ACONTECIMENTO-X 3
O DIA EM QUE
A ELETRÓNICA MORREU
Um impulso eletromagnético do tamanho
de um continente destrói toda a eletrónica
Menos de um milissegundo
O realizador alemão Wim Wenders é conhecido pelos seus “road” movies, nos quais as personagens deambulam por paisagens desoladoras enfrentando diversos géneros de angústia existencial. O seu filme Até ao Fim do Mundo, de 1991, decorre na viragem do milénio e envolve um satélite nuclear fora de controlo que está na iminência de reentrar na atmosfera num local desconhecido e contaminar uma vasta área do planeta. As pessoas que vivem em diversos locais do possível impacto começam a entrar em pânico e fogem em grande número. No meio da prolongada fuga pelo deserto da heroína do filme, chamada Claire, há um grupo de cientistas loucos, personagens sinistras de agências secretas do governo, pessoas à boleia, caçadores de recompensas e outros marginais empenhados em recuperar o protótipo de um aparelho para gravar e traduzir impulsos cerebrais. No decurso desta busca frenética o satélite nuclear é destruído, causando uma imensa explosão de energia – um impulso eletromagnético (EMP) – que arrasa todos os equipamentos eletrónicos não protegidos do mundo. Em resultado disso, as personagens são atiradas do final do século XX para uma espécie de existência de homem das cavernas, uma vez que todos os aparelhos baseados em microcircuitos, como computadores, carros, rádios e coisas do género, ficam queimados nuns escassos milissegundos.
Será isto algo que podia mesmo acontecer? Poderia toda a eletrónica que tomamos como certa na vida de todos os dias ser subitamente varrida? Ou será um EMP, ao estilo de Wenders, somente mais uma extrapolação exagerada de Hollywood, tornando algo teoricamente possível em algo que todos deveríamos temer? Um pouco de História vai rapidamente resolver o assunto.
A 16 de julho de 1997, o congressista Curt Weldon, presidente do subcomité de desenvolvimento e investigação militar da Câmara de Representantes, convocou uma sessão dedicada à “ameaçada colocada pelo impulso eletromagnético (EMP) para os sistemas militares e para as infraestruturas civis dos EUA”. Entre os peritos convocados para prestar testemunho estavam o Dr. Lowell Wood, do Laboratório Nacional de Livermore, na Califórnia; Gilbert Clinger, subsecretário da defesa para questões espaciais; e o Dr. Gary Smith, diretor do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins. Entre os outros que prestaram testemunho contaram-se vários membros da comunidade de serviços secretos dos EUA. A conclusão da audiência pode ser resumida numa declaração do Dr. Wood, proferida perto do final da sessão:
“Uma projeção razoável é que a maioria dos sistemas informáticos modernos, se não todos, expostos a níveis de campo de EMP [...] perderiam vigor. Ao fazê-lo, deixariam pelo menos de funcionar. Em muitos casos ficariam queimados [...] Não só computadores a bordo de aviões, mas quaisquer computadores, com exceção dos desse tipo de proteção de caixas metálicas de elevada integridade referido pelo Dr. Ullrich na sua declaração de abertura. Os computadores protegidos por qualquer outro tipo de caixa ficariam em risco, caso não fossem imediatamente destruídos.”
O Congresso encarregou posteriormente uma comissão de notáveis de levar a cabo uma investigação mais profunda de todo o fenómeno do EMP, cujos resultados foram publicados em 2004 sob o título, Relatório da comissão para avaliar a ameaça de um ataque de impulso eletromagnético (EMP) para os EUA17.
Tendo em vista estes estudos detalhados, podemos concluir sem risco que não só o EMP é uma ameaça viável ao modo de vida moderno e de alta tecnologia, como se tornará progressivamente mais ameaçador à medida que nos vamos tornando mais dependentes de eletrónica cada vez mais delicada para navegar pelas nossas vidas de todos os dias.
Mas, o que é um EMP?
