Os acontecimentos-X ocorrem em diversas intensidades, formas e configurações. Pensemos, por exemplo, no ano 2004, quando vários acontecimentos extremos encheram as primeiras páginas dos jornais. Entre eles, contou-se a falha elétrica no nordeste dos EUA, o surto do vírus SARS8 e o sismo de magnitude 9,1 e consequente maremoto em Samatra. Todavia, o número de pessoas afetadas diretamente foi dramaticamente diferente em cada um dos casos. A falha de energia atingiu 55 milhões de pessoas, mas resultou em muito poucas perdas de vidas, enquanto foram confirmadas 8.273 mortes devido ao surto de SARS. Mas, as 283.106 vítimas do terramoto indonésio fazem parecer escasso o número de mortes imputáveis a cada um dos outros dois acontecimentos-X. Por isso, se medirmos a magnitude de um acontecimento-X pelo número de mortes que causa, o sismo de Samatra foi claramente o pior. Mas se medirmos as coisas numa escala de estragos, tanto materiais como financeiros, a história pode ser outra. Um terceiro ângulo possível é o dos danos psicológicos que acompanham a perda de casas e empregos, já para não falar da ansiedade e da incerteza que resultam de não saber quando o acontecimento chegará ao fim. O aspeto a destacar aqui é que a «X-zidade» pode variar largamente. Por isso, para entender realmente estes acontecimentos, não podemos continuar a falar de generalidades.

Perceber quais os tipos de acontecimentos extremos que podem ser antecipados, quais os géneros a que se pode somente resistir e dos quais, se tudo correr bem, se pode recuperar, e ainda quais aqueloutros que podemos somente desejar, esperar ou rezar para que nunca ocorram, exige que olhemos em maior profundidade para um vasto espectro de cenários possíveis. Este é o primeiro objetivo desta parte do livro.

Apresento, nas páginas seguintes, onze pequenos capítulos, contando cada um deles a história de um determinado acontecimento-X. Escolhi estes exemplos para percorrer toda a gama desde o relativamente familiar (o pico da crise do petróleo) até ao aparentemente invulgar (uma implosão da Terra devido à criação de partículas elementares exóticas). Neste catálogo de catástrofes, evitei deliberadamente acontecimentos-X “naturais”, como vulcões, impactos de asteroides ou, até, o aquecimento global, não por serem menos cataclísmicos ou menos capazes de reenviar a humanidade para um estilo de vida mais primitivo, mas porque são hoje em dia representativos de acontecimentos já tão exaustivamente referidos e analisados que dificilmente poderíamos ainda considerá-los “surpresas”. Por isso, quanto mais não seja pelo gosto da novidade, prefiro que a minha lista não inclua estes tipos de acontecimentos-X vulgarizados.

Mas a novidade, por si só, é um suporte demasiado frágil para apoiar as histórias contadas aqui. Os verdadeiros alicerces que sustentam a história de cada capítulo são compostos pela forma como “a sobrecarga de complexidade” entra na ocorrência de cada um dos acontecimentos-X narrados nas páginas que se seguem. O leitor poderá encontrar, em cada capítulo, um ou mais dos princípios de complexidade delineados na Parte I bem no centro da causa desencadeadora do acontecimento-X desse capítulo.

Como assinalámos antes, nem todos os acontecimentos extremos nascem iguais. E, num artigo de 2004, o engenheiro britânico C. M. Hempsell referiu três categorias de acontecimentos-X:

1. Acontecimentos capazes de causar extinção: Um acontecimento tão devastador que mais de um quarto de toda a vida terrena é aniquilado e tem lugar a extinção de espécies importantes. Exemplo: O fim do período Cretáceo, quando cerca de 80 por cento de todas as espécies existentes desapareceu.

2. Catástrofes globais: Um acontecimento no qual morre mais de um quarto da população humana mundial. Exemplo: A Peste Negra da Idade Média.

3. Desastres globais: Acontecimentos nos quais morre uma pequena percentagem da população. Exemplo: A epidemia de Gripe Espanhola de 1918.

Vemos, assim, que os termos “extinção”, “catástrofe” e “desastre” se referem sobretudo à intensidade do acontecimento (a magnitude do seu impacto), e não à escala temporal da sua ocorrência (o tempo de desencadeamento) nem à duração do impacto (o seu tempo de impacto). Por fim, há a probabilidade de ocorrência do evento, um assunto deixado de fora na taxonomia de Hempsell.

