11
Conforme visto no capítulo anterior, as práticas abusivas introduzidas pelos fornecedores no mercado de consumo não se resumem ao rol do art. 39 do CDC, mesmo porque a utilização da expressão “dentre outras” deixou bem clara a natureza de rol exemplificativo dos comportamentos ali elencados.
Assim, qualquer prática caracterizada pela desconformidade com os padrões de boa conduta para com os consumidores será considerada abusiva, como é o caso da cobrança indevida de dívidas, cuja disciplina no Código de Defesa do Consumidor será a seguir analisada.
■ 11.2. A DISCIPLINA DA COBRANÇA DE DÍVIDAS NO CDC
■ 11.2.1. A forma adequada de cobrança de dívidas do consumidor à luz da interpretação sistemática do CDC
Prevê o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 42 o seguinte: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
Da forma como consta da redação do citado dispositivo, o consumidor está bem protegido no tocante à abordagem que lhe é feita quando da cobrança de dívidas, mas, por outro lado, passa-se a impressão de que o fornecedor não poderá mais exercer qualquer método para cobrar o que lhe é devido, pois determina a lei que o consumidor inadimplente não será:
■ exposto a ridículo;
■ submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Nesse contexto, concordamos com Herman de Vasconcellos e Benjamin[1] ao atrelar a interpretação do art. 42 do CDC ao art. 71 do mesmo diploma, que estabelece como crime de consumo:
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.
Assim, o CDC considera como infração penal a prática das seguintes condutas típicas utilizadas na cobrança de dívidas pelo fornecedor:
■ ameaça;
■ coação;
■ constrangimento físico ou moral;
■ afirmações falsas, incorretas ou enganosas; ou
■ qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
■ 11.2.1.1. A ameaça como forma inadequada de cobrança de dívidas
A tipicidade da infração penal de ameaça prevista no CDC não tem a mesma conotação de tipificação restrita do crime de ameaça do Código Penal, ou seja, no Código do Consumidor a sua abrangência é mais ampla.
Não podemos esquecer que estamos utilizando o tipo penal da Lei n. 8.078/90 para definirmos critérios daquilo que consideramos uma forma adequada de cobrar dívidas no mercado de consumo, e não com o objetivo de analisarmos o dispositivo na órbita do Direito Penal.
Em última análise, a ameaça no CDC tem conotação mais ampla quando cotejada com o Código Penal no tocante, a saber, se a forma utilizada pelo fornecedor para cobrar uma dívida de consumo foi lícita ou ilícita, não no âmbito criminal, mas no aspecto de infração civil.
De fato, não há necessidade de a ameaça na cobrança de dívidas se referir a um mal físico, mas sim prometer tornar pública a dívida do consumidor aos familiares ou amigos dele.
Para o conceito do Direito Penal, tal conduta pode não se caracterizar como crime, mas na órbita do Direito do Consumidor será um comportamento abusivo e um verdadeiro exemplo de cobrança indevida por parte do fornecedor.
Por outro lado, o exercício de direitos não será considerado como ameaça para fins de configurar comportamento civilmente ilícito por parte do fornecedor.
Assim, informar de maneira adequada e dentro dos limites do razoável que irá entrar com ação judicial de cobrança em face do consumidor em razão das tentativas frustradas de composição extrajudicial do litígio será considerado conduta lícita, em nossa opinião.
O mesmo raciocínio poderá ser realizado em relação à informação de que o nome do consumidor será incluído no cadastro de inadimplentes.
Sobre o tema, questão relevante consiste em saber se a propositura de ação revisional pelo consumidor é capaz de inibir a mora e, consequentemente, impedir a inclusão do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes. Muitas vezes, o consumidor é cobrado por uma dívida de R$ 100.000,00 (cem mil reais), mas ele acredita que deve apenas R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), razão pela qual não paga o valor cobrado e contrata um advogado que ingressa com uma ação judicial de revisão de contrato.
Nesse contexto, a mora estará inibida? O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o assunto nos seguintes termos do excerto do Recurso Especial 1.061.530/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, da Segunda Seção, publicado no DJe 10-3-2009:
■ ORIENTAÇÃO 4 — INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.
