Capítulo 1: O salão todo espelhado

Antônio llama, que já havia rodado parte do Brasil e Cuba, vai até o México estudar ervas medicinais, depois até o Novo México nos Estados Unidos e, por fim, até o Arizona, também nos Estados Unidos. É no Arizona que ele encontra mais receptividade por parte dos nativos indígenas, os navajos, em sua reserva. Lá ele conhece o feiticeiro xamã, o bruxo, Nuvem Roxa.

Nuvem Roxa é um saquem navajo, aproximadamente com 77 anos, magro, mas de uma vitalidade incrível, uma força que transcende o corpo, uma força sobrenatural, espiritual. Ele descende de uma linhagem de xamãs, curandeiros naturais que utilizam-se de ervas medicinais há gerações e gerações incontáveis no tempo. Uma das ervas que são utilizadas é a datura ou peiote, como é conhecida e descrita por Carlos Castaneda em seu livro A Erva do Diabo.

Depois de semanas de preparação espiritual e física, Nuvem Roxa aplica em Antônio a erva datura. Ela, como parte de um ritual de autoconhecimento, de busca e de respostas a perguntas que sequer foram feitas, ou se foram, ocorreram de modo inconsciente.

Antônio toma o peiote e senta-se em um canto da tenda do xamã, do seu hogan. Relaxa e espera. A princípio nada ocorre, porém o tempo parece mais devagar e, ao mesmo, tempo mais rápido. O tempo e o espaço juntam-se ao tudo e ao nada. A existência acelera como as replicantes batidas do seu coração. Antônio, que fechara e abrira os olhos por diversas vezes, se acalma, se concentra, cerra as pálpebras como se fosse adormecer. O tempo para e o espaço se desloca, o eco de um tambor no peito fica cada vez mais distante.

Nuvem Roxa percebe que o rapaz iniciara a sua jornada, levanta-se, atiça a fogueira, acende um grande pedaço de incenso, o fixa no centro da paliçada que sustenta sua tenda, murmura uma prece de boa viagem e se afasta, saindo do hogan.

Dentro do hogan o ar vai sendo preenchido por uma fumaça de várias fontes, da fogueira, do incenso, do caldeirão, e a luz do sol refletido nos cristais pendurados transforma a alvura da fumaça em nuvens multicoloridas, dando um ar lisérgico psicodélico ao espaço da cabana do feiticeiro.

Ali se aplica empiricamente a teoria da relatividade, o tempo não para, mas também não progride linearmente, e a tira que o une ao espaço se dobra transmutando-se em um oito espiralado, uma fita de DNA helicoidal, cuja herança genética é o deslocamento espaço-temporal.

Quanto tempo passou não se sabe, não se sabe mesmo se algum tempo sequer passou, porém a sensação de Antônio é de que uma vida inteira se desfez nas areias da ampulheta do tempo. Antônio abre os olhos, ainda aturdido, meio abobalhado, com irritação da fumaça púrpura que o cerca, anda até a entrada do hogan e sai para contemplar o horizonte montanhoso que cerceia a cabana de Nuvem Roxa nas terras da reserva navajo. Assusta-se ao ver-se numa aldeia repleta de indígenas. Estes não o percebem, ele passa batido, como se fosse invisível.

Tomado por um lampejo, uma ideia eletrizante que move sua ação impulsivamente, Antônio monta em um cavalo e se dirige para as montanhas que tanto chamam sua atenção.

Antes do ritual se iniciar, sabe-se lá há quanto tempo, não havia outras tendas além da do feiticeiro, nem outras casas fora a do feiticeiro. O hogan do xamã situa-se num platô elevado no centro da reserva indígena, exatamente onde outrora ficava a aldeia central dos navajos.

Ali por semanas passou Antônio estudando os rituais e suas ervas medicinais com Nuvem Roxa, o saquem navajo. Era preciso um preparo físico e mental para suportar o ritual de autoconhecimento do peiote.