Todos estes fatores são de importância vital quando chega o momento de avaliar até que ponto devemos levar a sério a ideia de nos prepararmos para tais acontecimentos. Preciso, por isso, de dizer umas quantas palavras sobre a escala temporal, o momento de ocorrência e a probabilidade destes drásticos acontecimentos-X. Antes de mais, a escala temporal.

Alguns tipos de acontecimentos levam simplesmente algum tempo até causarem destruição. Uma praga mundial, por exemplo, não pode infetar todas as pessoas em poucas horas. Até mesmo a doença mais contagiosa requer um processo de transmissão que leva muitas semanas a dar a volta ao planeta – apesar do nosso mundo acelerado e de viagens globais. Por outro lado, a queda de um asteroide vindo do nada pode causar de forma mais ou menos instantânea os estragos da fase de explosão.

Voltando agora atenções para a questão do momento, algo distinto da escala temporal, perguntamos quando vai ocorrer um determinado acontecimento? Repare-se que isto é diferente de perguntar quão provável é a ocorrência de um dado acontecimento. O momento refere-se à questão de saber se existem pré-condições para a ocorrência do acontecimento que o relegam para o futuro distante, se é que acontece de todo, ou se ele pode ter lugar em qualquer altura. A gama de respostas possíveis à questão do momento vai, pois, do imediatamente ao nunca.

Para ilustrar esta gama de possibilidades, olhemos de novo para o acontecimento drástico de uma extinção por meio de uma nanopraga, o problema da praga cinzenta. Perguntamos: Quando poderá este acontecimento-X ter lugar? Atualmente, a nanotecnologia não atingiu ainda um estado em que seja possível criar nanorobôs autorreplicantes. Mas quase toda a gente envolvida nas questões da nanotecnologia aceita que não há obstáculos lógicos nem físicos a esse desenvolvimento. Essa tecnologia pura e simplesmente não existe – ainda! Por isso, o momento de ocorrência de um nanocancro seria fixado para a altura em que esta barreira puramente técnica seja ultrapassada. Parece ser consensual que a resposta certa seja dentro de alguns anos, talvez cerca de uma década, no máximo.

Por outro lado, o momento de um acontecimento como uma invasão de extraterrestres hostis poderia ser estabelecido como já em curso, agora, ou nunca, ou numa altura qualquer entre essas variantes. Pura e simplesmente não existe uma única prova sólida e incontestável para nos ajudar a escolher um desses momentos em vez de outro.

Um caso algo mais interessante é o do momento de erupção de um supervulcão no Parque Nacional Yellowstone. Os geofísicos e os vulcanólogos sabem que todo o parque é a caldeira de um antigo vulcão, que explodiu pela última vez há cerca de 650 mil anos. Vários indícios apontam no sentido de isso vir a acontecer de novo. Quando? Ninguém consegue dizer. Mas quase de certeza que não será agora ou nunca. E esta é só uma dessas caldeiras vulcânicas. A Terra está coberta de muitas outras do mesmo género, e para varrer da face do planeta a maior parte das formas de vida bastaria que uma delas explodisse. Por isso, a questão do momento resume-se a saber quando é que um desses vulcões, e não só o de Yellowstone, entrará em erupção. Isto faz aproximar o momento na escala temporal, mas, ainda assim, estamos a falar de muitos séculos, senão mesmo de milénios.

Por fim, vamos debruçar-nos sobre a grande questão: a probabilidade.

Até que ponto é provável virmos a ser destruídos por uma invasão de extraterrestres, acontecimento que nunca se verificou e sobre o qual não possuímos qualquer informação indicando, sequer, que tal acontecimento possa alguma vez ocorrer? Ou, quão provável é que a caldeira do Parque Nacional Yellowstone regresse ruidosamente à vida? Estes são dois géneros diversos de acontecimentos-X; para um deles não há registos de dados de qualquer espécie, para o outro há provas claras de ocorrências anteriores. Eles ilustram o problema de tentar utilizar as ferramentas habituais de padrões estatísticos e probabilísticos para calcular a probabilidade de ocorrência de um acontecimento-X. Em ambos os casos, a ocorrência do acontecimento pode reenviar a humanidade para a Idade da Pedra, se não mesmo condená-la à extinção. Mas no primeiro caso só podemos especular (isto é, adivinhar) a probabilidade de ocorrência do acontecimento, enquanto no segundo caso podemos pelo menos tentar empregar ferramentas de análise de acontecimentos extremos para obter algo próximo de um número com significado para dar conta da “probabilidade” do acontecimento.