Para dizer as coisas de forma muito sucinta, um EMP é uma onda de choque eletromagnética produzida na atmosfera por uma explosão de energia muito elevada. Esta onda cria uma sobretensão momentânea de corrente elétrica nos circuitos de aparelhos como telemóveis, computadores, televisões ou automóveis que não estejam protegidos. Este impulso de corrente queima a eletrónica da mesma maneira que um aumento de potência da corrente nas nossas casas queima um fusível em vez do forno elétrico ou da aparelhagem de som. A grande diferença é que o EMP ataca toda a eletrónica por meio de uma onda propagada na atmosfera, ao contrário do aumento de potência elétrica em casa, que vai pelos fios instalados nas paredes. Podemos facilmente proteger-nos contra a versão doméstica do impulso mediante a simples instalação de uma caixa de fusíveis. Mas não há caixa de fusíveis possível quando todo o circuito está a ser atacado em todos os lugares ao mesmo tempo. Temos de escudar por inteiro o aparelho a proteger, como referiu o Dr. Wood na sua declaração.
O EMP melhor documentado da História é, por certo, o resultante da explosão nuclear atmosférica sobre Johnston Island, no Pacífico Sul, em 1962, integrada no Project Starfish Prime. Essa explosão de 1,4 megatoneladas foi realizada a uma altitude de cerca de 400 km, sobre uma área remota. Mas o impulso de energia eletromagnética que dela resultou foi sentido em Honolulu, a mais de mil quilómetros do epicentro da explosão. Apesar de a energia do impulso estar consideravelmente atenuada quando chegou ao Havai, teve ainda “força” bastante para apagar as luzes de iluminação pública de Honolulu, para fazer disparar os alarmes elétricos e danificar uma estação de retransmissão de comunicações.
Temos de ter em consideração que o Project Starfish Prime foi em 1962, há quase cinquenta anos, quando boa parte da eletrónica do mundo se baseava ainda em tecnologia de válvulas a vácuo. No mundo de hoje, de microeletrónica supersensível, todos os computadores e telemóveis; todos os carros, barcos, aviões e comboios; todas as infraestruturas de fornecimento de energia, de alimentos, de água e de comunicações; e todos os controlos eletrónicos e de sistemas de segurança são vulneráveis. Com todas estas belas propriedades, uma “bomba de EMP” é verdadeiramente o melhor amigos dos terroristas. Mas quão fácil é criar de facto um tal impulso e fazê-lo atingir uma vasta área geográfica?
Para responder a esta questão crucial, temos primeiro de perceber como o impulso é gerado. Um EMP começa com uma curta e intensa irrupção de raios gama do género dos produzidos por uma explosão nuclear. Deve sublinhar-se aqui que não é necessária uma explosão nuclear para produzir um EMP. Mas como a força de um EMP sobe drasticamente com a força da explosão, consegue-se um impulso mais poderoso com uma explosão nuclear do que com qualquer outro tipo de explosivo. Voltarei a este ponto mais tarde.
Os raios gama da explosão interagem com as moléculas de ar da atmosfera e espalham os eletrões a alta energia, num processo chamado efeito de Compton. Estes eletrões de alta energia ionizam a atmosfera, gerando assim um campo elétrico muito forte. A força depende da magnitude da explosão, bem como da sua altitude. O EMP mais forte acontece quando a altitude é superior a 30 quilómetros, mas é igualmente muito forte mesmo com explosões a baixa altitude ou à superfície. O efeito mais fraco acontece quando a explosão se dá a uma altitude média.
Para regressar brevemente a uma questão levantada antes, não é necessário desencadear uma explosão nuclear para criar um EMP. Isso pode ser feito por meio de explosivos convencionais e uma física do século XIX, graças a um aparelho chamado gerador de compressão de fluxo (FCG) ou um aparelho de magneto-hidrodinâmica (MHD). O FCG é só jargão para designar um aparelho que recorre a um explosivo de ação rápida para comprimir um campo magnético, transferindo para o campo a maior parte da energia do explosivo.