Em resumo, na decisão supracitada, a Segunda Seção do STJ pacificou entendimento pelo regime do recurso repetitivo sobre diversas questões e, quanto à propositura da ação revisional e à licitude ou não da inscrição em cadastro de inadimplentes, assim determinou:
“a abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente:
a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito;
ficar demonstrada que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ;
for depositada a parcela incontroversa ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz”.[2]
E, verificada a cobrança abusiva, restará descaracterizada a mora do devedor. Afastada a mora:
■ é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência;
■ deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente; e
■ não se admite o protesto do título representativo da dívida.
A questão é tão relevante que foi sumulada da seguinte forma: Súmula 380 do STJ — A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.[3]
■ 11.2.1.2. A coação e o constrangimento físico ou moral como formas inadequadas de cobrança de dívidas
A interpretação que deve ser dada ao art. 42, caput, do CDC, no tocante à impossibilidade de o consumidor ser submetido a “qualquer tipo de constrangimento” no momento da cobrança de dívidas, mais uma vez exige o atrelamento ao disposto no art. 71 do mesmo Diploma, ao considerar a coação e o constrangimento físico ou moral como condutas típicas de crime de consumo na Lei n. 8.078/90.
Isto porque todos nos sentimos constrangidos quando somos cobrados de alguma obrigação que está em aberto, e não é este tipo de constrangimento o caracterizador de cobrança indevida nas relações de consumo.
Entendemos que, para configurar a prática abusiva, a cobrança deverá coagir o consumidor a realizar determinado comportamento pelo constrangimento físico (obrigar a assinar uma nota promissória, estando o fornecedor com uma arma na mão, por exemplo) ou pelo constrangimento moral (ameaçando algum familiar do vulnerável da relação de consumo caso a dívida não seja paga).
Por fim, cumpre ressaltar que, conforme visto no Capítulo 3 deste livro, o Superior Tribunal de Justiça não considera constrangimento ao consumidor interromper o serviço público essencial em razão de inadimplemento: “É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta” (Lei n. 8.987/95, art. 6º, § 3º, II) (REsp 363.943/MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Seção, DJ 1º-3-2004).
■ 11.2.1.3. As afirmações falsas, incorretas ou enganosas como formas inadequadas de cobrança de dívidas
Segundo os ensinamentos de Herman Benjamin, a afirmação “falsa é aquela que não tem sustentação em dados reais. É a mentira pura e simples. Exemplos: o cobrador que se diz advogado sem o ser; (...) Já na informação incorreta, a desconformidade é parcial. Há um casamento de verdade e inverdade. Finalmente, informação enganosa é aquela capaz de induzir o consumidor em erro, mesmo que literalmente verdadeira. (...) É informação enganosa aquela cujo suporte material (impresso, por exemplo) traz timbres ou expressões que implicam qualidade ou poder que o cobrador não tem. Assim quando o impresso utiliza brasões do Município, do Estado ou da União, ou qualquer outro símbolo que leve o consumidor a imaginar que se trata de correspondência oficial”.[4]
■ 11.2.1.4. Expor o consumidor a ridículo ou interferir no seu trabalho, descanso ou lazer como formas inadequadas de cobrança de dívidas
A parte final do art. 71 do CDC, ao definir como crime de consumo a cobrança indevida de dívidas em face do consumidor, considerou como conduta típica genérica do fornecedor utilizar “qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”. A contrario sensu, podemos concluir que, existindo justificativa, o fornecedor poderá, no momento da cobrança de dívidas:
■ expor o consumidor a ridículo; ou
■ interferir no trabalho, descanso ou lazer do vulnerável da relação de consumo.
Mas a pergunta que se faz é a seguinte: qual justificativa existiria para expor o consumidor a situações tão vexatórias como as acima elencadas?
Para iniciar a resposta ao pertinente questionamento, trazemos à colação o magistério de Sergio Cavalieri Filho ao ensinar que, na “cobrança de dívida, portanto, há uma linha divisória entre o lícito (exercício regular de direito do credor) e o ilícito. Este ocorrerá quando o credor exceder os limites econômicos, sociais ou éticos (boa-fé) no exercício do seu direito. A cobrança judicial, o protesto do título, a notificação ou, ainda, o telefonema/carta de cobrança, em termos usuais, para o endereço do trabalho ou residencial do consumidor não constituem meios vexatórios. É certo que toda cobrança sempre causa certo constrangimento (ninguém gosta de ser cobrado), mas, por estar acobertada pelo direito, não configura abuso”.[5]
De fato, o CDC não proíbe ligar no trabalho do consumidor ou em sua residência para cobrar uma dívida, desde que se faça de forma adequada e razoável. Muitas vezes, são estes os únicos contatos fornecidos pelo próprio consumidor no momento da celebração de um contrato de consumo.
