ACONTECIMENTO-X 11

A GRANDE DISSOLUÇÃO

A deflação global e o colapso dos mercados financeiros mundiais

Em Washington D.C.

No muito interessante livro campeão de vendas sobre temas financeiros The Day After the Dollar Crashes, o analista e comentador Damon Vickers pinta um cenário de uma semana que leva de um dia normal nos mercados de capitais a uma grande campanha de bases pela reforma do sistema político na América. Eis alguns marcos da viagem de Vickers entre a normalidade e a loucura, com um regresso final ao ponto de partida.

Quarta-feira, 10 da manhã: O governo dos EUA está a fazer o seu leilão habitual de títulos do tesouro, pedindo ao mundo para financiar o extravagante estilo de vida americano. Os Estados Unidos há décadas que pedem emprestado a um para pagar a outro, pelo que o Ministério das Finanças espera mais um leilão de rotina da sua dívida, para manter em funcionamento esse esquema Ponzi global41. Mas, para grande choque do governo e dos mercados financeiros, o mundo finalmente ergue-se e diz: “Nem pensar!”

Domingo (fim da tarde) a segunda-feira (manhã), Nova Iorque e Ásia: Dadas as interligações intrincadas e as muitas correlações ligando os mercados financeiros globais (elevada complexidade de rede), logo que a dívida dos EUA não consegue encontrar compradores os mercados de capitais asiáticos entram em queda, causando um efeito dominó nos mercados de todo o mundo. A Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE) abre às 9h30 da manhã e fecha vinte minutos depois, esmagada por uma avalanche de ordens de venda.

Terça-feira, 11h30 da manhã: A NYSE abre com duas horas de atraso depois de os mercados globais terem sofrido uma quebra de quase dez por cento desde o fecho de sexta-feira.

Sexta-feira, duas da tarde: Após uma recuperação ligeira que durou desde terça-feira até à manhã de sexta-feira, as bolsas da Europa e dos Estados Unidos continuam em queda, apesar de um grande aumento das taxas de juro nos EUA.

A história torna-se ainda mais feia, pois toda a gente está a vender tudo – ações, obrigações, moedas, mercadorias. Reina a confusão e o pânico alastra pelo globo. Na quarta-feira o FMI e outras instituições financeiras globais estabelecem um novo sistema de câmbio, decretando que todos os países deixem de imprimir as moedas nacionais. E assim vão as coisas. Questão: Isto é somente uma fantasia cozinhada para titilar a imaginação? Ou há uma possibilidade real de algo semelhante a este género de pânico vir de facto a acontecer?

Esta questão é mais do que uma curiosidade para qualquer pessoa que tenha uma conta no banco, um emprego, um negócio ou que, pura e simplesmente, gaste dinheiro. A economia global é uma coisa assombrosa, com um PIB global próximo dos 100 biliões de dólares. O sistema financeiro composto por bancos, casas de corretagem, associações de aforradores e prestamistas, e coisas do género, serve de veículo por meio do qual este imenso mar de dinheiro se desloca de um lado para o outro consoante as necessidades. Por isso, uma paragem (ou um colapso, é só escolher) do sistema financeiro seria como deitar areia no sistema de lubrificação do seu carro. O carro não vai longe sem lubrificação e o mesmo acontece com a economia mundial sem o sistema financeiro global. Voltemos agora à questão de saber se o cenário delineado há pouco é uma imagem realista do que pode acontecer ou somente uma fantasia de um pensador ocioso.

Para responder a isto, basta olhar para as notícias dos primeiros dias de Agosto de 2011, mudar uns quantos pormenores do cenário de Vickers para refletir as preocupações globais com a crise da dívida na Zona Euro, onde a Grécia estava (está?) a ameaçar entrar em incumprimento quanto à sua dívida soberana, adicionar o downgrading da dívida do governo dos EUA por parte de uma agência de rating, que por seu lado assusta os investidores que começam agora a preocupar-se com a fiabilidade do crédito das finanças dos Estados Unidos, e depois polvilhar o todo com um pouco de preocupações bem fundadas com a determinação dos representantes norte-americanos em atuarem no interesse do país em vez de no seu interesse pessoal.

Para um pânico à maneira de Vickers se desencadear, seria necessário satisfazer várias condições mais ou menos ao mesmo tempo. Entre elas inclui-se uma fragilidade sistémica continuada no sistema financeiro dos EUA, causada, por exemplo, por uma crise da dívida ou por um esbater do perfil económico nos Estados Unidos, acontecimento que desencadeia o pânico e, é claro, a procura de uma alternativa viável ao investimento em obrigações ou ações dos EUA. A alternativa ao incumprimento à qual muitos tradicionalmente recorrem é o ouro. Mas, podia ser também praticamente qualquer bem de valor comummente reconhecido, como diamantes, petróleo, drogas, platina ou, o que é ainda mais comum, dinheiro vivo.

