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Sartre e a subjetividade

Sartre: vida e trabalhos

A terceira das principais figuras na fenomenologia, Jean-Paul Sartre, nasceu em Paris em 1905. Diferente de Husserl e de Heidegger, Sartre não viveu como um filósofo acadêmico. Embora tenha ensinado filosofia em certos momentos de sua vida, não ocupou uma cátedra. Em vez disso, viveu como autor, dramaturgo e intelectual público.

Neste capítulo nosso interesse estará restrito ao trabalho de Sartre durante um período de dez a quinze anos de sua vida, começando aproximadamente em 1933, quando recebeu uma concessão para estudar no Instituto Francês em Berlim. Aqui, Sartre se envolveu profundamente com a fenomenologia e com os trabalhos de Husserl. Essa imersão levou rapidamente à publicação de A transcendência do ego, um pequeno volume que critica incisivamente a concepção de Husserl sobre o ego e seu papel na fenomenologia. Os anos subsequentes foram produtivos para Sartre. Ele publicou seu romance A náusea (1938), assim como trabalhos na psicologia filosófica: Imaginação, uma crítica psicológica (1939), Esboço para uma Teoria das Emoções (1939) e O imaginário (1940). Na eclosão da Segunda Guerra Mundial, Sartre serviu como oficial no exército francês, e foi feito prisioneiro pelas forças de ocupação alemãs (ele usou esse tempo para ensinar Heidegger a seus companheiros prisioneiros). Após sua soltura, Sartre voltou a lecionar filosofia e a escrever trabalhos em filosofia e literatura. Em 1943 ele publicou sua peça As moscas e seu principal trabalho na filosofia, O ser e o nada, com o subtítulo de “Um Ensaio Fenomenológico em Ontologia”. Esses trabalhos foram rapidamente seguidos pela peça Entre quatro paredes e pelo romance A idade da razão, a primeira de uma subsequente trilogia que Sartre intitulou coletivamente como Os caminhos para a liberdade. Ele também fundou a revista Les temps modernes, que publicava trabalhos de figuras como Albert Camus e Merleau-Ponty. Em 1946, Sartre publicou um ensaio filosófico mais curto, O existencialismo é um humanismo, que começou como uma conferência pública em 1945. Nesse trabalho Sartre pela primeira vez caracterizou sua filosofia como existencialismo (o termo foi cunhado, pela primeira vez, pelo amigo de Sartre, Gabriel Marcel, mas Sartre inicialmente resistiu à denominação), que rapidamente se converteu em um amplo movimento intelectual, encontrando adeptos não apenas na filosofia, mas também na psicologia, na literatura, no teatro e no cinema.

Sartre encontra a fenomenologia

Em A força da idade, Simone de Beauvoir relata o primeiro encontro de Sartre com a fenomenologia. Conforme ela recorda o episódio, ela e Sartre estavam passando uma noite com seu amigo Raymond Aron, que estava na época estudando Husserl no Instituto Francês em Berlim. Apontando para um coquetel de damasco, Aron demonstrou para Sartre a importância do método fenomenológico: “Você vê, meu caro amigo, se você for um fenomenólogo, você pode falar sobre esse coquetel e fazer filosofia disso!” Diante dessas palavras, diz-se que Sartre “ficou pálido de emoção”. O empalidecimento se deveu ao ter-se apercebido de que poderia, usando métodos fenomenológicos, “descrever objetos exatamente como os via e tocava, e extrair filosofia deles”. A fenomenologia apareceu então para “afirmar simultaneamente tanto a supremacia da razão como a realidade do mundo visível, tal como aparece a nossos sentidos”. Imediatamente após esse episódio, Sartre comprou uma cópia de um estudo inicial de Lévinas sobre Husserl. De acordo com De Beauvoir, quando Sartre o leu pela primeira vez, seu “coração descompassou” (todas as citações são de Simone de Beauvoir 1962: 112).

Sartre continuou a escrever nas décadas seguintes, incluindo um estudo sobre o escritor Jean Genet, assim como sobre Mallarmé, Flaubert e Freud. Em 1960 publicou Crítica da razão dialética, que reúne os aspectos existencialista e marxista de seu pensamento. Durante esses anos Sartre foi francamente político, posicionando-se contra o colonialismo francês e a Guerra do Vietnã, e, primeiro a favor, depois contra, a União Soviética e Cuba. Foi-lhe concedido em 1964 o Prêmio Nobel de Literatura, mas declinou da premiação por razões políticas. Morreu em 1980.

De Hume a Descartes: Husserl, acerca do ego

A tradição fenomenológica é, com certeza, apenas uma parte da tradição filosófica moderna, que começa com Descartes. Uma pedra fundamental da filosofia de Descartes é a descoberta do “eu” como o fundamento epistemológico para qualquer conhecimento que seja. Na segunda de suas Meditações sobre Filosofia Primeira, Descartes coloca um fim para sua “dúvida radical” anunciando que sua própria existência (“eu sou, eu existo”) admite a completa certeza. Igualmente concedido está o pensamento de Descartes; mesmo seu duvidar, como uma espécie de pensamento, confirma a realidade de seu pensamento, e assim o “eu penso” tem credenciais igualmente tão fortes quanto o “eu existo”. Na Segunda Meditação Descartes observa também como quaisquer de suas experiências, independentemente do foco delas (o exemplo no qual se concentra é olhar para um pedaço de cera), servem para testemunhar sua própria existência como uma coisa pensante: a existência do “eu” é confirmada a cada momento de nossa consciência.

A filosofia moderna começa com Descartes, mas de modo algum termina aí. Nem todo filósofo posterior compartilhou de sua confiança com relação à descoberta de um “eu”, uma coisa pensante no centro de todo pensamento ou experiência. Um exemplo particularmente vívido dessa falta de simpatia é o de Hume, que, em uma famosa passagem, anuncia com igual confiança que nenhum eu assim tem de ser encontrado:

Da minha parte, quando entro mais intimamente naquilo que eu chamo eu, sempre tropeço em uma ou outra percepção particular, de calor ou frio, luz ou sombra, amor ou ódio, dor ou prazer. Nunca posso me capturar em momento algum sem uma percepção, e nunca posso observar qualquer coisa senão a percepção [...] Se alguém, depois de reflexão séria e imparcial, pensa ter uma noção diferente de si mesmo, eu devo confessar que não posso mais raciocinar com ele. Tudo o que posso conceder a ele é que pode estar igualmente certo, e que somos essencialmente diferentes nesse particular. Ele pode, talvez, perceber algo simples e continuado, ao qual chama si mesmo; embora eu esteja certo de que não exista esse princípio em mim ([1739/1740] 1978: I, IV, § VI).

Relato esses momentos talvez familiares do início da filosofia moderna porque as discordâncias que mostram podem ser identificadas dentro da tradição fenomenológica. Na verdade, cada uma dessas duas posições pode ser localizada unicamente dentro da filosofia de Husserl. No capítulo 1 nossa discussão se restringiu basicamente à concepção de Husserl sobre a fenomenologia após sua “virada transcendental”, que ocorreu por volta de 1905. Contudo, em seu trabalho “inovador”, Investigações lógicas, suas concepções com relação ao ego ou eu têm um timbre distintamente humeano, como pode ser visto na passagem a seguir, na qual ele, como Hume antes dele, “confessa” sua inabilidade para encontrar um ego onipresente no centro da experiência:

Devo francamente confessar, entretanto, que sou praticamente incapaz de encontrar esse ego, esse centro primitivo, necessário, das relações*. As únicas coisas das quais posso tomar nota, e consequentemente perceber, são o ego empírico e suas relações empíricas com suas próprias experiências, ou com tais objetos externos enquanto está recebendo atenção especial no momento, ainda que muito permaneça, seja “fora” ou “dentro”, sem ter relação alguma assim com o ego (LI: 549-550).

O asterisco no fim da primeira sentença assinala uma nota de rodapé que Husserl acrescentou na segunda edição de Investigações lógicas, que apareceram depois da publicação do primeiro volume de Ideias. Embora Husserl não tenha empreendido uma completa revisão de Investigações lógicas de modo a alinhá-la com sua concepção então corrente de fenomenologia, ele acrescentou qualificações e correções por meio de notas e apêndices (assim como a ocasional supressão de seções inteiras). Essa nota particular é especialmente notável, uma vez que constitui uma reversão completa em sua posição. Na nota Husserl anuncia a descoberta do que tinha previamente eludido cada esforço seu de detecção. A nota diz: “Desde então, consegui encontrá-lo, i. e., aprendi a não ser desencaminhado de uma pura compreensão do dado através de formas corruptas do ego-metafísico” (LI: 549).

À medida que a concepção de fenomenologia de Husserl se desenvolve, sua concepção com relação ao lugar do ego dentro da fenomenologia faz seu caminho de volta, em termos de precedente histórico, de uma posição mais ou menos humeana para uma posição mais intimamente alinhada com a de Descartes. A “pura compreensão do dado” adquirida através da redução fenomenológica inclui uma compreensão do ego puro ou transcendental como um elemento essencial do dado. Três passagens da apropriadamente intitulada Meditações cartesianas podem ser ilustrativas aqui:

Se mantenho puramente o que se mostra – para mim, aquele que está meditando – em virtude da livre epoché com respeito ao ser do mundo experienciado, o fato momentoso é que eu, com minha vida, permaneço intocado em meu status existencial, independentemente de se o mundo existe ou não e independentemente do que possa ser minha decisão eventual concernente ao seu ser ou não ser. Esse ego, com sua vida-de-ego, que necessariamente permanece para mim, em virtude desta epoché, não é um pedaço do mundo; e se ele diz “eu existo, ego cogito”, isso não significa mais “eu, este homem, existo” (CM: § 11).

