Partindo da premissa de que o clamor dos cidadãos, estimulado pelo populismo midiático, figura como relevante alicerce do fenômeno chamado populismo punitivo, a obra em epígrafe, visando investigar principalmente quais são as mentalidades da opinião pública ante a punição, não pôde deixar de discutir e examinar dois pontos necessários para lograr uma melhor compreensão da problemática: o potencial e a atuação dos meios de comunicação na formação dessa opinião e, sobretudo, sua influência no delineamento das demandas punitivistas; e, por último, os (possíveis) reflexos de tais demandas na construção de políticas criminais.
Considerando que o conhecimento do homem é mediado pela maneira de ele conhecer o mundo e que, na sociedade de massas, a principal forma de ele conhecer o mundo é por meio da mídia, a qual se constitui mediadora entre o mundo exterior e o indivíduo, infere-se que o conteúdo que ela transmitir será, em um processo cognitivo, absorvido como realidade.
Diante dessa constatação, algumas observações se impõem, visto que a agenda midiática nem sempre cumpre com sua função social de informar ao exercer seus direitos fundamentais à livre manifestação e à livre expressão, podendo conduzir à desinformação os receptores, seja pela superinformação, seja pela distorção ou parcialidade das notícias.
O periodista, na impossibilidade de abarcar a totalidade das ocorrências diárias no mundo dos fatos, recorre a três processos para definição da notícia, quais sejam: a seleção, a hierarquização e a tematização. Essa tarefa, segundo autores da Comunicação Social, observa não apenas a atualidade e a relevância do tema, mas experiências culturais, podendo também sofrer influência de interesses periodísticos e empresariais.
Nesse contexto, um tema tanto pode ser suprimido da agenda quanto priorizado, construindo uma visão do entorno e valores sociais, os quais serão assimilados pela audiência. Referida técnica pode contemplar certos estratagemas, como o desvio da atenção de determinadas crises econômicas e políticas, bem como a canalização e a indução de medos, predispondo o público ao punitivismo.
Além disso, ao ser a ferramenta comunicativa incapaz de reproduzir um fato bruto, pois este, para ser noticiado, requer uma construção narrativa por parte do periodista, depreende-se que seria equivocado denominar ou admitir a autointitulação dos meios massivos de comunicação como meros “escravos dos fatos”. Nesse diapasão, o material informativo não espelha o evento em si, mas uma versão deste, pois aquele que o transmite o faz mediante suas lentes1.
Nesse sentido, sendo cediço que a construção discursiva faz-se necessária para que uma ocorrência seja noticiada, o elemento emotivo, uma vez inserido no intuito de acentuar o atrativo, pode favorecer o sensacionalismo. Referido estímulo, paralelo ao artifício da repetição, conduz, de acordo com estudiosos da área da Comunicação Social, o receptor a creditar o conteúdo com o qual é defrontado como verdade.
Nessa esteira, nota-se que o crime, por seu caráter de perturbação da ordem social, se enquadra nos critérios midiáticos até aqui mencionados e, por isso, desperta o interesse periodístico, o qual dará preferência àquele que melhor favoreça o drama e o sensacionalismo, podendo ser desdobrado em capítulos, a fim de manter a atenção da audiência.
Tal procedimento favorece a instauração do populismo midiático, o qual está alicerçado em quatro pilares: a exacerbação de fatos violentos, que passa a impressão de fragilização da segurança, acarretando a retroalimentação de demandas por mais material dessa estirpe; a sacralização da vítima, que confere maior enfoque à dor e ao sofrimento desta, de forma a favorecer que o público com ela se identifique; a demonização do criminoso, que reveste o delinquente de protótipos maniqueístas e de adjetivos pejorativos no intuito de afastá-lo de qualquer empatia por parte da audiência; e, por derradeiro, a disseminação da ilusão de que a punição é o melhor meio de solução de conflitos e/ou de modificação do reprovável plano fático. Essa perspectiva fomenta uma cultura punitiva que, transcendendo o modelo tradicional, acaba, de certo modo, abrangendo crimes desprovidos de violência, como os de perigo abstrato.