Curiosamente, embora a qualidade do investimento em títulos de dívida dos EUA sob a forma de títulos do tesouro tenha sido desvalorizada pelas maiores agências de rating, quando tudo se desmoronou no início de agosto de 2011, o refúgio preferido para empatar dinheiro que os investidores tinham retirado dos mercados de ações foi, está-se mesmo a ver, títulos do tesouro dos EUA. Isto teve como resultado o disparar do preço destes instrumentos em mais de 20 por cento em menos de dois meses! Mas quem teria pensado outra coisa? Afinal de contas, quando os mercados entram em pânico e os vendedores acabam com uns milhares nas mãos, esse dinheiro tem de ir para algum lado. E foi parar exatamente onde a sabedoria convencional ditava que não deveria/poderia ir parar: à dívida soberana dos EUA sob a forma de títulos do tesouro de longo prazo. Em caso de dúvida, recorre-se ao diabo que melhor se conhece, neste caso, o governo dos EUA.

Este facto mostra, melhor do que qualquer estatística, que aquilo que conta no mundo financeiro é a confiança. Por outras palavras, é acreditar. Irá a instituição que tem o nosso dinheiro a seu cargo estar lá para pagar quando precisarmos dele? Ou estarão as portas trancadas quando nós, e milhares de outros, formos lá buscar o dinheiro? Neste aspeto, o governo dos EUA tem sido o padrão de platina desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Se essa posição privilegiada se irá manter ou não dentro de alguns anos é algo que está para ver. Mas, por agora, o Tesouro em Washington, D.C. parece ser a melhor de um conjunto de alternativas pouco apelativas.

Uma vez que a história do colapso do setor financeiro dos EUA está inextricavelmente interligada com o destino da economia norte-americana e, já agora, de toda a economia mundial, vou centrar-me aqui no modo como a sobrecarga de complexidade conduziu à crise financeira global. Esta história irá desembocar na narrativa de uma tempestade deflacionária que se avoluma num horizonte não muito distante, um acontecimento-X que ameaça mandar toda a economia mundial para uma voragem da qual levará décadas a sair.

Olhando as coisas do nosso ponto de vista atual, custa imaginar quanta confiança foi depositada nas mãos dos bancos centrais e dos reguladores financeiros, confiança em que poderiam combater qualquer ameaça à integridade do sistema financeiro mundial. Como disse Paul Seabright num artigo publicado na Foreign Policy, nós construímos uma “Linha Imaginot”, expressão que alude às fortificações defensivas que não conseguiram proteger a França contra a invasão alemã na Segunda Guerra Mundial. Seabright identifica três defesas económicas principais contra a crise financeira, cada uma das quais era vulnerável isoladamente, mas que, tomadas como uma troika, pareciam inexpugnáveis em 2008.

O primeiro nível de defesa eram as garantias de depósito. Esta parte da “linha” foi posta em funcionamento para proteger contra a noção de que a crise bancária dos anos de 1930 foi causada pelo pânico e pela corrida aos bancos por parte de pequenos depositantes e retalhistas. Chega então a garantia de depósitos à moda da Federal Deposit Insurance Corporation e o problema desaparece – pelo menos para esses pequenos depositantes.

O chamado problema do risco moral, no qual os bancos com depositantes titulares de seguros de garantia não têm motivação para serem cuidadosos com o modo como investem (isto é, como emprestam) o dinheiro dos seus depositantes e estes não têm motivação para escolher com cuidado os bancos nos quais colocam os seus fundos. Esta simetria serve para destacar o segundo nível de defesa. A solução para o problema do risco moral era colocar em funcionamento uma complicada estrutura de regulamentações financeiras, que impunham aos bancos uma série de requisitos para os impedir de usarem o dinheiro dos pequenos depositantes de forma descontrolada. Mas, essas regras não eram dirigidas a investidores profissionais de grande envergadura, que se supunha estarem prontos para assumir os seus próprios riscos. Partiu-se do princípio de que a rede de proteção era à prova de falhas, o que significava que qualquer risco do sistema teria de ser suportado por outros e não pelos próprios investidores. Já em 2003, o Nobel da Economia Robert Lucas dizia à American Economic Association que “para efeitos práticos, o problema central da prevenção da depressão foi resolvido”.

Por fim, a terceira fase do triângulo defensivo, os bancos centrais. Dos anos de 1930 em diante, os bancos centrais foram encarregados da missão de manter os preços estáveis e, como tarefa secundária, de promover o desenvolvimento económico e manter o desemprego sob vigilância. Nesta “rede de proteção” tripartida, o banco central era visto como o tribunal de último recurso que iria absorver quaisquer falhas no edifício, resultantes quer da primeira, quer da segunda linha de defesa. Então, o que é que correu mal?

Para o dizer de forma concentrada, a falha fatal neste sistema foi que qualquer problema que surgia era visto por cada um dos três “xerifes” como fazendo parte da jurisdição de um dos outros dois. Por exemplo, os reguladores encaravam os aspetos especulativos dos contratos hipotecários como um problema do banco central, enquanto este o considerava um problema dos reguladores. E ninguém olhava para ele como uma questão dos seguros de depósito. Isto soa vagamente familiar? Qualquer problema posto ante cada uma das três portas era de imediato reenviado para um dos outros dois departamentos. Em resumo, ninguém assumia a responsabilidade. Esta negligência benigna e autoprotetora significava que o próprio ato de reduzir os riscos aparentes acabava, de facto, por aumentar de forma drástica os riscos verdadeiros.