O que está proibido é ligar para tais locais com o objetivo de humilhar o consumidor, chamando-o, por exemplo, nos seguintes termos: “desejo falar com o inadimplente Fulano de Tal” ou “chame o devedor, Sicrano de tal”. Situações vexatórias como as citadas caracterizam cobrança indevida de dívidas de consumo.
Outro contexto que, por si só, não configura prática abusiva consiste na situação em que o alarme de uma loja de departamento soa na saída do consumidor.
A exposição a ridículo do vulnerável neste caso é evidente, mas vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça que o critério definidor da licitude ou não do aludido comportamento será definido pela forma da abordagem do fornecedor no caso concreto, ou seja: se abordar o consumidor acusando-o de plano de furtar determinado bem, a prática será abusiva; caso a abordagem se faça de maneira adequada e razoável, sem qualquer tipo de acusação inicial, por exemplo, o comportamento será considerado legítimo.
Sobre o assunto, já se posicionou o STJ: “Se soa o alarme e não há indicação de que houve tratamento abusivo de nenhum empregado da loja, no caso, o segurança, sequer objeto da queixa da autora, não se pode identificar a existência de constrangimento suficiente para deferir o dano moral. Para que a indenização por dano moral seja procedente é necessário que haja alguma atitude que exponha o consumidor a uma situação de humilhação, de constrangimento, que o acórdão, neste feito, descartou por inteiro” (REsp 658.975/RS, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T., DJ 26-2-2007).
Realmente, os elevados índices de furto no interior das lojas comerciais fizeram com que os fornecedores passassem a valer-se da tecnologia para garantir a segurança dos demais consumidores, bem como a diminuição dos prejuízos financeiros decorrentes de práticas ilícitas como a citada. Câmeras de vídeo e alarmes fazem cada vez mais parte do cotidiano da sociedade contemporânea e não poderão ser obstados sob a alegação de constrangimento do consumidor.
Por isso, concordamos com o Superior Tribunal de Justiça ao focar na maneira de abordagem como o critério definidor da licitude ou não do comportamento do fornecedor ante a situação de soar o alarme de uma loja comercial na saída do consumidor.
Em resumo, haverá justificativa na exposição do consumidor a ridículo ou na interferência em seu trabalho, descanso ou lazer quando preenchidos os seguintes requisitos de forma cumulativa:
■ necessidade da conduta, isto é, tratar-se do único meio existente em determinado contexto para se cobrar a dívida;
■ abordagem adequada e razoável quando da efetivação da cobrança.
Desta forma, a colocação de sensores e alarme foi a única conduta encontrada pelo fornecedor como forma de segurar seu patrimônio e, existindo adequação e razoabilidade da abordagem do consumidor, legítima será a conduta praticada.
Em razão da viabilidade de algumas condutas e da proibição de outras que Herman Benjamin dividiu os comportamentos na cobrança de dívidas em proibições absolutas — condutas jamais aceitas no mercado de consumo — e proibições relativas — comportamentos aceitos quando justificáveis:
PROIBIÇÕES ABSOLUTAS |
PROIBIÇÕES RELATIVAS |
■ ameaça; ■ coação; ■ constrangimento físico ou moral; ■ informações falsas, incorretas ou enganosas. |
■ exposição do consumidor a ridículo; ■ interferência no trabalho, descanso ou lazer. |
■ 11.2.2. A repetição em dobro do indébito em razão da cobrança indevida
Prevê o art. 42, parágrafo único, do Diploma Consumerista que: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.[6]
O dispositivo legal trata da repetição em dobro do indébito, e duas são as questões principais envolvendo o tema:
■ Basta a cobrança indevida para legitimar a repetição em dobro ou seria necessário o pagamento efetivamente concretizado pelo consumidor?
■ Há necessidade da configuração do dolo — má-fé — para caracterizar a cobrança indevida e legitimar a repetição do indébito pelo dobro ou a culpa na conduta do fornecedor já seria o suficiente?
Apresentaremos na sequência a visão da melhor doutrina, da jurisprudência superior e a nossa opinião sobre os questionamentos ora levantados.
■ 11.2.2.1. Requisito para legitimar a repetição em dobro do indébito: cobrança indevida ou pagamento efetivo?
