societates” “Universitarie” bolognesi, in “Archivio Giuridico”, vol. 200 (1981), p. 35 e segs.; Paolo Mari, Fenomenologia dell’esegesi giuridica bolognese e problemi di critica testuale, in “Rivista di Storia del Diritto Italiano”, vol. 55 (1982), p. 5 e segs.; Giovanni Santini, lus commune-ius generale. I tre sistemi normativi generali: diritto naturale, delle gente e romano, in “Rivista di Storia del Diritto Italiano”, vol. 56 (1983), p. 31 e segs., em especial, p.107 e segs.; Hans Van de Wouw, Zur Textgeschichte des Infortiatum und zu seiner Glossierung durch die frühen Bologneser Glossatoren, in “Ius Commune”, vol. 11 (1984), p. 231 e segs.
Sobre a específica metódica jurisprudencial do pensamento jurídico medievo, ver A. Castanheira Neves, Método Jurídico, in “Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado”, vol. 4 (1986), p. 224 e segs.
161 O principal representante da Escola dos Comentadores foi Bártolo de Sassoferrato. Nasceu em 1313 ou 1314 e faleceu em 1357. Logrou obter uma tal influência no direito europeu que se propagou o sugestivo aforismo nemo bonus iurista nisi sit bartolista. No tocante à vida e à obra de Bártolo, ver Peter Stein, Roman Law in European History, Cambridge, 1999. p. 71 e segs.
162 Ver Adriano Cavanna, Storía del Diritto moderno, cit., p. 139.
163 A respeito da Escola dos Comentadores, consultar, entre outros, Francesco Schupfer Manuale di Storia del Diritto Italiano, Cittá di Castelo 1908. p. 622 e segs.; Giusepe Salviole, Trattato di Storia del Diritto Italiano, Torino, 1908. p. 124 e segs.; Woldemar Engelmann, Die Wiedergeburt der Rechtskultur in Italien, cit., p. 228 e segs.; F. Calasso, Medio Evo, cit., p. 563 e segs.; P. Koschaker, Europa y el Derecho Romano, cit., p. 143 e segs.; P. Petot, Le droit commun en France selon les coutumiers, in “Revue historique de droit français et étranger”, vol. 38 (1960), p. 412 e segs.; Bruno Paradisi, La diffusione europeia del pensiero di Bartolo e le esigenze attuali della sua conoscenza, in “Studia et Documenta Historiae et Iuris”, annus XXVI (1960), p. 1 e segs.; P. S. Leicht, Storia del Diritto Italiano, cit., p. 146 e segs.; L. Lombardi, Saggio sul Diritto Giurisprudenziale, cit., p. 115 e segs.; Norbert Horn, Die juristische Literatur der Kommentatorenzeit, in “Ius Cornmune”, vol. 2 (1969), p. 84 e segs.; Francisco Carpintero, En torno al método de los juristas medievales, in “Anuario de Historia del Derecho Español”, tom. LII (1982), p. 617 e segs.; Adriano Cavanna, Storia del Diritto, cit., p. 137 e segs. Para o direito português, ver Mário Julio de Almeida Costa, Para a história da cultura jurídica medieva em Portugal, Coimbra, 1959 (sep. do “Bol. da Fac. de Dir.”, vol. XXXV); do mesmo autor, Romanismo e Bartolismo no direito português, Coimbra, 1960 (sep. do “Bol. da Fac. de Dir.”, vol. XXXVI); Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Bártolo na história do direito português, in “Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”, vol. XII (1958), p. 177 e segs.; Martim e Albuquerque, Bártolo e bartolismo na história do direito português, in “Boletim do Ministério da justiça”, nº 304 (1981), p. 13 e segs.; e A. Santos Justo, Nótulas de História do Pensamento Jurídico (História do Direito), Coimbra, 2005. p. 28 e segs.
164 Ver Ruy de Albuquerque, Para uma Revisão da Ciência Jurídica Medieval, in “Poesia e Direito”, Coimbra, 2007. p. 23 e segs.