O resultado final foi que a confiança em salvaguardas que na realidade não existiam levou as pessoas a pensarem que era seguro correrem riscos que, de facto, pertenciam a ordens de magnitude muito maiores do que podiam supor. A convicção partilhada de que as autoridades tinham a situação sob controlo era totalmente deslocada. A consequente fusão metafórica do sistema financeiro é bastante análoga à fusão real que teve lugar no reator nuclear japonês de Fukushima Daiichi, em Março de 2011, como referimos na Parte I. Esse foi um caso de muito pouca complexidade no sistema de controlo (a combinação da altura da parede e da localização do reator) ter sido subjugada por demasiada complexidade no sistema a ser controlado (a magnitude do terramoto e do maremoto que se lhe seguiu).

O colapso do sistema financeiro resultou do mesmo tipo de desequilíbrio de complexidade. Dos anos de 1980 em diante, os especuladores viveram um período prolongado durante o qual os mercados ofereceram somente lucros, sem a existência, sequer, do potencial de perdas derivado de se correrem riscos demasiado elevados. Por isso, os manipuladores financeiros criaram um ofuscante arsenal de instrumentos cada vez mais complicados que nem mesmo os seus criadores conseguiam compreender inteiramente. Os credit default swaps (CDS) são provavelmente o mais noticiado destes instrumentos exóticos, e envolvem o que acabam por ser contratos de seguro para pagar no caso de uma dada obrigação de dívida, como um título de dívida de um país, não for cumprida. Os credit default swaps (ou trocas de risco de incumprimento) não são verdadeiros seguros no sentido clássico da palavra, pois não são transparentes, não são negociados em nenhuma bolsa, não são sujeitos às atuais leis de valores mobiliários e não são regulados. Mas estão em risco – em valores na ordem dos mais de 62 biliões de dólares (a estimativa mais fiável, da International Swaps and Derivatives Association). Em resultado destes “instrumentos de destruição financeira maciça”, a complexidade do setor de serviços financeiros disparou para níveis estratosféricos.

Os credit default swaps não são os únicos a contribuir para a complexificação do setor de serviços financeiros. A transação rápida computorizada, a lei Glass-Steagall que desregulamentou os bancos e permitiu-lhes envolverem-se em transações especulativas, bem como os lucros imensos que os bancos de investimento e os fundos de cobertura acumularam nos últimos trinta anos, contribuíram, cada um deles à sua maneira, para um nível de complexidade no setor que dificulta a capacidade dos banqueiros e corretores para perceberem totalmente as coisas e até para tentarem controlá-las.

Mas, o que dizer dos reguladores, das seguradoras e dos bancos centrais? Nesta altura, o leitor já sabe a resposta. A complexidade deste sistema de controlo estava, na verdade, enfraquecida por ações legislativas como a acima referida lei Glass-Steagall, numa altura em que a complexidade do sistema financeiro que estava encarregado de supervisionar estava a crescer de forma exponencial, com novos produtos a aparecerem constantemente no mercado servidos pelos feiticeiros de Wall Street. Os bancos centrais e agências reguladoras tinham ao seu dispor, em 2007, basicamente as mesmas ferramentas que tinham tido durante os cinquenta anos anteriores. O fosso de complexidade emergente era um desastre anunciado, à espera do momento certo para causar o colapso do sistema. A crise de que ainda “usufruímos” é a maneira de o mundo real retificar este desequilíbrio, um processo que implica um doloroso expulsar do risco e da influência insustentáveis do sistema financeiro.

No caso de ter andado a dormir no último par de anos e de não ter reparado, o fosso de complexidade entre o sistema financeiro e os seus reguladores ainda está a crescer. Para vermos como esse fosso será muito provavelmente superado precisamos de olhar mais detidamente e com mais atenção para a forma como a economia dos EUA se tem transformado ao longo das últimas décadas, e como essa transformação deu origem ao estado precário em que nos encontramos hoje.

Demasiada realidade

Uma personagem da peça de T. S. Eliot Assassínio na Catedral afirma: “A humanidade não suporta demasiada realidade.” Embora esta afirmação tenha sido feita no contexto do assassínio de Thomas Becket na Catedral da Cantuária, em 1170, as coisas não mudaram muito no que toca à natureza humana desde que Eliot escreveu estas palavras e, já agora, desde o tempo do assassínio de Becket. Uma tal overdose de realidade está bem no centro do pós-Grande Recessão de 2008. Um olhar mais aprofundado à causa derradeira deste colapso financeiro lança muita luz sobre a razão de um colapso económico global se estar a tornar mais provável a cada dia que passa.

A condenação, em 2011, do bilionário e diretor de fundos de cobertura (hedge funds) Raj Rajaratnam por partilhar informação privilegiada causou uma imensa vaga de considerações nos media sobre a não acusação daqueles que o público em geral encara como os verdadeiros perpetradores do colapso de 2007-2008. Segundo os especialistas da comunicação social, o público quer o sangue das sanguessugas de Wall Street. O julgamento de Rajaratnam serviu para concentrar este sentimento de revolta. Nas palavras do colunista de temas económicos Robert Samuelson: “A história tem sido toda ela sobre crime e castigo quando deveria ter sido sobre expansão e quebra.” Na sua análise da Grande Recessão, Samuelson sublinha que a esquerda e a direita têm, cada uma delas, os seus próprios culpados, mas nenhum dos lados do espectro político é capaz de tornar a sua história credível. Talvez seja por isso que tão poucos verdadeiros “criminosos” foram levados perante a justiça. A resposta correta à questão de saber quem causou o colapso é, antes, todos nós.