A doutrina consumerista não é uníssona no entendimento sobre se a cobrança indevida, por si só, seria suficiente para legitimar a repetição do indébito pelo dobro ou se necessário é o pagamento efetivo por parte do consumidor para usufruir tal direito.
Na sequência, as principais manifestações sobre o tema: [7] [8] [9]
■ Herman Benjamin |
“o dispositivo não deixa dúvida sobre seu campo de aplicação primário: ‘o consumidor cobrado em quantia indevida’. Logo, só a cobrança de dívida justifica a aplicação da multa civil em dobro”. Por conseguinte, “não se tratando de cobrança de dívida, mas sim de transferência de numerário de uma conta corrente para outra, injustificável é a condenação em dobro do prejuízo efetivamente suportado pela vítima” (STJ, REsp 257.075, j. 20-11-2001, Rel. Ministro Barros Monteiro).7 |
■ Bruno Miragem |
“Trata-se de regra que regula a ação de repetição de indébito pelo consumidor, a qual estabelece sanção para o fornecedor, correspondente ao exato valor do débito cobrado indevidamente.”8 |
■ Cavalieri Filho |
“A pena é a devolução em dobro da quantia paga em excesso. (...) O consumidor, todavia, só terá direito à devolução em dobro daquilo que efetivamente tiver pago em excesso, não bastando a simples cobrança, como no regime civil.”9 |
■ Rizzatto Nunes |
“Para a configuração do direito à repetição do indébito em dobro por parte do consumidor, é necessário o preenchimento de dois requisitos objetivos: a) cobrança indevida; b) pagamento pelo consumidor do valor indevidamente cobrado. (...) Mas a lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de que o consumidor tenha pago.”10 |
A jurisprudência do STJ é vacilante sobre o tema, ora deixando clara a necessidade do pagamento indevido, ora deixando em aberto tal questão ao aplicar genericamente o disposto no parágrafo único do art. 42 do CDC.[10]
■ Necessidade do pagamento indevido: A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor (REsp 1.032.952/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 26-3-2009).
■ Posicionamento em aberto: “É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, havendo cobrança indevida, é legítima a repetição de indébito” (CDC, art. 42, parágrafo único) (AgRg no AREsp 135.198/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª T., DJe 26-4-2012).
Concordamos com o entendimento que defende a necessidade do efetivo pagamento indevido por parte do consumidor para legitimar a repetição em dobro do indébito, em razão da redação do parágrafo único do art. 42, que vinculou o exercício de tal direito ao montante que o consumidor “pagou em excesso”.
Tal interpretação não exclui o direito do vulnerável da relação de consumo de postular em juízo indenização por danos materiais e/ou morais ante a existência de mera cobrança indevida. Esta poderá fazer com que o consumidor gaste com advogado contratado para intermediar a defesa a tal cobrança ou até pelo fato de sentir-se efetivamente humilhado em decorrência de tal prática abusiva.
■ 11.2.2.2. Requisito para legitimar a repetição em dobro do indébito: comprovação do dolo ou culpa seria suficiente?
Tema relevante consiste em saber se há necessidade de comprovação do dolo, da má-fé do fornecedor na cobrança indevida, ou se a configuração da culpa já seria suficiente para legitimar a repetição do indébito pelo dobro. Isto porque o parágrafo único do art. 42 traz uma ressalva na parte final ao dispor que a cobrança será indevida e a repetição em dobro do indébito admitida, “salvo hipótese de engano justificável”.
O que seria, em última análise, o tal engano justificável? Abrangeria em seu conceito o engano decorrente de culpa?
Inicialmente, a posição da doutrina consumerista:[11] [12] [13]
■ Bruno Miragem |
“É de perceber que não se exige na norma em destaque, a existência de culpa do fornecedor pelo equívoco da cobrança. Trata-se, pois, de espécie de imputação objetiva, pela qual o fornecedor responde independente de ter agido ou não com culpa ou dolo. Em última análise, terá seu fundamento na responsabilidade pelos riscos do negócio, no qual se inclui a eventualidade de cobrança de quantias incorretas e indevidas do consumidor.”11 |
■ Herman Benjamin |
“Se o engano é justificável, não cabe a repetição. No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição. O engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa. É aquele que, não obstante todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se.”12 |
■ Cavalieri Filho |
“Por último, e esta é a mais importante diferença, o Código Civil exige má-fé do credor. (...) No Código de Defesa do Consumidor, a pena pela cobrança indevida é bem mais rigorosa porque basta a cobrança indevida; não exige a má-fé. Para se eximir da pena terá o fornecedor (credor) que provar o engano justificável, e este só ocorre quando não houver dolo ou culpa.”13 |
Corroboramos com o pensamento da doutrina apresentada de que a conduta culposa na cobrança indevida já seria suficiente para legitimar a repetição do indébito pelo dobro.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou ao longo de muitos anos pela necessidade da comprovação do dolo, da má-fé do fornecedor para legitimar a repetição do indébito pelo dobro.