Quando saiu da tenda de Nuvem Roxa, durante o ritual, Antônio não viu mais a construção de alvenaria da casa do saquem, nem sua caminhonete e moto que ele possuía, viu, entretanto, outras tendas e cavalos, mulheres, crianças e guerreiros, como se ali fosse a aldeia central da reserva e fosse outro tempo, tempo mais remoto, que Antônio não soube conjecturar, pode apenas especular que se tratava de outro século, como se ele tivesse viajado no tempo mas não no espaço, ainda não, pelo menos.

A cavalo ele seguiu em direção às montanhas que reluziam com o sol poente, mas as cores da fumaça da tenda do xamã ainda cintilavam em seu fluido vítreo do globo ocular, sendo que a cor predominante era o púrpura.

Chegando ao anoitecer na parte mais alta da trilha, notou, com o surgimento da lua cheia, uma sinistra construção de pedras, alvenaria, carpintaria, uma mansão ou palacete, ou mesmo o que poderia ser tomado como um palácio ou castelo medieval, estranhamente colocado numa paisagem do oeste americano em vez de situar-se numa floresta europeia.

Adentrou os portões desse lúgubre palácio e deixou o cavalo no que parecia uma estrebaria. Antônio, então, dirigiu-se à porta principal e acionou uma espécie de campainha. O barulho foi assustador, digno de um filme do Drácula, pensou ele.

Depois de instantes de uma angustiante espera a porta se abriu e um senhor, uma espécie de mordomo antigo digno de um filme noir, adiantou-se a dizer que Antônio era esperado no salão dos espelhos. Indicou o caminho.

Por incrível que pareça esse mordomo era a cara do Anthony Hopkins em Silêncio dos Inocentes, a imagem viva, de dar calafrios na espinha, no âmago profundo do ser, de Hannibal Lecter. Era ao lado dele que Antônio tinha de percorrer todos os corredores e escadarias desse palácio. No meio da noite.

Ao menos era uma noite tranquila, sem chuva, sem temporal, sem raios apavorantes. Uma lua linda, cheia, toda iluminada pelo reflexo do sol em direção oposta. Com nuvens e estrelas.

Ao chegar, à porta do salão, o mordomo a abre e faz um gesto para que Antônio adentre o local e profere a sentença: “entrar é fácil, eu mostro o caminho, agora sair é com você, depende de você completar todas as jornadas”. Antônio entra no salão.

Um salão de dez lados todo espelhado e, assim que a porta fecha-se atrás de Antônio, ele percebe que não dá pra diferenciar um lado do outro e em pouco tempo ele fica confuso. Existem 10 portas, uma para cada lado, mas por onde ele entrou e por onde ele sairá são perguntas ululando em seu cerebelo. Qual a finalidade deste salão?

Antes de adentrar o recinto, Antônio pôde notar algumas características do palácio, mas não deu muita importância na hora, estava compenetrado, focado como se estivesse em uma missão. Dada por ele mesmo para que ele mesmo a cumprisse.

Os corredores do palácio pareciam não ter fim. Eram forrados de veludo vermelho, convidativos, para que loiras pudessem deitar-se neles, as paredes desciam como camas ou sofanetes, divãs para que as loiras pudessem acomodar-se neles, loiras como Marilyn Monroe, desnudas com a pele alva como leite morno.

Dentro do salão espelhado perde-se a noção de realidade, pois a de espaço-tempo já se fora há tempos. A inconsciência e a consciência dos fatos mesclam-se em uma purpura linha esfumaçada.

A função do salão é despir o viajante de si mesmo para que ele no nada encontre o tudo, isto é, uma versão mais profunda de si mesmo. Para fazer isto, passa-se por nove portas que abrem realidades distintas de sua vida. Afasta-se de si mesmo para que si mesmo se encontre.

O salão dos espelhos deste palácio transforma vontade e potência em realidade fantástica. Aliás, se a princípio este palácio poderia ser confundido com uma espécie de castelo medieval europeu, agora também pode ser uma fortaleza japonesa feudal.

Ricardo Castelo Negro lê para si em voz alta intracraniana os manuscritos de Antônio llama, o jovem viajante que ele encontrara no café.

Antônio nota no salão dos espelhos seus pensamentos, seus trabalhos acadêmicos, suas fotos pairando no ar como se fossem balões de festas infantis enchidos de hélio, como se fossem ícones na área de trabalho do computador que é sua mente.

