Por que esta pausa, de repente? Sei muito bem que uma existência não se decompõe em períodos nítidos e 1952 não marcou um corte na minha. Mas o território não é o mapa. Minha narrativa exige um certo esclarecimento, antes que eu possa continuá-la.
Um defeito dos diários íntimos e das autobiografias é que, em geral, o que “é óbvio” não é dito, e perde-se o essencial. Também eu caio nesse erro. Em Os mandarins não consegui mostrar o quanto o trabalho dos meus heróis contava para eles; eu esperava aqui falar melhor do meu: iludia-me. O trabalho dificilmente se deixa descrever: nós o fazemos, é só. Por isso ele ocupa pouco espaço neste livro, enquanto em minha vida ocupa tanto: esta se organiza inteiramente em torno dele. Insisto nisso porque o público percebe mais ou menos o tempo e os cuidados que um ensaio exige; mas, em sua maioria, imagina que um romance ou recordações se escrevem ao correr da pena. “Não é tão difícil assim, eu também poderia tê-lo escrito”, disseram mulheres jovens, depois de lerem as Memórias de uma moça bem-comportada: não foi por acaso que não o fizeram. A não ser uma ou duas exceções, todos os escritores que conheço enfrentam enormes dificuldades: eu sou como eles. E, contrariamente ao que se supõe, romance e autobiografia me absorvem muito mais do que um ensaio; também me dão muito mais alegrias. Penso neles com muita antecedência. Sonhei com os personagens de Os mandarins até acreditar em sua existência. Quanto às minhas memórias, familiarizei-me com meu passado relendo cartas, velhos livros, meus diários íntimos, cotidianos. Quando sinto que estou pronta, escrevo de uma vez só trezentas ou quatrocentas páginas. É um trabalho penoso: exige intensa concentração, e a mixórdia que acumulo me causa repulsa. Ao fim de um ou dois meses, estou muito enjoada para continuar. Parto novamente do zero. Apesar dos materiais de que disponho; a página está novamente em branco, e eu hesito antes de mergulhar. Em geral, começo mal, por impaciência; gostaria de dizer tudo de uma só vez: minha narrativa é pastosa, desordenada, descarnada. Pouco a pouco resigno-me a prosseguir no meu tempo. Chega o instante em que encontro a distância, o tom, o ritmo que me satisfazem; então arranco de vez. Valendo-me do meu rascunho, redijo a traços largos um capítulo. Retorno à primeira página e, chegando ao fim, refaço-a frase por frase; depois, corrijo cada frase segundo o conjunto da página, e cada página segundo o capítulo inteiro; mais tarde, cada capítulo segundo a totalidade do livro. Os pintores, dizia Baudelaire, vão do esboço à obra acabada, pintando em cada estágio o quadro completo; é o que tento fazer. Assim, cada uma de minhas obras exige de mim dois a três anos — quatro para Os mandarins —, durante os quais passo de seis a sete horas diante da minha mesa.
Faz-se muitas vezes uma ideia mais romântica da literatura. Mas ela me impõe essa disciplina justamente porque é algo diferente de um ofício: uma paixão ou, digamos, uma mania. Ao despertar, uma ansiedade ou um apetite me obriga a tomar imediatamente a caneta; só obedeço a uma determinação abstrata nos períodos sombrios em que duvido de tudo: então, a própria determinação pode falhar. Mas, salvo em viagem, ou quando ocorrem eventos extraordinários, um dia sem escrever tem gosto de cinza.
E evidentemente a inspiração conta: sem ela, a assiduidade de nada serviria. O projeto de exprimir certas coisas, de um certo modo, nasce, renasce, enriquece-se, transforma-se caprichosamente. As ressonâncias em mim de um incidente, de uma luz, e o brilho de uma lembrança não são preparados, nem o surgimento de uma imagem ou de uma palavra. Ao mesmo tempo que me conformo com meu plano, levo em consideração meus humores: se de repente tenho vontade de contar uma cena, de abordar um tema, faço-o, sem me ater à ordem estabelecida. Uma vez construída a carcaça do livro, confio-me com desembaraço ao acaso: sonho, divago, não só diante do papel, mas durante todo o dia e mesmo à noite. Acontece com frequência, antes de eu adormecer, ou durante uma insônia, ocorrer-me uma frase e eu me levantar para anotá-la. Numerosas passagens de Os mandarins e das minhas recordações foram escritas de uma vez, sob o impacto de uma emoção: às vezes retoco-as no dia seguinte, às vezes não.