Nesse sentido, vale lembrar o Acórdão acima colacionado ao expressar o posicionamento de que: “A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. Não reconhecida a má-fé da recorrida pelo Tribunal de origem, impõe-se que seja mantido o afastamento da referida sanção, (...)” (REsp 1.032.952/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 26-3-2009).
No entanto, cumpre destacar que, em julgados mais recentes, o STJ vem entendendo que o engano só é considerado justificável quando não decorrer de dolo ou culpa na conduta do fornecedor:
ADMINISTRATIVO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. PERÍODO DE ABRIL DE 2005 A DEZEMBRO DE 2007. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. ERRO JUSTIFICÁVEL. PRESENÇA. AFASTAMENTO DA PENALIDADE.
1. A verificação do período em que se pretende a restituição de valores cobrados indevidamente pela concessionária de energia elétrica, demanda análise do suporte fático-probatório dos autos, considerando que o Tribunal de origem expressamente consignou que a cobrança em excesso somente decorreu no período de abril de 2005 a dezembro de 2007. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. Quanto à possibilidade de restituição em dobro do valor cobrado indevidamente, a jurisprudência desta Corte entende que “o engano, na cobrança indevida, só é justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do fornecedor do serviço” (REsp 1.079.064/SP, 2ª T., Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 20-4-2009).
3. Na espécie, conforme premissas fáticas formadas nas instâncias ordinárias, trata-se de erro justificável, uma vez que a cobrança de valores se deu de acordo com o percentual oferecido pela agência reguladora, não sendo cabível, pois, a imposição da penalidade prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC.
4. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido (REsp 1.210.187/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 3-2-2011).
Portanto, erro justificável que não legitima a repetição em dobro, mas apenas a restituição simples, é aquele escoimado de comportamento doloso ou culposo por parte do fornecedor. Mas quais seriam os exemplos de erro justificável e quais casos não se enquadrariam nesse conceito? Esquematizamos o assunto da seguinte forma: [14] [15]
ERRO JUSTIFICÁVEL |
ERRO NÃO JUSTIFICÁVEL |
■ Decorrente de vírus no computador, mau funcionamento da máquina, de demora do correio na entrega de retificação da cobrança original.14 |
■ Decorrente de manuseio pessoal do computador.15 |
■ A cobrança indevida de tarifa de água decorrente do enquadramento incorreto do consumidor no regime de economias em razão de interpretação equivocada de decreto estadual (STJ, AgRg no AREsp 125.900/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 2ª T., DJe 30-5-2012). |
■ Erro no cálculo elaborado pelo empregado do fornecedor.16 |
■ 11.2.2.3. Prazo prescricional para postular a repetição em dobro do indébito[16]
Conforme estudado no Capítulo 3 deste livro, quando da análise do tema Serviço Público e incidência do CDC, analisamos a Súmula 412 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê: “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”.
E o grande questionamento sobre o tema é: por que não foi aplicado o prazo prescricional do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o serviço público de fornecimento de água e coleta de lixo é remunerado por tarifa e, logo, objeto da relação jurídica de consumo?
A resposta é dada pelo próprio STJ, mais uma vez no julgamento do Recurso Especial 1.032.952: “A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie. Ante a ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil”.
■ 11.2.3. Informações obrigatórias nos documentos de cobrança
A finalização deste capítulo não poderia dar-se sem uma breve análise sobre o disposto no art. 42-A, que foi inserido ao Código de Defesa do Consumidor no ano de 2009 pela Lei n. 12.039. Prevê o aludido dispositivo: “Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas — CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica — CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente”.
São informações imprescindíveis para identificar o fornecedor que realizou a prática abusiva da cobrança indevida e para responsabilizá-lo na esfera civil, administrativa e penal.