165 Sobre o argumento de autoridade, ver, por todos, Vincenzo Piano Mortari “L’argumentum ab auctoritate” nel pensiero dei giuristi medievali, in “Rivista Italiana per le Scienze Giuridiche”, serie III, anno VIII (1954), p. 457 e segs.
166 Alciato foi o jurista que pela primeira vez se atreveu a depurar as fontes romanas de acordo com uma orientação filológico-histórica. Em 1513, publicava as “Annotationes in tres posteriores codicis libros” e, em 1518, surgiam obras como “Dispunctiones”, “Praetermissa” e “Paradoxa” que o colocavam seguramente entre os juristas humanistas, ao advogar um método de indagação filológica do verdadeiro sentido das normas romanistas. Na sua passagem pela Universidade de Bourges, os estudantes de direito, requestados pela elegância jurídica do mestre, imploraram a Alciato que abandonasse o programa tradicional e expusesse as suas ideias peregrinas. Vide. Pierre Mesnard, Alciato y el nacimiento del humanismo jurídico, in “Revista de Estudos Políticos”, vol. XXXIII (1950), p. 123 e segs. Outro pioneiro do humanismo, Zasio, procurou conciliar a erudição clássica com as doutrinas de Acúrsio e de Bártolo. Vide. F. Carpintero, “Mos italicus”, “mos gallicus” y el Humanismo racionalista, in loc. cit., p. 138 e segs.
167 Ver Vincenzo Piano Mortari, Gli Inizi del Diritto Moderno in Europa, Napoli, 1980, p. 287 e segs.
168 O humanismo, na ótica do homem universal, exigia por vezes do jurista, além de uma adequada preparação literária e filológica, uma cultura verdadeiramente enciclopédica. Ver G. Astuti, Mos italicus e mos gallicus nei dialoghi “De iuris interpretibus” di Alberico Gentili, in loc. cit., p. 192 e segs.
Sobre o humanismo jurídico, ver, entre outros, Paul Viollet, Histoire du Droit Civil Français, Paris, 1905. p. 27 e segs.; G. Salvioli, Tratatto di Storia del Diritto Italiano, cit., p. 138 e segs.; P. F. Girard, Les Préliminaires de la Renaissance du Droit Romain, in “Revue Historique de Droit Français et Étrangen”, 4e série, vol. I (1922), p. 5 e segs.; Pietro de Francisci, Renacimento y humanismo vistos por um jurista, in “Revista de Derecho Privado”; año XXXVIII (1954), p. 89 e segs.; P. Koschaker, Europa y el Derecho Romano, cit., p. 167 e segs.; Domenico Maffei, Gli inizi dell’Umanesimo Giuridico, Milano, 1956; P. S. Leicht, Storia del Diritto Italiano, cit., p. 228 e segs.; V. P. Mortari, Razionalismo e filologia nella metodología giuridica di Baron e di Duareno, in “Labeo”, vol. 15 (1969), p. 7 e segs.; Jesus Lalinde Abadia, Iniciación Histórica al Derecho Español, Barcelona, 1970. p. 178 e segs.; Alfonso Garcia-Gallo, Manual de História del Derecho Español – 1 El origen y la evolución del derecho, Madrid, 1971. p. 97 e segs.; A. Cavanna, Storia del Diritto, cit., p. 172 e segs.; John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito (trad. de A. M. Hespanha e L. M. Macaísta malheiros), Lisboa, 1988. p. 347 e segs. Para o direito português, consultar Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Humanismo e direito em Portugal no século XVI, Lisboa, 1964.
169 Ver G. Salvioli, Trattato di Storia, cit., p. 146 e segs.; Gerhard Wesenberg, Neuere deutsche Privatrechtsgeschichte im Rahmen der europäischen Rechtsentwicklung, Lahr (Baden), 1954. p. 69 e segs.; Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, Göttigen, 1967. p. 168 e segs. (na trad. portuguesa de A. M. Botelho Hespanha, Lisboa, 1980. p. 180 e segs.).