Num ambiente em que o sentimento de vitimização aumenta, a onipresença do crime e o destaque conferido aos benefícios da reação repressiva serão absorvidos sem esforços pelo público como problema real e relevante, restando por reforçar a preocupação e o medo ao delito. Afora isso, se determinadas leis penais forem cotidianamente qualificadas pela mídia como brandas ou defasadas, bem como certas instituições de ineficazes, esta imagem será percebida como verdade, reverberando, portanto, em insegurança e em um clima de indignação que ultrapassa a culpabilização do agente, alcançando as instituições em questão.
Nota-se, então, que a realidade não se resume à experiência diretamente vivenciada, eis que também abrange a experiência sentida e apreendida por meio dos mass media. Tal premissa resta clara ante a percepção de que há muito mais pessoas com medo e preocupadas com a criminalidade do que vitimizadas.
Esse quadro tem potencial de influir na esfera legislativa, pois os políticos, receosos em sofrer desprestígio midiático ou em obter impopularidade junto ao eleitorado, que anseia por uma resposta imediata e positiva, sentem-se compelidos a incluir tais reivindicações em sua pauta eleitoral e, assim, tranquilizar a coletividade. Nesse prisma, a reação, invariavelmente, será punitivista, tanto por simbolizar a força e a autoridade do político, quanto pelo arquétipo de que as garantias devem ser tolhidas em prol de uma maior eficácia na persecução penal.
Aludido cenário revela-se, conforme autores vinculados à Criminologia e à Política Criminal, propício para o intumescimento do direito penal, seja mediante a inclusão de novos tipos incriminadores, seja por meio do agravamento de preceitos secundários, com vistas a expressar o acentuado desvalor de determinada ação ou a fortalecer a intimidação de sua prática, pois, sendo a punição, no embalo populista, uma panaceia, qualquer comportamento interpretado como reprovável passa a ser visto como merecedor de tratamento penal.
Tal panorama confere guarida a uma política criminal simbólica, na qual a mensagem de desvalor, em vez de consistir em meio, converte-se em fim principal, apresentando-se a norma inábil no atendimento das funções que declara.
Contudo, uma norma nesses termos pode, em curto prazo, vir a cumprir com sua suposta tarefa de integração ou coesão social, conectando-se também a uma função de satisfação de necessidades psicossociais. No entanto, a intervenção penal, como meio estatal mais radical e diante do princípio republicano calcado na racionalidade, não deveria encontrar em seu dever ser um meio de canalização e de satisfação dessas irracionalidades, cujo alívio consubstanciaria medida fugaz e paliativa, mas procurar ser, ainda que nunca possa chegar a ser2, um constructo racional, dirigindo-se à redução de danos e à eficácia.
Com efeito, passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, é incompreensível e inaceitável que o direito penal, instrumento de ultima ratio, seja compreendido e utilizado como artefato de sola ou prima ratio, consistindo em abrigo a sentimentos irreflexivos e/ou vingativos, ofendendo uma gama de garantias constitucionais cerne do Estado Democrático de Direito.
Ainda em relação ao aspecto instrumental, não deveria a segurança, demanda inegavelmente legítima, avistar na política criminal de sentido estrito uma via exclusiva para seu atendimento, pois a política criminal, como política estatal, poderia, em seu conceito amplo, abarcar medidas de cunho preventivo.
Entretanto, as mentalidades apuradas na seção “Do Leitor” do jornal Zero Hora parecem, em sua maioria, não simpatizar com as ponderações acima. E cabe dizer, antes de prosseguir, que as opiniões naquele espaço estampadas não se resumem a dos gaúchos, visto que também são contemplados comentários de leitores de outros estados brasileiros. Do mesmo modo, seria deveras rasteiro pressupor que as mentalidades presentes em tal seção reflitam exclusivamente a influência do periódico em questão, uma vez que um conjunto de fatores deve ser considerado, inclusive o influxo de outros meios de comunicação e do entorno social.
