Faltou fôlego ao criador e comandante do grupo EBX. E faltou cedo, quando Eike Batista nem poderia imaginar o papel reservado a ele na economia brasileira: afinal, ainda tinha 11 anos e morava na Europa.
Era asma, conta Eike, em sua autobiografia. Começou a sentir na infância os sintomas da doença, como falta de ar e “ansiedade terrível”. Aos 12, a mãe o fez ter aulas de natação, em piscina aquecida, mas aberta ao frio do inverno europeu. “Era difícil”, lembra, em seu livro. “Minha mãe me jogou na piscina”, contou, em palestra a jovens investidores, já como grande empresário, anos depois.
Curou-se em um ano de exercício de disciplina e autocontrole, mas a asma foi só um de seus primeiros “estresses”.
Houve também o impacto de se ver matriculado em um semi-internato suíço sem falar uma palavra em francês, após a mudança da família para a Suíça. Como sequela, diz ter aprendido a superar as situações desfavoráveis com força de vontade e obstinação. A cada desafio, um novo mergulho, recomendava Eike, o empresário, no tempo em que não tinha afundado tantas empresas e suas recomendações apresentavam alto valor no mercado.
O grupo EBX deve muito a essa convicção de seu criador, que, após um começo bem-sucedido no setor privado, acumulou fracassos e prejuízos até engrenar o mecanismo que o levaria ao posto de maior bilionário do Brasil. Impossível ver Eike Batista em ação, na defesa de suas ideias e projetos, e não ficar com a impressão de estar frente a frente com um vendedor de grande talento, especialmente notável pela autoconfiança. Vendedor, sobretudo, de si mesmo.
“Trouxe um videozinho”, repetia Eike, à vontade, em apresentações para estudantes, autoridades, executivos, qualquer plateia interessada em ouvi-lo. E, na tela, com acabamento profissional, sucediam-se números impressionantes, projeções otimistas e análises ufanistas. Alguns desses vídeos apresentavam uma animação capaz de convencer os mais desavisados de que o Porto do Açu já operava freneticamente, numa época em que se assentavam os pilares no cais e ainda mal se assinavam memorandos de entendimentos com grupos econômicos atraídos ao projeto. Vídeos publicitários foram uma peça importante no esforço de atração de acionistas para aquela que seria a estrela e a danação do grupo, a petroleira OGX. O YouTube traz uma coleção deles, valem o exercício de nostalgia.
A vocação para persuadir os outros a embarcar em seus planos mostrou-se já na juventude, quase seis anos após a cura da asma, e foi impulsionada por outro “estresse”: a volta da família ao Brasil no fim dos anos 1970. O pai, Eliezer Batista, fora demitido pelo governo militar nos anos 1960 por ter sido ministro do presidente deposto João Goulart. No entanto, por suas qualidades de estrategista e gestor, seria chamado a colaborar com os ambiciosos planos de infraestrutura dos generais que comandavam o país.
A volta de Eliezer ao Brasil resultaria no Projeto Carajás, de exploração e exportação de minério de ferro a partir da Floresta Amazônica. O principal feito de Eliezer foi perceber que o segredo da competitividade na extração e exportação de recursos naturais está na logística, nos custos e prazos para extrair e transportar riquezas e mercadorias do país para os mercados externos. Foi assim que conseguiu fazer do Japão, no outro lado do mundo, cliente preferencial do minério de ferro brasileiro. Como se vê, o fundador do grupo EBX aprendeu em casa, ainda garoto, que não há bom projeto de extração de minério sem um azeitado sistema de transporte, e um bom porto.
Estudante de engenharia, decidido a permanecer na Alemanha, com vergonha de pedir aumento da mesada ao pai, Eike começou a vender seguros para bancar as despesas. Jovem, alto, bonito e fluente em alemão, identificou, em pouco tempo, um comprador preferencial: o “universo feminino”, e assim compartilhou com mulheres inumeráveis xícaras de chá e aprendeu a seduzir clientes em potencial.
Um bom vendedor, receitava o empresário, é aquele que tem curiosidade em relação às pessoas, acredita nelas e tem a capacidade de ouvi-las. Infelizmente, a lição aprendida com a asma o marcou mais fundo que o aprendizado com as simpáticas alemãs que lhe ofereciam chá na juventude: já adulto, poderoso, durante as reuniões do grupo EBX, com frequência mergulhou em seus sonhos, fechou os ouvidos e desdenhou de sugestões para reduzir a escala de seus projetos, com o argumento de que detestava “puxadinhos” — a falta de ambição que via em outros empresários brasileiros.