170 Quanto ao direito natural racionalista, ver Giovanni Ambrosetti, La storia del diritto naturale nella storia dell’Occidente, in “Ius”, anno XIV (1963), p. 325-327.
171 Sobre o usus modernus pandectarum, consultar, entre outros, Gerhard Wesenberg, Neuere deutsche Privatrechtsgeschichte im Rahmen der europäischen Rechtsentwicklung, cit., p. 108 e segs.; Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, cit., p. 204 e segs.; (na trad. portuguesa cit., p. 225 e segs.); do mesmo autor, Scienza giuridica italiana e tedesca, in “Ius”, anno XIX (1968), p. 269-270; Alfred Söllner, Zu den Literaturtypen des deutschen usus modernus, in “Jus; Commune”, vol. II (1969), p. 167 e segs.; A. Cavanna, Storia del Diritto, cit., p. 464 e segs.
172 Ver António Garcia y Garcia, El renacimiento de la teoria y la práctica juridicas. Siglo XII, in “En el Entorno del Derecho Común”, Madrid, 1999. p. 11 e segs.
173 Ver Rui Manuel de Figueiredo Marcos, A presença italiana na evolução do direito português, in “Causa Pública”, coordenação de Rita Marnoto, Coimbra, 2011. p. 241 e segs.
174 Acerca do renascimento do estudo do direito no quadro da herança medieva, ver Mário Caravale, Storia del diritto nell’Europa moderna e contemporânea, Bari, 2012. p. 17 e segs.
175 Ver Manuel Augusto Rodrigues, Os primeiros estatutos da Universidade de Coimbra, in “A Universidade de Coimbra. Figuras e fatos da sua história”, vol. I, Porto, 2007. p. 31 e segs.
176 Sobre os desvelos normativos de D. Dinis relativamente aos estudantes da Universidade de Coimbra e que surgiram estampados na Charta Magna Privilegiordam de 1309, ver Rui Manuel de Figueiredo Marcos, Os Mantos Legais de D. Dinis, in “Boletim da Faculdade de Direito”, vol. LXXXVII (2011), p. 135 e segs., em especial, p. 145 e segs.
177 Mostrou Martim Albuquerque, através da publicação de um manuscrito autêntico, que oito juristas bolonheses emitiram pareceres sobre a sucessão do Morgado de Góis. Mais ainda. Uma prova concludente de que a Itália continuava a cativar os nossos alunos foi a presença de três estudantes portugueses que figuraram como testemunhas da autenticidade dos pareceres ante um notário bolonhês. Ver Pareceres Quatrocentistas de Juristas da Escola de Bolonha sobre a Sucessão do Morgado de Góis em Portugal. Nota introdutória e organização de Martim de Albuquerque, Coimbra, 2008. Na mesma linha, consultar Giovanni Minúcci, Studenti giuristi portoghesi a Siena nella seconda meta del XV, secolo, in “Amicitiae Pignus. Studi in recordo di Adriano Cavanna, tomo II, Milano, 2003. p. 1477 e segs.
178 Sobre a aspiração universalista da Igreja de Roma e a coligada interpretação medieval do Império Romano como imperium sine fine, ver Francesco Calasso, Gli Ordinamenti Giuridici del Rinascimento Medievale, Milano, 1965. p. 217 e segs.
179 No que toca às razões que conduziram à transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra no século XVI, ver José Vitorino de Pina Martins, O Humanismo (1487-1537), in “História da Universidade em Portugal” vol. I, tomo I, (1290-1536), Lisboa, 1997. p. 211 e segs.
180 Sobre o importante problema histórico da independência da Universidade relativamente ao Estado, ver a primorosa exposição de Guilherme Braga da Cruz, Origem e evolução da Universidade, in “Obras Esparsas”, vol. IV, 2ª parte, Coimbra, 1985. p. 189 e segs., em especial, p. 206 e segs.
181 Ver Manuel Augusto Rodrigues, A Universidade no tempo de D. Manuel I. Algumas notas, in “Universidade de Coimbra. Figuras e fatos da sua história”, vol. I, cit., p. 87 e segs.
