ACONTECIMENTO-X 6

VARRIDOS DO MAPA

Desestabilização do panorama nuclear

Regresso à Idade da Pedra

Em meados dos anos de 1960, dei comigo a trabalhar como programador de computadores na RAND Corporation, em Santa Mónica, na Califórnia, enquanto, em paralelo, prosseguia os meus estudos de pós-graduação em matemáticas na Southern California University. Nessa altura, tinha já passado a época áurea da RAND como think tank dos militares, estando a organização em vias de reinventar-se como espécie de centro comercial de paragem única para diversas agências federais, estaduais e locais em busca de salvação intelectual para os males políticos e sociais que atingiam as suas clientelas. Mas, persistiam bolsas de resistência dos “bons velhos tempos” disseminadas pelo edifício e, um dia, o meu chefe pediu-me para ajudar um desses “dinossauros”, que estava a estudar a melhor maneira de atingir armas nucleares. Em resultado disso, acabei a programar cenários possíveis para responder à questão da maneira mais eficaz de bombardear Moscovo e devolvê-la à Idade da Pedra. Num toque de ironia, somente alguns anos mais tarde, dei comigo a viver nessa mesma cidade durante quase um ano, no âmbito de um programa de intercâmbio entre a US National Academy of Sciences e a Academia de Ciências Soviética. Pude, por isso, visitar os lugares que antes tinha visto somente no mapa como alvos de elevada prioridade estratégica, para incinerar instantaneamente à primeira oportunidade.

Permitam-me que trace um breve resumo da mentalidade da Guerra Fria prevalecente nessa altura nos poderes instalados do Departamento de Defesa dos EUA e de como isso se transformou em algo muito diferente, e em muitos aspetos bem mais perigoso, relativamente à utilização de armas nucleares. Nos anos de 1960 vivíamos num mundo bipolar, pelo menos no que toca à vaporização instantânea num holocausto nuclear. Os EUA e a União Soviética eram os únicos jogadores sentados à mesa, com o Reino Unido, a França e a China a espreitarem por cimas dos seus ombros, mas sem estarem realmente em posição de tomar decisões unilaterais quanto à utilização dos seus arsenais nucleares muito mais pequenos. Mas, hoje em dia, há oito países que já detonaram armas nucleares, três outros que levaram a cabo testes nucleares, e entre três e sete que se pensa possam possuir este tipo de armas, ou que já as tenham possuído a certa altura e tenham desistido delas na sequência da dissolução da União Soviética. E isto já para não falar dos obscuros grupos terroristas que se diz que compraram uma ou duas bombas nucleares em mercados secretos e ilegais. Por isso, a situação de saber quem as tem e quem não tem torna-se mais obscura a cada dia que passa. Do ponto de vista de um perito em teoria dos jogos, e também de um planificador militar ou de um conselheiro de segurança nacional, esta situação representa uma vasta “complexificação” do mundo com que lidei quando estava na RAND, nos anos de 1960.

O mundo da atual tecnologia nuclear é um bom exemplo da sobrecarga de complexidade em ação. Não só estão em jogo um número indefinido de atores, como a paisagem das armas nucleares inclui de tudo, desde armas “perdidas” da antiga União Soviética, passando por cientistas nucleares desleais que se mudam para o “lado negro”, por esforços continuados de piratas informáticos para penetrar nos sistemas de controlo das armas, até a atores não estatais, como grupos terroristas e Estados párias, que estão atentos à possibilidade de adquirir uma ou duas armas extraviadas à venda no mercado negro. Misture-se tudo isto e acrescente-se o envelhecimento dos sistemas de ogivas, agora possivelmente instáveis, até mesmo nos arsenais nucleares reconhecidos, e acabamos com uma mistura tóxica que pode ter como resultado as armas nucleares rebentarem como foguetes de festa, de um momento para o outro, em várias partes do mundo. Assim, o ambiente nuclear dos nossos dias é, de facto, um modelo exemplar do modo como a sobrecarga de complexidade ameaça desestabilizar toda a estrutura de poder global – da noite para o dia.

Um bom ano para começar esta história é 1960, com a publicação do livro muito controverso intitulado On Thermonuclear War, do físico Herman Kahn, da RAND. O livro abordava, de forma muito desapaixonada e objetiva, as possibilidades e as consequências de uma guerra nuclear total entre os Estados Unidos e a União Soviética. Na altura, os arsenais nucleares de cada um dos países contavam cerca de trinta mil ogivas, um vasto excesso de capacidade de matar no que toca a limpar o adversário da face do planeta. Para termos uma medida comparativa, diga-se que esses arsenais diminuíram agora para “apenas” uns milhares de cada um dos lados. Mas, a complexidade do “jogo nuclear” mundial, no seu todo, mais do que compensou este declínio de poder de fogo puro e duro. Voltando ao livro de Kahn, está pejado de descrições de vários tipos de ataques, de cálculos relativos ao número de pessoas que poderiam ser mortas direta ou indiretamente pela radiação, ao número de propriedades destruídas, e coisas do género. Quase imediatamente após a publicação, o livro foi claramente denunciado, e com bons argumentos, por membros liberais do Congresso dos EUA, por causa da maneira fria e desapaixonada como abordava o que era uma questão carregada de emoções, especialmente naquela altura, relativa à destruição instantânea de muitos milhares de milhões de vidas. A publicidade em torno do livro e do seu autor levaria, mais tarde, o realizador Stanley Kubrick a usar Kahn como uma espécie de modelo para a personagem do Dr. Strangelove no seu filme com o mesmo nome26.