Aos executivos que lhe pediam cautela costumava dizer, rispidamente, que nunca deixariam de vestir “calças curtas”. Colaboradores ficavam incomodados com a maneira agressiva como o chefe interrompia grandes executivos em reuniões de negócios, ridicularizando qualquer comportamento cauteloso em relação às grandes oportunidades que ele via no Brasil.
“Hellooou, vocês não estão de olhos abertos? Não enxergam?”, repetia, em tom irônico, sem se importar se o interlocutor era o presidente de uma das multinacionais de maior peso no país, com investimentos em seu grupo, ou um sócio em potencial.
Havia momentos, porém, em que o executivo sabia escutar. Ouvir, para ele, era seguir a experiência dos bons comerciantes e investidores no mercado financeiro e estar sempre atento a indicações, sugestões, comentários capazes de revelar oportunidades de grande potencial, nichos interessantes a serem explorados. No folclore da EBX, consta o dia em que, após uma noite em claro, com gripe, chegou à empresa anunciando que queria discutir algumas dezenas de negócios que havia imaginado enquanto via televisão, sem pegar no sono.
O grupo EBX se confunde com a trajetória pessoal de Eike Batista e sua capacidade de identificar chances de negócio. Na página da EBX e nas palestras do empresário, o ano de 1980 é o marco de início do grupo, quando o que existia era a primeira empresa da qual ele participaria, Autram Aureum, criada para intermediar a venda de ouro e vendida anos depois. Ainda não havia letras cabalísticas na denominação dos negócios, mas uma abreviatura: “AU”, do símbolo do elemento químico ouro, “TRA”, de trading, e “M”, de mineração. Como logotipo, a Autram adotaria o sol inca, que mais tarde identificaria também a EBX. Eike, em 1980, tinha 24 anos.
A importância da experiência com mineração do ouro na atividade empresarial do criador da EBX pode ser medida pelo espaço que o tema ocupa na autobiografia do empresário: 96 páginas, das 160 nas quais Eike contou sua trajetória de “maior empreendedor do Brasil”. Eike nunca se estendeu muito sobre os detalhes da criação da Autram Aureum, que teve, na sua fundação, dois sócios estrangeiros, o português João Manuel Reino e o suíço Felix Jean Chillé.
O começo dos negócios que desembocariam no breve império de Eike Batista, porém, é anterior à Autram Aureum e localizado no mercado informal, que ele descobriu ao passar férias no Brasil, quando ainda complementava o orçamento vendendo seguro a alemães. O próprio executivo informa ter começado sua carreira na mineração como intermediário, em troca de comissões, da venda de diamantes do Brasil para o exterior, sem documentos que constassem na declaração de renda. Negócios de milhares de dólares, “sem um contrato formal”, como relatou em seu livro.
“Fechavam negócio, alguém embrulhava, levava os diamantes e depois transferia o dinheiro a quem era de direito. Tudo, rigorosamente tudo, era feito na base da confiança”, relatou Eike em O X da questão, no qual não detalha se as transações com as pedras eram comunicadas, como manda a lei, às autoridades que fiscalizam o comércio de minérios e cobram imposto.
A origem da Autram Aureum veio do entusiasmo de Eike com a perspectiva de ganhar muito dinheiro com minérios preciosos. Abandonou os estudos de engenharia na Alemanha, com pouco mais de vinte anos, para embarcar na corrida do ouro na Amazônia. O minério alcançava preço recorde no mercado internacional em fevereiro de 1980 e cairia bastante nos anos seguintes, com breve recuperação em 1983, sem nunca voltar ao pico das cotações que encantaram o ex-futuro engenheiro. Os estados do Pará e de Mato Grosso recebiam milhares de imigrantes e ex-operários de barragens transformados em garimpeiros. Como faria pelo resto da vida, ao notar que havia um negócio com oportunidade de ganhos incalculáveis, Eike decidiu que tinha de aproveitar a chance.
Irritado com o abandono da faculdade de engenharia, Eliezer Batista comprou e deu ao filho um presente de humor bizarro, vendido em papelarias na época: um “diploma de burro” — episódio que o executivo mencionaria a amigos e jornalistas, anos depois, já empresário e convicto de que seus negócios seriam “à prova de idiotas”. Uma piada de mau gosto impressa não era suficiente para abalar o jovem ex-estudante.