1. (CESPE — 2011 — TRF — 2ª Região — Juiz) Assinale a opção correta com relação ao direito do consumidor.
a) É legal a suspensão no fornecimento de energia elétrica nos casos de dívidas contestadas em juízo e decorrentes de suposta fraude no medidor, não configurando o fato constrangimento ao consumidor que procure discutir no Poder Judiciário débito potencialmente indevido.
b) A jurisprudência do STJ é unânime no sentido de estar a devolução em dobro condicionada à existência de má-fé ou de culpa do fornecedor na cobrança pelo preço das mercadorias ou serviços, não sendo devida a devolução por simples engano justificável.
c) A jurisprudência do STJ tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade.
d) Não se aplica o CDC aos casos de indenização por danos morais e materiais por má prestação de serviço em transporte aéreo, que são regulados por norma específica no ordenamento jurídico brasileiro.
e) A jurisprudência do STJ sedimentou-se no sentido da possibilidade de inversão do ônus da prova em hipóteses que versem acerca de saques indevidos em conta bancária, desde que haja o reconhecimento da hipossuficiência técnica do consumidor e da verossimilhança das alegações.
Resposta: “c”. Nos termos do entendimento majoritário do STJ, como na decisão proferida no REsp 476.428/SC: “Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto” (REsp 476.428/SC, Rel. Nancy Andrighi, j. 19-4-2005, DJ 9-5-2005). A letra “a” está errada, pois o STJ entende que não é possível a interrupção nesses casos, conforme posicionamento firmado no REsp 793.422/RS: “Hipótese em que não há respaldo legal para a suspensão do serviço, pois tem por objetivo compelir o usuário a pagar multa por suposta fraude no medidor e diferença de consumo apurada unilateralmente pela Cia. de Energia” (REsp 793.422/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª T., DJ 17-8-2006). A alternativa “b” está errada, uma vez que não há unanimidade sobre a necessidade ou não do dolo na cobrança indevida para legitimar a repetição do indébito pelo dobro, segundo analisado no decorrer deste capítulo, e porque a devolução simples é imprescindível em caso de existência de engano justificável, sob pena de caracterizar enriquecimento ilícito. A assertiva “d” equivoca-se, pois o STJ entende pelo prevalecimento do CDC sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica (regulador do transporte aéreo nacional) e da Convenção de Varsóvia/Montreal (reguladora do transporte aéreo internacional) — como o fez no julgamento do REsp 740.968/RS: “Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece, para efeito indenizatório, a tarifação prevista tanto na Convenção de Varsóvia, quanto no Código Brasileiro de Aeronáutica, segundo o entendimento pacificado no âmbito da 2ª Seção do STJ. Precedentes do STJ” (REsp 740.968/RS, 4ª T., Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 12-11-2007). A falha da alternativa “e” é que basta a demonstração da hipossuficiência ou da verossimilhança nas alegações para ocorrer a inversão nos termos do art. 6º, inciso VIII, do CDC, ou seja, é necessária apenas a presença de um dos dois requisitos citados, e não a soma de ambos, como colocado pelo examinador.
2. (PUC-PR — 2011 — TJ-RO — Juiz) O fornecedor, ao cobrar supostos débitos do consumidor, o faz mediante a cobrança via telefone ao trabalho do consumidor, exigindo que este pague por uma dívida vencida e paga, que vem sendo cobrada reiteradamente por dois meses consecutivos. Sobre a cobrança de dívidas, assinale a única alternativa CORRETA.
a) Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas — CPF — ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica — CNPJ — do fornecedor do produto ou serviço correspondente.
b) O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, ainda que o fornecedor demonstre o engano justificável.
c) Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente poderá ser cobrado em qualquer situação, inclusive em seu local de trabalho, horário de descanso ou lazer.
d) É permitido ao fornecedor utilizar, na cobrança de dívidas, qualquer procedimento inclusive de correspondências eletrônicas e telefonemas dirigidos ao empregador do consumidor, por meio do departamento de recursos humanos.
e) Os apontamentos negativos nos cadastros e bancos de dados referentes ao inadimplemento do consumidor são permitidos até o período de três anos.