A grande questão é saber por que motivo praticamente toda a gente comprou a ideia de expansão e ignorou qualquer opositor encarando-o como um Chicken Little?42 A resposta não é difícil de adivinhar: muito poucos corretores e investidores que estavam ativos no mercado nos anos anteriores a 2008 tinham experimentado outra coisa que não fosse prosperidade. Era um estado de coisas que as pessoas simplesmente tomavam como certo. Esta confiança era acompanhada de uma convicção subjacente de que os economistas – caso do presidente da Reserva Federal Alan Greenspan ou dos responsáveis do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu – tinham dominado a ciência de como manter a economia estável, e que esse seu saber iria controlar outra Grande Depressão como a dos anos de 1930. Em resumo, toda a gente tomava a existência de uma economia estável e próspera como uma realidade de fundo garantida, um estado de graça na economia que iria perdurar para sempre. Samuelson firmou: “O legado mais significativo da crise é uma perda do controlo económico.” Estes pensamentos foram ecoados pelo prémio Nobel Paul Krugman, que descreveu a emergência, não como resultante de uma má gestão das hipotecas de habitação, ou até da economia, mas como uma crise da fé das pessoas em todo o sistema económico. Os investidores já não acreditam que máquinas de fazer dinheiro altamente complexas e livres de riscos, como as obrigações de dívida com garantia real, ou as auction-rate securities, ou qualquer outro dos imaginativos instrumentos financeiros sonhados pelos feiticeiros de Wall Street irá funcionar como se diz que funcionará. Esta perda de confiança num sistema leva a uma espécie de profecia que se cumpre a si mesma do género descrito em cima. Ena! Então pode acontecer aqui. E pode acontecer outra vez.

Num artigo publicado pela Atlantic em 2010, Derek Thompson e Daniel Indiviglio, editores principais da revista, delinearam cinco formas pelas quais a economia pode mergulhar numa recessão profunda. Incluo-as aqui na ordem que os autores consideraram ser da mais provável para a menos provável. Deixo aos leitores a possibilidade de alterarem essa ordem segundo as suas convicções à luz dos acontecimentos do momento em que aconteça lerem este capítulo.

O imobiliário cai do precipício: Estreitamente associado ao imenso problema do desemprego nos Estados Unidos há um mercado imobiliário anémico. A quebra nas vendas de casas e o aumento das execuções de hipotecas não param, e até talvez estejam a aumentar, colocando maior pressão para a descida dos preços dos imóveis. Por outro lado, isto torna mais difícil aos proprietários libertarem-se de hipotecas que já não são capazes de pagar, contribuindo, dessa forma, para um aumento cada vez maior de execuções. O resultado de tudo isto é que os preços mais baixos das casas encorajam as pessoas a pouparem mais e a gastarem menos, o que conduz a uma queda brusca nas ações e um ainda maior apertar dos critérios dos mercados de crédito. O resultado é um crescimento negativo e um oscilar da economia à beira de uma imensa espiral deflacionária.

Os gastos dos consumidores continuam a cair: A confiança das pessoas numa recuperação económica diminui e as despesas ficam reduzidas ao mínimo. Os mercados de ações vivem tempos de trevas e desespero, com as receitas comerciais em queda, o desemprego que não para de crescer e o governo a não fazer mais nada a não ser imprimir mais dinheiro. Os mercados começam a vender em baixa de um por cento vários dias seguidos e, à medida que as pessoas veem as poupanças a desaparecer mais depressa do que uma gota de água no deserto, cortam ainda mais nos gastos. Uma vez mais, o crescimento torna-se negativo e a deflação está iminente.

O regresso dos ativos tóxicos: Quando fez os resgates, o Departamento do Tesouro quis de facto comprar os ativos tóxicos imobiliários detidos pelos bancos. Mas como não conseguiam saber exatamente como fazer isso de forma suficientemente rápida, os bancos limitaram-se a ficar com o dinheiro – mas mantiveram os “ativos” em sua posse. À medida que o valor dos imóveis comerciais e de habitação continuam a cair, o mesmo acontece com os valores desses ativos tóxicos que continuam nos cofres e nos “livros de contas” de todos os principais bancos. Quando os ativos sofrem uma nova onda de perdas, os mercados vendem, o crédito é congelado e o crescimento torna-se negativo uma vez mais.

A Europa desagrega-se: O crescimento lento nos países do sul da Zona Euro leva os investidores a exigirem taxas mais altas aos títulos de dívida desses países. Isto conduz a mais medidas de austeridade, que se cifram basicamente em aumentos de impostos e cortes na despesa, o que, por outro lado, estrangula os recursos de exportação mais importantes, especialmente para mercadorias provenientes da China e até dos Estados Unidos. Na fuga ao euro, o dólar sofre então uma valorização, pondo ainda mais em risco as exportações dos EUA para a Europa. Uma vez mais, o mercado de ações blinda-se, enquanto a indústria estagna e os défices comerciais atingem níveis insustentáveis. Os consumidores americanos cortam novamente nos gastos, estrangulando o mercado interno e (adivinhou!) o crescimento torna-se negativo.