Nesse compasso, importa relembrar que, num cenário negativamente globalizado, de crenças enfraquecidas, de posições líquidas e de um intenso desamparo econômico-social, em que paira uma profusão de medos, as arestas da chamada Criminologia do Outro tendem a ganhar espaço, representando no imaginário popular funções instrumental e simbólica. O câmbio de mentalidade social que sobreveio com a quebra do welfare state é, a propósito, um exemplo disso. A opinião pública, mormente da classe média, deparando-se com condições já não tão favoráveis como outrora, começou a afastar-se da defesa do ideal da prevenção especial positiva, deslocando-se para o punitivismo.
Os meios de comunicação, então, aproveitaram-se desse ambiente para disseminar a propaganda do medo. Diante desse prisma, depreende-se que seria equivocado demonizar a mídia, pois ela não foi a única instauradora do espectro punitivista. Da mesma forma, seria incorreto isentá-la, visto que sua pauta colabora na construção das agendas pública e política.
Retornando à análise empírica levada a cabo, a qual visava apurar a mentalidade da opinião pública ante a punição, observou-se, em linhas gerais, que o perfil imperante não está perfilhado aos comandos do direito penal mínimo ou, ainda, a uma política criminal em sentido amplo, baseada em medidas de política social, mas a uma política estatal eminentemente calcada no ideal de ingerência penal, mediante leis e penas (cominadas ou fixadas) mais severas no intuito de que o combate à criminalidade reste otimizado, proporcionando o alcance da desejada segurança.
Igualmente, a supressão de uma gama de garantias penais e processuais penais revelou-se, consoante exposto nas supramencionadas páginas, um anseio majoritário, aparentando preocupação com uma maior eficácia na persecução penal e, nessa linha, com a concretude da função instrumental da pena.
Impende relembrar, neste contexto, que a condição de contribuinte foi constantemente enunciada pelos leitores como (in)discutível argumento para o atendimento de demandas punitivistas. Nesse preciso horizonte, a pesquisa não olvidou remeter seu enfoque a um possível plano simbólico contemplado na sistemática punitiva, em que os cidadãos, na posição de credores, anseiam que seja conferido um tratamento pejorativo àquele que julgam estar em patamar inferior, de forma a experimentar, como espécie de compensação à vulnerabilidade e às sensações de inferioridade e impotência sentidas, uma curiosa sensação de poder, reproduzindo, assim, a ordem excludente vigente.
Com efeito, no decorrer do exame empírico, o imaginário popular demonstrou transcender a simpatia pela instrumentalidade do artefato punitivo, revelando-se constante as reivindicações pela imposição de trabalho prisional e pela eliminação de benefícios interpretados como incentivo ou recompensa ao indivíduo que, nessa senda, teria optado racional e voluntariamente pela prática criminosa, evidenciando, desse modo, não comungar dos mesmos valores que regem os demais membros da sobrecarregada sociedade. Não obstante, nuances da less eligibility foram vislumbradas nesse panorama que, eivado de animosidade e maniqueísmo, revelou, por vezes, o apoio coletivo a medidas arbitrárias contra aquele concebido como o Outro.
Paira, pois, conforme exara o material examinado, um clima de intolerância com o delinquente e de irritação com a política criminal, então, considerada desastrosa. Nessa conjuntura, o sistema penal depara-se com uma ambivalência de sentimentos, que vão do descrédito à idolatria, em um círculo vicioso.
