CAPÍTULO 50

26 de novembro de 1722

Montada em cima dele, Clara abraçou-se às costas de Diego, querendo ficar a vida inteira unida a ele, e permitiu que lhe beijasse os seios. Derramou os lábios sobre os do seu esposo, ciente de que não poderia tê-lo durante os meses de gravidez que lhe restavam pela frente, pois o doutor Evaristo avisara-a de que não era prudente manter as relações carnais devido ao risco de provocar um aborto. Clara gemeu, mordendo-lhe os lóbulos das orelhas, e balançou-se em cima dele, sentindo que o desejo se apossara dela desde que Diego lhe desvendara os prazeres da carne.

Embora tivessem quartos separados, não haviam passado uma única noite separados desde o seu casamento. Adorava acordar junto dele e pousar-lhe a orelha no peito até sentir o bater do seu coração como um cavalo a passo, sossegado. Algumas vezes, pela manhã, decidia acordá-lo. Aproveitando-se da mania que Diego tinha de se lhe enredar nos cabelos, aspirando a sua fragrância, Clara, algo malvada, espalhava as madeixas emaranhadas sobre o rosto dele, cobrindo-o até o pobre espirrar devido às cócegas. Às vezes, após passar muito tempo a beijar-lhe a pele, desciam para um banho termal que Diego mandara construir perto do seu quarto nesse verão, banho esse que deixara Dona Mercedes escandalizada, pensando que morreriam a qualquer momento.

– Não imaginas o quanto te amo – dizia-lhe agora Diego, encostando-se às suas nádegas e pernas.

Ela sentiu ainda mais prazer ao deixar-se arrastar pelas suas carícias, que a faziam arquejar intermitentemente. Ele ergueu-se e, tomando-a em suspenso, deixou-se cair suavemente sobre ela, acomodando-se no seu interior. Clara disse-lhe que o amava, como muitas outras vezes, e ele sorriu-lhe com os olhos carregados de desejo, devorando-lhe a pele e os peitos. Sentiu-se mulher, adorada pela ponta dos seus dedos e protegida pelo seu espírito. Sentiu a sua força ao investir, com os olhos presos aos seus e as garras apertadas na carne. Não se importou de sentir prazer, embora alguns médicos a tivessem avisado de que os abortos se produziam porque a mulher sentia prazer na conceção, ou mesmo depois. Santo Deus, algo tão sublime só pode vir da imensa beleza natural criada por Deus, pensara enquanto atingia novamente o clímax. Diego, agarrando-a pelo pescoço, devorou-lhe os lábios, impregnando-se dela até os seus arquejos serem um.

– Deste-me a vida, minha Clara – disse, com a voz embargada.

Ela envolveu-o com as pernas, sentindo que as suas palavras lhe roubavam o fôlego até ocupar todos os espaços do quarto, como se o seu amor e desejo se impregnasse na cal das paredes, no tapete com a cena de caça, no toucador branco, no seu espelho de prata, na escova de cabelo e no dossel esculpido que os cobrira. Assim se embeberam um do outro até que não conseguiram aguentar mais o gozo e caíram derrotados, navegando com os sentimentos colados à pele. Ela arrastou-se até ficar encaixada no seu ombro, e viu-se envolta numa quietude parada no tempo, sob o silêncio cada vez mais sossegado da sua respiração. Diego virou-se e, apoiando-se no cotovelo, ergueu-se para contemplar a sua nudez, brincando com os dedos na pele dos seus seios. Ela puxou-o para si e beijou-o novamente. Ele sorriu, talvez esperando ingenuamente que lhe fizesse uma declaração de amor:

– Da primeira vez que te vi, achei que eras um grosseirão – disse, rindo-se da mudança que as suas palavras haviam provocado no seu rosto. – Um desses nobres orgulhosos e malcriados que se comportam de maneira descortês perante as damas.