Um FCG consiste num tubo cheio de explosivos de ação rápida. O tubo é colocado dentro de uma bobina de cobre ligeiramente maior. Imediatamente antes da detonação, a bobina é energizada com uma bateria de condensadores, de maneira a criar um campo magnético. A detonação é então desencadeada a partir da parte de trás do tubo. À medida que a onda eletromagnética se expande para fora com a força da explosão, o tubo toca na bobina, criando um curto-circuito. Este move-se para a frente enquanto o tubo se incendeia para fora, dessa forma comprimindo o campo magnético. Segundo o perito australiano em questões de defesa Carlo Kopp, “o resultado é que o FCG produz um impulso de corrente súbito, que se desencadeia antes de o aparelho se desintegrar com a explosão”. Este impulso tem a força de um milhão de relâmpagos e é ele que queima toda a eletrónica no caminho da onda de choque elétrica propagada para fora a partir do FCG.
Um aparelho de MHD funciona segundo o princípio um pouco diferente de um condutor percorrendo um campo magnético, que depois produz uma corrente elétrica perpendicular na direção do campo e do movimento do condutor. O que é assustador é que tanto o FCG como o MHD são aparelhos que podem ser facilmente preparados para servir como bombas de EMP muito eficazes, compactas e baratas.
Independentemente da forma usada para criar um EMP, os seus efeitos estão ao nível das obras de ficção que referi anteriormente. Instantes depois de a bomba – nuclear, FCG ou MHD – ser detonada, é criada uma onda de frequência de rádio invisível. Este “impulso” tem um poder mais de um milhão de vezes superior ao do mais forte sinal de rádio de um radar terrestre, ou de fontes de televisão ou de rádio. A onda é suficientemente poderosa para alcançar todos os locais visíveis a partir do local da explosão. Esta é uma das principais razões pelas quais um rebentamento a grande altitude pode fazer tantos estragos. Por exemplo, uma única explosão a cerca de cinco quilómetros acima do Kansas afetará todos os Estados Unidos, bem como partes do Canadá e do México!
Quando a onda elétrica atinge a superfície da terra, gera ondas de choque eletromagnéticas de alta velocidade que ameaçam todas as partes da nossa moderna infraestrutura tecnológica, tais como:
> Computadores e outros aparelhos contendo circuitos de microchips;
> Todos os condutores e linhas de transmissão de corrente elétrica;
> Todos os aparelhos dependentes de eletricidade e eletrónica, desde sistemas de segurança em bancos a aparelhos médicos em hospitais e elevadores em edifícios de escritórios;
> E todos os carros, comboios, aviões e barcos.
Por isso, não só morre toda a eletrónica como morre também toda a eletricidade – talvez de forma permanente –, uma vez que as linhas de transmissão de corrente conduzem o impulso até aos transformadores, que são então desligados por voltagens superiores às produzidas num relâmpago.
O que nos aconteceria se tivéssemos a infelicidade de estar no raio de alcance de um ataque de EMP? A primeira coisa de que nos aperceberíamos é que as luzes, os motores, os elevadores e todos os outros aparelhos elétricos param bruscamente. Tirando o facto de todos os veículos em movimento, como carros, comboios e aviões, pararem de imediato, isso não seria muito diferente daquelas falhas de eletricidade que muitas regiões do mundo já experimentaram muitas outras vezes. Os sistemas de transportes deixariam de funcionar, a água faltaria (uma vez que são necessárias bombas elétricas para levar a água até às nossas torneiras) e as luzes fluorescentes e os ecrãs dos televisores exibiriam um brilho estranho, fantasmagórico, mesmo estando desligadas, devido ao fluxo de eletrões a percorrer os seus gases nobres ou fósforos. Os nossos telemóveis ficariam a escaldar, com as baterias carregadas bem acima dos limites de voltagem. E, é claro, os computadores ficariam queimados.