Dito isso, do material empírico exposto, três hipóteses podem ser apontadas: a primeira consiste na suposição de que os mass media constroem uma realidade (virtual) que, ao ser assimilada pelo receptor como a realidade (subjetiva), resta por modificar o plano fático (tal perspectiva poderia explicar por que muitos dos comentários examinados seguiram no mesmo sentido de notícias e reportagens que os antecederam, as quais, por vezes, foram citadas naqueles); a segunda, sob o manto da teoria da agenda-setting, ampara-se na coincidência entre as agendas midiática e pública, visto que o tema e a tonalidade encontrados nas manifestações dos leitores cristalizaram similitude com a pauta do jornal analisado (sobre esse ponto, impende ressaltar que, na impossibilidade de indicar um nexo causal absoluto entre a atuação dos meios massivos de comunicação e a sua repercussão na opinião pública, alguns estudiosos da Comunicação Social aduzem ser suficiente essa coincidência de agendas, pois, ao seguirem na mesma direção, sua influência na agenda política será intensificada); e, por derradeiro, a noção de que as cartas publicadas não espelham as demandas da população em geral, mas um cuidadoso elenco selecionado pelo mais potente grupo de pressão, qual seja, o veículo de comunicação, no escopo de incidir no processo de criminalização primária e, inclusive, secundária (acerca desse item, pressupõe-se que, em uma democracia representativa, a atuação isolada da mídia não é suficiente, pois, para que seus reclames obtenham êxito ou legitimidade, esta deve demonstrar que estes encontram forte eco no público ou, ao menos, mediante seleção, passar tal impressão. O material a ser utilizado seria, portanto, a correspondência subscrita por leitores, cuja tonalidade poderá descambar nas agendas pública e política).
Todavia, em relação à última hipótese, desconhecendo o teor das cartas não publicadas, não há como descartar, de forma segura, que o material veiculado não seja diferente do preterido e reflita, de fato, a mentalidade da opinião pública em geral. De qualquer sorte, ainda que não representasse a generalidade, tais clamores, respeitados os limites impostos pela principiologia constitucional, podem ou devem ser considerados para fins de construção de políticas criminais, haja vista estarem inseridos em um Estado regido pela democracia representativa.
Partindo do pressuposto de que as mentalidades e sensibilidades sociais fornecem guarida e limites às políticas criminais e que a reação social, mediante a provocação de empresários morais, possui o condão de desencadear o processo de criminalização primária, reputa-se que a opinião pública influi na construção de políticas criminais, seja manifestando seu posicionamento acerca da problemática da punição no espaço destinado ao (e)leitor pelos periódicos, seja conferindo apoio às propostas ou atividades legislativas em matéria de segurança pública mediante voto.
Porém, ainda que as exposições de motivos de textos legais em matéria penal cunhem o alarme social como um de seus fundamentos, verifica-se que nem sempre é possível aferir o reflexo direto deste na construção de políticas criminais, tal como ocorrera na formulação da Lei de Crimes Hediondos, cujo clima de indignação foi explícita e contundentemente suscitado por uma campanha ativa por mais repressão que, ao final, restou exitosa.
Por esse prisma, propugna-se, então, que as mentalidades da opinião pública ante a punição apresentam, em regra, participação indireta nessa construção, indicando diretrizes à atividade parlamentar que, dentro desses limites implicitamente impostos, oferecerá ao legislador, o qual detém atuação direta e pontual, uma zona de discrição em que cálculos e interesses próprios podem ser operados, dentre os quais, inclusive, a confecção emergencial de leis no escopo de conferir resposta imediata à população para que esta se tranquilize, fortalecendo, assim, sua plataforma eleitoral. Como se pode observar, uma conjugação entre os postulados das Criminologias Interacionista e Radical ou Crítica parece, nessa equação, se cristalizar.
Visto isso, nota-se que o clima punitivista estampado nas mentalidades sociais é temerário, pois, na medida em que oferece diretrizes para a política criminal, pode vir a ampliar os limites desta, restando por permitir medidas cada vez mais repressivas e/ou arbitrárias ainda que num contexto oficialmente democrático.
Nessas circunstâncias, embora as (ir)racionalidades de cunho punitivista estejam enraizadas na estrutura social, sendo impossível cambiá-las repentinamente, resta premente o emprego de esforços em prol de sua significativa transformação.
Nesse sentido, longe de exaurir o tema, algumas possibilidades assinaladas são a divulgação de contramensajes e a revisão dos procedimentos empresariais e profissionais por parte dos mass media, que poderiam ser iniciadas com um diálogo franco entre seus responsáveis e estudiosos da área da Criminologia acerca de resultados de investigações criminológicas sobre o sistema penal.