Ao aproximar-se e tocar estes ícones, eles de repente se abrem preenchendo o espaço e o tempo vital de Antônio, sua vontade e potência em vida realizam sua vontade e potência inconsciente.

Teletransporta Antônio ao tempo sem tempo, a todo o tempo num só tempo, e ao espaço imperceptível de si mesmo, ao espaço de estar no mesmo lugar e ali não estar.

Por acaso Antônio entra dentro da pasta da faculdade de filosofia e esbarra no trabalho sobre Schopenhauer e o musical Hair que em 1978 ganhou sua versão no cinema.

Nota-se o trabalho:

Introdução

Pretendemos encontrar a pedra angular da filosofia de Schopenhauer, sendo esta a vontade fundamental que através do desejo move a humanidade, na obra musical Hair – que retrata um ponto explosivo da Gênese de nossa sociedade moderna e contemporânea do século XXI. Teria o movimento hippie se encontrado em seus instintos básicos.

Objetivos

Existe o objetivo geral e o objetivo específico, os quais vamos dividir a seguir. O objetivo geral é encontrar o pensamento de Schopenhauer no modo de vida (filosofia de vida) da geração hippie através de seu exponente cinematográfico Hair. Quanto ao objetivo específico dividimos em dois, sendo o primeiro analisar o conflito de gerações nos anos 60 e o impacto deste conflito na questão da vontade entre o rico e o pobre. Já o segundo se resume a encontrar a vontade de amar e o belo na crítica schopenhaueriana inseridos na cultura da época (contracultura) e o conflito do Vietnã.

Questão-problema

É possível encontrar Schopenhauer em Hair?

Hipótese

A nossa hipótese é a de que as ações geram consequências e, portanto, o que a juventude transviada realizou teve como consequência fundamental no nosso mundo mais liberal.

Justificativa

Devemos nos perguntar qual a relevância significativa de nossa pesquisa para a filosofia, tendo em mente que é embasada na comunidade advinda da rebeldia dos inconformados (uma década antes) sem a devida causa. Surgiu na frente de nossos olhos a constatação semi-hipnótica de que compreendendo o princípio fundamental da filosofia de Schopenhauer podemos ou passamos a possuir um entendimento do movimento hippie e não só mais como toda a juventude caótica dos anos 60 e seu fluxo que deriva até os nossos dias, tais como uma maior liberdade da mulher sobre seu corpo e sua alma. Racionalizando, (a priori James Dean, passando por Elvis até Jim Morrison) podemos notar a semente de Kerouak somada à vontade de Schopenhauer no âmbito da essência humana.

Metodologia

A nossa pesquisa utiliza-se do método bibliográfico, pois trata-se de uma pesquisa teórica e não empírica.

Resultado da pesquisa

Conseguimos resolver a questão-problema encontrando o pensamento de Schopenhauer na obra musical Hair. O modo que este pensamento foi encontrado foi o de que a vontade instintiva, desejo primordial que satisfaz e gera a felicidade individual, observa-se na cena em que o personagem central dança em cima da mesa.

Análise

Uma análise a qual o nosso grupo fez e refez é a de que ao se rebelarem e lutarem pela sua liberdade, individual e coletiva, em busca de uma evolução, a mais prazerosa possível, os personagens que em sua mimesis nos retratam, deixaram um legado pelo qual devemos ser gratos, o legado da democracia.

Conclusão

Concluímos que agrupando nossa hipótese, análise e questão-problema encontramos a pedra angular da finalização de nosso trabalho. De acordo com Schopenhauer, “juventude sem beleza tem sempre o seu encanto, mas beleza sem juventude não tem nenhuma” (Schopenhauer, 2005. p. 106). Schopenhauer era um pessimista deprimido. Agir como um jovem é agir com rebeldia, com entusiasmo, com paixão, portanto com o impulso latente à flor da pele do desejo instintivo. Como a juventude de Hair. Neste ponto acreditamos que ser rebelde é uma qualidade, isto porque deve-se ter uma causa contra a qual se rebelar, seja uma ditadura militar, seja uma guerra do Vietnã, seja o pensamento conservador ou o amor livre. Os personagens de Hair são jovens com uma causa, a de saciar sem pensar seus desejos.