Àquela altura, ele já conseguia recursos para alugar um avião bimotor e meter-se em Itaituba, conhecida como “cidade-pepita”, um dos principais centros de extração de ouro na chamada província aurífera do Tapajós, onde o aeroporto é até hoje um dos locais de maior movimento de pequenas aeronaves do país.
Autoconfiante, camisa de manga comprida aberta no peito, sorriso de galã e desembaraço de vendedor experiente, Eike desembarcou no comércio de ouro da calorenta cidade paraense ainda como intermediário, num negócio cujas estatísticas oficiais, na avaliação dos funcionários do governo, mal captavam 25% do total realmente transacionado, em uma região de pouca presença do Estado e muita gente ambiciosa.
O empresário inaugurava, aos 24 anos, seu estilo de negócios: mobilizando a rede de relações facilitada pela condição de filho de Eliezer Batista, Eike buscou sócios para patrocinar sua empreitada. Chamavam-se Aaron e Mendel esses primeiros investidores; joalheiros no Rio de Janeiro, confiaram-lhe US$ 500 mil para comprar ouro em Itaituba.
Eike alojou-se em um hotel “com muitos mosquitos e teias de aranha”, o Sucupira Palace, e associou-se a um dos operadores de garimpos locais. Algum tempo depois, em uma transação até hoje mal-explicada, foi traído por um sócio nos negócios locais, que lhe tomou os US$ 500 mil e mais US$ 300 mil dos lucros, até então, com as operações de compra e venda do minério.
Poderia terminar aí a carreira dourada do empresário iniciante. Mas os patrocinadores capitalistas de Eike não só foram compreensivos quando souberam que seu dinheiro virara pó, como também aceitaram seu pedido de mais capital para investimento e lhe confiaram outros US$ 500 mil, desde que se instalasse no Mato Grosso para gerenciar pessoalmente o novo projeto de comercialização do metal precioso.
O risco de malária e as possíveis aranhas amazônicas não eram nem de longe o maior perigo enfrentado pelo empreendedor — ou por quem se aventurou naqueles panoramas por aquela época. Eike jura ter até hoje uma pequena cicatriz de um tiro que levou pelas costas, disparado por um garimpeiro bêbado de quem cobrou dinheiro aos palavrões. O episódio, dizia o empresário, teria servido de lição para aprender a manter a calma nos momentos de tensão e a se cuidar para não criar inimigos (uma lição valiosa, embora relatos de funcionários graduados da EBX indiquem que ela não foi seguida sempre; um dos primeiros executivos de peso atraídos para o grupo EBX, Rodolfo Landim, passou, no intervalo de quatro anos, da condição de braço direito à de desafeto com ações milionárias na Justiça contra o ex-parceiro, inaugurando uma sucessão de atritos entre Eike e seus principais executivos. Mas Landim é personagem de um capítulo posterior da história da EBX, voltaremos a ele mais adiante).
Eike ainda repartia seus cabelos no topo da cabeça, sem sinais da calvície que o incomodaria mais tarde, quando se mandou para o norte do Mato Grosso, ao garimpo de Alta Floresta, abastecido com o novo aporte de capital dos joalheiros cariocas. Encontrou, no destino, outro capitalista do mundo informal da mineração, Benedito Vieira da Silva, o Ditão, um aventureiro, negro, de quase dois metros de altura.
Também chamado de Baiano, era o dono da pista de pouso de 1,8 mil metros e oficina de revisão de pequenos aviões, da mercearia, do bar, do restaurante, da boate e, como lembraria Eike, “da exploração da fauna romântica” local — gerenciada, nos anos 1980, por uma senhora batizada como Maria Helena, mas conhecida no garimpo como Turca.
Ditão era funcionário da Indeco, empresa privada de colonização que, com apoio dos governos da época e financiamento dos bancos oficiais, começou a estabelecer projetos urbanos e agrícolas na região nos anos 1970. Ele tinha recebido carta branca do patrão, Ariosto de Riva, para organizar a atuação dos garimpeiros, que chegavam aos milhares, levados por boatos e histórias reais de enriquecimento na exploração das ricas jazidas na bacia do rio Teles Pires.
O desmatamento recebia incentivo oficial, encarado como missão civilizatória: era determinação oficial desbravar a Amazônia, com instalação de colônias agrícolas em terras vendidas a preços amigos para empreendedores como De Riva.
Nesse ambiente, selvagem em vários sentidos, só se chegava de avião, e só sobrevivia quem mantinha as costas quentes. Além da boate com moças remuneradas para atender a carências dos clientes, a única diversão era o cinema improvisado em uma tosca cabana de madeira e plástico, onde se revezavam filmes de faroeste e pornochanchadas nacionais. Eike, o recém-chegado, tinha a oferecer, aos negociantes locais, seus contatos de compradores no Sul e no Sudeste.