Convém notar aqui que, quando falo de probabilidade, não me estou a referir à “probabilidade num determinado período de tempo”. O momento está incluído na análise que fiz anteriormente. Por isso, quando digo probabilidade quero dizer “em qualquer altura”, ou, dito de outra forma, estou a dar uma resposta à questão: “Qual é a probabilidade de esse acontecimento alguma vez ter lugar?” Esta é uma condição muito forte e deixa essencialmente de fora a resposta “nunca”, pois alguma coisa que não é absolutamente excluída pela lógica ou pela física tem de ter pelo menos uma hipótese mínima de vir a acontecer em qualquer altura. Mas os acontecimentos não nascem todos iguais. E alguns deles, como por exemplo um terramoto devastador, são simplesmente muito mais prováveis do que outros, como por exemplo a Terra ser queimada por raios gama de uma híper supernova do outro lado da Via Láctea.

Reunindo todas estas ideias para fazer uma classificação, vou dividir a probabilidade em cinco categorias:

Virtualmente indubitáveis: Acontecimentos que quase de certeza virão a ter lugar, tais como o impacto de um asteroide, um grande terramoto ou uma quebra dos mercados financeiros. Estes são acontecimentos que já ocorreram muitas vezes e em relação aos quais temos muitas provas nos registos geológicos e históricos para acreditarmos que vão de certeza ter lugar novamente.

Definitivamente possíveis: Acontecimentos que ou já ocorreram ou para os quais temos indícios de que podem estar em processo de desencadeamento. Este grupo inclui coisas como uma pandemia, um holocausto nuclear global, uma Idade de Gelo extraviada, ou a destruição da camada de ozono da Terra.

Muito improváveis: Acontecimentos dos quais não temos registos de ocorrência no passado e que, embora possíveis, não têm de acontecer. Um nanocancro ou um declínio cultural gigantesco entram nesta categoria.

Muito remotos: Acontecimentos que são tão improváveis que não têm virtualmente qualquer possibilidade de vir a ter impacto na vida humana. A possibilidade de a Terra vir a ser “reconfigurada” por um viajante no tempo que pisa um mamífero antigo que, por acaso, é o mais velho ascendente da espécie humana, ilustra acontecimentos desta categoria.

Impossível dizer: Estas são ocorrências quanto à probabilidade das quais não fazemos a mínima ideia. Uma invasão de extraterrestres hostis, ou uma conquista da civilização humana por parte de robôs inteligentes são bons exemplos disto.

Acabei de dividir os acontecimentos ameaçadores da humanidade em três dimensões: escala temporal, medindo quanto poderá demorar até o acontecimento-X se desencadear totalmente; o momento em que o acontecimento-X poderá ocorrer; e a probabilidade do acontecimento, caracterizando as possibilidades de algum dia vir a ter lugar.

Até agora, disse pouco sobre as causas reais de um acontecimento-X criado pelo Homem. É, por isso, útil dar uma breve vista de olhos, de alto, a toda a paisagem e ponderar a questão de saber se é inevitável que um ou outro dos desastres, catástrofes ou extinções de que falo no livro acabem por nos condenar. A minha atenção vai centrar-se quase exclusivamente, a partir de agora, nos acontecimentos-X gerados pelos seres humanos, ou, pelo menos, permitidos por eles, pois as causas dos acontecimentos-X surgidos da natureza são hoje em dia muito mais bem compreendidas do que as daquilo que nós mesmos, seres humanos, conseguimos cozinhar. Isto não significa, é claro, que tenhamos de facto um bom controlo dos fenómenos drásticos com que a natureza nos presenteia, temos somente um entendimento deles um pouco melhor do que dos causados pelos seres humanos.

Antes de entrar nos capítulos propriamente ditos, quero sublinhar que os acontecimentos-X que desempenham o papel principal nas histórias que se seguem, não são ficção, científica ou de outro género. A maior parte deles já aconteceu e não seria necessária muita imaginação para ver como poderiam acontecer de novo. Por isso, não se deixe seduzir somente pelas narrativas, por mais irresistíveis que sejam. Não se esqueça das formas pelas quais a atividade humana pode causar, ou pelo menos exacerbar, um acontecimento-X. E lembre-se igualmente de que não é só a nível individual que somos os nossos piores inimigos. O mesmo princípio funciona também a nível social, como as histórias que se seguem comprovam de forma chocante.

8. Acrónimo de severe acute respiratory syndrome, ou seja, síndrome respiratória aguda grave, usualmente referida na comunicação social como pneumonia atípica. (N. do T.)