A afirmação verdadeiramente primeira, no entanto, é a afirmação cartesiana do ego cogito – por exemplo: “eu percebo – essa casa” ou “eu lembro – de certa comoção na rua” (CM: § 16).

Eu existo por mim mesmo e sou continuamente dado a mim mesmo, pela evidência experiencial, como “eu mesmo”. Isso é verdadeiro sobre o ego transcendental, e, correspondentemente, sobre o ego psicologicamente puro; é verdadeiro, além disso, com respeito a qualquer sentido da palavra ego (CM: § 33).

Observe como em cada uma dessas passagens Husserl apela para a presença ou dadidade do ego como predominante: o ego permanece após a realização da redução como uma característica essencial da consciência, é envolvido na “afirmação verdadeiramente primeira” e é “continuamente dado”.

A afirmação segundo a qual um “eu” é persistentemente dado na experiência é o principal alvo de Sartre em A transcendência do ego. Como Sartre diz na página de abertura: “Gostaríamos de mostrar aqui que o ego não está formal nem materialmente na consciência: está lá fora, no mundo. É um ser do mundo, como o ego de outro” (TE: 31). A afirmação de Sartre, se confirmada, constitui uma crítica especialmente severa à fenomenologia husserliana, uma vez que tem importância crítica mesmo que aceitemos a estrutura básica da redução fenomenológica. Como um “ser do mundo”, o ego não pode sobreviver à redução fenomenológica como um elemento constitutivo da “consciência pura”, não mais do que minha mesa ou xícara de café, entendidas como entidades existindo no mundo.

Revisões fenomenológicas

Vimos nas passagens de Meditações cartesianas que a redução fenomenológica afirma que “Eu existo para mim mesmo e sou continuamente dado a mim mesmo”. A afirmação de um “‘eu’ ou ego dado continuamente” é fundamental para as afirmações mais amplas de Husserl sobre a estrutura essencial tripartite de toda experiência intencional:

Ego --------- Cogito -------- Cogitatum

[Eu --------- Noesis ------------ Noema]

Cada experiência, Husserl afirma, tem essa estrutura, onde o eu e o “cogitatum”, ou seja, o ego e o objeto-como-intencionado, formam os dois “polos” da experiência. O termo médio, o cogito ou noesis, designa o tipo ou modo da experiência, por exemplo, percepção, recordação, desejo, esperança, medo e assim por diante.

Toda a experiência consciente tem de fato essa estrutura tripartite? Se recordarmos um slogan introduzido anteriormente em nossa discussão segundo o qual “toda consciência é consciência de alguma coisa”, ou seja, que a intencionalidade é a característica definidora da consciência, então os elementos médios e os elementos mais à direita dessa fórmula de três partes, na verdade, parecem essenciais. Cada experiência (intencional) requer um objeto (cogitatum/noema) e esse objeto deve ser experienciado de um modo ou de outro, por exemplo, percebido, desejado, temido, recordado e assim por diante (cogito/noesis). Embora Husserl argumente que o elemento mais à esquerda seja igualmente essencial, Sartre afirma que a atenção cuidadosa à experiência mostra que isso não é assim. Ou seja, Sartre argumenta que, quando restringimos nossa atenção ao fluxo da experiência estritamente como experienciada, que, fundamentalmente, é o que a redução fenomenológica tem em vista facilitar, nenhum “eu” ou o “ego” é manifesto como parte desse fluxo. Isso é verdadeiro, ao menos, sobre o que Sartre chama “consciência de primeiro grau”.

Considere o seguinte exemplo. Eu estou em minha cozinha fazendo pão. Minha tigela grande de cerâmica está diante de mim no balcão. Eu já adicionei água morna e fermento à tigela, e estou agora misturando farinha para fazer a massa. O interior da tigela quase exaure meu campo visual enquanto observo intencionalmente a massa lentamente se formando (farinha demais produz uma sólida bala de canhão, inadequada para assar, muito menos para comer; muito pouca farinha resulta numa coisa grudenta), mas eu estou perifericamente consciente do entorno do balcão, o copo de medidas e o saco de farinha exatamente à direita, o canto do livro de receitas, à esquerda, a torradeira, não utilizada, situada atrás da tigela. Ao mesmo tempo, eu sinto os cheiros familiares do fermento que são fundamentais na elaboração do pão, junto com o aroma persistente, embora tênue, do café da manhã. Eu ouço a colher enquanto bate contra o lado da tigela, mas o rádio está ligado e intermitentemente presto atenção à música que está tocando ou às palavras do apresentador do programa. Minha mão esquerda segura o lado da tigela, que é frio e liso, e minha mão direita segura a áspera colher de pau. Rapidamente sinto uma dor chata no meu bíceps direito à medida que a farinha adicionada aumenta a resistência da mistura.

Se refletirmos sobre esse esboço de uma descrição, tudo isso pareceria ser grão demais para o moinho de Husserl. Ao fim e ao cabo, cada sentença da descrição contém ao menos uma ocorrência de “eu” ou “meu” (ou ambos), e assim cada sentença remete explicitamente a um ego ou eu: eu estou na cozinha, eu sinto o cheiro do fermento, minha mão esquerda segura a tigela, e assim por diante. Portanto, é difícil, diante disso, entender a afirmação de Sartre segundo a qual o eu ou o ego não é uma parte manifesta da consciência de primeiro grau. Todavia, não deveríamos ser tão precipitados em extrair essa conclusão, uma vez que a descrição proposta de minha atividade não é puramente fenomenológica. Considere, por exemplo, a terceira sentença, que começa com “Eu já adicionei...” Essa sentença pode ser parte de uma descrição narrativa de minha elaboração do pão, algo que eu poderia relatar enquanto estou fazendo isso, caso estivesse, digamos, ensinando alguém a fazer pão ou talvez demonstrando o processo de elaboração do pão como convidado de um programa (“Ok, Rosie, agora vou começar a misturar a massa...”), mas é improvável que qualquer coisa correspondente a essa sentença figure em minha experiência enquanto estou sozinho na cozinha. Uma descrição narrativa é, de algum modo, uma descrição mista, contendo tanto elementos objetivos como subjetivos, relatando o que estou fazendo e minha experiência do que estou fazendo. Uma descrição fenomenológica, por contraste, restringe-se inteiramente a como as coisas são manifestas na experiência, a atividade como experienciada, e aqui, Sartre afirmaria, as muitas ocorrências de “eu” e “meu” que povoam a descrição narrativa estão fora do lugar. Enquanto dissolvo o fermento, mexo a farinha e assim por diante, o conteúdo de minha experiência é simplesmente o fermento dissolvido, cujo cheiro senti na tigela, a tigela e a farinha vistas no balcão, a música ouvida no rádio, a dor sentida no braço e assim por diante, mas não necessita haver, e usualmente não há, qualquer experiência de um eu que está fazendo todo esse cheirar, ver, ouvir e sentir. Minha absorção pode, é claro, ser interrompida em qualquer ponto, de modo que eu possa então reflexivamente apreender aquilo com que estive ocupado, talvez mesmo ao ponto de explicitamente pensar para mim mesmo coisas como, “Aqui estou eu fazendo pão”, ou “Eu realmente gosto do cheiro de fermento”, ou “Agora quase terminei de misturar a farinha”, mas seria um erro, Sartre afirma, impor a estrutura dessa apreensão reflexiva à experiência não reflexiva. (Nós também necessitamos ser cuidadosos, Sartre pensa, sobre como descrevemos a estrutura dessa apreensão reflexiva, mas falaremos sobre isso mais tarde.) Embora Sartre aceite a ideia kantiana de que deve ser sempre possível anexar um “eu penso” (ou, melhor, “eu experiencio”) a cada uma de minhas experiências, não deveríamos exagerar essa possibilidade em uma realidade.

Nesse momento, podemos imaginar a seguinte objeção husserliana: por que pensar sobre a estrutura da apreensão reflexiva como uma imposição; por que não, em vez disso, como uma revelação? A apreensão reflexiva de minha experiência revela o ego ou eu como um elemento essencial dessa experiência. O fato de que eu posso denominar todas essas experiências como minhas não mostra que esse é o caso? Para Sartre essas questões fornecem pouco em termos de vantagem argumentativa. Para começar com o tema mais básico, nada se ganha ao substituir “revelação” por “imposição”, uma vez que falar de reflexão como revelando um ego implica que esse ego estava escondido antes para a reflexão e, desse modo, não manifesto na experiência não reflexiva, que é precisamente o ponto de Sartre. Qualquer coisa que requeira reflexão para trazê-la ao nível da manifestação não poderia ser parte do conteúdo da consciência de primeiro grau; a própria ideia de um conteúdo não experienciado da experiência mostra sua própria absurdidade.