Durante a primeira metade dos anos de 1960, as questões levantadas no livro de Kahn sobre como melhor conquistar vantagem estratégica num conflito a dois conduziram a uma imensa quantidade de trabalho matemático na RAND sobre a teoria dos jogos em estratégia, um campo de estudo iniciado em 1947 pelo matemático John von Neumann e pelo economista Oskar Morgenstern no contexto da competição económica. As tensões estratégicas entre os Estados Unidos e a União Soviética eram um terreno especialmente fértil para o desenvolvimento da “teoria dos jogos”, uma vez que envolviam somente jogadores que presumivelmente agiam racionalmente ao decidir as suas ações em cada nível do jogo. Acresce que não era absurdo supor que as interações entre os jogadores eram de “soma zero”, querendo isto dizer que os ganhos de um eram igualados pelas perdas do outro. Estes jogos de soma zero entre dois opositores racionais são, na verdade, o único tipo de jogos para os quais existe uma teoria matemática inteiramente satisfatória e para os quais podemos de facto calcular as estratégias ótimas para cada jogador. Assim, embora as tensões reais da Guerra Fria não fossem por certo inteiramente ajustadas a este molde, a aproximação era suficiente para se poder usar a teoria dos jogos a fim de chegar a um conjunto de conclusões que pelo menos parecessem razoáveis, dadas as pressuposições idealistas subjacentes à teoria.

Após muitos anos de estudo, debates e discussões e negociações políticas e militares, a principal estratégia que emergiu para ambos os países foi o atualmente bem conhecido conceito MAD, um acrónimo de Destruição Mútua Assegurada27. O sistema MAD começou com o reconhecimento de que cada lado tinha acumulado um arsenal nuclear (e desenvolvido métodos para a sua utilização) que iriam garantir a destruição total (em muitas vezes) do outro lado. Assim sendo, se sou atacado pela força total do meu adversário, tenho, apesar disso, capacidade para o destruir completamente num contra-ataque. É claro que, para garantir esse contra-ataque destruidor, uma parte ainda eficazmente letal das minhas próprias armas tem de ser capaz de sobreviver à onda inicial do bombardeamento. Isto conduziu aos três pilares do sistema de ataque nuclear dos EUA – terra, mar e ar – consistindo em silos de mísseis subterrâneos, submarinos nucleares e aviões dotados de armas nucleares em voo durante 24 horas por dia. Tanto quanto é publicamente conhecido, esta estratégia continuou a ser usada até aos dias de hoje, não obstante o facto de a fiabilidade do MAD estar reduzida de forma drástica precisamente por haver demasiados jogadores em jogo (demasiada complexidade). No final do capítulo vou explicar a razão de isto ser assim. Um aspeto adicional a ter em conta é que, mesmo com apenas dois jogadores, a estratégia MAD só é eficaz contra um ataque deliberado do nosso opositor.

Infelizmente, um ataque premeditado é apenas uma das maneiras que podem detonar uma arma nuclear. Há muitas outras. De facto, Fred Ikle, do RAND, já em 1958 defendia a muito maior probabilidade de a próxima nuvem-cogumelo vir a acontecer em resultado de um simples acidente ou erro de cálculo do que devido a um ataque calculado e deliberado. E há muitos casos de acidentes envolvendo armas nucleares que podiam muito facilmente ter tornado realidade esta possibilidade. Felizmente, não foi o caso. Apenas em jeito de ilustração, eis dois exemplos concretos do que poderia ter acontecido.

A 17 de janeiro de 1966, teve lugar uma colisão entre um bombardeiro nuclear americano B-52 e um avião de reabastecimento KC-135, durante o reabastecimento do bombardeiro sobre a localidade de Palomares, no sul de Espanha. O avião de carga explodiu, despedaçando o B-52 e provocando a queda de destroços dispersos sobre uma área de mais de mil e seiscentos quilómetros quadrados. Uma das quatro armas nucleares a bordo do B-52 caiu mais ou menos intacta, enquanto os “iniciadores” explosivos de duas outras bombas explodiram no momento do impacto com o solo e dispersaram destroços radioativos sobre a localidade e os seus arredores. A quarta bomba do avião caiu no mar e foi recuperada por mergulhadores três meses após o acidente. Para não permitir que sejam superados pelos americanos, eis uma história semelhante do lado russo.