Resposta: “a”. Nos termos do art. 42-A do CDC. A alternativa “b” está errada, pois diante de engano justificável não há falar em repetição do indébito pelo dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC). A letra “c” equivoca-se, uma vez que a cobrança nos termos citados sem justificativa pode caracterizar a infração penal prevista no art. 71 do CDC. A alternativa “d” está errada pelos mesmos motivos da assertiva anterior. Por fim, a alternativa “e” está errada na medida em que o prazo máximo no qual o nome do consumidor ficará disponível no cadastro de inadimplentes será de cinco anos (art. 43, § 1º, do CDC). Sobre o tema, cumpre relembrar o teor da Súmula 323 do STJ: “A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”. Isto é, na visão do STJ, a “prescrição a que se refere o art. 43, § 5º do Código de Defesa do Consumidor é o da ação de cobrança e não o da ação executiva” (REsp 472.203/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Bar, Segunda Seção, DJ 29-11-2004).
3. (FGV — 2008 — Senado Federal — Advogado) De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a cobrança indevida acarreta o direito de o consumidor:
a) obter indenização correspondente ao dobro do valor cobrado indevidamente, independente do efetivo pagamento.
b) ser restituído do valor pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, na hipótese de engano justificável do credor.
c) receber pagamento em dobro do valor demandado, salvo a hipótese de justificável engano do credor.
d) pleitear indenização por perdas e danos materiais e morais, fixada pela lei no valor igual ao dobro do que foi indevidamente cobrado.
e) ser indenizado por perdas e danos materiais e morais somente nos casos em que o consumidor prove o efetivo pagamento do valor indevido.
Resposta: “b”. Nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Percebam que, se não houve engano justificável, a repetição do indébito ocorrerá pelo dobro, acrescido de correção monetária e de juros legais. Havendo justificativa, restitui-se apenas aquilo que foi pago em excesso, acrescido de juros legais e correção monetária. A alternativa “a” está errada, pois o citado dispositivo legal prevê a repetição em dobro daquilo que pagou em excesso. O mesmo fundamento vale para motivar a falha das alternativas “c” e “d”. Nestes casos, a repetição é calculada com base no valor pago, e não no valor demandado ou indevidamente cobrado. Por fim, a assertiva “e” equivoca-se, pois é necessário comprovar a cobrança indevida, e não apenas o seu pagamento equivocado.
4. (FGV — 2012 — OAB — Exame de Ordem Unificado — 3 — Primeira Fase) A empresa Cristal Ltda., atendendo à solicitação da cliente Ruth, realizou orçamento para prestação de serviço, discriminando material, equipamentos, mão de obra, condições de pagamento e datas para início e término do serviço de instalação de oito janelas e quatro portas em alumínio na residência da consumidora.
Com base no narrado acima, é correto afirmar que
a) o orçamento terá validade de trinta dias, independentemente da data do recebimento e aprovação pela consumidora Ruth.
b) Ruth não responderá por eventuais acréscimos não previstos no orçamento prévio, exceto se decorrente da contratação de serviço de terceiro.
c) o valor orçado terá validade de dez dias, contados do recebimento pela consumidora; aprovado, obriga os contraentes, que poderão alterá-lo mediante livre negociação.
d) uma vez aprovado, o orçamento obriga os contraentes e não poderá ser alterado ou negociado pelas partes, que, buscando mudar os termos, deverão fazer novo orçamento.
Resposta: “c”. Conforme o disposto no art. 40, §§ 1º e 2º, do CDC. A alternativa “a” está errada, pois o prazo de validade do orçamento será de dez dias, nos termos do art. 40, § 1º, do CDC. Ruth não responderá pelos acréscimos não previstos no orçamento, segundo prevê o art. 40, § 3º, do Código do Consumidor, razão pela qual está errada a alternativa “b”. A letra “d” está errada, uma vez que o orçamento poderá ser alterado pela livre negociação entre as partes (art. 40, § 2º, do CDC).
5. (CEPERJ — 2012 — PROCON-RJ — Agente) Determinado fornecedor, irritado diante do demorado tempo de pagamento de dívida contraída por seu consumidor Creso, contrata uma banda de música para, a partir das seis horas da manhã, comparecer ao prédio onde reside o devedor e cantar músicas que exaltam a inadimplência, salientando o nome do devedor ao final das canções apresentadas.
Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, é correto afirmar:
a) Métodos pouco ortodoxos de cobrança são admitidos, como o aqui citado.
b) A cobrança deve ocorrer discretamente, buscando o credor preservar a dignidade do devedor.
c) Credor e devedor são livres para estabelecer os métodos de cobrança possíveis em relações contratuais.
d) O consumidor que for cobrado em quantia devida, deve receber o valor em dobro.
e) Havendo cobrança indevida, o devedor receberá o valor devido em quádruplo, acrescido de juros.