Essa resposta inicial para nossa objeção imaginada pode ser mais desenvolvida de modo a revelar um problema ainda mais profundo com um apelo a um eu ou ego como um elemento essencial em toda experiência. Se permitirmos que a reflexão revele o eu ou ego, e assim conceda que o eu ou ego não é manifesto na consciência de primeiro grau antes do ato de reflexão, então postular que o ego é sempre uma característica estrutural da consciência é violar o princípio mais fundamental da fenomenologia. Ou seja, a fenomenologia se apresenta como um empreendimento não especulativo, não hipotético. O ponto todo da redução fenomenológica, como Husserl o desenvolve, é trabalhar de acordo com seu “princípio de todos os princípios”, o qual, você recordará, exige “que tudo originalmente (por assim dizer, em sua realidade ‘pessoal’) oferecido a nós na intuiçãodeve ser aceito simplesmente como se apresenta, mas também somente dentro dos limites nos quais se apresenta” (Ideas I: § 24). A cláusula final é a mais importante para nossos propósitos, uma vez que a postulação de um ego onipresente equivale a uma interferência que vai para além dos “limites” do que é apresentado na experiência. O conteúdo da experiência não é senão o que é experienciado: não existem elementos não experienciados da experiência. A descrição fenomenológica cuidadosa mostra que o ego transcendental de Husserl é exatamente esse elemento não experienciado. Postular um ego no nível da consciência de primeiro grau é introduzir um elemento “opaco” na consciência, consequentemente ocluindo o que Sartre chama sua “translucidez”, e assim, como Sartre, de um modo mais colorido, expressa, o ego transcendental é “a morte da consciência” (TE: 40).

Estamos agora nas proximidades da segunda principal objeção de Sartre à concepção de Husserl sobre o ego transcendental, ou seja, a de que o eu ou ego não serve para unificar a consciência. Colocada mais incisivamente, a afirmação de Sartre é que um eu ou ego assim não poderia desempenhar esse papel, uma vez que, como vimos, a introdução de um elemento não experienciado marca “a morte da consciência”, em vez de estabelecer sua unidade. De acordo com Sartre, a consciência não necessita senão de si mesma para sua unidade; a intencionalidade da consciência, sua estrutura sintético-horizontal, confere toda unidade que ela requer. Para retornar ao exemplo de minha experiência de fazer pão, todos os momentos e modalidades daquele trecho de experiência formam um fluxo interconectado, unificado – as apresentações adumbrativas da tigela enquanto gira, os lados não vistos previsivelmente se tornando vistos, a simultaneidade dos cheiros de fermento e a audição do rádio – sem qualquer agente sintetizador complementar situado por detrás ou sob eles, ou seja, sem nenhum sujeito. Para Sartre, portanto, o ego não é uma fonte de unidade, mas em vez disso é estabelecido em uma unidade anterior que ele não criou.

Sartre certamente não quer negar que um eu ou ego é sempre manifesto na ou para a consciência; a consciência reflexiva, ou de segundo grau, é um fenômeno genuíno, e aqui um eu ou ego faz, na verdade, uma aparição. No entanto, Sartre afirma que a atenção cuidadosa à consciência reflexiva também ilustra as falhas na concepção de Husserl acerca do ego e seu lugar na fenomenologia. Em vez de uma característica transcendental, estruturalmente essencial, da consciência, o ego é um objeto transcendente para a consciência, que não difere, a esse respeito, de qualquer outra entidade mundana. O que isso significa é que mesmo atos de reflexão, da consciência de segundo grau, são ainda sem sujeito, em um importante sentido; o eu aparece como um objeto, como parte do conteúdo intencional da experiência, e não como seu sujeito. Essa característica transcendente, objetiva, do eu dita, para os próprios critérios de Husserl, que ele deve “cair diante do golpe da redução fenomenológica” (TE: 53). Aqui podemos ver o modo pelo qual Sartre planeja sua crítica à fenomenologia husserliana para constituir uma série de críticas internas, equivalentes a uma observância mais cuidadosa das críticas e métodos do próprio Husserl. Em A transcendência do ego, ao menos, Sartre não rejeita a redução fenomenológica (como Heidegger o faz em Ser e tempo, por exemplo) nem reconsidera os resultados desse procedimento.

A despeito do desejo de manter uma certa fidelidade à concepção madura de fenomenologia de Husserl (sem, é claro, o que Sartre vê como a inclusão errada de um ego transcendental), a prática real de Sartre da fenomenologia, e, portanto, sua concepção de método fenomenológico, em efeito, constitui uma separação significante. O que pretendo dizer aqui é que Husserl considera a reflexão como essencial ao método fenomenológico. Como vimos, “atos de segundo grau”, ou seja, atos reflexivos, constituem “o campo fundamental da fenomenologia” (Ideas I: § 50). Ora, Husserl reconhece que a reflexão constitui uma “modificação” da experiência de primeiro grau. A reflexão, Husserl admite, “altera o processo subjetivo original”, de modo que ele “perde seu modo original, ‘direto’, pelo próprio fato de que a reflexão constrói um objeto a partir do que era previamente um processo subjetivo, mas não objetivo” (CM: § 15).

Ao mesmo tempo, Husserl não está preocupado com essas alterações, uma vez que “a tarefa da reflexão [...] é não repetir o processo original”; em vez disso, o objetivo da reflexão é “considerar [...] e explicar o que pode ser encontrado” no processo original (CM: § 15). Em A transcendência do ego, Sartre escreve:

Husserl é o primeiro a reconhecer que um pensamento irrefletido experimenta uma modificação radical ao se tornar refletido. Mas é necessário restringir essa modificação à perda da “ingenuidade”? O essencial da mudança não seria a aparição do eu? (TE: 45-46).

O peso crítico da segunda questão de Sartre não deveria ser subestimado, já que, se ele estiver certo, as modificações efetuadas pela reflexão se estendem ao conteúdo, como oposto justamente ao “modo”, da consciência de primeiro grau, alterando-o radical e enganosamente. Mas se isso ocorre, a reflexão não pode ser o método próprio para “considerar e explicar” atos da consciência de primeiro grau, uma vez que ela inevitavelmente afirmará como características essenciais o que são, na verdade, artefatos de sua própria operação, a presença afirmada do eu ou ego sendo um caso principal em questão.

A crítica de Sartre força não somente uma re-avaliação dos resultados dos procedimentos fenomenológicos, mas uma reconsideração desses próprios procedimentos. A descrição fenomenológica adequada da consciência de primeiro grau não pode ser via reflexão, uma vez que a reflexão falha em preservar o caráter sem sujeito da experiência não reflexiva. Mas como então a fenomenologia deveria proceder? Como estabelecermos que falta à consciência de primeiro grau um eu ou ego, se a reflexão nos desencaminha ao introduzir um? Afinal, o próprio Sartre não afirma estar cuidadosamente prestando atenção à consciência de primeiro grau, descrevendo-a e explicando-a, e não é essa atenção cuidadosa exatamente o tipo de apreensão reflexiva que Husserl recomenda? Como poderia haver fenomenologia sem reflexão? Em vez de refletir sobre sua experiência não reflexiva, Sartre, em troca, caracteriza-se como “conspirando” com essa experiência, no sentido de reviver a experiência enquanto segue ao lado dela. De acordo com Sartre: “é necessário que eu dirija minha atenção para os objetos ressuscitados, mas sem perder de vista a consciência irrefletida, preservando com ela um tipo de cumplicidade e inventariando seu conteúdo de maneira não posicional” (TE: 46). Essa prática fenomenológica conspiratória de observar a experiência à medida que ela é re-atuada na memória, em vez de interrompê-la à medida que ocorre, é inerentemente retrospectiva para Sartre. Se, enquanto faço pão, eu fosse parar e refletir, minha absorção em minha atividade seria interrompida e eu teria a experiência de mim mesmo vendo, ouvindo, cheirando e sentindo, e eu erraria, fenomenologicamente, caso fosse reler esse eu aparente em minha experiência até esse momento de reflexão. Em vez disso, eu me dou conta de que minha experiência enquanto faço pão carecia de um eu ou ego para revivê-la após ter transcorrido. Ao recordá-la tal como foi vivida inicialmente, posso agora apreender que nenhum eu ou ego figurou nesse episódio de consciência.

Considere como um outro exemplo aquelas vezes em que nós, como se costuma dizer, “nos perdemos” em pensamento. Durante qualquer momento em que eu esteja assim “perdido”, não me dou conta de que um eu está ausente de minha experiência. Caso fosse atingido por esse pensamento, não estaria mais perdido, e sim reflexivamente consciente de mim mesmo. Em outras palavras, eu não posso ter o pensamento “Aqui estou eu tendo experiências sem- o-eu”, uma vez que a própria ocorrência desse tipo de pensamento introduz precisamente o que estava até então faltando. Entretanto, quando sou despertado de minhas divagações, posso então reconhecer que estava, na verdade, perdido em pensamentos e posso também relatar o episódio em detalhes consideráveis: o que estava pensando; a ordem de meus pensamentos; os sentimentos presentes em tais pensamentos, incluindo o caráter do episódio como marcado por meu estar perdido. À medida que tais avaliações retrospectivas, em vez de reflexivas, são possíveis (e Sartre afirma que “por definição é sempre possível reconstituir o momento completo” (TE: 46) da consciência irrefletida), existe então amplo material para a descrição fenomenológica.

A qualificação com que essa afirmação final está envolvida pode resultar ser consideravelmente mais severa do que a confiança de Sartre sugeriria. Falta em Sartre qualquer argumento para o fato de ser “por definição sempre possível” reconstruir a consciência de primeiro grau, e, certamente, algo que nos diga como nos certificarmos de que qualquer “reconstituição” assim reproduza, fielmente, a experiência original. Ou seja, Sartre não responde à questão de como separamos revivificações acuradas de experiências previamente desfrutadas das não acuradas, de modo a determinar, por exemplo, que uma re-atuação é uma reprodução mais fiel do que outra; nem nos diz como impedir a introdução de características que não estavam presentes da primeira vez. Deixar tais preocupações sem tratamento, no mínimo, ameaça colocar a “retrospectiva conspiradora” de Sartre na mesma situação da reflexão, ou seja, como uma fonte de distorção e corrupção em vez de uma garantidora da fidelidade descritiva. Como veremos no capítulo 5, essas preocupações são mais profundas, de modo que ignorá-las não é um descuido menor ou omissão da parte de Sartre; ao contrário, alguns argumentaram que essas preocupações, suficientemente desenvolvidas, ameaçam a própria possibilidade da fenomenologia.