Acerca desse ponto, em que pese tais veículos se defendam, argumentando que transmitem o que o público demanda, é sabido que a informação não deve ser convertida em mercadoria ou objeto de concorrência. Isso nada mais é que um populismo midiático que, por sua vez, consubstancia um círculo vicioso em que a opinião pública e a opinião publicada se retroalimentam, quase de maneira simbiótica.
No entanto, esse ciclo de retroalimentação deve ser rompido. E o elemento mais indicado para iniciar esta transformação é justamente a mídia, pois “[...] nenhuma profissão tem uma responsabilidade mais profunda e mais ampla, se a sua responsabilidade é proporcional ao poder3”. Logo, eximir-se de crucial incumbência sob o pretexto de que seu conteúdo angaria respaldo ou reflete demandas, não parece escusável, pois “[...] uma imprensa responsável não deve medir as suas normas pelas deficiências do público4”.
Isso não significa que os direitos fundamentais à livre manifestação e à livre expressão sejam tolhidos. As temáticas da violência e das políticas de segurança devem permanecer em pauta nos meios de comunicação, pois, se os cidadãos possuem, no bojo de um Estado Democrático de Direito, o direito legítimo à proteção contra a violência, também o têm de discuti-la.
Os mass media, como agente construtor da realidade social e, portanto, formador da opinião pública, podem, em sua tarefa informativa, contribuir para a edificação de uma cidadania madura, exercendo também o controle informal de outras instituições, em vez de se prestar a uma plataforma para políticas populistas. Afinal, tratando-se de uma concessão pública5, seus interesses não podem ser, ainda que parcialmente, alheios à sua função social, uma vez que sua atuação deve ser pautada em princípios constitucionalmente impostos6.
Há de se considerar que, estando os meios massivos de comunicação insertos em um ambiente democrático, seu influxo na formação da opinião pública e na construção de políticas criminais traduz-se como inevitável. Porém, o problema não está no mero impacto, mas na maneira como determinado conteúdo informativo é disseminado. Sua influência, como cediço, é crucial e praticamente exclusiva quando o indivíduo não possui outras informações diretamente acessíveis, tal como ocorre com as relativas ao sistema penal e seu funcionamento. Nesse embalo, o material por ela disseminado será, ainda que distorcido, creditado como verdade, seja pela leiguice no assunto, seja pela distância do fato. E isso é temerário, quando se sabe que a opinião pública exerce influência na elaboração da política criminal.
Por tal razão, é recomendável que os políticos, especialmente parlamentares, não acolham irreflexivamente os clamores das opiniões pública e publicada. O ideal, portanto, seria que as demandas com as quais se deparam fossem submetidas a um debate técnico penal rigoroso e que as dúvidas dos cidadãos fossem esclarecidas. Afinal, a atividade parlamentar deve ser regida pela elaboração de leis condizentes com os ditames da Carta Magna.
Quanto ao Poder Executivo, pressupondo que a melhora das condições socioeconômicas dos cidadãos talvez possa reduzir o punitivismo exprimido, pondera-se que um maior empenho para com a efetividade das prestações positivas poderia, numa primeira análise, consubstanciar em interessante e paralela alternativa.
A título de encerramento deste exame sobre a opinião pública, não se deve descurar que o homem, em vez de refugiar-se na negação do pensamento, oportunizada pela distração do entretenimento, poderia empreender esforços na busca da informação. Dita atitude, inobstante prover-lhe mais critérios para filtrar a “realidade” conformada pela mídia, levaria à consciente construção da nova realidade social.
Inobstante, e para além do estudo acerca dos reflexos das opiniões pública e publicada no processo de criminalização primária, vislumbrou-se que a pressão destas visa influir no âmbito da criminalização secundária, precisamente sobre magistrados da área criminal. Referida pressão, que, segundo pesquisas empíricas, é sentida por muitos juízes, conduz a uma vitimização destes, pondo em risco a imparcialidade e independência que deles se espera. Contudo, é sabido que, diante do conhecimento técnico-jurídico que detém e, ainda, consciente do seu papel social, pode e deve o magistrado filtrar o material midiático a que tem contato, de forma a demonstrar que restam ainda “juízes em Berlim”.
