Antônio e Ricardo, enquanto conversavam na cafeteria, um outro olhar impera sobre eles, é o olhar de Alexandre, o qual tinha ido ao shopping em São José dos Campos para uma maratona de filmes no cinema.
Entre um filme e outro, Alexandre fuma um cigarro e toma um café cappuccino na cafeteria do shopping. Estava lá tomando seu café e delirando sobre a vida quando notou a presença de Antônio e Ricardo.
Num primeiro momento, porém, eles estavam lá e num piscar de olhos eles não estavam mais lá. O que teria acontecido a eles?, pensa Alexandre, será que eles realmente estavam lá?, reflete. A conclusão a que chega ele é de que imaginou toda uma situação envolvendo Antônio e Ricardo e que eles não existem de verdade.
Alexandre tem 38 anos de idade e uma imaginação fértil por demais. Ele certamente delirou no intervalo entre tomar um café e fumar um cigarro.
O interessante é que o inconsciente de Antônio e o consciente de Ricardo certamente estão inseridos na psique de Alexandre. Antônio tem a idade de 30 anos e Ricardo 46 anos. Se tirar 8 anos de Ricardo e somar 8 anos a Antônio, os três ficam com a idade de 38 anos. Se Antônio é bipolar, também pode ser Alexandre.
Em uma velha canção um velho ditado, um velho provérbio. Sonho naquele momento entre Morfeu e o despertar.
Um sábio chinês sonhou que era uma borboleta, quando despertou uma dúvida o acompanhou pela vida, se ele era um sábio chinês que sonhou que era uma borboleta ou se ele era uma borboleta que sonhava ser um sábio chinês.
Todos nós somos teimosos, mas estamos aqui para analisar a teimosia do outro. Nova totius terrarum sive novi orbis tabula, teimava em querer tatuar no corpo, de ombro a ombro nas costas, mas já tinha outras tatuagens. Podia ser na barriga, pensou. Um dia quente, singular, de fim de outono, como se o clima, o tempo terrestre, estivesse confuso ou simplesmente desejasse lembrar ao homo sapiens que o inverno passa e o verão chega.
A teimosia do outro no esporte, a insistência beirando a arrogância mesmo no cotidiano ordinário e constante. O técnico que não se adapta às jogadas adversárias, o cidadão que não enxerga as adversidades da vida e não muda a tempo. O tempo da vida, o tempo da morte, o tempo passa e, enquanto passa, ele passa a existência mesmo sonhando acordado ou vivendo dormindo.
Mesmo quando percebe o chumbo inimigo disparado em sua direção, contrário às expectativas, correm em seu sentido na louca ansiedade de vir a sentir ou já ter experimentado a adrenalina, a emoção, o prazer de alterar as sensações que o corpo percorre até a mente ou dinamicamente a mente a vivência em total potência, consegue mudar a dinâmica do jogo.
A teimosia do outro reflete ocasionalmente a teimosia de si mesmo, a teimosia nossa de cada dia, de cada hora, a toda hora, a todo instante teimamos das coisas triviais até as mais significantes. Relutamos em perceber estes momentos por conta da adrenalina do momento, o exato ponto em que perdemos a noção das coisas, a noção da ação, a má educação, o ato que define a nós, ao outro, a si mesmo em plena falta de virtude ou excesso dela.
Andava tão distante da luz, da clareza da luz, ia tão distante da Andaluzia que só conhecia em fotos, vídeos, reportagens, filmes, quimeras, quem deras fosse mais que um sonho bonito, o beijo ao sol poente na morena indecente, ah Andaluzia tão distante da luz tão distante andava.
Nunca esteve na Espanha ou na França, mas seus ancestrais vieram da Itália em 1891. Alexandre era do tipo distraído, mas inteligente, ocupado sem ao menos de fato sê-lo, na verdade era desocupado mas sempre atarefado. Se perdia em pensamentos diurnos e a noite era insone, dada a atividade cerebral intensa e constante, como suas mudanças de humor. Às vezes não sabia exatamente o que era real ou não, irreal, ilusão, devaneio, passeio surreal.
Fantasiava sempre sobre tudo e sempre sobre tudo extravasava de três maneiras, bebendo, transando e escrevendo, expondo no branco do papel virtual seus mais íntimos delírios, segredos, desejos, impulsos, matando ou torturando ou ambos na escrita pornográfica de seu notebook.
Acordei ainda sentindo o gosto de álcool na boca, um sabor de guarda-chuva misturado ao cigarro. No corpo, ainda restava o perfume inebriante dela. Fiz um café forte, tomei um banho, flashes da noite anterior acendiam minhas sinapses como enfeites de uma árvore de Natal, cada segundo um pensamento diferente, lembranças das danças das nossas panças intercaladas em suor. Descalço no macio piso atapetado com uma nova caneca de café fresco, sentado na poltrona.
Pelo vidro da janela, da porta da sacada, envidraçada, um vislumbre do sol fraco.
Lembrou de Sophia.
O vapor da água quente esfumaçava o banheiro, o chuveiro molhava o espelho e o vidro da janela. A cortina ficava úmida em todo seu esplendor, uma cortina com peixinhos laranjas e azuis. A água percorria toda a pele alva e suave de Sophia, deixando-a mais rosada ainda, suas mãos ensaboavam seu belo corpo, seus braços, seus seios, limpando mais que a pele, sua alma. Rejuvenescendo-a.
Como era bela. Sempre com ela nos sonhos oriundos de idas e vindas no amor vivido.
Alexandre, então, chegou ao autoconhecimento e pensou em escrever um livro.
Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração. E quem irá dizer que não existe razão.
Legião Urbana