Poderíamos pensar, de início, que se tratava de outra falha elétrica – até tentarmos aceder aos canais de comunicação de emergências para tentar saber o que se passa. Esses canais estariam tão mortos como o resto dos sistemas de comunicações. Mas, mesmo que não estivessem, o nosso rádio ou telemóvel estariam. Ficaríamos sem acesso a comunicações de qualquer género, excetuando a comunicação verbal direta com as pessoas das imediações. A vasta maioria das pessoas provavelmente iria buscar as velas, acenderia o grelhador no jardim e esperaria que as coisas voltassem ao “normal” em poucas horas ou, no máximo, dentro de um ou dois dias. Mas as coisas não são assim! Se houver um ataque de EMP, o tempo de recuperação pode medir-se em muitos meses, ou até em anos. E, decorrida uma semana, o pânico instalar-se-ia. Saqueadores e assaltantes multiplicar-se-iam, os agentes da autoridade e os militares desertariam em grande número para ir proteger as suas próprias famílias, os fogos grassariam sem ninguém para os apagar e, de uma forma geral, a sociedade regressaria rapidamente a um estilo de vida semelhante ao que sucede a um holocausto nuclear, um cenário próximo do delineado no famoso livro A Estrada, de Cormac McCarthy, e no filme nele inspirado.
Mas, ao contrário de um ataque nuclear, o EMP é totalmente inofensivo para os seres humanos. A menos que estejamos dependentes de dispositivos tecnológicos como máquinas de diálise, pacemakers cardíacos, ou outros aparelhos eletrónicos de saúde como esses, sobreviveremos a uma experiência como essa – pelo menos durante algum tempo. Tudo isto parece o género de arma pela qual salivariam um cientista louco ou um terrorista igualmente perturbado. E talvez seja. Olhemos um pouco mais a fundo para verificarmos até que ponto uma bomba de EMP pode ser eficaz para causar o Apocalipse.
Arma de pesadelo – ou só um sonho mau?
Será um EMP uma bomba nuclear dos pobres? É por certo tentador pensar que uma arma indetetável, impossível de localizar, que não mata pessoas diretamente, que devasta por completo uma sociedade moderna em escassos milissegundos e que pode ser construída com tecnologia dos anos de 1940 é um grande nivelador para um Estado pária ou para um bando de terroristas conseguir anular um poder nuclear como os Estados Unidos. E existem, na verdade, relatórios não confirmados indicando que estas características da “bomba-E” não passaram despercebidas à comunidade global de terroristas.
Para ilustrar este aspeto, eis um cenário terrorista possível, baseado em factos reais, que serviria muito bem para preparar um ataque com bomba-E:
> A al-Qaeda prepara um dos seus navios de carga para poder lançar um míssil balístico de curto alcance.
> Um ou dois mísseis SCUD são comprados a fornecedores sempre prontos, como a Coreia do Norte. Custos? Menos de cem mil dólares.
> Uma arma nuclear modesta é comprada a um Estado pária como a Coreia do Norte ou o Irão, ou é obtida no imenso inventário de armas “desaparecidas” do arsenal da antiga União Soviética e agora disponíveis no mercado negro. Em alternativa, é seguida uma linha “não nuclear” para criar uma bomba-E, com recurso a explosivos convencionais, segundo um método semelhante ao que delineámos há pouco.
Tendo em conta que países como o Irão já demonstraram capacidade para lançar mísseis SCUD de um navio em alto mar, estes passos são quanto basta para entrar no negócio das bombas-E. O cenário de um ataque no mar tal como o delineado aqui seria especialmente atraente para um grupo terrorista, pois pode ser muito difícil identificar o atacante, tendo em conta a imensa quantidade de mísseis SCUD que hoje em dia andam pelo mundo a bordo de navios.
Caso o leitor pense que este cenário é somente o sonho ocioso de um escritor ligeiramente paranoico, pense melhor. Este é justamente o cenário apresentado no relatório publicado em 2004 pela comissão do Congresso que referi no início deste capítulo. A comissão referiu que os terroristas podiam inutilizar totalmente os EUA de um só golpe seguindo precisamente os passos deste cenário. Uma única arma nuclear lançada de um navio ao largo é quanto bastaria para isso.