Antônio segue passeando pela alameda, refletindo acerca de Schopenhauer, do ator Steve Mcqueen, direto dos anos 60, e tenta estabelecer um parâmetro sobre o belo além da vontade e potência de vida.

O musical Hair teve um impacto tremendo em Antônio, assim como Bullitt, e, fugindo do inferno de ambos os filmes de Steve Mcqueen, ele continua tratando dentro do seu crânio, no compacto de massa cinzenta que é a sua insanidade.

Vamos realizar uma resenha na apresentação que Jair Barboza escreveu para o livro Metafísica do Belo de Schopenhauer. A escolhemos por tratar-se de um breve vislumbre – sintético – do tema proposto por Schopenhauer, assim como de toda sua obra (o que nos remete ao corpo de nosso projeto).

O nosso projeto visa encontrar a essência do pensamento de Schopenhauer, sendo esta a vontade como força motriz da ação do Homem no musical Hair. Possui o pensamento individual (voltado para si) e não do coletivo.

De uma forma bem simples e sintética podemos dizer que o mundo só existe porque o percebemos, o tocamos, o sentimos, e por aí vai. Extraímos desta parte:

“[...] é o aspecto crítico-idealista da filosofia de Schopenhauer [...] dando ensejo à afirmação lapidar de abertura do primeiro livro de sua obra principal: O mundo é minha representação, uma verdade que valeria em relação a qualquer ser que represente, embora apenas o homem possa trazer a clareza de consciência, sendo-lhe então claro que não há um sol, uma terra, mas um olho que vê o sol, uma mão que toca a terra” (BARBOZA, 2001. pág. 8).

Barboza nos diz que além da representação encontra-se o invólucro da ciência, pois, nas palavras de Schopenhauer, “...o mundo como representação é a ‘objetividade’ da vontade (vontade feito objeto – submetida ao princípio formal do conhecimento, o princípio de razão).”

“Em suma, as ciências não cruzam a fronteira da apresentação submetida ao princípio de razão: o íntimo do mundo lhes é inalcançável por conceitos. Schopenhauer nomeará então o limite da investigação científica de força natural, a qual em sua natureza interior, se apresenta aos cientistas como a fronteira final de sua investigação, podendo por isso ser nomeada Qualitas Occulta, qualidade oculta” (BARBOZA, 2001 p. 10).

Nas palavras de Barboza:

“Se o princípio de razão não dá conta da essência das coisas, se em vão se procura por intermédio dele o substrato do mundo, cabe agora tentar um novo caminho, que em verdade, desencadeará uma revolução na história da filosofia, visto que pela primeira vez, com Schopenhauer, tem-se um sistema que confere destaque a noção de corpo – e sentimento (Gefühl) – para daí, veremos, desembocar num princípio volitivo, sem fundamento, irracional do mundo” (BARBOZA, 2001. p. 10-11).

Desvendamos, portanto, que toda ação do corpo, do indivíduo, é, em sua quintessência vontade pura, desejo primordial envolto em sentimentos que move o mundo.

De fato, o sentimento desempenhará papel crucial no pensamento schopenhaueriano, enquanto o oposto do conceito. Por uma especial intelecção na subjetividade corpórea, constata-se que seu núcleo é vontade, desdobrada em vários movimentos ou emoções. O investigador não é uma cabeça de anjo alada, mas possui uma interioridade, identificada com o próprio corpo que deseja e em atividade. Todo ato da vontade é ao mesmo tempo ação do corpo: ambos são uma única e mesma coisa, apenas ‘dados de duas maneiras completamente diferentes’, uma vez de imediato, outra na intuição do entendimento. Todo ato imediato da vontade é, num só lance, ação do corpo que aparece, por sua vez, toda ação sobre o corpo é, num só lance, ação sobre a vontade, chamando-se dor ou agrado. Schopenhauer introduz assim, em seu pensamento, a crucial noção de objetividade da vontade, a qual pode ser traduzida dizendo-se que o corpo é concreção do querer, ambos são unos ou, além de ser representação, o corpo é vontade (BARBOZA, 2001. p. 11).