Dívida, dívida e ainda mais dívida: A incerteza nos processos políticos americanos leva os consumidores dos títulos do tesouro dos EUA a exigirem juros mais elevados para equilibrar o risco de um Congresso cada vez mais caprichoso. Isto leva a uma redução do valor de pensões e fundos mutuários que sustentam a dívida dos EUA, forçando as pessoas a poupar ainda mais e a gastar menos. Esta dinâmica dá origem a uma escolha de Hobson de cortar nos impostos para promover o consumo ou aumentar os impostos para manter os compradores de títulos felizes. Qualquer uma das alternativas acaba por conduzir a um colapso económico deflacionário.

De facto, todos os gremlins referidos têm andado à solta desde o ano passado e a ordem de prioridades daquilo que poderá afundar a economia salta de dia para dia, como uma gota de água numa frigideira quente. Neste momento, o problema da dívida da Zona Euro parece estar em vantagem. Mas quem sabe qual será a moda da semana no dia seguinte? De facto, não importa, porque qualquer delas é suficiente para nos mandar para uma situação de colapso financeiro e económico terminal.

E é tudo quanto ao passado recente e ao presente imediato. Vimos os governos na Europa e nos Estados Unidos tentarem resolver com mais dinheiro o problema do aumento de complexidade do sistema financeiro, mas sem muito sucesso na redução do fosso entre o sistema e os seus reguladores. Se alguma coisa conseguiram foi alargar o fosso. Vou, por isso, gastar agora umas quantas páginas a descrever as consequências prováveis deste fracasso. O que podemos esperar ver desenhar-se no perfil económico e financeiro de curto prazo dos Estados Unidos e do mundo? É aqui que as coisas começam realmente a ficar interessantes.

A incrível tarte que encolhe

Dei comigo, recentemente, a ouvir uma série de sábios supostamente conhecedores em matérias financeiras e a navegar por um pântano de blogues da matéria, cada um dos quais apresentando aos não iluminados o seu exame forense idiossincrático, com as razões pelas quais os mercados estavam a afundar-se em vez de subirem até às nuvens. Nesta prolongada busca do nirvana financeiro, decidi dar uma vista de olhos a algumas das minhas fontes habituais, daquelas que publicam o que penso serem das melhores e mais cuidadas análises dos acontecimentos financeiros e sociais. Encontrei aí a seguinte afirmação de Steve Hochberg à edição internacional da Elliott Wave que destaca uma série de aspetos enigmáticos naquilo que se está a passar atualmente. Eis o que ele disse nesse boletim noticioso a 8 de Setembro de 2011:

A América viu o seu rating baixado pela S&P e um dos grandes investidores da história americana, Warren Buffett, foi posto sob vigilância negativa pela mesma agência de rating (os títulos da Berkshire Hathaway). Os títulos de curto prazo do governo dos EUA estão a zero. As bolsas estão em queda e o ouro continua a ganhar pontos. Segundo a maioria dos prognósticos sobre o dólar americano, a moeda nacional deveria estar à beira de ser varrida do mapa. Não está; pelo menos ainda não. Pelo contrário, o índice do dólar americano continua acima [...] da grande quebra de Março de 2008, há mais de três anos. A única explicação para tal comportamento é a deflação.

Ele disse deflação? Praticamente toda a gente ouviu falar de inflação e muitos sabem vagamente o que significa: aumento de preços. Mas deflação é uma palavra que quase caiu em desuso nas últimas décadas. O que é e por que razão é tão importante?

Em sentido literal, deflação é simplesmente o oposto de inflação: uma descida dos preços em vez de uma subida, talvez acompanhada de uma contração do crédito e de uma quebra na quantidade de dinheiro em circulação. Parece bom – à primeira vista. Quem é que não gostaria de ver baixar os preços da gasolina, dos iPads e das costeletas? Mas, à semelhança de muitas outras coisas que à primeira vista parecem apelativas, um pouco de aprofundamento revela facetas bem desagradáveis que gostaríamos de ver tão longe de nós quanto possível. Eis as razões de economistas e políticos temerem tanto a deflação como a peste.

O problema central é aquilo que é habitualmente designado “espiral deflacionária”, uma rua quase de sentido único que leva à inexistência de crescimento económico, de empregos e de muito pouca esperança. Estes são os degraus desse declínio acelerado que constituem a espiral deflacionária:

1. Os preços descem, pelo que as empresas têm menos receitas e lucram menos com a venda dos seus bens e serviços.

2. As empresas despedem trabalhadores para se ajustarem à quebra de lucros e estes novos desempregados passam a gastar menos.

3. As empresas são obrigadas a baixar os preços para atrair consumidores, levando os preços a cair ainda mais.

4. Voltar ao Passo 1 para completar o círculo – mas agora com os preços ainda mais baixos.

E por aí fora, vai-se de preços baixos para menos consumidores, a preços ainda mais baixos para ainda menos consumidores, e assim ad infinitum, enquanto toda a economia desacelera até atingir um patamar onde para de vez. Esta queda a pique é extremamente difícil de travar, pois os que têm dinheiro começam a adotar a atitude: “Por que havemos de comprar agora se os preços amanhã ainda estão mais baixos?”