É claro, deitar as mãos a uma arma nuclear não é uma questão trivial, apesar de muitas delas estarem desaparecidas e presumivelmente em mãos pouco amistosas. Mas como já pudemos ver, não é preciso uma arma nuclear para criar um EMP. Um aparelho bem mais simples de FCG ou MHD serve quase igualmente bem. Mas qual é a probabilidade de um ataque com EMP, seja ele nuclear ou de outro tipo?
Tal como noticiou o New York Times em 1983, naquela altura os planeadores estratégicos tanto dos EUA como da União Soviética encaravam um ataque de EMP como a primeira salva numa guerra nuclear total. Mas isso nunca aconteceu, porque o cerne da defesa nuclear daquela época era o chamado princípio MAD, ou “Destruição Mutuamente Assegurada”18, que serviu como dissuasor muito eficaz de um ataque de EMP. Esta doutrina da Guerra Fria foi, no entanto, praticamente eliminada do pensamento estratégico de hoje, dada a reconfiguração da paisagem geopolítica.
Hoje em dia, a ascensão de atores não estatais como a al-Qaeda, combinada com a facilidade de aquisição de armas de destruição maciça e com a mudança permanente dos equilíbrios de poder entre os principais países, tornou muito mais difícil de avaliar a possibilidade de um ataque de EMP. O que parece ser claro, não obstante, é que estas mudanças na paisagem do poder mundial tornam a ameaça de uma bomba-E muito mais credível.
Há agora no mundo muitos mais países nucleares, alguns deles controlados por regimes políticos muito instáveis com um sem-número de alianças obscuras – mas sem a capacidade para desencadear uma guerra nuclear de larga escala. Por isso, um ataque de EMP pode muito bem parecer atraente para países como esses, especialmente se puder ser levado a cabo por um ou outro dos clientes não estatais desse tipo de regimes. Como um ataque desse género não destrói vidas e não será seguido de um ataque nuclear, o país atacado dificilmente desencadeará uma retaliação de larga escala. De facto, pode muito bem ser impossível saber quem é realmente o atacante.
É muito difícil preparar uma resposta “apropriada” para um ataque de EMP. Como se responde a uma explosão que tem lugar na atmosfera, sem ser ouvida, a centenas de quilómetros de altitude e que, apesar disso, destrói num instante toda a infraestrutura nacional? Não há, pura e simplesmente, precedentes legais para orientar a formulação de uma resposta proporcional a um ataque desses.
Fazendo o balanço, poderia ver-se que um ataque com bomba-E possui uma relação custo-benefício muito atraente para o atacante. Com uma ou duas ogivas pode devastar-se todo um país como os EUA com uma probabilidade mínima de retaliação. Um ataque de EMP é igualmente apelativo como salva de abertura de uma guerra convencional, pois, países com um menor número de ogivas, como a Coreia do Norte ou o Irão, podem querer pôr primeiro fora de jogo a vantagem tecnológica do país mais poderoso antes de ir para o campo de batalha com meios convencionais.
Su Tzu-yun, um dos mais importantes analistas militares da China, resumiu o assunto em 2001: “Logo que as suas redes de computadores sejam atacadas e destruídas, o país resvala para um estado de paralisia e as vidas dos seus habitantes ficam em suspenso.” As palavras proferidas em 1999 pelo analista de defesa iraniano Nashriyeh-e Siasi Nezami são ainda mais agoirentas:
[...] Hoje em dia quando se põe fora de jogo o alto comando militar de um país por meio do corte das suas comunicações, consegue-se, com efeito, perturbar o funcionamento de todos os setores desse país [...] Se os países industrializados do mundo não conseguirem descobrir formas eficazes de se defenderem contra ataques eletrónicos perigosos, então, vão desintegrar-se dentro de poucos anos [...] Os soldados americanos seriam incapazes de encontrar comida e não teriam capacidade para fazer um único disparo.