Para Platão, em seu mito da caverna, sobre o inteligível, “...é apanágio de alguns poucos os que conseguem superar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se para a esfera da luz em busca das essências maiores do bem e do belo”:

Nesse contexto existencial do sofrimento, surge a função do belo como negação do querer. O belo é a forma privilegiada de conhecimento das ideias, acarretando a quem o frui a neutralização do sofrimento, portanto um apaziguamento do querer. Trata-se do estado estético, expressão indicativa da fruição do belo tanto na natureza quanto na arte. A metafísica do belo schopenhaueriana, como o próprio nome indica, é antes do belo, não da arte. O que o diferencia de uma certa tradição estética, encarnada sobretudo em Hegel, para quem, no começo de suas lições de estética, a expressão para ciência do belo soa filosofia da arte, mais precisamente filosofia da bela arte. Pelo que o belo natural é rebaixado (BARBOZA, 2001. p. 14).

Schopenhauer trata da questão da ideia, questão de beleza estética, em outro plano que não seja a realidade.

Realidade extraordinariamente surreal, ou surrealidade fantástica.

Antônio segue sua jornada de autoconhecimento através do seu passado acadêmico.

“Tal tema foi importado de Edmund Burke, de seu Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, de 1757, obra a reunir uma série de observações de cunho psicológico sobre ambas as experiências” (BARBOZA, 2001. p. 16).

O salão dos espelhos que pode agora estar em uma fortaleza feudal japonesa, ali pelo século XV ou XVI. Tem em suas portas adornos, símbolos do dragão de jade. Nos corredores externos e outras dependências, gueixas muito bem adornadas.

Antônio encontra-se passando, neste momento, por um escaneamento mental, físico, psicológico e emocional no salão dos espelhos.

Poderia estar numa aldeia celta, cercado de guerreiros, belas mulheres, druidas, estes últimos podendo equiparar-se ao xamã Nuvem Roxa no trato de poções.

A obra de Goscinny e Uderzo nos traz o valoroso Asterix e seu amigo Obelix, gauleses de uma irredutível aldeia cujo druida garante a sobrevivência dela com sua poção mágica preparada no caldeirão. Este druida é Panoramix.

Além de uma óbvia referência à resistência francesa no decurso da Segunda Guerra Mundial, esta obra faz alusão aos celtas do continente europeu.

A questão aqui é a de que também existiam celtas nas ilhas da Irlanda e da Inglaterra (antiga Bretanha). O ponto-chave desta cultura antiga, de cujos membros se destaca Merlim, são os Druidas, estes juízes, magos, curandeiros, poetas e bardos.

Em Contra Celso Orígenes, faz alusão a eles dentre outros representantes de outras culturas não cristãs, antigas como o judaísmo (CONTRA CELSO, cap.16, livro I).

Aqui, Orígenes pretende refutar Celso acerca da antiguidade do judaísmo, base do cristianismo, em que Celso teria excluído os hebreus ao citar culturas arcaicas.

Sobre Orígenes, podemos dizer que teria nascido por volta de 185 d.C. em um ambiente cristão, seu pai teria sofrido o martírio que o influenciou bastante. Orígenes foi discípulo de Clemente, em Alexandria. Provavelmente aos dezoito anos foi encarregado pelo bispo Demétrio da formação dos catecúmenos (escola de catequese) no exílio forçado de Alexandria.

“Fazem parte do seu auditório pessoas intelectualmente exigentes e pagãos e adeptos de seitas atraídos por seu renome. Esse novo público o convence da necessidade de se orientar para um estudo sistemático e rigoroso da escritura, e para uma reflexão teológica aprofundada. Daí data sua opção definitiva pela pesquisa e pelo ensinamento científico, apoiados nas disciplinas profanas”.

Assim ele passa a uma escola de fé, ensinando profundamente o cristianismo.

Existem diversas referências aos druidas na história da Bretanha, Gália, atual França, e na Península Ibérica. Antônio não poderia estar cercado de druidas antigos, a não ser iludindo-se a este respeito inserido dentro do salão de espelhos.

Nas palavras da poetisa:

Liberdade – essa palavra

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!