A constituição do ego revisitada

Se o ego é um objeto transcendente à consciência, aparecendo a ela nos atos de segundo grau, reflexivos, que tipo de objeto ele é? Essa questão é proposta como puramente fenomenológica, ou seja, como perguntando pelos modos sob os quais o ego aparece na e para a consciência; a questão é, portanto, concernente à constituição do ego precisamente da mesma maneira que a fenomenologia pergunta pela constituição de outras entidades transcendentes, tais como a pedra e a melodia exploradas no capítulo 1. Que para Sartre o ego seja transcendente à consciência, um “ser do mundo”, como ele diz, fornece uma pista sobre como uma descrição de sua constituição deveria suceder. Ou seja, na fenomenologia de Husserl uma característica definidora das entidades transcendentais é que elas são dadas adumbrativamente, através de apresentações parciais, perspectivas: eu sempre ouço a melodia nota por nota; eu sempre vejo um lado ou outro da pedra; e assim por diante. Na descrição de Sartre, isso ocorre do mesmo modo com o ego: sua aparição na consciência de segundo grau é sempre parcial, trata-se de apresentações que fornecem somente perspectivas incompletas sobre ele. Considere um dos próprios exemplos de Sartre: a transição de um sentimento momentâneo de repulsa na presença de Peter para a conclusão mais reflexiva de que eu odeio Peter. O sentimento momentâneo, como um episódio da consciência de primeiro grau, é sem dono e, portanto, sem ego; além disso, o sentimento está inteiramente presente no episódio. Não existe distinção a ser feita aqui entre parecer sentir repulsa na presença de Peter e realmente sentir repulsa, o que indica o caráter não adumbrativo da manifestação de sentimento à consciência. O caso do ódio, porém, é marcadamente diferente, estendendo-se bem além de qualquer episódio momentâneo da consciência. O ódio é um estado duradouro vinculado ao eu. Assim, concluir que eu odeio Peter é me arriscar a um padrão futuro de sentimentos e atitudes. Dizer que eu odeio Peter é dizer mais do que, nesse exato momento, um ataque de repulsa, mesmo que intenso, está presente à consciência. Na verdade, odiar Peter significa, por exemplo, que, quando me acordar amanhã, ainda vou odiá-lo; esse pensamento sobre ele ocasionará sentimentos similares; que eu esteja inclinado a dizer, ou ao menos a pensar para mim mesmo, que eu o odeio; que eu não sairei de meu caminho para ser amável com ele, exceto hipocritamente, e assim por diante. Como Sartre habilidosamente expressa, a postulação reflexiva do ódio envolve uma “passagem ao infinito” (TE: 63). (O caso é precisamente análogo a concluir que “eu vejo uma cadeira” com base em uma apresentação perspectiva, uma vez que o ser da apresentação de uma cadeira (real) significa, dentre outras coisas, que eu posso ver outros lados seus, que se eu esticar meu braço para tocá-la minha mão não irá passar através dela, que eu posso sentar nela, que ela não vai desaparecer e reaparecer várias vezes nos próximos cinco minutos e assim por diante.) E é claro que eu posso estar errado sobre essas coisas: o sentimento pode amainar; Peter e eu podemos “parecer amáveis”; os muitos episódios de aborrecimento previstos podem não suceder. Assim, diferente do caso do sentimento de repulsa, uma distinção entre parecer odiar e realmente odiar pode ser traçada; eu posso apenas parecer odiar Peter. Que eu o odeie é uma conclusão apressada, extraída do que resulta ser meramente um breve episódio de maus sentimentos.

O exemplo de ódio pode ser generalizado e estendido, uma vez que para Sartre o ego que aparece na consciência reflexiva é, fundamentalmente, a unidade de estados, tais como ódio, assim como de ações (embora Sartre também inclua uma terceira categoria, as qualidades, como um tipo de intermediário opcional entre estados e ações: por exemplo, como uma pessoa má (qualidade), estou inclinado a odiar (estado) Peter e desejar (ação) que ele morra). Por “ações”, aqui, Sartre não quer dizer ações corporais (essas ocupam uma categoria separada, discutida brevemente abaixo), mas, sim, ações “psíquicas”, tais como as ações de duvidar, acreditar, desejar etc. O eu aparece nesses estados e ações reflexivos como o mesmo, de modo que, por exemplo, o eu que odeia Peter é o mesmo eu que duvida que Paul chegue na hora. Existe, contudo, uma peculiaridade que Sartre nota na constituição do eu ou ego. Por um lado, qualquer que seja o conteúdo que o eu tenha ele é dado por meio dos estados e ações reflexivos da consciência de segundo grau, ou seja, nada mais parece haver para o eu além do papel que ele desempenha ao unir esses vários estados e ações (aqui, é um lugar em que, a despeito de seu total desacordo, as ideias de Sartre são semelhantes às de Husserl no que concerne à constituição do ego puro). Sartre diz, de diversos modos, que o ego é “a totalidade infinita dos estados e das ações que nunca é redutível a uma ação ou a um estado” (TE: 74), e que “não nos parece que poderíamos encontrar um polo esquelético se tirássemos uma a uma todas as suas qualidades [...] no final desse despojamento nada restaria; o ego teria desaparecido” (TE: 78). Por outro lado, o eu aparece na reflexão como uma fonte ou substrato desses vários estados, ações e qualidades e, assim, como tendo um tipo de prioridade relativa a eles. Paradoxalmente, “a reflexão objetiva uma relação que atravessa o tempo pelo avesso e que dá o eu como a fonte do estado” (TE: 77).

O ego, cuja constituição estivemos considerando, é um objeto exclusivamente disponível para e pela consciência de segundo grau, ou seja, por atos reflexivos. Existe, entretanto, outro sentido de “eu”, considerado por Sartre, que não envolve reflexão. Esse eu não reflexivo aparece quando, enquanto estou fazendo pão, por exemplo, perguntam-me o que estou fazendo e respondo, sem interromper minha atividade: “Eu estou fazendo pão”. O “eu”, aqui, Sartre sustenta, é “vazio”, à medida que nada determinado é apresentado em conexão como ele; um eu não se mostra aqui, senão adumbrativamente, como a “fonte” do fazer, como o titular da ação, e, assim, como o referente do relato. Quando uso “eu” desse modo, estou usando-o quase na forma de uma terceira pessoa, como outro modo de identificar algo acontecendo no mundo, em vez de revelar ou relatar minha existência interior. À medida que qualquer coisa é identificada por esse uso do “eu”, ele seria meu corpo enquanto o lugar ou centro dessas atividades. Sartre se refere ao corpo, aqui, como constituindo um “preenchimento ilusório” (TE: 90). Imagino que, com isso, ele queira dizer que meu corpo não é, de modo particular algum, manifesto à consciência no momento desses tipos de relatos. Pense, aqui, sobre a peculiaridade de substituir “eu” por “meu corpo”: “Meu corpo está fazendo bolo” em vez de “Eu estou fazendo bolo”. A artificialidade da substituição indica que meu corpo realmente não serve para desempenhar o sentido de “eu” quando usado de um modo não reflexivo.

Individualidade e autoconhecimento

Uma consequência do compromisso de Sartre com a transcendência do ego é uma distinção acentuada entre a consciência e a psique. De acordo com Sartre, “A psique é o objeto transcendente da consciência reflexiva”, e é também “o objeto da ciência chamada ‘psicologia’” (TE: 71). Embora a consciência seja “transparente”, imediata e exaustivamente manifesta (na verdade, a consciência nada mais é do que manifestação), a psique em geral, como um objeto transcendente, não desfruta de status epistemológico algum em comparação com qualquer outra categoria de entidades transcendentes; o conhecimento em todas essas categorias é igualmente parcial, incompleto, falível e revisável. Mais radicalmente, talvez, Sartre extraia essa conclusão mesmo quando se trata do autoconhecimento: para o conhecimento, por assim dizer, de meu próprio eu ou ego. Não ocupo posição especial alguma, não tenho acesso especial algum, quando se trata de adquirir conhecimento sobre meu próprio ego: eu sou manifesto a mim mesmo não menos adumbrativamente do que sou para você; minhas conclusões sobre meus próprios estados e ações são tão falíveis e abertas para revisão como minhas conclusões sobre os seus; e assim por diante. Existe ainda, para Sartre, um tipo de assimetria entre a perspectiva de primeira e de terceira pessoa com respeito a qualquer ego particular, mas isso é somente uma questão acerca do que Sartre chama “intimidade”, pela qual ele significa que meu ego constitui, para mim, um tipo de interioridade, uma vida psíquica da qual eu participo. Como tal, meu ego é manifesto para mim de dentro dessa vida em curso. O ego que odeia Peter é manifesto a mim por meio de sentimentos de repulsa que o ego tem, quando sou esse ego, embora alguém tivesse que extrair essa conclusão sobre mim por outros meios (que não, certamente, o de sentir meus sentimentos). Mas embora eu esteja mais intimamente conectado com meus sentimentos de repulsa, ou seja, por tê-los ou sofrê-los, eu posso ainda estar errado sobre minha conclusão de que eu odeio Peter, de que esse estado na verdade se vincula ao meu ego. Alguém, apenas observando meu ataque de fúria em vez de vivenciá-lo, pode, não obstante, estar mais correto em concluir que eu não odeio realmente Peter, que minha raiva vai passar e que amanhã será como se nada tivesse acontecido. A intimidade, portanto, não deve ser confundida com autoridade.