A oferta foi aceita com gosto por Ditão, “rei do garimpo” de Alta Floresta, àquela altura financiador e explorador da massa de garimpeiros, por procuração da Indeco. Eike recebeu aval de Ditão para circular livremente pelos domínios da Indeco. Cobrava 5% ou mais de comissão do valor do ouro vendido e acumulou um patrimônio milionário. “Fiz o dinheiro girar sessenta vezes, e sobraram 10% para mim; com 22 anos, eu estava lá, com US$ 6 milhões”, lembrou Eike, em 2009, no programa “Marília Gabriela Entrevista”, para a jornalista Marília Gabriela. (Curiosamente, com a ligeireza que é a sua característica ao tratar de números relativos aos negócios, na sua autobiografia, Eike diz que esse dinheiro foi acumulado entre 1981 e 1982, quando já tinha 25 anos. Mas, no mesmo livro, garante que acumulou os US$ 6 milhões na compra e venda de ouro.) Com todo esse dinheiro, que fazer? “Deveria ter ido para a praia”, brincou. Mas a onda que o atraía era a do garimpo do ouro.
Comprou de Ditão a mina Novo Planeta, da qual, por ordem de Ariosto de Riva (“o último dos bandeirantes”, segundo o jornalista David Nasser), foram expulsos os garimpeiros que a haviam invadido. Eike estava decidido a fazer com o ouro o que a empresa Paranapanema fizera com o estanho, mecanizando a extração de metal escondido em jazidas aonde a exploração manual não chegava.
Em seu livro, Eike diz ter conseguido a sociedade da Paranapanema na mina Novo Planeta após comprovado seu “sucesso” em Alta Floresta. A Paranapanema é um pequeno marco no que seria o mapa estratégico que, de fato, o fundador do grupo EBX recebeu do pai: mais que indicações sobre as reservas minerais do país, como reza a lenda em torno de Eike, o ex-presidente da então Vale do Rio Doce garantiu ao herdeiro, em momentos decisivos da constituição do Império X, uma rede de conexões importantes com figuras de peso do capitalismo brasileiro e da exploração de recursos minerais do país.
A empresa que se tornaria sócia do garoto que se aventurava em Alta Floresta era de Otávio Lacombe, amigo de Eliezer desde o fim dos anos 1960, quando, juntos, ajudaram a fundar a Aracruz Florestal, mais tarde transformada em Aracruz Celulose. (Um pouco de história: para a fundação da Aracruz, foi fundamental, na avaliação do próprio Eliezer, a aprovação da lei 51.106, de 1966, a Lei Florestal, que deu incentivos financeiros à exploração de eucalipto para produção de celulose. A lei teve sustentação técnica e lobby político do ex-ministro Antônio Dias Leite Júnior, outro amigo de Eliezer que alavancaria a carreira de Eike, mais adiante.)
Como em toda a história das empresas X, na fundação da Novo Planeta há versões alternativas menos glamorosas que a história oficial contada pelo ex-bilionário. Quem divulga a narrativa diferente é o assessor-técnico da Companhia Mato-Grossense de Mineração José Ronaldo Bezerra dos Santos, presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Apiacás, cidade a 35 quilômetros do antigo garimpo de Eike. Segundo José Ronaldo, Eike teria procurado um sócio de maior porte para seu projeto de mineração para lidar com o conflito entre ele, novo dono da mina, e garimpeiros que ameaçavam continuar na Novo Planeta.
Em sua atuação na Amazônia, a Paranapanema teve ajuda, em muitos casos violenta, de gente especializada em lidar com garimpeiros recalcitrantes que infestavam (é esse o verbo usado pelos empresários do setor) as áreas de lavra. Entre os auxiliares da empresa, responsável pela expulsão de garimpeiros de suas minas de cassiterita em Rondônia, estava um ex-dirigente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) de nome pouco amistoso: Hitler Nantes dos Santos. Por sua ação em favor da Paranapanema, Hitler mereceu até citação no Congresso, em discurso do deputado oposicionista Walter Silva, em 1971. “Diluir riscos”, dizia Eike, era um dos motivos para ter se associado à Paranapanema, empresa com provada capacidade de dispersar garimpeiros inconvenientes.
Naquela mina, Eike teria sua primeira experiência de investidor malsucedido, salvo na última hora pela Providência e reconduzido ao caminho do sucesso.