Resposta: “b”. Como ensina o CDC, o fornecedor tem direito ao seu crédito, fruto de uma relação de consumo, e para recebê-lo poderá cobrar o consumidor inadimplente; todavia, esta cobrança deverá ser de forma comedida, e moderada, sem abuso de seu direito de crédito. Assim o CDC reza em seu art. 42. A alternativa “a” é errônea, já que o fornecedor não pode se valer de meios que exponham o consumidor a ridículo, como o citado na questão, independente de ser incomum ou não. A alternativa “c” é errada, já que os pactuantes da relação de consumo devem seguir as regras estipuladas do CDC, principalmente para cobrança de eventuais dívidas, não podendo se exceder ou violar direitos de ambas as partes, principalmente do consumidor, parte mais vulnerável. A “d” erra, pois, ao consumidor cobrado em quantia devida e adequadamente, apenas resta pagar, e não ser ressarcido em dobro, o que sem dúvida ocasionaria um enriquecimento sem causa. Por fim, a alternativa “e” é inverídica, pois não há forma de ressarcimento em quádruplo prevista expressamente em nosso CDC, contrariando o Código, que prevê o ressarcimento em dobro.
6. (CESPE — 2011 — IFB — Professor — Direito) Julgue os itens a seguir, a respeito da prevenção e da reparação dos danos causados aos consumidores.
Caso uma concessionária de serviços públicos cobre a tarifa de esgoto de certo condomínio de forma dissimulada, na conta de água, sem a devida prestação dos serviços, haverá cobrança abusiva, mas não enseja a repetição do indébito.
( ) certo ( ) errado
Resposta: “errado”. Tal prática é considerada nitidamente como abusiva, uma vez que feita às escuras e sem o fornecimento do serviço prestado, o que acaba por ocasionar, como ensina o CDC em seu art. 42, uma cobrança indevida e o direito de repetição do indébito em dobro ao consumidor. Logo, além de prática abusiva, também gera o ressarcimento em dobro pelo indébito daquilo que foi pago em excesso. Este também é o posicionamento do STJ: “No que toca à apontada ofensa ao art. 42, parágrafo único, do CDC, esta Corte já apreciou casos análogos, nos quais restou assentada a obrigatoriedade de a CEDAE restituir, em dobro, o valor indevidamente cobrado, uma vez que não configura engano justificável a cobrança de taxa de esgoto em local onde o serviço não é prestado” (REsp 821.634/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, j. 11-3-2008).
7. (CESPE — 2008 — INSS — Técnico) Acerca dos direitos dos usuários de serviços públicos, julgue os itens subsequentes.
Considere-se que uma empresa de águas e esgotos, em procedimento de cobrança de dívida, depois de fazer ameaças a um consumidor, decida deixar de recolher parte dos esgotos produzidos na moradia desse cidadão. Nessa situação, o consumidor pode, com base no Código de Defesa do Consumidor, alegar que foi exposto a constrangimento.
( ) certo ( ) errado
Resposta: “certo”. O Código de Defesa do Consumidor veda em seu art. 42 a exposição do consumidor a constrangimento, ameaça ou ridículo na cobrança de dívidas. Assim, o fornecedor não pode se valer de seu poder de superior na relação de consumo para constranger o consumidor, sendo uma forma de prática abusiva, vedada pelo CDC. Também é indevida a prática de multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades autônomas. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema: “O Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento de não ser lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local” (REsp 1.166.561/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 5-10-2010).
1 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 268.
2 Notícia do Informativo de Jurisprudência do STJ n. 373, de 20 a 24 de outubro de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/toc.jsp?livre=CDC+a%E7%E3o+revisional+mora&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 11 jul. 2012.
3 Outras súmulas do STJ oriundas dos posicionamentos consolidados no julgamento do Recurso Especial 1.061.530 foram as seguintes: “Súmula 382 — A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”; “Súmula 381 — Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”; “Súmula 379 — Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês”.
4 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 269-270.
5 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 203.
6 O Código Civil traz disposição semelhante ao prever em seu art. 940: “Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”.
7 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 273.
8 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor, p. 209.
9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 203-204.
10 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 578.
11 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor, p. 209.
12 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 274.
13 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 204.
14 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 275.
15 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 275.
16 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, p. 275.