Uma prática habitual durante a Guerra Fria era os submarinos de propulsão nuclear (e portadores de armas igualmente nucleares!) seguirem as frotas militares do opositor. Durante um desses muitos encontros perigosos do género militar, o porta-aviões americano USS Kitty Hawk chocou com um submarino soviético de classe Victor, a 21 de março de 1984, no mar do Japão. Dizia-se que o Kitty Hawk tinha a bordo várias dezenas de armas nucleares, enquanto se pensava que o submarino soviético fosse dotado de dois torpedos nucleares. Felizmente, nenhuma dessas armas se perdeu nem foi danificada pela colisão.

Estes são apenas dois exemplos (entre muitos) para ilustrar como simples acidentes humanos ou erros de cálculo poderiam desencadear um acidente nuclear grave. Estes casos mostram a complexidade a entrar no fosso crescente entre os “reguladores” (o governo e os militares) dos EUA e da União Soviética que tentam controlar a crescente complexidade dos sistemas de armas nucleares dos ramos de terra, ar e mar. Os sistemas estavam a tornar-se mais complexos a uma velocidade muito superior à dos procedimentos reguladores, um fosso que foi, felizmente, aliviado por vários pequenos acontecimentos-X do género que acabei de descrever, em vez de por um “do tipo grande”. De facto, durante o período que mediou entre 1950 e 1993, a Marinha dos EUA terá tido pelo menos 380 (!) incidentes com armas. Durante esse período, os acidentes tiveram como resultado a perda de 51 ogivas nucleares (44 soviéticas e sete dos EUA), bem como de sete reatores nucleares de submarinos perdidos (cinco soviéticos e dois dos EUA). Outros 19 reatores nucleares de submarinos retirados do serviço foram simplesmente atirados ao mar (18 soviéticos e um dos EUA).

Estes números representam somente aquilo que é do conhecimento público sobre acidentes dos EUA e da União Soviética até ao fim da Guerra Fria. Dada a natureza delicada do assunto, não é inverosímil que muita coisa tenha sido mantida em segredo por ambos os lados. Nem custa muito imaginar que as outras potências nucleares tiveram acidentes semelhantes e perderam armas e reatores. É claro que uma coisa é ter um acidente, mesmo um que espalhe radioatividade numa vasta área do mar. Outra bem diferente é desencadear deliberadamente uma explosão nuclear. As armas nucleares têm muitas salvaguardas integradas para prevenir justamente a ocorrência de uma detonação acidental. Até agora, esses controlos funcionaram, embora, mesmo sem uma verdadeira explosão, os custos dos arsenais nucleares mundiais nos planos financeiro, de segurança, de saúde e ambiente sejam imensos.

Inverno nuclear

A Ambio é uma revista ambientalista muito respeitada, publicada pela Academia Real de Ciências da Suécia. Por volta de 1980, os editores pediram ao cientista holandês Paul Crutzen e ao seu colega americano John Birks para prepararem um artigo sobre os efeitos atmosféricos de uma guerra nuclear. Sendo químicos da atmosfera, Crutzen e Birks pretendiam de início centrar-se exclusivamente no aumento da quantidade de radiação ultravioleta que atingiria a superfície terrestre em resultado de uma guerra nuclear. Mas, por um desses golpes do destino que acontecem com tanta frequência, e sem razão, na história dos grandes avanços científicos, decidiram inexplicavelmente dar atenção também ao fumo dos incêndios. Cálculos preliminares convenceram Crutzen e Birks de que um confronto nuclear poderia gerar fumo suficiente para tapar completamente o Sol em metade do planeta durante semanas a fio. A publicação do seu artigo no número de novembro de 1982 da Ambio estimulou trabalhos de muitos outros cientistas sobre a relação entre o fogo e o fumo de explosões nucleares e o escurecimento do Sol, levando a um estudo importante e a uma conferência, no final de 1983, que suscitou preocupação entre os cientistas e o público em geral quanto ao problema do “inverno nuclear”.

Estudos posteriores indicaram que as principais consequências ambientais de uma guerra nuclear deverão ser: (1) fumo espesso na troposfera, (2) poeiras escuras na estratosfera, (3) precipitação de destroços radioativos e (4) destruição parcial da camada de ozono. Esta lista mostra, por acaso, por que motivo tais efeitos climáticos não foram observados durante o período de testes atmosféricos de armas nucleares anterior ao Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares, assinado em 1963. Os ensaios foram todos levados a cabo em terrenos desérticos, em atóis de coral ou na tundra. Estes testes não causaram fogos; logo, não fizeram fumo.

Vejamos as partes deste quadro tenebroso com mais pormenor.

1. As explosões nucleares enviaram de imediato poeiras, radioatividade e vários gases para a atmosfera. O pó expelido da superfície era suficiente para construir uma barragem no Canal da Mancha com quase quinhentos metros de altura e trinta de espessura.

2. As explosões causam fogos, queimam cidades, florestas, combustíveis e prados nos países em guerra.

3. Os incêndios enviam colunas de fumo e gases a grande altitude na troposfera. Dentro de uma ou duas semanas, algum do pó, da radioatividade e do fumo são levados a outras partes do mundo pelos ventos.

4. Ao mesmo tempo, nuvens de fumo espalham-se em volta da Terra nas zonas situadas nas latitudes médias, desde o Texas à Noruega. O pó vai assentando no solo durante um período de semanas ou meses.

