Estamos na escuridão.
Estamos na escuridão, sempre.
Entendemos o que Boukman disse em Bois Caiman; entendemos pela primeira vez. Atrás da montanha há outra montanha; atrás do fogo, outro fogo; atrás de tudo tem algo mais, outra massa, e não corresponde aos contornos deste mundo; é tudo o que está aqui no mundo, mas é muito mais também.
Temos uma boca — podemos senti-la no rosto, uma abertura que pode deixar o espírito vazar —, mas, quando a usamos, quando falamos, não há ninguém para ouvir. As vozes que vêm até nós, à deriva através da escuridão além de nossa prisão, poderiam também ser as vozes dos mortos.
Bem além de nossas muralhas, bem além das fronteiras que nos cercam, há pessoas que querem ajudar. Há sempre pessoas que querem ajudar, mas estão longe demais, e somos muito silenciosos. No entanto, temos controle do nosso corpo, podemos animar nossos membros para tocar as fronteiras da nossa realidade, não temos força para romper nossa realidade, somos incapazes de sair para a luz, onde os senhores vivem.
Somos um escravo.
Somos um escravo deste espaço, da inevitável degradação do que está aprisionado. Podemos nos alimentar, mas não há comida; podemos trabalhar com nossas mãos e mente, mas não há nada para fazer; temos olhos, mas não há nada para ver.
Não há futuro, nem passado.
Estamos na escuridão.
Somos um.