Ele esboçou um sorriso pícaro, pois era óbvio que recordava o dia em que a descobrira atrás da porta. Agarrou-a pela cintura e fez-lhe cócegas.

– Mais mal-educada foste tu por espiares as conversas dos outros.

Clara deu uma gargalhada. Ele puxou-a para si e parou, cravando os olhos nela até que a sua devoção a percorreu por inteiro. Ficaram em silêncio, acariciando-se mutuamente, entrelaçando e brincando com os dedos sem dizer uma palavra. Não soube quanto tempo se contemplaram como dois jovens amantes que acabam de se descobrir.

Passado algum tempo, Diego propôs-lhe que tomassem um banho juntos, seguido de pequeno-almoço e de uma saída a cavalo. Já no início do ano fora conseguindo superar aos poucos a sua doença nervosa, até à chegada da mãe. A sua aparição em Castamar fora um bálsamo para ela, pois fora a correr recebê-la ao frontispício sem sequer se dar conta. Desde então, conseguira sair para os espaços abertos sem sofrer um episódio, voltar a cavalgar e dar longos passeios pelos canteiros. Às vezes, fazia-se acompanhar nas longas caminhadas pelo senhor Casona, com as suas tranquilas conversas sobre botânica. A tudo isto, juntou-se a imensa alegria que a invadiu quando a sua irmã Elvira e o marido, Ramiro de la Riva, apareceram na quinta antes de serem enobrecidas. Não sentia uma felicidade assim desde os dias em que o pai era vivo.

– Vamos passear? – perguntava-lhe agora Diego.

– Um bom plano – confirmou ela, beijando-lhe os lábios –, porque, além disso, a minha mãe virá visitar-nos esta tarde e preparar-te-emos algo especial.

Ele assentiu com gosto, pois aquilo fazia parte do silencioso pacto que haviam assinado ao casar.

Clara sabia que qualquer marido, e sobretudo um que fosse ilustre, teria tentado evitar que estivesse entre vapores de alhos, cebolas, assados e fritos, mas ela não teria aceitado nenhum casamento sem ter a certeza de que o marido compreendia a sua necessidade, pois, caso assim não fosse, uma vez casados, este teria poderes para lho recusar. Com Diego, nem fora preciso falar nisso, dera-se como certo desde o início. Ele jamais a obrigaria a abandonar a cozinha, não só porque o seu estômago se via recompensado, mas também porque só desejava a sua plena felicidade. Não obstante, Clara não gozava apenas desse privilégio, havia outros que a tinham deixado imensamente feliz: o prazer de visitar sempre que quisesse a enorme biblioteca de Castamar, de assistir às representações nos teatros ou no Coliseu, de ter a sua própria capela musical, de não se preocupar com o dinheiro ao comprar todo o tipo de livros ao senhor Bernabé, de visitar, a convite de Suas Majestades, as obras que estavam a ser realizadas no Real Sitio de San Ildefonso…

Era verdade que nem tudo fora assim tão agradável. Desde que Suas Majestades os Reis tinham decidido outorgar às Belmonte a baronia de Pleamar em reconhecimento pela morte de seu pai, Clara vira-se integrada num mundo diferente, mais preocupado com as relações sociais e a proximidade ao rei. A futilidade dos pensamentos que rodeavam as damas ilustres da corte – se se usava tal vestido importado de França ou se tinham tantos criados – acabara por fazê-la fingir interesse. Era um mundo que lhe era estranho, com preocupações insignificantes para o seu gosto, sobretudo quando os súbditos reais viviam miseravelmente entre os campos e as cidades do reino. Por isso compreendeu, ao servir como dama dos infantes, que o melhor que se podia fazer na corte era manter um papel discreto e com uma certa distância.