As preocupações de Sartre com relação ao autoconhecimento são ainda mais profundas, e se originam, fundamentalmente, de suas conclusões concernentes ao status peculiar do ego relativo a outras entidades transcendentes. O que quero dizer aqui é que mesmo que neguemos, como Sartre faz, qualquer tipo de autoridade de primeira pessoa quando se trata de autoconhecimento, de modo que eu não tenha “acesso privilegiado” algum a mim mesmo, isso por si só não descarta totalmente a possibilidade do autoconhecimento. Uma negação assim significa apenas que o autoconhecimento não é tão especial como, com frequência, os filósofos fizeram parecer: é falível, aberto à revisão, passível de correção, mesmo de uma perspectiva de terceira pessoa, e assim por diante. Isso, como sugeri, já é uma conclusão radical, relativa a muitos pontos de vista filosóficos, mas Sartre parece ir ainda mais longe. Em alguns pontos, ele sugere não somente que o autoconhecimento não é mais confiável do que o conhecimento de outro, mas que é, em vez disso, invariavelmente menos. A própria intimidade com que o ego é dado em meu próprio caso impede que eu venha a conhecê-lo. Tudo o que Sartre considera como os procedimentos-padrão para conhecer uma entidade transcendental (Sartre lista observação, aproximação e antecipação como exemplos de tais procedimentos – cf. TE: 86) envolve assumir um ponto de vista externo sobre a entidade a ser conhecida, e, portanto, devido à internalidade de minha perspectiva acerca do ego, esses procedimentos não se ajustam ao meu projeto de reunir conhecimento sobre mim mesmo. Embora eu possa tentar obter algum distanciamento com relação ao meu ego, reunindo informação da mesma maneira que o faria se estivesse na tarefa de aprender algo sobre alguém, ao fazer isso eu perco de vista a própria coisa que quero conhecer. A busca por distanciamento nega a própria intimidade com a qual o ego é dado, elidindo, desse modo, o objeto de minha investigação. Como Sartre conclui: “Portanto, ‘conhecermo-nos realmente’ é inevitavelmente nos considerarmos sob o ponto de vista do outro, quer dizer, um ponto de vista que é necessariamente falso” (TE: 87).

Recorde a passagem de Hume citada bem no começo deste capítulo. Lá, Hume sugere que qualquer tentativa por meio da introspecção para situar seu eu – ou seja, aquilo que possui suas várias percepções – se mostra vazia; tudo que Hume relata ser capaz de encontrar são apenas mais percepções, vários pensamentos e sentimentos. Hume conclui que nada corresponde à noção de um eu: a noção falha em identificar qualquer coisa além das várias percepções detectadas através da introspecção. O eu é, portanto, um tipo de ficção, de acordo com Hume, e, assim, nesse sentido, o autoconhecimento é impossível, não devido a quaisquer dificuldades com respeito ao acesso ou perspectiva, mas porque não existe eu algum para conhecer. A posição de Sartre sobre o ego pode em princípio parecer completamente contrária à de Hume. Por exemplo, embora o ego seja dado somente adumbrativamente, e, portanto, possua o tipo de “opacidade” comum a todas as entidades transcendentes, Sartre insiste que ele não é dado somente hipoteticamente. Conquanto eu possa sempre, para qualquer estado ou ação dada que eu considere meu ego ter ou executar, conceber a possibilidade de que esse juízo seja equivocado (“Talvez eu não odeie Peter”, “Talvez eu não duvide da amizade de Paulo”, e assim por diante), não faz sentido, Sartre pensa, raciocinar desse modo sobre o próprio ego. “Talvez eu não tenha ego” é patentemente absurdo, assim como é a conjectura “Talvez eu tenha um ego”. Embora a rejeição de Sartre à ideia de que a existência do ego é hipotética possa parecer conferir um tipo de certeza acerca de sua existência, esse não é o caso. Em vez disso, a absurdidade dessas duas sentenças hipotéticas deriva, de acordo com Sartre, da ideia de que atribuir estados e ações a um ego nada acrescenta a eles e, portanto, eu não incorro em outro compromisso por meio dessa atribuição. Na verdade, Sartre compara a relação entre o ego e seus estados à da “produção poética” (TE: 77), de acordo com sua descrição da manifestação do ego como envolvendo uma travessia inversa do tempo, que empresta ao ego uma aura um tanto mágica. Na verdade, Sartre afirma que “é exclusivamente em termos mágicos que deveríamos falar das relações do eu com a consciência” (TE: 68), e que “somos mágicos para nós mesmos cada vez que vemos nosso eu” (TE: 82). Sartre, portanto, parece, aqui, um pouco mais perto de Hume do que podemos ter inicialmente pensado. A manifestação “poética”, mesmo “mágica”, do ego relembra a estratégia geral de Hume ao explicar a origem das ideias para as quais não existe impressão correspondente alguma por apelo ao funcionamento da imaginação.

Igualmente mágica é a fala de Sartre sobre o “evanescimento” do ego na remoção de todos os estados, ações e qualidades que ele reúne. Ora, essa ideia não necessita ser interpretada como subvertendo a realidade do ego. Afinal, para qualquer entidade transcendente, poderíamos muito bem nos perguntar o que permanece quando todas as suas várias propriedades ou qualidades são consideradas ausentes. Para sustentarmos que uma entidade transcendente é real, não necessitamos estar comprometidos com a ideia de que ela existe como algum tipo de substrato simples, independente de toda e qualquer qualidade que possa possuir. Contudo, o que Sartre tem em mente aqui vai mais longe, sugerindo algo não análogo ao que se aplica a outros objetos transcendentes. O ponto pode ser expresso assim: mesmo que sustentemos que uma cadeira, por exemplo, nada seja além de suas várias propriedades ou qualidades, nós ainda em geral pensamos que, quando apreendemos essas qualidades, apreendemos, desse modo, a cadeira. A cadeira é aberta à visão quando suas qualidades são manifestas, mesmo que concedamos que a visão seja parcial, incompleta, aberta à revisão, e assim por diante. De acordo com Sartre, as coisas são de outro modo no caso do ego: “O ego nunca aparece, de fato, exceto quando alguém não está olhando para ele” (TE: 88). (Tente dizer isso sobre uma cadeira!) Para entender por que Sartre sustenta essa visão, recorde sua ideia central, a saber, a de que o ego é manifesto na consciência reflexiva como a unidade dos estados e ações. O ego é apreendido nesses momentos de consciência por meio dos estados e ações; ele aparece “por detrás do estado, no horizonte” (TE: 88). Tentar apreender o ego diretamente, para torná-lo unicamente o objeto da consciência, rompe o domínio da reflexão: “Eu retrocedo ao nível irrefletido, e o ego desaparece junto com o ato refletido” (TE: 88-89). O desaparecimento observado aqui sinaliza uma vez mais uma acentuada desanalogia entre o ego e outras entidades transcendentes. “O ego”, Sartre escreve, “é um objeto que aparece somente na reflexão, e que é, por conseguinte, radicalmente extirpado do Mundo [sic]” (TE: 83). (Eu deveria observar aqui que existe uma tensão um tanto óbvia entre essa última afirmação e a afirmação inicial de A transcendência do ego, a saber, que o ego “está do lado de fora, no mundo [...] um ser do mundo, como o ego de outro”. No que lhe concerne, Sartre não trata dessa aparente contradição.) A futilidade de tentar obter um “olhar” direto para o ego, primeiro plano da nossa consciência consciente, em vez de espreitar no horizonte, leva Sartre a concluir que “o ego é por natureza fugaz” (TE: 89). Embora não exatamente a posição de Hume, a de Sartre é talvez uma explicação dela; ou seja, se Sartre está correto, então podemos entender por que a busca de Hume estava condenada desde o início.

Consciência, nada e má-fé

Como mencionado no início do capítulo, A transcendência do ego é um trabalho inicial de Sartre, escrito um pouco depois de sua introdução à fenomenologia, mais de uma década antes de sua própria autodescrição como um “existencialista”, e quase uma década antes da publicação de seu maciço O ser e o nada em 1943. A despeito desse lapso de tempo, e a despeito do aumento em cerca de dez vezes o tamanho do primeiro trabalho para o segundo, muitos dos temas centrais de O ser e o nada são antecipados por A transcendência do ego. No restante deste capítulo, em vez de tentar algo como um sumário abrangente de O ser e o nada, tentarei esboçar algumas dessas linhas de continuidade, a fim de mostrar como a crítica inicial de Sartre a Husserl principiou o desenvolvimento de uma visão filosófica elaborada e ricamente urdida.

Como vimos, em A transcendência do ego Sartre ainda concebe a fenomenologia como operando dentro de uma estrutura predominantemente husserliana: sua disputa com Husserl concernente à questão acerca do ego transcendental é, podemos dizer, uma disputa intramuros. Sartre, portanto, concebe a consciência, ao menos como estudada pela fenomenologia, em termos de pureza e translucidez, e, assim, em termos da redução fenomenológica. Na verdade, Sartre vê sua prática da redução como mais rigorosa do que a de Husserl, purificando o campo da consciência consciente de todas as entidades transcendentes, incluindo o eu ou ego. O campo resultante é inteiramente desprovido de objetos, e, portanto, por estranho que isso soe, não é, realmente, algo. Como Sartre expressa próximo do fim de A transcendência do ego:

O Campo Transcendental, purificado de toda estrutura egológica, recupera sua transparência inicial. Em um sentido, é um nada, uma vez que todos os objetos físicos, psicofísicos e psíquicos, todas as verdades, todos os valores estão fora dele; uma vez que meu Eu cessou ele próprio de fazer parte dele (TE: 93).