Ler isto poderá parecer estranho para a maioria das pessoas, pois surge a questão natural: “Se um EMP é uma ameaça tão grande, por que razão nunca tinha ouvido falar disso?” No final do ano 2000, o Congresso dos EUA tentou corajosamente alertar uma recalcitrante Casa Branca para o perigo, ao formar uma EMP Threat Commission para estudar e dar a conhecer a verdadeira magnitude do EMP enquanto ameaça para a segurança nacional. Isto foi a resposta a um relatório de 1997 da Commission on Critical Infrastructure, que disse ao Congresso que encarava um ataque terrorista por meio de EMP como um acontecimento tão improvável que não merecia ser alvo de sérias preocupações naquela altura.
Bom, os tempos mudam. E em 2004, apenas sete anos volvidos, a EMP Threat Comission divulgou o seu relatório, no qual declarou que um ataque tão devastador não era nem improvável nem difícil de executar. Um membro dessa comissão era o já mencionado Dr. Lowell Wood, que declarou que um ataque de EMP podia reenviar os EUA para um estilo de vida de uma era pré-industrial no que toca à capacidade da sociedade para fornecer comida e água à população, já para não falar de telemóveis, máquinas de lavar, futebol profissional e TV.
Antes de deixarmos os cenários relativos a ataques com bomba-E, vale a pena sublinhar que alguns cientistas respeitados pensam que o seu efeito tem sido sobreavaliado. O fenómeno EMP nunca foi devidamente posto à prova desde o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares19, que entrou em vigor pouco depois da experiência Starfish Prime20, e que proíbe testes nucleares na atmosfera ou no espaço. Consequentemente, os efeitos que descrevemos aqui podem acabar por ser menores. O impulso pode dissipar-se rapidamente devido à distância, ou pode haver outros fatores, dos quais nada sabemos, como estar ao abrigo do efeito devido a uma cadeia montanhosa que reduz o seu efeito, transformando num pequeno incómodo o que podia ser uma catástrofe de dimensão continental. Estes são desconhecimentos do mesmo tipo dos que rodearam as armas nucleares no tempo do Projeto Manhattan. A teoria existia, mas faltava a sua aplicação. Após as explosões que destruíram Hiroxima e Nagasáqui ficámos a saber. Resta-nos esperar que não venhamos a conhecer a verdade sobre um EMP da mesma maneira.
Termino agora a minha defesa da bomba-E como arma de guerra credível e volto-me para a questão da importância proverbial de um grama de prevenção em vez de quilos de cura. Supondo que o efeito de um EMP é mesmo real, e não ilusório, como poderemos proteger-nos da sua devastação?
Atrás do muro
Um impulso de EMP é um campo simultaneamente elétrico e magnético, mas é o campo elétrico que causa estragos. Embora o impulso possa durar somente um centésimo de segundo, a força do campo é tão grande que todos os equipamentos elétricos não protegidos serão provavelmente destruídos. E não são só os equipamentos elétricos. O efeito do EMP afeta também a ionosfera, o que tem por efeito a propagação de ondas rádio em muitas bandas de comunicações durante um dia inteiro. Mas, felizmente, as ondas de rádio amador não seriam afetadas e poderiam transmitir comunicações de emergência sem interrupção.
Os danos contra os quais é necessária proteção são de dois tipos:
1. Danos diretos: Trata-se da destruição de componentes eletrónicos expostos diretamente à onda de choque do impulso de EMP. Neste caso, a proteção tem de ser algo que impeça o campo elétrico de alcançar os componentes expostos.
2. Danos indiretos: Sobretensões momentâneas nas linhas elétricas podem resultar do EMP, por meio de sobrecargas de corrente que acontecem quando o impulso passa pelas linhas. Este tipo de dano pode realmente queimar as linhas usadas para transmitir a energia elétrica e as comunicações telefónicas.
A proteção contra os danos de Tipo 1 implica isolar o equipamento do impulso colocando-o dentro de uma caixa com revestimento metálico ligada à terra (aquilo que se chama uma “gaiola de Faraday”). Um possível calcanhar de Aquiles desta forma de proteção é o requisito de que o equipamento esteja totalmente isolado do impulso. Mas, uma vez que a maior parte do equipamento elétrico tem fios que o ligam a coisas como tomadas ou a aparelhos de comunicação como um modem, fechar simplesmente o equipamento não serve de nada. É necessário inserir igualmente protetores de sobretensão, folgas entre os elétrodos, ou outros tipos de filtros no ponto de entrada do cabo no equipamento para impedir a sobretensão de atingir o interior da caixa protetora.
