Depois de se tornar celebridade nos anos 1990, Eike sempre mencionou seus problemas na TVX como incidentes de percurso. Sempre que lhe deram oportunidade, encarregou-se de contabilizar como grande sucesso a história da empresa. Depois de 2004, separado da modelo Luma de Oliveira, já sem a etiqueta de “marido da Luma”, antes aplicada por ele mesmo ao se apresentar em público, o empresário fez questão de lembrar que já tinha longa carreira executiva. Seu grande aprendizado e prova de sucesso, dizia, foi a experiência de mineração, que teve como ponto alto a passagem pela TVX.

“Entre 1980 e 2000, em vinte anos, construí oito minas de ouro”, repetia Eike, em inúmeras entrevistas, firmando sua narrativa de self-made man. “Aprendi a criar projeto do zero; somos craques em execução”, disse, em entrevista ao jornal Brasil Econômico, em agosto de 2011, quando analistas de mercado começavam a demonstrar desconfianças em relação ao futuro da EBX.

Além de passar à Treasure Valley seus muitos alvarás de pesquisa mineral, Eike adquiriu novas minas de níquel, ouro e prata. Além das três minas de ouro que marcaram o início da carreira do empresário, a TVX explorou uma mina em Goiás e outras quatro no Chile, nos Estados Unidos e na Austrália. Eike apostou alto também em projetos na Rússia e na Grécia, que seriam uma tragédia para a TVX. Mas, antes de se meter com russos e gregos, provou, no Chile, sua capacidade de tirar ouro de pedras aparentemente inalcançáveis.

Ainda membro do conselho de administração da TVX, ele havia proposto, sem entusiasmar os sócios, investir no desenvolvimento da mina de La Coipa, um extraordinário reservatório mineral de prata e ouro a 1,8 mil metros de altura, em uma região bem pouco hospitaleira: clima quase polar à noite e cordilheiras arenosas de vegetação rasteira e fauna de pequenos roedores, às margens do deserto do Atacama, no Chile.

A aridez do local não desanimava tanto os canadenses quanto a desordem fundiária na região, que, segundo ouviu Eike, exigiria uns dez anos de duras negociações para garantir as licenças necessárias à exploração da mina. O entusiasmado diretor arrancou da empresa carta branca para desenvolver, sozinho, o projeto de La Coipa, com recursos próprios.

Com um empréstimo de US$ 58 milhões e a ajuda de sócios locais (entre eles o geólogo que lhe apresentou a mina, algum tempo depois de lhe prestar serviços em outros empreendimentos), ele resolveu, em seis meses, as 150 disputas legais entre quarenta supostos proprietários de terras no local.

A posse estava garantida, faltava o dinheiro para explorar a mina. Durante algum tempo, sem recursos nem apoio da TVX, Eike fez frequentes viagens ao local com potenciais investidores do setor financeiro. Como conta o historiador chileno Augusto Milán, o empresário levava os convidados para conhecer vinícolas locais, visitar as praias de Viña del Mar, hospedar-se próximo à cordilheira e...nada.

Não foi um período tranquilo. O empréstimo usado para resolver a confusão fundiária de La Coipa tinha prazo e aproximava-se seu vencimento. Eike e seus parceiros mudaram então de estratégia: procuraram outras mineradoras. Em 1987, finalmente, a TVX vendeu metade do projeto de La Coipa à canadense mineradora Placer Dome, que lhes garantiu começar, em 1989, a explorar a mina, em escala modesta, lavrando mil toneladas por ano na expectativa de produzir 100 mil onças de ouro anualmente (cada onça tem 31,1 gramas).

Na lenda empresarial que construiu para si e a EBX, Eike não costumava contar essas dificuldades do princípio da TVX, nem a ajuda providencial da veterana Placer Dome; preferia lembrar seus esforços para criar a infraestrutura de La Coipa, com abastecimento de água e energia, transportadas por distâncias superiores a 150 quilômetros. “Havia ali uma jazida com bilhões de dólares em ouro e prata e cujas margens se anunciavam extraordinárias”, lembrou Eike, em seu livro. “Foi um megassucesso sul-americano, o maior êxito de investimento do setor da década de 1980.” Seu sucesso em La Coipa, dizia o ex-marido de Luma, era um “vácuo” em sua carreira, injustamente desconhecido.

