Capítulo 24

CAROLINE

1944-1945

No dia 25 de agosto, Roger telefonou-me para a The Hay e informou-me de que a França Livre*e as tropas americanas estavam na periferia de Paris.

Estávamos de volta ao trabalho.

Era sábado e, portanto, o trânsito estava calmo enquanto eu conduzia até à cidade com o pedal do acelerador a fundo e guinchando ao passar por outros carros na Taconic Parkway, até ver umas luzes azuis a piscar, pelo espelho retrovisor. Quando expliquei ao agente com cara de bebé as razões da minha pressa, ele voltou a acender as luzes e escoltou-me até ao Consulado.

No gabinete de Roger, reuníamos informações de todas as fontes possíveis. Líamos telegramas e cabos transatlânticos e ouvíamos as notícias no rádio, tudo ao mesmo tempo. Quando as nossas tropas chegaram ao Arc de Triomphe, estávamos loucos de alegria e ao telefone com Bordeaux e Londres. As tropas americanas, acompanhadas pelo General De Gaulle e pelo exército dos Franceses Livres, marchavam para Paris vindos do sul, passando pelos Champs Elysées em jipes e a pé. Hordas de parisienses apareciam nas ruas a gritar «Vive la France!». As pessoas saíam de casa, acorrer, frenéticas com a alegria da libertação, ainda que atiradores alemães e tanques disparassem, ocasionalmente. Pouco depois, escondidos pelos bunkers, os alemães abanavam bandeiras brancas de rendição e os proprietários de restaurantes iam buscar às adegas as suas últimas garrafas de champanhe. Paris enlouquecia de felicidade.

Mais tarde, nesse dia, do gabinete de Roger vimos Lily Pons, a estrela da Ópera Metropolitana, cantar «La Marseillaise» perante trinta mil pessoas reunidas por baixo de nós, na Rockfeller Plaza, para celebrar a vitória.

Todos concordávamos que a capitulação de Hitler e a queda de Berlim era apenas uma questão de tempo. Os Aliados iriam libertar todos os campos de concentração. Enviei telegramas e cartas para os centros de repatriamento em França, a perguntar por Paul. Como iria voltar a Paris?

Apesar de a França ter sido libertada, a guerra arrastava-se. No mês de abril do ano seguinte, sentada à mesa da sala de jantar na The Hay, e ainda de pijama, escrevia um press release para os órfãos da França libertada: Estes bens correntes são extremamente necessários em França HOJE – Arroz; Cacau adoçado; Leite inteiro em pó; Frutos secos. Chá e café para crianças mais velhas são os que se seguem, em termos de importância...

Quanto tempo passara, desde que recebera a primeira carta de Paul? Nenhuma das minhas averiguações dera frutos. Uma última tempestade de neve atingira Bethlehem, mas até o inverno já estava cansado do inverno e os flocos de neve caíam, tranquilos, sobre a camada de neve no jardim, como flanela branca. O Pai ter-lhe-ia chamado abominável bola de neve.

Serge depositou a correspondência que recolhera na estação de correios sobre a mesa em forma de meia-lua junto à porta da frente e foi limpar a entrada da casa.

Quando fui fazer chá à cozinha, começava a escurecer. Ao regressar à sala de jantar, vasculhei a pilha de correio. Encontrei os envelopes do costume. Um folheto para o Espetáculo de Cavalos de Bethlehem, organizado todas as primaveras pela Mãe em Ferriday Field, atrás da nossa casa, em benefício da biblioteca pública. A conta mensal de leite da Quinta Elmwood. Um convite para um concerto de sinos, na granja.

Um envelope fez-me estacar. Era bege, tal como os outros que enviara, e tinha a caligrafia de Paul – ainda que, aparentemente, menos clara e forte. Era dele, sem dúvida alguma. O remetente tinha escrito Hôtel Lutetia, 45, boulevard Raspail.

As mãos tremiam-me ao abrir a lateral do envelope e começar a ler.

Agarrei nas botas que estavam na cozinha, atirei o casaco da Mãe por cima do meu pijama e corri pelo jardim até à loja Merrill Brothers, fazendo estalar a camada de neve a cada passo. Lancei-me pelas escadas acima e descobri a Mãe junto a uma parede de estantes com o Sr. Merrill, com uma garrafa transparente de hamamélis na mão. Afastaram-se, assustados.

O Sr. Merril, com um porco-espinho de chaves à cintura, sorriu quando eu entrei.

– Caroline, como tem...

– Agora não, Sr. Merrill – interrompi, segurando-me na ombreira da porta, enquanto tentava recuperar o fôlego. Ainda que geralmente fosse um homem prático, o atraente Sr. Merrill era capaz de discutir os prós e contras dos sacos de papel da mercearia ad infinitum, mesmo que fosse apenas ligeiramente encorajado.

– Meu Deus, o que foi, querida? – perguntou a Mãe. Ainda a arfar, abanei o envelope. – Fecha a porta, Caroline. Por amor de Deus, o que se passa contigo?

– É de Paul. Está em...

– Onde, querida?

– Hôtel Lutetia.

– Porque não disseste logo, Caroline? – perguntou, devolvendo a hamamélis ao Sr. Merrill. – Partimos amanhã.

Afinal, as nossas malas estavam feitas há meses.

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* A França Livre e as Forças Francesas Livres eram, respetivamente, a designação do governo francês no exílio, liderado por Charles de Gaulle, durante a II Guerra Mundial, e as suas forças militares, que continuaram a combater as forças do Eixo e as tropas de Vichy. Alinhada como potência aliada, o governo da França Livre estava instalado em Londres e organizou e apoiou a Resistência na França ocupada.