Prevenir os danos de Tipo 2 nas linhas elétricas exige o isolamento do equipamento e uma ligação à terra pormenorizada, de maneira a que o impulso elétrico tenha maior facilidade em chegar à terra através da ligação do que através do equipamento.
Infelizmente, robustecer os sistemas é difícil e dispendioso. Além de os equipamentos terem de ser fechados em gaiolas de Faraday, as janelas têm de ser revestidas com redes de metal expandido e as portas têm de ser seladas com juntas condutoras. Felizmente, os cabos de fibra ótica não são suscetíveis aos efeitos do EMP, pelo que a substituição dos cabos de cobre pelos de fibra ótica contribuirá certamente para reduzir a vulnerabilidade geral ao EMP.
Existem também, naturalmente, formas indiretas de proteção contra o EMP, como manter cópias de segurança em caixas protegidas e, antes de mais nada, manter o equipamento fora do alcance do impulso.
Tudo somado
Uma vez que todas as provas apontam para que um EMP seja um fenómeno físico credível, partamos do princípio, em benefício da exposição, de que a ameaça de um ataque de EMP é de facto real, tal como descrevemos nas páginas precedentes. E que dizer da escala temporal e da probabilidade de um tal acontecimento realmente ter lugar?
Antes de mais nada, podemos colocar de parte a noção de um EMP de origem natural. Tanto quanto sabemos, a única maneira de criar um tal impulso é por meio do “engenho” humano. Tem de ser concebido. Ao contrário de muitos dos outros acontecimentos-X debatidos neste livro, a natureza não está metida no negócio de atirar contra nós um ou dois EMP só para manter as coisas animadas.
Dada a facilidade de criar pelo menos um EMP de baixo nível e dado serem bem conhecidos os factos em torno do caos que um tal engenho pode desencadear, deveríamos considerar-nos uns felizardos por até agora não ter havido ataques de EMP. Afinal de contas, há muitos grupos de revoltosos espalhados pelo mundo, muitos deles com acesso ao tipo de capacidades técnicas e ao equipamento necessário para construir pelo menos aparelhos de FCG ou MHD, se não mesmo um gerador nuclear de EMP de larga escala. Talvez a razão seja semelhante à dos argumentos contra a utilização de armas biológicas: o impacto é totalmente não discriminatório. O efeito da arma destrói ou contamina aquela mesma região que o atacante pode querer controlar e utilizar em seu benefício. Um ataque de larga escala com bomba-E pode tornar imprestável a infraestrutura de toda uma sociedade. Disso não há dúvidas. Mas destruir a sua infraestrutura deixa então a maioria dos recursos dessa sociedade indisponível também para o atacante.
É claro, nem todos os atacantes nascem iguais. E há provas suficientes da irracionalidade reinante nos meios terroristas para tornar plausível a ideia de que muitos atacantes potenciais não têm qualquer interesse em assumir o controlo de uma sociedade. Querem, antes, pura e simplesmente destruí-la. Para este tipo de atacantes, uma bomba-E seria praticamente a melhor arma possível. Seria, por certo, bastante melhor do que fazer explodir apenas alguns edifícios ou discotecas. Fácil de construir, com efeitos drásticos, capaz de assegurar o anonimato do atacante, relativamente barata e de fácil acesso – não é difícil imaginar um ataque de EMP no atual clima geopolítico tenso e turbulento.
17. Para o leitor que deseje consultar o relatório online, o título original é: Report of the Comission to Assess the Threat to the United States from Electromagnetic Pulse (EMP) Attack. (N. do T.)
18. Mutually Assured Destruction, no original (N. do T.).
19. Comprehensive Test Ban Treaty, no original. (N. do T.)
20. Teste nuclear realizado a grande altitude pelos Estados Unidos em 1962. (N. do T.)