La Coipa logo se tornou a principal mina da TVX, mas enfrentou problemas em seu início de operação que obrigaram os proprietários a mudar as máquinas usadas para separar minério e provocaram perdas no balanço da empresa em 1996. Os acionistas, mesmo preocupados, comentavam otimistas, em fóruns de investidores, que a empresa estava prestes a dobrar suas reservas de ouro, aumentando seu valor de mercado. Havia grande esperança com a compra de minas na Grécia, em 1995, na península de Halkidiki, berço do filósofo Aristóteles, no Nordeste do país. Os mapas antigos já mostravam que a região era famosa por suas riquezas na época do macedônio Alexandre, o Grande.

O que nem os acionistas nem os dirigentes da TVX previram foi a coalizão de duas forças da moderna Grécia que afundou os planos da empresa de Eike: a incompetência do governo helênico e a militância dos ecologistas.

É irresistível a tentação de usar a expressão “presente de grego” para definir o mimo feito pela TVX aos acionistas com seu investimento na terra de Aristóteles. O Estado grego, que havia estatizado a mina, vendeu-a à TVX, mas se viu às voltas com violenta pressão da população local e uma série de manifestações populares, iniciada por seiscentos moradores da vila de Olímpia. Reprimidos militarmente em seu país, os militantes gregos estenderam sua atuação à imprensa internacional, investidores e bancos, abalando a imagem da companhia.

Em 2000, aliados a ambientalistas alemães, os gregos conseguiram convencer o Deutsche Bank a desistir de financiar a TVX no projeto e levaram a Comissão Europeia a vetar o subsídio estatal de 35% do total de investimento assegurado à empresa de Eike para as minas de Halkidiki. Afinal, em 2002, a Suprema Corte grega decidiu que a TVX não poderia explorar as minas.

As ações da TVX, que alcançaram seu pico em US$ 14 em 1995, com a compra das minas gregas já estavam em US$ 11 em 1997. Nesse ano, acionistas, mesmo preocupados, diziam haver subvalorização da empresa e acreditavam em uma recuperação.

Havia quem apostasse em alta para além de US$ 16 por ação — afinal, com o tamanho das reservas de ouro anunciadas pelos dirigentes da companhia, havia muito espaço para subirem as cotações. Anos mais tarde, esse jogo do contente se repetiria entre acionistas da OGX, empresa de petróleo de Eike. O investidor bem-sucedido costuma ter informações que o mercado desconhece e se aproveita delas; o malsucedido não acredita nas informações que todos têm, imagina saber o que outros não sabem, ri da manada e costuma ser atropelado pela realidade.

A epopeia grega da firma dirigida por Eike somou-se a dificuldades incontornáveis também com minas compradas na Rússia. Como resultado, os acionistas foram obrigados a assistir a um mergulho homérico nas cotações da TVX.

Em 2001, as perdas da empresa somaram quase US$ 150 milhões e, no ano seguinte, os interessados na empresa não aceitavam pagar mais que US$ 0,30 por ação original da TVX, que, entre o primeiro trimestre de 2001 e janeiro de 2002, perdeu 90% de seu valor nas bolsas. Os ativos da empresa — seu patrimônio em bens, créditos e outros valores — haviam despencado de pouco mais de 800 milhões de dólares canadenses, em 1997, para um valor pouco superior a 400 milhões, em 2001. A TVX, em situação delicada, foi vendida para outra companhia do setor, a Kinross Gold, por um valor estimado em 875 milhões de dólares canadenses, algo em torno de US$ 560 milhões.

Eike, que uma década antes fizera fama ao negociar uma parceria breve e lucrativa com a canadense Inco, grande mineradora de níquel, não ficou na TVX para ver a tragédia: em 2001, foi apeado do comando da empresa, e deixou a sociedade, levando no bolso, segundo garante, um generoso bilhão de dólares pela sua parte em minas e outros ativos. Deixou para trás os investimentos que havia encorajado a TVX a adquirir, alguns deles produtivos até hoje; outros, como a operação na Grécia, responsáveis por enorme queda nas ações da companhia, após a grande valorização alimentada por sonhos de futuras riquezas nunca concretizadas. No setor, há quem desconfie da cifra bilionária mencionada por Eike. Ex-colaboradores afirmam que sua riqueza somava menos de um terço disso após sair da TVX.