5. Sob as nuvens de fumo e de pó, a luz do dia fica reduzida a trevas durante vários dias e a um sombrio crepúsculo durante semanas.

6. As temperaturas baixam na terra sob as nuvens de fumo e de pó. Se o confronto nuclear tiver lugar na primavera ou no verão, esta queda das temperaturas é comparável à diferença entre verão e inverno (“inverno nuclear”). As temperaturas médias provavelmente não voltarão ao normal durante mais de um ano e o clima sofre perturbações por um período bem mais longo.

7. Quando o pó e o fumo se desvanecem, a superfície da terra é exposta a danos adicionais causados por radiação ultravioleta resultante da destruição parcial da camada de ozono.

Estas são as etapas principais no caminho para o inverno nuclear. Podemos realmente esperar reduções tão drásticas das temperaturas por um período tão alargado? Ou trata-se apenas de histórias assustadoras contemplando o pior cenário possível, fabricadas para atrair as atenções dos media para um aspeto até agora descurado do horror da guerra nuclear?

Na sequência da publicação do estudo de Crutzen-Birks, Carl Sagan e dois dos seus antigos alunos, James B. Pollack e O. Brian Toon, do Ames Research Center, da NASA, em conjunto com Richard Turco e Thomas Ackerman, levaram a cabo um extenso conjunto de cálculos para verificar as estimativas apresentadas no artigo da Ambio. O grupo de Sagan tinha já sido sensibilizado para a possibilidade de perturbações climatéricas importantes devidas ao pó na atmosfera pelo trabalho que tinha realizado sobre a sonda Mariner 9 enviada para Marte em 1971. Ao que parece, quando a sonda chegou, estava em curso uma gigantesca tempestade de areia marciana. Enquanto esperava que a tempestade amainasse, Sagan reparou que os instrumentos da sonda registavam temperaturas atmosféricas consideravelmente mais elevadas, bem como temperaturas de superfície muito mais baixas do que o normal. Posteriormente, o grupo de Sagan começou a aplicar algumas das técnicas utilizadas na análise da tempestade de poeira marciana a um fenómeno semelhante criado por erupções vulcânicas na Terra. Desse modo, quando o relatório Crutzen-Birks foi publicado, a equipa da NASA estava bem colocada para fazer uma investigação computacional pormenorizada da situação.

Utilizando o seu modelo, o grupo de Sagan apresentou um ensaio que se tornou famoso nos círculos de defensores do inverno nuclear – e não somente devido aos seus aspetos científicos. Esse ensaio, conhecido pelo rótulo “TTAPS”, criado com as iniciais dos apelidos dos seus cinco autores, foi publicado na prestigiada revista americana Science imediatamente antes do Natal de 1983. Para potenciar a exposição pública das conclusões do artigo, Carl Sagan organizou uma conferência de Imprensa de pré-publicação no Halloween, para anunciar as conclusões assustadoras do estudo. Segundo um mexerico científico não confirmado, entre alguns setores da comunidade de peritos em climatologia circulava um rumor, dizendo que Sagan escolhera aquele momento especialmente dramático para chamar a atenção do público para a hipótese do inverno nuclear num esforço para obter apoios para a nomeação ao Prémio Nobel da Paz. Bom, e porque não? Afinal de contas, o subsequente diálogo Este-Oeste sobre questões científicas e políticas em torno da hipótese do inverno nuclear suscitadas pelas conclusões do ensaio, merecem, seguramente, algum tipo de reconhecimento.

O grupo TTAPS concluiu que um confronto nuclear de grandes dimensões no Hemisfério Norte resultaria numa descida de curto prazo das temperaturas de quase quarenta graus (Fahrenheit) e num tempo de recuperação total de cerca de um ano. Para se poder comparar, até mesmo uma descida de somente um grau num longo período de tempo eliminaria todo o trigo cultivado no Canadá, e uma descida de dez graus é típica de uma Idade do Gelo. Mas o modelo TTAPS não estava imune a críticas: era unidimensional no seu pressuposto de que as partículas de pó e fumo podiam deslocar-se verticalmente, mas não espalhar-se pelo espaço. Este tipo de pressuposição parte do princípio de que a atmosfera se limita a estar aí e a irradiar energia para cima e para baixo. Por outras palavras, o modelo não admite qualquer movimento de energia de um local para outro pela superfície do globo ou pela atmosfera.

Nos anos transcorridos desde o estudo TTAPS, uma série de investigadores alargou substancialmente o alcance da construção de modelos dos efeitos das explosões nucleares, recorrendo a modelos de circulação global tridimensionais do tipo empregado pelos meteorologistas para prever o estado do tempo. Um dos pioneiros neste esforço foi o falecido climatologista Stephen H. Schneider, da Universidade de Stanford. Enquanto trabalhava no National Center for Atmospheric Research (NCAR), em Boulder, no Colorado, publicou, em 1988, um resumo do estado das coisas no modelo do inverno nuclear.