A equiparação que Sartre faz da consciência com o nada antecipa as seções de abertura de O ser e o nada, nas quais argumenta que a existência humana, um aspecto essencial do que é a consciência ou o que Sartre vem a chamar o “ser-para-si” (no qual o “para” indica autopresença ou autoconsciência, em vez de egoísmo, como quando dizemos que alguém está somente voltado para si mesmo) é a fonte do não ser. Ou seja, Sartre argumenta que se tentarmos conceber a realidade em si mesma, o que ele chama o “em-si”, encontraremos, então, a “positividade pura”, ou seja, o que é real ou puramente existente inclui nada irreal ou não existente. Entretanto, quando descrevemos o mundo como o experienciamos, nós o caracterizamos em termos tanto positivos como negativos. Eu digo, por exemplo, que minha xícara de café está sobre minha mesa, mas também que não está no andar de baixo; que minhas chaves não estão no porta-chaves próximo à porta; que eu não tenho mais um suéter favorito porque foi destruído pelas traças. Todas essas descrições incorporam algum tipo de negatividade, descrevendo o mundo tanto em termos de como é como em termos de como não é.

Se refletirmos sobre esses exemplos, podemos chegar a notar a ubiquidade dessas formas de descrição, de tal modo que pode começar a parecer difícil descrevermos o mundo sem nos utilizarmos de termos carregados negativamente. Na verdade, a dificuldade aqui não diz respeito apenas a como podemos descrever o mundo, mas, mais basicamente, a todos os nossos modos de encontrar e atuar no mundo. Por isso eu ter dito acima que “se tentarmos conceber a realidade em si mesma”, uma vez que Sartre pensa que à medida que percebemos e descrevemos o mundo de determinados modos, essas percepções e descrições incorporam algum tipo de negatividade. Na verdade, a própria ideia de determinação pressupõe isto: quando algo é determinado, então existe de algum modo particular e não de outro (meu cachorro, sendo um cachorro, não é um gato; minha xícara de café, sendo uma xícara de café, não é um cachorro, e assim por diante). O máximo sentido que podemos extrair da realidade em si mesma é uma plenitude indiferenciada da existência, algo que Sartre pensa ser quando muito apenas manifesto em momentos do que ele chama “náusea”, quando experienciamos a realidade apenas como um vazio repugnante que-ela-é.

Embora sua descrição sobre a origem do nada sustente que a consciência ou subjetividade seja, de algum modo, sua fonte, Sartre argumenta contra a ideia de que o nada deva ser explicado através da elaboração de juízos negativos, derivando-o do ato subjetivo da negação. A negatividade é, Sartre insiste, “pré-judicativa”, o que significa que os juízos negativos são fundados no nada, e não o contrário. Para usar o exemplo de Sartre (cf. BN: 40-44), quando estou procurando por Pierre no café e dou pela sua falta, tanto sua ausência como as mesas e cadeiras que estão lá são parte de minha experiência perceptual do café. Ou seja, eu não julgo meramente que Pierre está ausente com base no que percebo; em vez disso, eu percebo sua ausência junto com as mesas e cadeiras (na verdade, ele argumenta que a ausência de Pierre é o objeto mais proeminente de minha experiência perceptual, os outros itens presentes de fato no café formando apenas o pano de fundo). A ausência palpável de Pierre é marcadamente diferente das ausências que eu posso notar de um modo mais puramente intelectual, por exemplo, se eu fosse julgar que Abraham Lincoln também não estava no café, junto com Sócrates, Napoleão e um sem-número de outros. Esses últimos casos são exclusivamente criaturas de juízo, pospostos ao café tal como eu o experiencio. A ausência de Pierre, por contraste, é um exemplo do que Sartre chama “negatités”: características negativamente carregadas do mundo; “conglomerados de nada” povoando a realidade tal como a percebemos e concebemos. Embora o nada não possa ser concebido como uma imposição subjetiva por meio do ato de juízo, eu estou, apesar disso, inextricavelmente envolvido no fato de a ausência de Pierre ser uma característica perceptual da situação. É somente porque estou procurando por Pierre, somente porque eu espero encontrá-lo no café, e assim por diante, que ele está ausente do café. Sem essas expectativas, a ausência de Pierre não é uma característica do café mais do que a de Napoleão. Esse ponto pode ser generalizado: as características negativas do mundo, todas as negatités, não podem ser explicadas exceto em relação às atitudes humanas para com o mundo. “O ente humano é o ente por meio do qual o nada chega ao mundo” (BN: 59).

Esse apelo às atitudes humanas nos coloca inequivocamente no domínio da intencionalidade, no domínio da consciência, e isso fornece um insight mais profundo sobre as origens do nada. Como vimos na passagem citada de A transcendência do ego, a própria ideia de consciência envolve a ideia do nada. A consciência “é um nada”, e isso pode ser identificado na própria noção de intencionalidade. Os estados conscientes são sobre objetos, mas não são esses objetos. A intencionalidade, portanto, envolve um tipo de déficit ou lacuna, apresentando ou representando objetos sem literalmente ter ou ser esses objetos. A consciência é acerca de algo que ela não é, e nesse sentido, portanto, é o que ela não é. Sartre, então, pensa que uma característica definidora do para-si, da existência humana entendida em termos de consciência, é a falha do princípio de identidade (a máxima do Bispo Butler, segundo a qual “tudo é o que é e não uma outra coisa” falha em se manter válida no domínio do para-si). Uma vez mais, essa ideia é antecipada em A transcendência do ego, onde Sartre conclui que os estados conscientes, como um tipo de nada, não podem ser explicados por quaisquer realidades precedentes:

Portanto, cada instante de nossa vida consciente nos revela uma criação ex nihilo. Não um novo arranjo, mas uma nova existência. Assim, há algo angustiante para cada um de nós: apreender, no ato, essa incansável criação da existência, da qual nós não somos os criadores. Nesse nível o ente humano tem a impressão de incessantemente escapar de si mesmo, de se transbordar, de ser surpreendido pelas riquezas que são sempre inesperadas (TE: 98-99).

Quero enfatizar especialmente a conclusão dessa passagem, com sua imageria de fuga e transbordamento. Essas imagens antecipam a rejeição anterior do princípio de identidade ao definirem o para-si. Como não autocoincidente, a existência humana é inerentemente paradoxal, como pode ser visto em muitas formulações de Sartre, por exemplo, quando diz que um ente humano é “um ente que é o que não é e não é o que é” (BN: 107), e, escrevendo na primeira pessoa, “eu sou o eu que serei, sob a forma de não sê-lo” (BN: 68). Essas formulações, baseadas em ideias de A transcendência do ego, mas não completamente formadas até O ser e o nada, por sua vez, apoiam a afirmação de Sartre de que, no caso dos entes humanos, “a existência precede a essência” (cf. BN: 438, 439, 480), que se tornaria o slogan definidor do existencialismo de Sartre (cf. HE: 34).

Existencialismo

O termo “existencialismo” (na verdade, seu equivalente francês) foi cunhado por Marcel, que o aplicou ao pensamento de Sartre e de Simone de Beauvoir. Sartre, inicialmente, rejeitou a denominação, afirmando não saber o que significava. Logo depois, em seu O existencialismo é um humanismo, Sartre aplicou providencialmente o termo, tanto à sua própria concepção como à de outros antes dele, incluindo Heidegger, a despeito de um atraso de aproximadamente duas décadas entre o aparecimento de Ser e tempo e o neologismo de Marcel. O termo veio a ser associado não somente a Heidegger, mas também a outras figuras do início do século XX, tais como Karl Jaspers (cuja “Existenzphilosophie” foi, sem dúvida, uma fonte de inspiração para a cunhagem de Marcel) e Martin Buber, bem como a figuras do século XIX, tais como Friedrich Nietzsche e Søren Kierkegaard. Vários contemporâneos de Sartre também foram denominados como pensadores existencialistas, incluindo Merleau-Ponty e Albert Camus. Para Sartre, os compromissos definidores do existencialismo são, em primeiro lugar, que, no caso dos entes humanos, “a existência precede a essência”, e, em segundo, que “a subjetividade deve ser o ponto de partida”. O que essas duas sentenças indicam é o interesse do existencialismo pelo caráter especial da existência humana, como algo irredutivelmente subjetivo e, portanto, inadequado para ser completamente apreciado ou explicado a partir de um ponto de vista objetivo. Para o existencialista, esse interesse não é de importância meramente teórica, mas acarreta significância igualmente prática. Uma vida genuinamente humana pode ser vivida somente no reconhecimento desse insight sobre a existência humana; ao mesmo tempo, o existencialista se preocupa com o fato de que todos nós, com frequência, também perdemos ou obliteramos nossa liberdade, e, em troca, passamos nossa vida afligidos pelo “desespero” (Kierkegaard), como membros do “rebanho” (Nietzsche), como afundados na “inautenticidade” (Heidegger), ou na “má-fé” (Sartre).