(Cecília Meireles)

Liberdade é algo que todo mundo deseja, mas para ser livre de verdade é necessário força de vontade, ou melhor, potência e vontade, potência faz ser real a vontade. Vontade de vida.

Os samurais entendiam, pensa Antônio, muito bem esse conceito de vontade e potência, de vida ao extremo, de honradez em vida e em morte.

Os hippies também entendiam o mesmo conceito aplicado à liberdade.

O conceito de vontade em Schopenhauer nas décadas de 60 e 70, através de filmes protagonizados por Steve Mcqueen, como Fugindo do inferno, Crown, o Magnífico, Bullit e Os Implacáveis e, também, em duas peças que retratam os anos 60, mais especificamente 68, como Hair e Apocalypse Now. Também o conceito de potência, mais especificamente de vontade do poder em Nietzsche. Qual a relação possível entre o conceito de vontade em Schopenhauer e o conceito de vontade de poder em Nietzsche, sendo que uma correlação entre as ideias de ambos aponta para uma provável transcendência conceitual?

Antônio pretende encontrar a pedra angular da filosofia de Schopenhauer, sendo esta a vontade fundamental que através do desejo move a humanidade, na obra musical Hair – que retrata um ponto explosivo da Gênesis de nossa sociedade moderna e contemporânea do século XXI. Teria o movimento hippie se encontrado em seus instintos básicos? Além das outras obras citadas acima, em conjunção com o conceito de vontade de potência de Nietzsche, em particular no filme Apocalypse Now, há um paralelo entre lados distintos em 1968. O lado do conflito no Vietnã em contraste com a liberdade hippie de Hair, e também em 1968 com Bullit, que transita entre ambos os lados.

Assim, com o enfoque nos anos 60 e 70, temos Os Implacáveis, filmado em 1972, mas que aborda inconscientemente o conceito de vontade e potência na índole dos personagens principais. E, por fim, um filme de 63 que retrata uma história do fim da Segunda Guerra Mundial, O Ponto Importante, com a atuação de Steve Mcqueen, em comparativo com seus outros filmes citados aqui e, não somente em seu personagem, podemos subtrair a essência da vida e a vontade de viver em Schopenhauer.

Também rodado e ambientado em 1968 temos Crown, o Magnífico, de onde se extrai não somente a vontade de viver de Schopenhauer como a vontade de poder, potência, de Nietzsche, este último retirado de sua obra, assim falou Zaratustra, encontra apoio no mundo como vontade e representação de Schopenhauer, porém Nietzsche vai mais longe ao propor uma transcendência em que o homem vai além de si.

Já referente a Schopenhauer, extraímos de Sandra Portella Montardo a seguinte passagem:

... em O mundo como vontade e como representação (Edições e Publicações Brasil, 1951), Arthur Schopenhauer, como não poderia deixar de ser, vale-se de seus conhecimentos a respeito de ciências biológicas para conceituar a vontade. Com base nesses conhecimentos, o autor alemão estabelece as diferenças entre a vontade animal e a vontade do homem, introduzindo um discurso filosófico para tanto. Schopenhauer, já nas suas ‘Explicações preliminares’, expõe que aspira fazer uma filosofia prática, ainda que entenda que a mesma não pode ser senão teórica. Fica aqui, mais evidente a sua ligação com o determinismo biológico que marca a sua obra, deixando claro, também, que não pretende ditar preceitos a respeito da conduta humana, mas apenas explicitar aspectos da mesma. Para o filósofo alemão, o único tempo que existe de fato é o presente.

O tempo presente é o tempo de vida ativa e pretendemos localizá-lo nos filmes em questão e contrabalanceá-los ao conceito de Nietzsche de vontade e poder. A potência de se realizar algo em vida. De ser livre de verdade, de ser anarquista graças a Deus, de ser rebelde com ou sem causa, de fugir do tédio cotidiano, do emaranhado social.

Antônio começa a visualizar uma das nove portas abertas, ou semiaberta. A fumaça roxa está nas entranhas. Do céu da sua boca parece sair mil aranhas. Pode-se visualizar isto através dos dez espelhos.