Schneider e os seus colaboradores concluíram que os efeitos climatéricos serão provavelmente bem menos rigorosos do que referido no ensaio TTAPS. Apresso-me a sublinhar que isto não significa que não haja problemas. Muito longe disso, na verdade. No entanto, as baixas de temperaturas previstas para o verão de entre cinco a quinze graus seriam mais como a diferença entre verão e outono do que entre verão e inverno. Esta conclusão de Schneider, que partilhou o Prémio Nobel da Paz de 2007 pela sua contribuição para o trabalho do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC)28, levou-o a rebatizar a situação prevista como “outono nuclear”. A sua conclusão geral foi que “é improvável que os efeitos climáticos da guerra nuclear, por si só, sejam mais devastadores para os países em confronto do que os efeitos diretos da utilização de muitos milhares de armas nucleares”. Mas o relatório alerta que toda a abordagem depende de pressupostos quanto ao comportamento humano relativamente ao que constitui um cenário plausível para ataques nucleares. Estudos mais recentes, realizados em 2007 por alguns dos investigadores originais do TTAPS, contradizem este quadro cor-de-rosa, mostrando que até mesmo um confronto nuclear de pequenas proporções mergulharia a Terra em temperaturas mais frias do que as da Pequena Idade do Gelo (1600-1850), com efeitos que durariam mais de uma década. Parece, pois, que a ameaça é bem real – e bem imediata.

Antes de entrar em mais horrores de um violento confronto nuclear regional ou global, vou preparar o palco examinando primeiro um tipo de cenário muito mais próximo do que poderíamos esperar de um ataque terrorista do género do de 11 de Setembro, envolvendo uma única “pequena” bomba de 150 quilotoneladas, cerca de dez vezes maior do que a bomba Little Boy que arrasou Hiroxima em 1945. Este é o tipo de situação que mais preocupa os peritos em terrorismo, uma vez que muitas armas nucleares mais ou menos deste tamanho, pertencentes ao arsenal nuclear da antiga União Soviética, perderam-se no período após a desagregação do regime comunista. E quem pode dizer quantas mais andam por aí, na posse do movimento terrorista global, roubadas de instalações de armas de poderes nucleares não assumidos como Israel ou a África do Sul, já para não falar de áreas instáveis como o Paquistão. Não é de todo implausível imaginar algumas dessas bombas a aparecerem – ou a rebentarem. Para tornar este quadro o mais realista possível, vou recorrer a esse modelo de todos os ataques terroristas, a ilha de Manhattan, como cenário para este exercício envolvendo uma explosão ao nível do solo de uma bomba de 150 quilotoneladas, o que, como sublinhei em cima, é uma arma nuclear “pequena”.

11 de Setembro redux

Está um dia de primavera límpido em Manhattan, com uma ligeira brisa a soprar de este. As pessoas passeiam a meio do dia, gozando o sol e o tempo agradável. A habitual multidão de turistas aglomera-se em volta da entrada do elevador para o Empire State Building, à espera de subir à torre panorâmica para contemplar a cidade neste dia perfeito. Ninguém repara no veículo de distribuição estacionado na curva com a Rua Trinta e Quatro, perto da fila de turistas. Ao meio-dia, uma luz ofuscante irrompe do camião e menos de um segundo depois todo o centro de Manhattan pura e simplesmente… desaparece. Até mesmo os edifícios mais solidamente reforçados de aço e betão numa área a cerca de um quilómetro do Empire State Building são totalmente arrasados, locais emblemáticos como o Madison Square Garden, a Penn Station e a New York Public Library pura e simplesmente desaparecem, como se por magia (negra).

A imensa sobrepressão do rebentamento não se limita a destruir os edifícios, matando num único segundo cerca de setenta e cinco mil pessoas, a população diurna da área de um quilómetro quadrado em torno do Empire State Building. Aqueles que estavam na linha direta da explosão são completamente atomizados – não restam corpos, nem cinzas, nada. Os que estavam dentro de edifícios morrem pouco depois da queda dos prédios.

Quinze segundos mais tarde, a zona danificada pela explosão alarga-se por mais de seis quilómetros com uma sobrepressão na área externa de uma libra por polegada quadrada (psi). Na zona limite do círculo mais distante de danos, que se alarga da Estátua da Liberdade, no sul, até Queens, no leste, Harlem, no norte, e ao outro lado do Rio Hudson até Nova Jérsia, no oeste, há danos moderados em edifícios não reforçados de tijolo e de madeira, enquanto os edifícios reforçados sofrem somente danos ligeiros.

Felizmente, boa parte desta zona de destruição está sobre água, reduzindo assim o número de vítimas. No anel exterior da área danificada, há poucas vítimas e apenas cerca de trinta mil pessoas ficam feridas diretamente devido ao calor. Mas a luz ofuscante da detonação causa queimaduras permanentes na retina a cerca de 30 quilómetros do centro da explosão. Uma vez que se trata de uma detonação ao nível do solo, as lesões na vista são muito menores do que se tivesse sido uma explosão no ar, milhares de metros acima da cidade.