Existe outro elemento antecipatório sobre a passagem acima, junto com a imageria de fuga e transbordamento: a sugestão de Sartre de que essas imagens são “aflitivas”. A inerente paradoxalidade da existência humana significa que os entes humanos são inelutavelmente propensos à angústia. Por ser perturbada, a existência humana é, por conseguinte, também perturbadora. Aqui vemos um eco das ideias iniciais de Heidegger sobre o Dasein; enquanto um ente para o qual o “ser é um tema”, e, portanto, um ente cujo ser pressupõe sempre um “ainda-não”, a angústia é uma possibilidade permanente. Existe outro eco de Heidegger na concepção de Sartre. Do mesmo modo que o Dasein formula estratégias para fugir à ameaça da angústia e sua revelação acerca do inelutável “ainda-não”, os entes humanos, na descrição de Sartre, com frequência, também lutam para encobrir esse fato infeliz sobre nosso modo de existência. Em vez de inautenticidade, Sartre escreve “má-fé”. A ideia da má-fé é uma vez mais antecipada pela descrição anterior de Sartre sobre o ego, que se manifesta à consciência como um objeto transcendente e igualmente como a fonte da consciência. A consciência é, portanto, levada a se identificar com esse ego, e as várias e fúteis buscas para experienciar e conhecer esse eu indicam o esforço da consciência para atingir um tipo de fixidez ou estase. Escrevendo na Conclusão de A transcendência do ego, Sartre caracteriza uma possível relação entre a consciência e o ego que antecipa um dos padrões característicos da má-fé:

Tudo se passa, portanto, como se a consciência constituísse o ego como uma falsa representação dela mesma, como se ela se hipnotizasse diante desse ego que ela constituiu, se absorvesse nele, como se o tornasse sua salvaguarda e sua lei (TE: 101).

Os apelos de Sartre, nessa passagem, à falsa representação, à hipnose e à absorção indicam tentativas da consciência de evitar seu próprio nada: suprimir a angústia inerente a ele. A má-fé, uma vez que Sartre chega a conceber essas tentativas em O ser e o nada, compartilha dessa imageria, mas a estrutura da má-fé é mais complexa do que suas formulações anteriores, devido à sua divergência mais abrangente da fenomenologia husserliana. Em particular, no início da parte I de O ser e o nada, Sartre rechaça a redução fenomenológica como o ponto de partida apropriado para uma ontologia fenomenológica. Qualquer tentativa de purificar a consciência, ou o ser-para-si, rigorosamente quarentenada, ou de isolá-la do ser-em-si, é uma espécie de abstração, e Sartre sugere que seremos incapazes de reconciliar o para-si e o em-si novamente uma vez abstraídos; como Humpty Dumpty5 depois de sua queda, essas duas regiões do ser estarão irreparavelmente separadas. (Se Sartre está correto aqui, a conclusão é devastadora para o projeto transcendental de Husserl, que procura responder à questão sobre como é possível para a consciência “atingir” ou “contatar” um objeto. Sartre compara uma concepção husserliana dos estados de consciência a “moscas se chocando com a janela sem serem capazes de transpor a vidraça” (BN: 153).) Em troca, a fenomenologia deve proceder “concretamente” ao investigar a existência humana enquanto se desenrola no mundo. A descrição de Sartre acerca das origens do nada ilustra esse método concreto, enquanto Sartre se move discretamente entre aspectos da realidade objetiva e vários modos, mais subjetivos, de apreender a realidade, mostrando como as duas estão, fundamentalmente, entrelaçadas (sem negatités fora da existência humana, mas nenhuma existência humana sem um mundo enquanto um locus para suas “condutas”). A existência humana não é puramente uma questão de ser-para-si, mas também não pode ser reduzida ao ser-em-si (como, por exemplo, as várias versões cientificamente fundamentadas de materialismo podem afirmar). A existência humana é uma mistura das duas, uma combinação do que Sartre chama “facticidade” e “transcendência”. A facticidade se refere aos modos sob os quais a existência humana sempre tem alguma medida de determinação objetiva e história acumulada, e a “transcendência” registra os modos sob os quais a existência humana é sempre não completamente determinada, e, portanto, “adiante de si própria”. (A terminologia, lida em íntima proximidade à nossa discussão sobre o trabalho inicial de Sartre, pode ser confusa, uma vez que o sentido de “transcendência”, aqui, não deve ser confundido com a fala anterior de Sartre sobre a transcendência do ego. Embora marcasse anteriormente o ser transcendente do ego para a consciência, um objeto aparecendo nela, mas como fora dela, a “transcendência”, agora, registra a ideia de que a consciência está sempre fora de si mesma, ultrapassando qualquer determinação momentânea.) Que a existência humana tenha essa estrutura combinatória indica, uma vez mais, sua natureza paradoxal. A má-fé, como uma estratégia para suprimir esse sentido de paradoxo e seu resultante sentimento de angústia, pode se mover em uma ou outra direção. Embora, em A transcendência do ego, o prenúncio da má-fé dissesse respeito à consciência lutando pela fixidez e determinação tantalizantemente oferecida pela manifestação do ego, em O ser e o nada, a existência humana pode, por meio da má-fé, lutar para ser mais semelhante ao objeto ou para, em geral, negar completamente sua objetividade, ou seja, eu posso estar de má-fé ao me considerar como pura facticidade ou como pura transcendência. Como veremos em breve, essa última formulação é equívoca, uma vez que falar sobre “me considerar”, de um modo ou de outro, soa muito ativo, como se eu explicitamente me pensasse de um modo ou de outro. A má-fé não pode se referir a pensamentos explícitos, mas sim a padrões de atividade que manifestam essa autocompreensão.

A estrutura combinatória da existência humana não somente fornece a motivação para a má-fé, mas também serve para explicar sua possibilidade. Que a má-fé requeira uma explicação especial pode ser visto na discussão de Sartre sobre o autoengano, uma vez que a “má-fé é uma mentira a nós mesmos” (BN: 87). Tais mentiras, Sartre adverte, devem ser cuidadosamente distinguidas dos tipos de mentiras que contamos uns aos outros. Considere primeiro o engano ordinário, ou o que Sartre chama a “consciência cínica” (BN: 87). Não existe coisa alguma particularmente misteriosa ou intrigante sobre o engano ordinário. Quando engano alguém, mantenho escondido dessa pessoa o que sei ser verdadeiro, usualmente enquanto me esforço para fazê-la acreditar, ou ao menos manter sua crença, no oposto. Como uma relação entre duas ou mais consciências, é fácil de entender como a verdade pode permanecer oculta. Que minha consciência e a consciência daquela pessoa que desejo enganar sejam separadas uma da outra garante que eu seja capaz de manter o que sei ser verdadeiro escondido, indisponível para quem desejo enganar (contanto que, é claro, eu seja cuidadoso e esperto, de modo a não me entregar ou deixar com que a verdade seja descoberta).

Autoengano, em contraste, não pode ser caracterizado por esse modelo simples: “A má-fé [...] tem, em aparência, a estrutura da mentira. Só que, na má-fé, o que muda tudo, é de mim mesmo que estou escondendo a verdade” (BN: 89). Uma vez que o enganador e o enganado são a mesma consciência, está longe de claro como posso saber que uma coisa é verdade (o que é necessário para eu poder desempenhar o papel de enganador) e ao mesmo tempo mantê-la oculta de mim (o que é necessário para eu poder desempenhar o papel de enganado). Se eu sei que alguma coisa é verdadeira, então eu não posso esconder esse fato de mim mesmo, e se alguma coisa é oculta de mim, então eu não posso saber se é verdadeira. A própria ideia de autoengano parece desmantelar-se ao pressupor requisitos que não podem ser simultaneamente encontrados. Se o autoengano é de fato possível, necessitamos, então, de uma descrição da consciência e da existência humana que torne essa possibilidade inteligível.

Um modo pelo qual podemos tentar entender a possibilidade do autoengano (e, portanto, a possibilidade da má-fé) é introduzindo uma cisão ou divisão na consciência, de modo a replicar a estrutura do engano ordinário; a verdade é mantida oculta em uma parte da mente, enquanto o oposto é considerado ser verdadeiro na outra. Em O ser e o nada, Sartre dedica atenção considerável a uma concepção extremamente influente dessa cisão ou divisão, a saber, a concepção de Freud acerca da mente como envolvendo a consciência e uma região mais subterrânea, o “inconsciente” (cf. BN: 90-96). O modelo bifurcado de Freud acerca da mente, junto com o mecanismo de “repressão”, pareceria resolver o enigma do autoengano. A verdade profunda, obscura, é mantida reprimida na região do inconsciente, enquanto a consciência continua alegremente em uma feliz ignorância acerca dessa verdade. A despeito de sua sedução, entretanto, Sartre acha o modelo de Freud altamente insatisfatório. Não irei relatar a totalidade do argumento de Sartre aqui, mas a ideia básica é que o modelo de Freud, para servir como explicação do autoengano pressupõe, ao fim e ao cabo, a ideia de má-fé, e, portanto, não é explicação alguma. Ou seja, a divisão que Freud faz na mente corre o risco de tratá-la em termos do em-si, como dois repositórios, um marcado “consciente”, o outro, “inconsciente”, preenchido com vários itens (crenças, vontades, desejos etc.). Concebida assim, a mente é puramente passiva, e, portanto, não pode ser concebida como fazendo qualquer coisa a respeito de si mesma. Para evitar essa passividade, Freud pode, é claro, apelar para a atividade da repressão, e, assim, postular um censor que se coloca entre o inconsciente e a consciência, não permitindo com que itens problemáticos deixem o inconsciente e entrem na consciência. Mas como o censor “sabe” quais itens são problemáticos? Para serem problemáticos, eles devem ser aqueles que a pessoa, à qual pertence a consciência, acharia perturbadores ou disruptivos, e, portanto, esses vários itens reprimidos devem ser considerados problemáticos, a fim de serem reprimidos, e devem, enquanto reprimidos, permanecerem desconhecidos. Enquanto conhecidos e desconhecidos, encontramo-nos simplesmente duplicando o paradoxo do autoengano em vez de explicá-lo, e isso, Sartre pensa, não é explicação alguma. A fim de que uma pessoa consiga reprimir verdades indesejadas, ela deve estar de má-fé com respeito a si própria. A repressão, portanto, pressupõe, em vez de tornar inteligível, a possibilidade da má-fé.