O escritor Rubem Alves disse a seguinte frase, “a vida não pode ser economizada para amanhã, pois ela acontece sempre no presente”, vai de encontro ao conceito de desejo, vontade de viver, de vida presente de Schopenhauer.

Partindo do problema, é possível encontrar Schopenhauer em Hair? Em se tratando do conceito de vontade, sendo esta como a máxima da vida de sofrimento. E transmutamos, ou melhor, aprimoramos este problema para uma justaposição entre vontade de viver e vontade de poder em uma geração que em sua maneira mudou o mundo ou o modo como vemos o mundo, isto é, a maneira que o encaramos hoje. A nossa hipótese é a de que as ações geram consequências e, portanto, o que a juventude transviada realizou teve como consequência fundamental o nosso mundo mais liberal. Juventude que teve sua Gêneses no movimento beatnik dos anos 50.

Em seu ouvido ecoa sons do passado, embora muito presentes, eternizados, pela magia da sensoriedade musical, sons de rock, principalmente Elvis e Beatles.

A geração hippie, cuja essência remonta aos anos quarenta e cinquenta, e que juntamente com o rock quis mudar a quintessência do planeta, contestadores, com uma enorme vontade de viver o dia, carpe diem.

Valores éticos e morais que presenciamos possuir uma longevidade e estão presentes, mesmo que inconscientemente, nos hábitos rotineiros dos dias atuais.

Devemos nos perguntar qual a relevância significativa de nossa pesquisa para a filosofia de vida, história do cinema e cinema americano, para o mundo e para o Brasil, tendo em mente que é embasada na comunidade advinda da rebeldia dos inconformados (uma década antes) sem a devida causa. Surgiu na frente de nossos olhos a constatação semi-hipnótica de que compreendendo o princípio fundamental da filosofia de Schopenhauer e de Nietzsche podemos ou passamos a possuir um entendimento do movimento hippie, e não só mais como toda a juventude caótica dos anos 60 e seu fluxo que deriva até os nossos dias. Tais como uma maior liberdade da mulher sobre seu corpo e sua alma. Racionalizando (a priori James Dean, passando por Elvis até Jim Morrison), podemos notar a semente de Kerouak somada à vontade de vida de Schopenhauer e a vontade de poder em Nietzsche no âmbito da essência humana, da transcendência humana.

O conflito de gerações nos anos 60 e o impacto deste conflito nas questões das vontades, de vida e de potência, enraizadas no cerne, na alma humana, dos personagens de Steve Mcqueen e dos filmes Hair e Apocalypse Now, entre o rico e o pobre, não somente monetariamente, mas de espírito, de desejo. Já o segundo resume-se a encontrar a vontade de amar e o belo na crítica schopenhaueriana em contraposição ou juntamente com a crítica de Nietzsche, inseridos na cultura da época (contracultura) e o conflito do Vietnã.

Conseguiremos resolver a questão-problema encontrando o pensamento de Schopenhauer em conjunção ao de Nietzsche nas obras previamente citadas. O modo a que este pensamento possa ser encontrado muito provavelmente será o de que a vontade instintiva, desejo primordial que satisfaz e gera a felicidade individual, se conseguido concretizar-se pode, por exemplo na obra Hair, ser observado na cena em que o personagem central dança em cima da mesa.

Uma imagem vale por mil palavras, dizem, dizem por aí, por aí se vê, se vê por aí. Por aqui tudo bem, é a imagem que se quer dizer, se quer passar, se precisa passar. Uma imagem vale mil palavras, a imagem de uma foto, a imagem que se forma ao escutar uma canção, um filme, a imagem que se forma na cabeça da gente quando se lê um livro, uma cena inserida no cinema como a dança em cima da mesa em Hair.

Antônio pensa, sente, vivencia, viaja e escreve. Ricardo lê e vivencia através das anotações de Antônio toda uma experiência de vida ainda que ilusória. Antônio delira. E suas ilusões quiméricas provêm de uma espécie de chá do druida. Antônio está no salão dos espelhos, no palácio das Nove Fronteiras, palácio ou palacete, mansão ou castelo, medieval ou fortaleza japonesa feudal, tenda do saquem Nuvem Roxa ou aldeia gaulesa, tudo ou quase nada, tudo se resume às suas lembranças ou percepções sensoriais psicodélicas ou fruto da sua condição psicossomática. Seria genética?