Esta exposição ignorou até agora os destroços radioativos e a precipitação de cinzas a partir da superfície da explosão. A queda inicial de cinzas será grande, muito maior do que a causada por uma explosão aérea. Flutuará lentamente em direção ao solo, criando uma zona elíptica de precipitação de cinzas concentrada no leste de Manhattan e oeste de Queens e Brooklyn, onde, no espaço de um mês, 10 a 35 por cento da população morrerá devido à exposição à radiação.

Em resumo, a explosão de 150 quilotoneladas destruiria mais de 30 quilómetros quadrados de propriedades, mataria mais de oitocentas mil pessoas, causaria ferimentos em mais novecentas mil e conduziria a estragos adicionais por causa de incêndios resultantes de roturas em condutas de gás, destroços em chamas e fugas de gasolina de veículos destruídos (embora os estragos causados por fogos não fossem tão grandes como seriam caso a explosão tivesse sido numa área mais rural em vez de centrada numa grande cidade). Não é muito arriscado concluir que Nova Iorque nunca mais recuperaria a sua posição atual de centro financeiro, cultural e de negócios.

Com esta história arrepiante como pano de fundo, podemos agora perguntar: Quão grave seria um confronto nuclear global? Vejamos alguns desses “mundos hipotéticos”, para ficarmos com uma ideia das possibilidades.

Entretanto, de regresso ao século XXI

No momento em que escrevo este livro, a Imprensa internacional está a relatar uma história sobre chefes militares israelitas que agitam os sabres e pedem um ataque preventivo às fábricas iranianas de processamento de combustível nuclear. Este cenário específico parece ser, neste momento, o “prato do mês” daquilo que se considera a mais provável forma de desencadeamento de uma chamada guerra nuclear limitada. Mas, como iremos ver dentro de momentos, a simples ideia de uma guerra nuclear “limitada” é quase um oximoro e, na estrutura geopolítica estreitamente interligada na qual vivemos hoje, uma guerra limitada quase de certeza escalaria, tornando-se algo bem mais global do que qualquer líder político estaria disposto a admitir publicamente. Eis um pequeno esboço de como esta escalada poderia ter lugar.

> Quando a beligerância do Irão contra Israel aumenta, os israelitas fazem um ataque aéreo preventivo utilizando armas convencionais contra as instalações de processamento de combustível nuclear.

> O Irão responde com um ataque esmagador de mísseis armados com explosivos convencionais, bem como com ogivas químicas, biológicas e radiológicas.

> Israel responde com ataques nucleares contra o Irão e, como medida preventiva, também contra o Paquistão.

> Revoltado, o Paquistão retalia contra Israel, lançando um ataque nuclear preventivo contra o seu inimigo comum (seu e de Israel), a Índia, que depois responde na mesma moeda.

> Israel ataca agora as capitais árabes e muçulmanas, bem como a Europa e a Rússia “anti-semitas”.

> Os comandantes regionais russos desencadeiam um ataque nuclear contra Israel, contra os seus aliados Estados Unidos e contra os aliados europeus dos EUA. A Rússia ataca igualmente a China, de maneira a destruir a sua capacidade nuclear antes que possa utilizá-la.

> Os Estados Unidos atacam a Rússia e visam igualmente as forças nucleares da China num ataque preventivo.

> A China usa todas as armas nucleares que lhe restam contra a Rússia, os Estados Unidos e a Índia, que depois, por seu lado, lançam um contra-ataque contra a China.

Este cenário, embora fantasista em alguns aspetos, não é de todo mera “ficção apocalíptica”. E, de facto, aqueles que considerarem a sequência acima descrita como literalmente “inacreditável” deveriam atentar na sequência de acontecimentos que conduziu ao desencadear da Primeira Guerra Mundial como remédio para a falta de imaginação e vistas curtas. Isto não equivale a dizer que este cenário seja provável. E, de facto, se começasse a desencadear-se, os pormenores seriam quase de certeza diferentes. Mas isso são pormenores; o resultado final seria quase de certeza o mesmo: um acontecimento local a escalar muito rapidamente para uma troca nuclear de larga escala envolvendo muitos, se não mesmo todos, os poderes nucleares declarados e os não declarados.

O cenário descrito mostra o efeito borboleta em ação, pois o choque aparentemente localizado, embora de modo algum trivial, de Israel a bombardear as instalações nucleares do Irão com armas convencionais rapidamente entra em escalada em direção a algo que corresponde a um confronto nuclear global. Em resumo, o bater de umas pequenas asas em Jerusalém desencadeia um incêndio persistente em todo o mundo.

As notas e referências do final do livro listam inúmeras fontes de cenários deste género que conduzem a um confronto nuclear de larga escala. Todos estes cenários envolvem um conflito local (Índia-Paquistão, China-Taiwan, Coreia do Norte-Coreia do Sul, Israel-Líbano/Síria, terroristas desconhecidos em qualquer lado) que rapidamente se descontrola, arrastando muitas potências nucleares e acabando por conduzir a um holocausto nuclear global. Vale a pena pensar nestes cenários no contexto das quatro formas principais que podem conduzir ao seu desencadeamento.