Fundamentalmente, Sartre pensa que o que torna a má-fé possível é precisamente a estrutura combinatória da existência humana: que os entes humanos são uma combinação de facticidade e transcendência. Pelo fato de essa combinação ser inerentemente instável, os entes humanos estão em perigo de acentuar um aspecto combinatório em vez do outro. Os entes humanos podem viver e, igualmente, considerar-se, em termos predominantemente objetivos (e. g., quando eu me torno “mais maduro” e penso sobre meus padrões e rotinas como completamente determinados) ou em termos predominantemente transcendentes (e. g., quando rechaço meu passado inteiramente, afirmando que ele nada tem em absoluto a ver comigo ou com quem sou). Em outras palavras, os entes humanos caem na má-fé toda vez que são tentados a fazer afirmações de identidade com qualquer finalidade (isso é quem eu sou ou tudo aquilo que diz respeito a mim) ou a negar que qualquer coisa serve para identificá-los. Sartre se refere à má-fé como “metaestável”, querendo dizer que ela é um fenômeno inerentemente instável, efervescente, algo no qual entramos e saímos várias vezes e de vários modos.

Considere o exemplo mais famoso de Sartre sobre a má-fé: o garçom do café (cf. BN: 101-103). Sartre se imagina sentando-se a uma mesa, observando o garçom exercendo seu ofício. O garçom, Sartre observa, é preciso e consciencioso em suas ações. Seu caminhar, à medida que se move de uma mesa a outra, a maneira com que carrega a bandeja de modo a parecer tanto precário como seguro, o ângulo de sua cabeça enquanto se inclina em direção a um cliente para anotar um pedido: tudo isso pareceria exemplificar perfeitamente os padrões definidores de um garçom de café. Eles o exemplificam, Sartre observa, quase perfeitamente, o que o leva a concluir que o garçom está fingindo ser um garçom: tratando sua ocupação como um papel que ele vivencia em vez de algo com que se identifica. Ora, dada a falta de autocoincidência na existência humana, não pareceria haver coisa alguma especialmente problemática sobre o garçom, mas Sartre declara que ele está de má-fé. A tensão no garçom do café pode ser identificada na oscilação entre diferentes sentidos nos quais ele pode declarar afirmações de identidade a respeito de si próprio. Ou seja, existem vários modos pelos quais ele pode declarar “eu não sou um garçom de café”, e sua maneira de se comportar denuncia uma combinação desses diferentes sentidos. Em um sentido, “Eu não sou um garçom de café”, declarado de si mesmo pelo garçom, está perfeitamente em ordem, uma vez que ele não é um garçom do modo que, por exemplo, minha xícara de café é uma xícara de café; uma vez que os entes humanos carecem de identidades fixas, nenhuma sentença é completamente verdadeira acerca de nós. Ainda assim, existe algo equívoco na declaração do garçom, no sentido de que ela é menos verdadeira quando declarada por ele do que, por exemplo, pelo dono da mercearia no fim da rua: o garçom do café é um garçom de café de um modo que o merceeiro não o é, no sentido de que ser um garçom identifica um de seus padrões de atividade, e não um dos padrões de atividade do merceeiro. O garçom, ao somente fingir ser um garçom, portanto, exemplifica esse último sentido de “Eu não sou um garçom de café”, negando, por conseguinte, que ser um garçom tenha qualquer coisa a ver com quem ele seja. Ele, portanto, nega sua facticidade, identificando-se exclusivamente com sua transcendência, e, portanto, está de má-fé.

Dada a instabilidade e paradoxalidade da existência humana, podemos muito bem nos perguntar como a má-fé pode ser evitada: nós estamos sempre, parece, em perigo de realçar demais uma em vez da outra de nossas dimensões constitutivas. Isso pode ser assim, mas Sartre também afirma que “esses dois aspectos da realidade humana são e, na verdade, devem ser suscetíveis de coordenação válida” (BN: 98). Independentemente de como, ao fim e ao cabo, esta “coordenação válida” se pareça, Sartre é claro ao afirmar que o antídoto para os padrões de engano da má-fé não deve ser encontrado em noções tais como sinceridade, honestidade e boa-fé. Na verdade, Sartre argumenta que a sinceridade é ela própria um padrão da má-fé, uma vez que a admoestação para “ser como você realmente é” afirma sobre a existência humana precisamente o tipo de fixidez e determinação que falta a ela. Mas se a boa-fé não é melhor que a má-fé, que outras possibilidades existem?

Para responder a esta última questão, necessitamos considerar uma outra ideia que omiti até aqui de nossa discussão. Sartre sustenta que uma vez que os entes humanos, enquanto seres conscientes, são não autocoincidentes, eles são também seres cujo modo de existência é a liberdade. Nós somos, como Sartre notoriamente expressa, “condenados a ser livres” (HE: 41), precisamente porque não somos completamente determinados, e, portanto, incapazes de sermos sumarizados por um conjunto permanente de fatos. Nossa angústia e nossa liberdade estão vinculadas uma à outra (por isso a ideia de que somos condenados a ser livres). Nossa existência é algo que temos de confrontar e determinar por meio do existir, por meio das escolhas e decisões que tomamos. Os entes humanos, Sartre pensa, podem sempre confrontar sua existência em termos de escolha, enquanto padrões de atividade, podem sempre continuar ou descontinuar projetando-se no futuro.

A ideia de que os entes humanos são entes livres significa também que os entes humanos, por meio de sua capacidade de escolha, são sempre e completamente responsáveis pela forma de sua existência, e essa ideia de responsabilidade, eu sugeriria, fornece o antídoto para a má-fé. Ou seja, eu evito a má-fé quando ativa e abertamente afirmo minha completa responsabilidade por tudo em relação à minha existência (e vivo de acordo com isso). À primeira vista, isso pode soar apenas como outro padrão de má-fé, uma vez que a noção de “completa responsabilidade” pode soar como uma variação da “pura transcendência”, igualmente permeada de fantasia e distorção. Quando eu me considero completamente responsável, porém, eu não renego ou rechaço minha facticidade; ser completamente responsável requer o reconhecimento dos padrões de atividade que serviram para me definir até o presente, bem como a responsividade para com eles. Em vez de simplesmente negar esses padrões, declarando sua irrelevância para quem sou no presente, ao assumir a responsabilidade por eles, reconheço que sua continuação depende de mim: que eu posso projetar esses padrões no futuro ou escolher não fazê-lo. Fazer o último pode nem sempre ser fácil, e certamente requer mais do que apenas decidir não projetá-los ou viver do modo que vivi até agora. Ver essas mudanças de vida como ativando uma decisão ou declaração momentânea significaria cair novamente na má-fé.

Que a fenomenologia de Sartre fundamentalmente implica a completa responsabilidade do sujeito humano por sua própria existência revela a dimensão ética total de sua filosofia. Condenados a ser livres, seres conscientes confrontam o mundo em termos de escolhas e decisões, e, assim, devem avaliar suas ações à luz dessa liberdade. Eximir-se da tarefa de avaliação é, uma vez mais, um tipo de má-fé, uma vez que fazer isso envolve uma recusa a reconhecer o caráter distintivo da existência humana. A tarefa da fenomenologia, em contraste, é precisamente combater essa recusa: despertar o para-si para sua própria autorresponsabilidade. Embora não tenhamos dado muita atenção a ela, a ideia de que a fenomenologia tem uma dimensão ética não é nova na concepção de Sartre. Ser e tempo está igualmente interessado em despertar o Dasein para a possibilidade de sua “autenticidade”, e mesmo Husserl, a despeito de sua abordagem teórica frequentemente mais fria, vê a fenomenologia como conectada com a realização de um tipo de autonomia cognitiva e ética. Embora a fenomenologia se caracterize, com frequência, se não sempre, como uma iniciativa puramente descritiva, suas descrições não são sem significância prática; na verdade, descobrir as descrições certas pode ser completamente transformador, convertendo-nos de entes semelhantes a coisas passivas, a sujeitos da experiência lúcidos, ativos, completamente atentos.

Sumário dos pontos-chave

• Sartre afirma, contra Husserl, que o ego não aparece na ou para a consciência na experiência não reflexiva.

• O ego aparece como um objeto transcendente na consciência reflexiva de segundo grau.

• O ego é constituído como outros objetos transcendentes, por meio de aparições adumbrativas incompletas.

• “O ego é por natureza fugaz”, o que significa que qualquer tentativa de autoconhecimento é, no fim, fútil.

• A existência humana, enquanto envolvendo a consciência ou o para-si, é a fonte do nada, de quaisquer características negativas que a realidade possua.

• Enquanto envolvendo o nada e a indeterminação, a existência humana é propensa à angústia.

• Para aliviar essa angústia, os entes humanos caem na “má-fé”, que envolve agir seja como se quem fôssemos já estivesse fixado e determinado ou como se nossa existência fosse inteiramente distinta de nossa situação e das escolhas passadas.

5. Personagem de uma canção infantil inglesa. É retratado como um ovo de formas humanas, com rosto, braços e pernas. Esse personagem aparece em várias obras literárias inglesas, dentre elas Alice através do espelho, de Lewis Carroll [N.T.].