Há nos pormenores desta história diversas subtilezas económicas que turvam um pouco as águas, envolvendo a relação entre trabalho e encargos, custos materiais, tempo de produção e coisas do género. Mas, estes aspetos de pormenor são pouco importantes para a questão que nos preocupa aqui, a saber, os acontecimentos que começam por desencadear a deflação. Por outras palavras, agora que sabemos o que acontece quando estamos a braços com uma espiral deflacionária, como é que o processo realmente começa?

Existem três caminhos possíveis (mas que não se excluem mutuamente) que conduzem ao malfadado primeiro passo na via da deflação:

1. A explosão de uma bolha especulativa, que resulta numa série de falências de bancos.

2. Pessoas, instituições e/ou governos nacionais não cumprem os termos dos seus empréstimos.

3. O banco central aumenta as taxas de juro em demasia e demasiado depressa num esforço para combater a inflação.

Estes caminhos conduzem a menos dinheiro disponível para empréstimos a consumidores e a pessoas desejosas de criar negócios e empresas. Isto significa que o crédito, que é o sangue vital de qualquer economia moderna, seca, havendo por isso menos dinheiro a ser gasto. Esse fator desencadeia, por seu lado, a espiral deflacionária. Esta é, diga-se, a principal razão pela qual governos como o dos EUA fazem tudo para impedir os bancos, especialmente os grandes bancos, de irem à falência.

A nossa atual crise económica é claramente uma combinação dos caminhos A e B, pois ninguém consegue lembrar-se da última vez em que a Reserva Federal dos EUA efetivamente aumentou as taxas de juro ou da última vez em que alguém manifestou mais do que uma preocupação pró-forma com a inflação.

Aceita-se comummente que a forma de sair de uma espiral deflacionária é baixar as taxas de juro de maneira a colocar mais dinheiro em circulação. Supõe-se, então, que esse fluxo de dinheiro reative a economia, conduzindo à criação de mais empregos, de mais consumo e acabando por causar um aumento dos preços. Mas, o que acontece quando a espiral deflacionária começa numa altura em que as taxas de juro já estão quase a bater no fundo, que é, na verdade, onde têm estado desde 2000? Ao contrário dos tempos de inflação, durante os quais o banco central pode aumentar os juros como lhe aprouver para conter os aumentos de preços, estes não podem cair abaixo de zero para combater a deflação. Este fator é designado, com frequência, “armadilha da liquidez”. A única maneira de sair dela é o governo lançar grandes quantidades de dinheiro para a economia por meio de despesas. Foi esta a maneira como os governos de todo o mundo puseram fim à Grande Depressão, nos anos de 1930.

Hoje em dia, esta via de gastar até cair está muito mais dificultada, devido ao endividamento imenso dos Estados Unidos e dos países europeus (já para não falar da influência de movimentos importantes contrários a governos grandes e pesados, caso dos ativistas do Tea Party nos Estados Unidos). Para injetar na economia o dinheiro tão necessário os governos têm de conseguir tê-lo disponível de alguma forma. Pode vir de várias fontes, cada uma delas com um conjunto de problemas associados. A óbvia primeira fonte são emprestadores como a China, o Japão e outros países asiáticos, que há muitos anos andam a enviar para o estrangeiro as suas avolumadas poupanças para financiar um estilo de vida descontrolado nos Estados Unidos e na Europa. O dinheiro pode vir também de um trabalho sem pausa das impressoras, para o fazer surgir, como que por magia, a partir do papel. Os emprestadores estão atualmente muito reticentes em mandar mais dinheiro para o Tesouro dos EUA. A par disso, a criação de dinheiro a partir de papel dá lugar à possibilidade muito real de uma hiperinflação. É difícil de imaginar, mas esta é uma solução ainda pior do que suportar um período de deflação para extirpar do sistema financeiro os excessos criados pela bolha especulativa dos anos de 1990. A hiperinflação aniquilará o dólar e o que resta da classe média americana e acabará por aniquilar toda a economia. Se o leitor não acredita nisto, dê uma vista de olhos à Alemanha de Weimar do início dos anos de 1920 ou, já agora, ao Zimbabwe dos nossos dias. Outras fontes possíveis de financiamento incluem o aumento de impostos sobre as pessoas ou sobre as empresas, tópicos tabu em praticamente todos os países do mundo. Além disso, custa perceber como é que tirar dinheiro dos bolsos dos cidadãos ou das empresas pode ajudar a promover o consumo, que representa mais de dois terços de uma economia como a dos Estados Unidos. Por fim, temos a “solução PIGS”, que está a ser tentada hoje em Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, que impõe cortes selvagens nos serviços do governo, desde os cuidados de saúde às reformas e à educação.

O que importa reter aqui é que combater a deflação destruidora envolve mais do que o simples atirar de dinheiro para o sistema. A solução é pelo menos tão psicológica como económica, uma vez que o efeito de um crescente fosso de complexidade se manifesta com frequência numa desaceleração na crença de uma sociedade em que o amanhã será pior do que o hoje (disposição negativa) acabando por conduzir a uma crença em que o amanhã será melhor, muito melhor do que o hoje (disposição positiva). Logo que esta mudança de polaridade tem lugar, as pessoas começam a gastar dinheiro outra vez, porque acreditam que irão arranjar emprego ou manter o que têm. Mas, não são palavras inspiradoras do governo, ou livros de autoajuda, ou artigos animadores que conseguirão concretizar esta mudança. De facto, habitualmente isso acontece quando um acontecimento-X importante tem lugar e choca as pessoas, arrancando-as dos seus temores e atirando-as para uma nova órbita psicológica. O mais sinistro é que este choque é habitualmente uma guerra, uma guerra de grandes dimensões – e esta é mais uma boa razão para ativar todos os travões a fim de evitar cair na depressão económica que constitui o ponto de chegada do ciclo deflacionário.