182 Em 1431, aparecem já documentados os graus universitários de bacharel, de licenciado e de doutor. A inspiração italiana continuava a vingar nos métodos de ensino, servindo de pauta às poderosas exposições magistrais de teor romanístico e canonístico que encheram de erudição o período medievo.
183 De todo o quadro docente universitário de Lisboa apenas transitaram para Coimbra dois mestres de inatacável prestígio. Aludimos ao teólogo espanhol Francisco Monzon e ao velho romanista Gonçalo Vaz Pinto. Neste sentido, ver Damião Peres, A Universidade de Coimbra na história da cultura nacional, Coimbra, 1937. p. 2.
184 Sobre o ideal científico da Universidade portuguesa quinhentista, consultar Joaquim de Carvalho, A atividade científica da Universidade de Coimbra na Renascença, in “Obras Completas de Joaquim de Carvalho”, Lisboa, 1982. p. 338 e segs.
185 Por exemplo, Manuel da Costa, catedrático de prima de Direito Civil nas Universidades de Coimbra e de Salamanca, legou ao futuro uma produção poética notável. Ver Américo da Costa Ramalho, Pedro Sanches sobre Manuel da Costa, Doctor Subtilis e Poeta Latino, in “Boletim de Estudos clássicos”, tomo 8 (2002), p. 117 e segs.
186 Ver Mário Júlio de Almeida Costa, O Direito (Cânones e Leis), in “História da Universidade em Portugal”, vol. I, tomo II (1537-1771), Lisboa, 1997. p. 823 e segs.
187 Ver Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil, suplemento ao vol. IV de Brasília, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos Brasileiros,Coimbra, 1949.
188 Ver Joaquim Ferreira Gomes, Os Estatutos da Universidade, Coimbra, 1987. p. 35 e segs.
189 Foi à sombra dos Estatutos Velhos que Francisco Suárez emprestou ao ensino coimbrão invulgar esplendor e dignidade. Em Coimbra, escreveu Suárez o seu De Legibus, obra marcada pela influência de dois Mestres de Teologia e Francisco Dias, lente de Cânones. Em Coimbra, consagrou-se Suárez como o mais elevado expoente do pensamento católico do seu tempo, em especial no domínio da reflexão teológico-filosófica. Ver entre outros, António de Vasconcelos, Francisco Suárez – Doctor Exímio, Coimbra, 1897; Paulo Merêa, Suárez, Grócio, Hobbes, Coimbra, 1941. p. 13 e segs.; Mário Reis Marques, A crise do direito. A crise da lei. Um regresso a Suárez? In O Instituto”, vols. CXL-CXLI (1980-81), p. 165 e segs.; António Pedro Barbas Homem, História das Relações Internacionais. O Direito e as Concepções Políticas na Idade Moderna, Coimbra, 2003. p. 23; António Garcia y Garcia, El iusnaturalismo suareciano, in “En el Entorno del Derecho Común”, Madrid, 1999. p. 199 e segs.; Manuel Augusto Rodrigues, Francisco Suárez (1548-1617), o Doctor Eximius, professor da Universidade de Coimbra, in “A Universidade de Coimbra. Figuras e fatos da sua história”, vol. I, Porto, 2007, p. 271 e segs.
190 A língua latina era de utilização obrigatória nas aulas. O ano letivo decorria do início de outubro ao fim de julho. De preceito, assinalava a abertura solene do ano letivo a chamada oração de sapiência. Uma tradição que se conserva bem viva. Ver Rui Manuel de Figueiredo Marcos, As Orações de Sapiência na Universidade e na Faculdade de Direito de Coimbra, Porto, 2009.
191 Sobre o que vem de dizer-se a respeito do ensino jurídico na Universidade portuguesa por este tempo, ver, por todos, M. J. Almeida Costa, História do Direito Português, cit., p. 331 e segs.