Quando enfim, depois de seis meses, um ano, ou mesmo dois, submeto o resultado a Sartre, ainda não estou satisfeita, mas sinto-me sem fôlego: preciso do rigor dele e do seu encorajamento para retomar meu entusiasmo. Primeiro ele me tranquiliza: “Você ganhou… Será um bom livro.” Depois, no detalhe, irrita-se: está longo demais, curto demais, não está certo, está mal dito, feito apressadamente, gratuito. Se eu não estivesse habituada à aspereza da sua linguagem — a minha, quando o critico, não é mais branda —, ficaria abatida. Na verdade, uma única vez ele me inquietou realmente, quando eu estava terminando Os mandarins; em geral, suas censuras me estimulam, porque me indicam como superar falhas das quais eu tinha mais ou menos consciência e que muitas vezes só me saltam aos olhos quando o vejo ler o que escrevi. Ele me sugere cortes, mudanças; mas sobretudo incita-me a ousar, a aprofundar, a enfrentar os obstáculos, em vez de evitá-los. Seus conselhos orientam-se no meu próprio sentido e preciso apenas de algumas semanas, no máximo alguns meses, para dar ao meu livro uma feição definitiva. Paro quando tenho a impressão, não certamente de que meu livro está perfeito, mas de que não posso mais aperfeiçoá-lo.
Nesses anos que relato, tirei muitas férias, que geralmente consistem em trabalhar em outros lugares. Entretanto, fiz longas viagens durante as quais não escrevia: é que meu projeto de conhecer o mundo permanece estreitamente ligado ao intuito de exprimi-lo. Minha curiosidade é menos rude do que na minha juventude, mas quase tão exigente: nunca se acaba de aprender porque nunca se deixa de ignorar. Não quero dizer que para mim algum momento seja gratuito: nunca um instante me pareceu perdido, se me trazia um prazer. Mas através da dispersão das minhas ocupações, divertimentos, perambulações, há uma constante vontade de enriquecer meu saber.
Quanto mais caminho, mais o mundo entra na minha vida até fazê-la explodir. Para contá-la, eu precisaria de doze pautas; e de um pedal para suster os sentimentos — melancolia, alegria, mágoa — que coloriram períodos inteiros dela, através das intermitências do coração. Em cada momento se refletem meu passado, meu corpo, minhas relações com outrem, meus empreendimentos, a sociedade, toda a terra; ligadas entre si, e independentes, essas realidades por vezes se reforçam e se harmonizam, por vezes interferem, contrariam-se ou se neutralizam. Se a totalidade não permanece sempre presente, não digo nada de exato. Mesmo se supero essa dificuldade, esbarro em outras: uma vida é um objeto estranho, a cada instante translúcido e inteiramente opaco, que eu mesma fabrico e que me é imposto, cuja substância o mundo me fornece e me rouba, pulverizado pelos acontecimentos, disperso, partido, hachurado, mas que guarda sua unidade; pesa muito e é inconsistente: essa contradição favorece os mal-entendidos. Não fui tão abalada pela guerra quanto queria, disseram, pois em 1941 eu tinha prazer em passear; dirão provavelmente que a guerra da Argélia pouco me afetou, já que, em Roma, a música e certos livros conservaram para mim seu interesse. Mas — todo mundo já passou por isso —, podemos nos divertir com o coração em luto. A emoção mais violenta e mais sincera não dura: algumas vezes ela suscita atos, engendra manias, mas desaparece; por outro lado, uma preocupação, provisoriamente afastada, não deixa de existir: está presente no próprio cuidado que tomo de evitá-la. Muitas vezes as palavras são apenas silêncio, e o silêncio tem suas vozes. Durante a prisão de Sartre, estava eu infeliz ou ainda feliz? Eu estava tal como me retratei, com minhas alegrias, minhas angústias, meus desânimos, minhas esperanças. Tentei apreender a realidade em sua diversidade e sua fluidez; resumir minha narrativa em palavras definitivas é tão aberrante quanto traduzir em prosa um bom poema.
O fundo, trágico ou sereno, do qual emergem minhas experiências lhes dá seu verdadeiro sentido e constitui sua unidade; evitei ligá-las por transições que seriam unívocas e portanto artificiais. Então, já que a totalização me parece tão necessária, por que me submeti à ordem cronológica, em vez de escolher uma outra construção? Pensei nisso, hesitei. Mas o que conta antes de tudo em minha vida é que o tempo passa; envelheço, o mundo muda, minha relação com ele varia; mostrar as transformações, os amadurecimentos, as irreversíveis degradações dos outros e de mim mesma, nada me importa mais. Isso me obriga a seguir docilmente a sequência dos anos.
Assim, depois deste interlúdio retomo minha história onde a deixara.