No salão dos espelhos os adornos são na forma de um dragão de jade, o dragão verde pula no ar e se insere, se mescla, com a pele de Antônio, dragão agora está no braço esquerdo, ombro e costas de Antônio, dragão tatuado no braço, calção corpo aberto no espaço, coração... o desenho dragão, verde, se adequa ao corpo de Antônio e suas tatuagens originais, reais, um sol beijando a lua atrás do ombro direito, nas costas e no meio das costas, atrás do pescoço, uma águia voando à noite e apanhando com as patas uma cobra de língua dupla, e matando a mesma, esta cobra. O dragão de jade, verde, verde como o Incrível Hulk, está agora no corpo de Antônio, o processo de simbiose entre o salão dos espelhos e Antônio está quase completo.

Verde como a Irlanda, terra dos duendes e seu pote de ouro no fim do arco-íris, é o dragão de jade. Arco-íris tem quantas cores, sete ou nove?, pensa Antônio com a mente acelerada e sem dormir há quarenta horas.

Arco-íris é, em alguns lugares, um posto de gasolina, arco-íris se forma depois da chuva, chuva molha, traz a água do céu, benéfico para o plantio e cultivo de alimentos, chuva é o choro de Deus, é o céu desabando sobre os mortais, sobre os gauleses, os gauleses e seus druidas, os druidas (como Panoramix) e seus caldeirões de poções, poções como o peiote de nuvem roxa.

A fumaça roxa da tenda do saquem circula por toda parte, todo lado, e inebria a percepção de Antônio.

No salão dos espelhos, cuja simbiose está quase lá (se fosse um download a barrinha estaria em 98 por cento), Antônio vê um dos espelhos, aliás ele observa a si mesmo em todos eles, mas nota que um dos espelhos se virou um pouco e a porta se abriu. Porém, abriu apenas uma fresta, de onde sai uma luz azul, um azulado que chama sua atenção. Nessa porta, um espelho que ainda reflete sua imagem, mais jovem, de Antônio trajando um uniforme, o uniforme da seleção brasileira de futebol, o manto sagrado, seu número é o 16, assim está costurado na camisa canarinho.

Antônio e o salão dos espelhos tornaram-se um simbionte, são um só, o processo está completado. Neste momento, Antônio sente que seu sentimento é o mesmo de um garoto que sai da casa de seus pais pela primeira vez para vivenciar o mundo, viver. Um pouco de medo, um pouco de ansiedade, muita coragem e muitas expectativas. Antônio sente muito, entretanto não pensa nada, pela primeira vez em muito tempo, Antônio não pensa em nada, sua mente está tranquila, serena e calma. Seu coração bombeia adrenalina.

Antônio olha para o azul que emana da fenda entreaberta da primeira porta, ele escancara a porta, porta adentro ele enxerga tudo azul. O mundo é azul, o céu é azul, Antônio é azul.

O azul é a cor dos sonhos, o vermelho é paixão, fogo ardente, realidade escancarada escrachadamente, o vermelho é sexo, rock, atrativamente é verão. O verde é esperança. Esmeraldas, rubis, safiras, matizes preciosas que combinadas nos fornecem o arco-íris valioso dos nossos sonhos coloridos, dourados como o pote de ouro dos duendes da Irlanda. Sonhos são coloridos, mas o portal de entrada no reino de Morfeu é azul, azul é a cor dos sonhos, é a cor que simboliza o lisérgico, o surreal, o fantástico universo paralelo em que respiramos vida além da vida quando dormimos.

O mundo é azul, o céu é azul, Antônio é azul. Antônio é puro sonho, agora ele é sonho, sonho que vira realidade, realidade que o transporta ao transmutado mundo dos seus delírios, seus devaneios são azuis, são reais em sua mente. Teletransporta-se para seu passado, no entanto, seu passado não é real, sua história que está em sua mente fértil não é concreta, inexiste a não ser enquanto história, mas Antônio está em seu passado, Antônio é seu passado, seu passado é sonho quimérico, é ilusão, seu passado é azul. Antônio é a história de si mesmo.