Em benefício da argumentação, partamos do princípio de que o mundo da próxima década, ou das duas ou três décadas que se avizinham, tem como resultado o segundo pior cenário, uma deflação global acompanhada por uma depressão em todo o mundo, e consegue evitar a hiperinflação que destruiria a economia mundial. Como seria viver num mundo como esse?

Referi, há pouco, que a palavra deflação quase nunca é proferida publicamente hoje em dia e que uma boa razão para isso é que – como disse antes em relação ao crescimento aparentemente inexorável dos mercados – não há ninguém vivo hoje nos Estados Unidos que consiga lembrar-se de viver num período desses. No entanto, há um país inteiro com mais de 130 milhões de habitantes vivos hoje em dia e que podem oferecer-nos um relato atualizado do que é viver num mundo desses. Como é evidente, estou a falar do Japão, um país mergulhado numa depressão deflacionária há mais de duas décadas e que não vê o fim dessa voragem. A experiência japonesa desde o final dos anos de 1980 é, em muitos aspetos, uma espécie de ensaio geral para aquilo que o resto do mundo pode esperar nos próximos anos. Vale por isso a pena gastar alguns parágrafos para pormenorizar os “pontos baixos” dessa experiência.

No final de 1989 os terrenos no centro de Tóquio onde se ergue o Palácio Imperial tinham a fama de ter um valor superior ao de todo o estado da Califórnia. Dá para imaginar? Volvidos somente alguns meses, no início de 1990, o Japão sofreu uma explosão da bolha de especulação imobiliária e bolsista semelhante à sofrida pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental em 2007-2008. Por exemplo, no seu ponto alto, em 29 de dezembro de 1989, o Índice Nikkei em Tóquio – o equivalente japonês do Dow Jones Industrial Average nos EUA – chegou aos 38,876. Agora, mais de vinte anos volvidos, está em menos de um quarto desse nível. Mercados em baixa tão deflacionária como os que o Japão (e em breve o resto do mundo) tem neste momento podem levar muito, mesmo muito tempo a recuperar (décadas). Como referencial de comparação, o Dow Jones Industrial levou vinte e três anos e meio a recuperar o nível imediatamente antes da Grande Depressão de Outubro de 1929. Por isso, apesar da grande quantidade de inflação monetária que há pelo mundo hoje em dia, especialmente no próprio Japão, ninguém pensa que o Nikkei atingirá a alta de 1989 num futuro próximo. A economia japonesa colapsou e entrou numa espiral deflacionária no início de 1990 e não saiu dela desde então.

E a situação no Japão também não está melhor no tocante aos preços dos imóveis. Atualmente, o preço médio de uma casa está nos mesmos níveis de 1983, há quase três décadas. E embora recém-chegados à prisão dos devedores como a Grécia, a Itália, a França e os Estados Unidos tenham agora toda a atenção das primeiras páginas, o Japão enfrenta na verdade a maior dívida soberana perante outros países, correspondente a cerca de 200 por cento do produto interno bruto, um fardo financeiro acompanhado por problemas sociais importantes, como o aumento da pobreza e uma crescente taxa de suicídios.

No seu recente livro sobre as lições que a corrente deflação japonesa oferece ao mundo, Richard Koo, economista na Nomura Securities, faz a seguinte afirmação sobre o Japão de hoje: “Milhões de pessoas e empresas veem os seus rendimentos afundar-se, pelo que estão a usar o dinheiro que têm para pagar dívida em vez de pedirem emprestado e gastarem.” Este declínio tem sido uma experiência muito desgastante para os japoneses. Nos anos de 1980, os japoneses estavam confiantes, olhavam para o futuro ansiando criar uma nova ordem mundial na Ásia. E hoje? Bom, o Japão é um país que perdeu a sua autoconfiança e teme um futuro que a sua população cada vez menor e mais envelhecida não está em condições de enfrentar. Um pequeno indicador deste facto é referido num artigo publicado no New York Times em 2010, no qual Martin Fackler fala do caso de um dono de uma loja de pronto-a-vestir em Tóquio que afirmou: “É como se os japoneses tivessem perdido até a vontade de cuidar da aparência.”

Um indicador muito doloroso do efeito de uma vida de deflação e de estagnação económica é a atitude dos jovens em relação ao consumo. Em vez de acorrerem para Akihabara, a zona das lojas de alta tecnologia em Tóquio, para procurar os últimos modelos de aparelhos eletrónicos, muitos jovens japoneses recusam gastar dinheiro em quaisquer bens dispendiosos. Como Fackler refere também, uma geração de deflação fez muito mais do que tornar as pessoas pouco propensas a gastar. Deu origem a um profundo pessimismo em relação ao futuro e a um grande medo do risco. Os consumidores encaram agora como uma loucura comprar ou pedir emprestado, o que acelera ainda mais a espiral descendente. Hisakazu Matsuda, um comentador perspicaz deste fenómeno, chama aos japoneses na casa dos vinte e poucos anos os “odiadores do consumo”. Diz ele: “Estes jovens consideram estúpido gastar dinheiro.” Outro observador, Shumpei Takemori, economista na Universidade Keio, em Tóquio, afirma que “a deflação destrói o gosto pelo risco de que as economias capitalistas necessitam de maneira a crescer. A destruição criativa é substituída pelo que é somente destruição destrutiva”.