Agressiva: Um ou mais países decidem usar armas nucleares contra outros países nucleares ou não nucleares, de maneira a promover um objetivo militar, político ou económico. Isto poderia acontecer, ou como parte de uma guerra em curso, ou como um primeiro ataque nuclear (o país em causa pode alegar, é claro, que se trata de um ataque preventivo, retaliatório ou até acidental).

Acidental: Uma vez que tanto os Estados Unidos como a Rússia possuem sistemas de “lançamento após alerta”, que disparam mísseis antes de poder confirmar-se que um ataque nuclear está em curso, quaisquer tensões entre esses poderes podem conduzir a uma guerra nuclear total em trinta minutos após um alerta – independentemente de se poder chegar à conclusão de que esse alerta era um engano.

Preventiva: Um ou mais países acreditam (corretamente ou incorretamente), ou afirmam acreditar, que outro país está a criar e a desenvolver capacidade nuclear, ou, caso seja já uma potência nuclear, está à beira de utilizar armas nucleares contra alvos nucleares, militares, industriais ou civis no seu território e ataca preventivamente esse país. Isto pode ser o resultado de “jogadas” políticas ou militares.

Retaliatória: Um país ou um grupo utiliza armas nucleares em resposta a um ataque nuclear – ou até mesmo em retaliação por um ataque com explosivos convencionais, químicos ou biológicos de um país não nuclear.

Ao olhar esta lista de possibilidades reparo nas suas semelhanças com uma lista do género que poderia muito bem ter delineado nos anos de 1960, quando trabalhava na RAND. Mas, há igualmente diferenças importantes entre esses tempos mais despreocupados e o mundo no qual vivemos hoje. Eis somente algumas das diferenças que tornam o nosso mundo de hoje imensamente mais complexo e muito mais perigoso do que esses tempos áureos de há quase meio século.

Ataques regionais: Muitos destes cenários que hoje em dia parecem plausíveis envolvem disputas regionais que acabam por arrastar as principais potências para um confronto. O cenário Israel-Irão delineado atrás é um exemplo perfeito disto. Mas há muitos outros: Índia-Paquistão ou Coreia do Norte-Coreia do Sul para referir apenas dois. É difícil pensar em conflitos locais análogos da altura do auge da Guerra Fria, com exceção da crise dos mísseis de Cuba, que tivessem um tão elevado potencial para escalar e tornar-se confrontos termonucleares de larga escala.

Acidentes: Já referi que os acidentes desempenharam um papel importante nos terrores nucleares que tiveram lugar desde o surgimento desse tipo de armas. Mas, com o colapso da União Soviética, juntamente com o aumento drástico do número de centrais nucleares que podem ficar fora de controlo, os acidentes são hoje, mais do que nunca, um fator capaz de causar danos radioativos nas populações humanas.

Terrorismo: A simples menção de terroristas teria sido recebida com olhares vazios nos anos de 1960. Agora já não. As inúmeras fações obscuras em funcionamento pelo mundo, cada uma delas com a sua própria agenda, tomadas em conjunto com as armas nucleares da antiga União Soviética e de outros países, cujo paradeiro se desconhece, conduzem a perigos inteiramente novos e estranhos a análises ao estilo da Guerra Fria. E isto nada nos diz sobre a ideia de um “estado pária” como a Coreia do Norte possuir capacidade nuclear. Como expliquei em cima, basta uma única arma de baixa capacidade para pôr de joelhos uma grande cidade – e provavelmente para desencadear um confronto nuclear de larga escala.

Ataques “III”: A pletora de materiais radioativos produzidos nos reatores das centrais nucleares em todo o mundo dá origem a um conjunto muito aumentado de possibilidades de envenenamento das populações por meio dos chamados ataques de Imersão, Ingestão e Inalação. A morte do antigo oficial do KGB Alexander Litvinenko, que bebeu polónio-210 numa chávena de chá num hotel de Londres, em 2006, é um exemplo especialmente bem documentado deste tipo de ataques. Como noutros casos, muito pouca atenção era prestada a tal tipo de catástrofes – acidentais ou deliberadas – no tempo da Guerra Fria.

Poderia pensar-se que uma boa maneira de prevenir um ataque nuclear seria agir para proteger as populações, atacar com precisão para evitar danos colaterais e coisas do género. Contudo, paradoxalmente, pode defender-se que boa parte desses procedimentos, embora possam parecer eficazes contra ataques nucleares, tornam na verdade tais ataques mais prováveis e não menos. Tais esforços podem efetivamente ser vistos como ações que alargam um fosso de complexidade em vez de o estreitarem. Antes de fechar este capítulo, passemos rapidamente em revista algumas ideias sobre a limitação de danos que foram propostas, mostrando por que razão tendem a encorajar um ataque em vez de o dissuadirem.

Abrigos: Tendo crescido na Costa Oeste da América nos anos de 1950, recordo histórias de pessoas que construíram abrigos subterrâneos nos jardins para se protegerem, e às suas famílias, em caso de um ataque “inesperado” da União Soviética aos Estados Unidos. Alguns destes abrigos privados ainda existem, mas são usados hoje em dia sobretudo como adegas ou arrecadações. Mas, na altura debatia-se bastante a construção, por parte do governo, de abrigos de grandes dimensões capazes de albergar centenas ou até milhares de pessoas. À primeira vista, isto parece uma boa ideia. Mas, um pouco de reflexão mostra que não é. Eis porquê.