Neste ensejo, convém relembrar que o material empírico coletado apontou para a probabilidade de ter havido pressão para que fosse marcado o julgamento da Ação Penal 470. Porém, não há dados que demonstrem ou confirmem que o STF tenha sucumbido a ela. Do mesmo modo, verificou-se que, embora os “memes” compartilhados pelos usuários das redes sociais, bem como os comentários extraídos da seção “Do Leitor” dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão, tenham se evidenciado avesso a absolvições, inclusive enaltecendo ministros que proferiram votos condenatórios, enquanto ofereciam duras críticas àqueles que prolataram votos absolutórios, não há dados que demonstrem que os ministros tenham se intimidado com tal panorama, atuando de forma a atender a estes reclames.
No que diz respeito à cobertura realizada pelas mídias escrita e televisiva, há de se refletir que, considerando a extensão temporal do julgamento, definida em virtude da complexidade do processo, que conta com sete crimes a ser analisados e um número expressivo de réus, é justificável que os meios de comunicação também desdobrem a informação em capítulos, acompanhando as novidades do evento diariamente. Entretanto, não há como afirmar, sem qualquer hesitação, que o espaço despendido em cada edição, seja em jornais, seja em telejornais, não se constitua excessivo, ainda que o tema seja de interesse da sociedade, possuindo, portanto, relevância política. E neste ponto há de se recordar que excessos configuram espetacularização.
Nesta oportunidade, cabe pontuar que há quem considere que inclusive a transmissão ao vivo do julgamento, disponibilizada pela TV Justiça, consista em espetáculo, transcendendo a publicidade que deve observar o processo penal. Contudo, tal transmissão pode ser considerada válida na medida em que a população recebe a informação sem intermediações ou eventuais distorções.
Em relação aos efeitos sociais dos primeiros episódios do julgamento, pode-se dizer, a partir do material empírico colacionado, que este parece ter atenuado o clima de desconfiança da sociedade para com o Poder Judiciário, bem como a insatisfação popular ante a impunidade do colarinho branco.
Por fim, cumpre destacar que, ainda que os ministros do STF assegurem que suas decisões serão orientadas pelo tecnicismo jurídico, seja qual for o desfecho do julgamento da Ação Penal 470, pode-se antever que o órgão não restará incólume a críticas, pois, certamente, as absolvições proferidas conduzirão à indignação das opiniões pública e publicada, as quais dirão, talvez, que o órgão sucumbiu a pressões escusas de uma minoria. Já as condenações prolatadas, invariavelmente, serão questionadas por aqueles que suporem que os ministros tenham se curvado aos anseios punitivos de matizes popular e midiático.
1 LIPPMANN, Walter. Opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 305.
2 ZAFFARONI, Raúl Eugenio. La pena como venganza razonable. Lectio doctoralis en Udine. Portal Iberoamericano de las Ciencias Penales. Publicaciones del Instituto de Derecho Penal Europeo e Internacional – Universidad de Castilla La Mancha. p. 10. Disponível em: <http://www.cienciaspenales.net/descargas/idp_docs/doctrinas/zaffaroni%20-%20la%20pena%20como%20venganza%20razonable.pdf>. Acesso em: 9 fev. 2012.
3 Tradução livre de trecho contido em WISEHART, M. K. Newspapers and criminal justice. In: POUND, Roscoe; FRANKFURTER, Felix. Criminal Justice in Cleveland. Reports of the Cleveland Foundation survey of the administration of criminal justice in Cleveland, Ohio. Philadelphia: Cleveland Foundation – WM. Fell Co. Printers, 1922. p. 526.
4 Ibid., p. 526.
5 Para tanto, vide teor do art. 223 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
6 “Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; [...] IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.” Cf. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.