Também na Espanha, o humanismo jurídico não vingou, desde logo, no ensino universitário do direito. As velhas diretrizes do mos italicus continuavam a formar os juristas. Só no final do século xvii, as correntes humanistas purificadoras do direito lograram penetrar no ensino jurídico em Salamanca. Não admira, por conseguinte, que Antonio Agustín, o solitário humanista espanhol do século xvi, conhecido na literatura histórico-jurídica pelo Cujácio espanhol, tivesse manifestado o seu desagrado em relação aos professores salmanticenses. Ver Mariano Peset, Universidades Españolas y Universidades Europeas in “Ius Commune”, vol. XII (1984), p. 77 e segs.
192 Neste sentido, ver Manuel Paulo Merêa, De André de Resende a Herculano, in “Estudos de História do Direito”, Coimbra, 1923. p. 10, nota 2.
193 Destacam-se, sobre a figura de António de Gouveia, os valiosos trabalhos de Joaquim Veríssimo Sfrrão, António de Gouveia e a prioridade do método cujaciano, in “Boletim da Faculdade de Direito”, vol. XXVIII (1952), p. 181 e segs.; António de Gouveia e o seu Tempo (1510-1566), Coimbra, 1966; História das Universidades, Porto, 1983. p. 74; ainda uma síntese do mesmo autor, in “Dicionário de História de Portugal” dirigido por Joel Serrão, Lisboa, 1965, vol. II, p. 363 e segs.
194 Particularmente, sobre o que em texto se refere, consultar Nuno Espinosa Gomes da Silva, Humanismo e Direito, cit., p. 81 e segs. e 353 e segs.
195 Manuel da Costa era um mestre cativante, o que lhe valeu o título de Doctor Subtilis. Acompanhou a sua produção jurídica de uma valiosa obra poética. Ver Américo da Costa Ramalho, Pedro Sanches sobre Manuel da Costa Doctor Subtilis e Poeta Latino, in “Boletim de Estudos Clássicos”, tomo 38 (2002), p. 117 e segs.
196 Ver Justo García Sanchez, Aires Piñel. Catedrático de Leys em Coimbra e Salamanca durante el siglo XVI: la rescisión de la compraventa per “laesio enormis, Salamanca, 2004.
197 Neste sentido, ver M. J. Almeida Costa, Debate Jurídico e Solução Pombalina, cit., p. 13.
198 É conhecida um pouco da situação da magistratura, por meados do século xvi, através de um documento publicado por João Pedro Ribeiro. Trata-se dos “Apontamentos dos Prelados sobre as causas que se devem tratar e assentar em estas Cortes, e assi outras lembranças geraes e particulares, que lhes pareceo que se devião fazer a El Rei Nosso Senhor para boa guovernança destes Reynos”. Além de se pedir a fixação definitiva da Casa da Suplicação em Lisboa para evitar, por um lado, os embaraços causados às partes e aos desembargadores e, por outro lado, os prejuízos sofridos pela fazenda real resultantes das mudanças, solicitava-se que se visitassem as Casas da Suplicação e do Cível “per pessoas de muitas calidades agora e de tres em tres anos” e que as reformas propostas fossem cumpridas. Requeria-se também que existisse um número certo de desembargadores, aos quais deviam ser pagos vencimentos acrescentados, pontualmente e primeiro que tudo.
Mas, o mais grave, na situação da magistratura residia no fato de a escolha dos magistrados nem sempre ter sido ditada pelo valimento das pessoas. Contavam muito, para esta época, as relações de parentesco. Assim não admira que se demandasse: “Que os Desembargadores se tome per suficiencia, abilidade, e virtudes, e não per outros respeitos...”; “Que os officios de Justiça, se não dem em casamento, nem em satisfação de serviços, senão per letras e merecimento das pessoas.”; “Que em cada hua das ditas Casas juntamente se não proveja de Desembargadores, cunhados, genros, paes e filho e parentes em estreito grao...”. Apontava-se o caso de um Francisco Diaz que afirmava ter vinte e tantas pessoas “nas cousas de justiça de sua devação e parentesco”. Ver João Pedro Ribeiro, Reflexões Históricas, Coimbra, 1836 parte II, p. 101-102 e 123.