Como é que o governo japonês tentou sair desta espiral? Aqui não há bónus para quem adivinhar a resposta. Fizeram exatamente o que os governos ocidentais estão a fazer agora. Cortaram as taxas de juro até zero em 1999 e mantiveram-nas neste nível mínimo durante sete anos. Além disso, o governo adotou um esquema de resgate atrás do outro, oferecendo em paralelo uma série infinda de pacotes de estímulo. Mas sem resultados. Além de tudo isto há uma combinação aparentemente poderosa, mas na verdade impotente, de políticas monetárias e fiscais, a par de regulações de mercado e mecanismos protecionistas. Até agora, nada funcionou. Mais de duas décadas após o início da espiral deflacionária, o Japão continua à beira do colapso económico total. Com indicador deste facto, no início de 2010 o gabinete japonês de estatísticas referiu que os preços no Japão estiveram em queda ininterrupta durante os últimos doze meses, e que os preços de terrenos estão reduzidos a metade relativamente há vinte anos. Um ano depois, a situação pouco ou nada mudou. Em agosto de 2011, Junko Nishioka, economista principal da RBS Securities Japan, referiu que “os preços dos bens de consumo dificilmente subirão muito… uma vez que a quebra de vendas deverá desencadear uma ainda maior concorrência nos preços”.

Para sermos justos para com as economias ocidentais agora a braços com o mesmo problema, convém dizer que há diferenças importantes entre a situação japonesa e o que vemos nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Os Estados Unidos podem simplesmente imprimir pilhas de moeda de reserva e exportá-la para o resto do mundo, para produtos como automóveis, t-shirts, computadores e outros aparelhos que possam distrair a atenção das pessoas dos problemas reais que o país enfrenta. Além disso, até mesmo durante o período mais difícil no Japão as poupanças cresceram e o país continuou a produzir bens reais para exportação. Assim sendo, o que fazer? A única coisa certa é o que não se deve fazer: não se deve, repito, não se deve continuar a acumular défice sobre défice. Se alguma vez houve um exemplo real do princípio de que não se pode comprar a juros a saída de uma deflação e reanimar a economia, o Japão é esse exemplo. Empurrar o problema para as gerações futuras só pode acabar por conduzir a um colapso social ainda maior. Tendo em conta esta nota dinâmica, mas nada inspiradora, tentemos resumir as dimensões da depressão global emergente.

Tudo somado

O economista austríaco-americano Joseph Schumpeter criou a expressão “destruição criativa” para descrever o processo mediante o qual o desaparecimento de componentes antiquadas e desnecessárias de um sistema económico envolve a sua destruição para criar espaço ao surgimento de formas novas e inovadoras de produção económica e de consumo. Estamos neste preciso momento na fase destrutiva do cenário de Schumpeter, com os sistemas financeiros e económicos globais a transitarem do “velho mundo” do pós-Segunda Guerra Mundial, com o seu conjunto de regras para os discursos político, económico e social, para aquilo que virão a ser os padrões para a primeira metade do século XXI. O problema do momento é que ninguém sabe realmente como será essa nova estrutura global. Tudo quanto se sabe ao certo é que será algo de muito diferente do antigo regime.

Como todos os processos dinâmicos, a fase de destruição do ciclo de Schumpeter tem de ter um motor a conduzir o processo. Defendi, neste capítulo, que o motor que está a voltar de pernas para o ar os mundos económico e financeiro é a aproximação a grande velocidade de um período de deflação esmagadora (ou, talvez ainda pior, de hiperinflação). Assim, seja qual for o cenário que venha a desenhar-se a longo prazo (a dez ou vinte anos de distância), não há nada de agradável no horizonte imediato. Só quando o sistema global tiver assentado na fase criativa é que poderemos colher os benefícios do que nos reserva o saldo do século em curso.

41. Um modelo de investimento fraudulento baseado no pagamento de juros anormalmente elevados a investidores com base em fundos provenientes de outros investidores. O nome provém de Charles Ponzi, preso por uma gigantesca fraude nos anos de 1920 com base nesse tipo de esquema em pirâmide. O método foi usado em Portugal nos anos de 1980 por Maria Branca dos Santos, ou Dona Branca, a chamada “Banqueira do Povo”. Um caso recente de esquema Ponzi nos EUA é o de Bernard L. Madoff, que atualmente cumpre pena de prisão de 150 anos por causa de uma burla de milhares de milhões de dólares a centenas de investidores. (N. do T.)

42. Alusão ao conto infantil The Sky is Falling no qual uma pequena galinha se convence de que o mundo vai acabar depois de uma bolota lhe cair na cabeça. A expressão passou a ser usada para designar qualquer pessoa medrosa ou alarmista. A história inspirou pelo menos dois filmes, o mais recente dos quais de 2005, intitulado, justamente, Chicken Little. (N. do T.)