Ao falar de suas aventuras com ouro, Eike gabava-se de sua “expertise em adquirir negócios mal-administrados e fazer jorrar riqueza”. Não comentava que seus equívocos foram mais que suficientes para afundar os acertos.

O empresário tinha razão em dizer que havia um “vácuo” de conhecimento no Brasil sobre sua carreira antes do estrelato como celebridade ao lado da mulher-modelo de quem se divorciou em 2004. Mas ele deveria agradecer à imprensa nacional por esse desconhecimento, que lhe permitiu vender como êxito os primeiros atribulados passos do grupo EBX.

Sem dúvida, a TVX foi um grande sucesso, mas de propaganda. De fato, traz em sua história marcas do império EBX: de um lado, a ousadia de lançar projetos ambiciosos; mas, de outro, a capacidade de entusiasmar investidores, nos bancos e nas bolsas, com o anúncio de reservas valiosas que, afinal, frustram as expectativas. Foi o que se passou no mercado de ouro, há mais de dez anos, e no de petróleo e gás, mais recentemente.

“Entre 1980 e 2000, o empreendedor criou US$ 20 bilhões em valor com a implantação e operação de oito minas de ouro no Brasil e no Canadá (Amapari, Casa Berardi, Crixás, Musselwhite, New Britania, Novo Astro, Novo Planeta e Paracatu) e uma mina de prata no Chile (La Coipa)”, reza, até hoje, a história oficial no site da EBX na internet, omissa em relação à queda da primeira empresa de grande porte e alcance internacional do empresário.

Outra marca na história da TVX que se repetiria no futuro das empresas X: a capacidade de seu comandante de esquecer rapidamente o fracasso e partir para outra. Só em agosto de 2013 seria publicada no Brasil uma versão diferente da oficial sobre a companhia mineradora, em reportagem no jornal O Estado de S. Paulo, dos jornalistas Alexa Salomão e Fernando Scheller com o título: “A ascensão e queda da TVX Gold, a primeira empresa de Eike Batista.”

Após conversa com especialistas de mercado no Canadá, onde a TVX é mencionada como um fiasco empresarial, os jornalistas lembraram que o projeto de expansão promovido por Eike, a partir de 1995, foi anunciado como um salto capaz de elevar a TVX ao grupo das seis maiores mineradoras das Américas, antes do ano 2000, com US$ 480 milhões em investimentos na Europa, no Canadá, nos Estados Unidos, no Peru e no Equador. Os jornalistas resgataram uma entrevista de Eike na época em que um dos raros meios de comunicação a acompanhar seus passos era o extinto jornal financeiro Gazeta Mercantil, em que ele anunciou seus planos de usar a boa reputação da TVX para obter US$ 400 milhões com investidores privados. O jornal calculava em US$ 1,2 bilhão o valor da empresa no mercado de valores e reproduzia o anúncio de Eike, de que elevaria esse número a US$ 3 bilhões até 1998. Provavelmente os repórteres confundiam dólares canadenses com dólares americanos, que valiam quase o dobro.

Eike evitou, quando pôde, lembrar as condições nada lisonjeiras em que deixou sua primeira empresa X. Outras iniciativas dessa época, porém, de tão conhecidas no Brasil, não puderam ganhar uma versão cor-de-rosa. Parte marginal da história da EBX, houve ramificações do grupo na área automotiva e de encomendas expressas, e Eike canalizaria sua conhecida prodigalidade também para uma aventura no ramo dos cosméticos, em uma empresa criada para agradar Luma de Oliveira. Nas três iniciativas, teve péssimos resultados e deixou prejuízos para clientes ou associados.

Falta de conhecimento do mercado, otimismo excessivo em relação aos possíveis resultados e incapacidade de atender às promessas, feitas não raramente para atrair consumidores ou investidores, todos esses defeitos que se mostrariam de forma dramática no colapso do grupo EBX estiveram por trás dessas iniciativas, que evidenciam o voluntarismo de seu idealizador, como mostraremos no próximo capítulo.