Antes de mais nada, a simples existência de uma rede de abrigos poderia facilmente encorajar os líderes de um país a lançarem um primeiro ataque, uma vez que os seus cidadãos estariam protegidos pelos abrigos. De facto, os abrigos, pela sua própria natureza, servem para eliminar a parte da “destruição assegurada” do acrónimo MAD. Pela mesma ordem de ideias, os líderes de um país inimigo sem abrigos poderiam muito bem sentir-se tentados a lançar um ataque preventivo, pois podiam sentir que estariam na iminência de serem atacados. Em qualquer dos casos, o clima psicológico muda para pior se um dos lados construir abrigos e o outro não o fizer. Argumentos semelhantes aplicam-se a qualquer tipo de sistema de defesa espacial, tal como a Space Defence Initiative (SDI) proposta pelo presidente Ronald Reagan nos anos de 1980. É claro que se todas as partes construírem abrigos ou desenvolverem SDIs não há ganhos claros para ninguém e toda a situação reverte ao status quo ante. No plano da complexidade, o que está a acontecer aqui é que o lado que constrói abrigos está a aumentar a sua complexidade, enquanto a complexidade do outro lado permanece inalterada. Assim sendo, os abrigos alargam o fosso, tornando a situação mais perigosa do que antes de terem sido construídos.

Guerra limitada: O conceito de guerra limitada, de um tipo que circunscreva cuidadosamente a área geográfica a ser destruída, é consideravelmente apelativo. Um chamado ataque cirúrgico, que destrói o centro de comando do opositor ou as instalações de construção de armas, deixando tudo o resto intocado, é debatido com frequência. O cenário delineado há algumas páginas envolvia justamente um ataque cirúrgico de Israel contra as instalações nucleares do Irão. E, como pudemos ver, tem o potencial de se tornar de imediato uma guerra sem limites em vez de “limitada”. Foi perguntado aos planificadores nucleares, e até mesmo aos políticos encarregados da defesa de um país, se pensavam que se podia evitar a escalada de um desses ataques limitados para uma guerra de larga escala. A sua cândida resposta é habitualmente (quando estão longe dos microfones) algo deste género: “Não faço a mais pequena ideia!” Portanto, é um risco imenso falar de uma guerra limitada, pensando que pode de facto ser delimitada e não desencadear um confronto nuclear global de larga escala.

Mísseis precisos: Estreitamente associada à noção de uma guerra limitada está a de que se tivéssemos mísseis muito precisos capazes de atingir e destruir outros mísseis nos seus silos subterrâneos em vez de civis nas suas casas, isso daria origem a uma guerra limitada. O aperfeiçoamento de tais mísseis conduz à ideia de lançar um primeiro ataque numa guerra nuclear “capaz de ser vencida”. O argumento subjacente é o de que, ao decapitar o inimigo com mísseis de precisão, a sua capacidade para responder fica tão seriamente deteriorada que “só” alguns milhões de pessoas morreriam num contra-ataque.

Redução de armas: Por vezes as pessoas argumentam, de forma compreensível, que limitar o número de armas ajuda a reduzir a probabilidade de um ataque, defendendo a teoria de que menos armas equivalem a menos perigo. Afinal de contas, cada ogiva desativada é menos uma arma que poderia ser disparada. Podemos defender igualmente o argumento contrário, a saber, que ao limitar o arsenal nuclear de cada um dos lados estamos na verdade a tornar um primeiro ataque mais tentador. A base do raciocínio é que se um primeiro ataque destrói, digamos, 90 por cento do arsenal do adversário, então isso deixaria somente um pequeno número para um contra-ataque. O jogo favorece então grandemente o lado que age primeiro. Mas, se o arsenal sob ataque for suficientemente vasto, então, até os remanescentes 10 por cento são mais do que suficientes para dissuadir o tal primeiro ataque.

Tudo somado

Dada a combinação de um cada vez maior número de conflitos regionais e locais envolvendo armas nucleares, do aumento das possibilidades de acidentes nucleares com tantos países que possuem, ou trabalham para possuir, armas desse tipo, e dada ainda a ameaça permanente de um grupo, ou grupos terroristas adquirirem armas “perdidas”, o nível global de risco é muito elevado e aponta no sentido de um incidente nuclear num futuro relativamente próximo. Na verdade é muito surpreendente que não tenha ainda acontecido. Isto conduz à conclusão infeliz, mas inevitável, de que um confronto nuclear de larga escala continua a ser uma das mais graves ameaças para a humanidade.

26. Dr. Estranho Amor. (N. do T.)

27. Mutual Assured Destruction. O dado curioso desta sigla/designação é que, em inglês, mad significa doido, louco, algo bem adequado para designar os efeitos de um “jogo” que poderia resultar na extinção da Humanidade. (N. do T.)

28. Intergovernmental Panel on Climate Control, no original. (N. do T.)