Após serem enobrecidas, Diego propôs a Clara que a sua mãe vivesse em Castamar durante todo o tempo que desejasse, para compensar a longa ausência que sofria há anos. Não para de se preocupar comigo, pensara ela. Só sabe contentar-me. Assim, a mãe de Clara ficou a viver com eles até ao final do verão. Como um baluarte, Dona Mercedes ficara junto à sua progenitora, apresentando a sua consogra às relações sociais da corte, espantando os oportunistas que viam nela uma viúva rica e apresentando-a aos cavalheiros e damas honrados, entre os quais jamais teria tido lugar alguém como o seu tio Julián Belmonte.

Já antes do casamento, Diego decidiu convidar propositadamente o tio Julián Belmonte, um arrivista que apareceu comportando-se com o maior dos oportunismos, afirmando ser um parente chegado da futura duquesa. Com os seus modos hipócritas, não só enganara o pobre Dom Melquíades como se apresentara diante de Diego demonstrando publicamente a sua preocupação com o bem-estar da família, da qual, segundo ele, havia perdido o rasto e que há muito tempo procurava. Diego, que o esperava, ordenara ao escrivão de Castamar que investigasse o morgadio que a família Belmonte perdera aquando da morte do pai. O senhor Graneros não tardou a aparecer com notícias muito promissoras. O lerdo tio Julián não podia imaginar que a sua visita acabaria por ser um desastre para ele.

Acompanhados por um dos seus estribeiros, Diego e ele foram a cavalo até aos limites de Castamar.

– É minha intenção fazê-lo ascender socialmente para que esteja à altura do resto da família – disse-lhe Diego.

– Sinceramente, Excelência – respondeu o tio Julián –, isso é algo que não mereço.

– É claro que sim. Além do mais, compreendo bem a preocupação que deve ter tido de suportar ao não saber nada da sua família.

– Foi uma das piores épocas da minha vida. Cheguei a pensar que nunca mais as veria – afirmou o tio.

– Sendo assim, querido parente – respondeu Diego com um sorriso –, não verá qualquer inconveniente em devolver à sua sobrinha Clara o morgadio que herdou aquando da morte do seu irmão, pois, sendo ela agora baronesa de Pleamar, é seu por direito.

– Como diz, Excelência? – perguntou ele, empalidecendo.

– Não conhecia, porventura, essa cláusula do testamento? Declara que todas as propriedades incluídas na herança passariam de forma prioritária para as mãos do ascendente mais próximo… a não ser que o primeiro descendente da família, ainda que fosse mulher, se enobrecesse. – Diego perscrutou-o, sorridente.

O tio Julián, que já se via entre a alta aristocracia, compreendeu que seria despojado do morgadio.

– Desconhecia tal cláusula – disse, aterrorizado, numa tentativa procaz de evitá-lo –, terei de reler o testamento para me informar devidamente.

Diego parou o cavalo e fitou-o, de cenho franzido.

– Como diz? – perguntou. – Duvida da minha palavra?

Sem saber que explicação dar, o tio Julián começou a tartamudear e Diego aproximou-se dele, intimidatório.

– Oiça com atenção, tio – disse. – Eu mesmo controlarei a sua generosidade para com a sua sobrinha, não vá ter de tomar outro tipo de medidas. Acredite que, caso assim seja, falarei da sua falta de compaixão para com as filhas e a viúva do seu irmão, e duvido muito que possa ganhar a vida no reino de Espanha.

Depois disso, o morgadio foi passado para Clara, que pôde finalmente regressar à casa que amava. Do tio Julián, não souberam muito mais, exceto que efetivamente ninguém quis contratá-lo como legista, tendo acabado por se exilar em França, mais pobre que um rato de igreja.

Já no outono, após ter-se despedido tristemente da sua irmã Elvira e do seu marido músico, a mãe de Clara partira para a sua casa de toda a vida. Dona Mercedes retirou-se também com discrição e só em certas ocasiões, a pedido filial, regressava a Castamar, como faria nessa mesma tarde.

Após o seu passeio sob um sol pálido e um céu limpo, Clara ficou lá fora nos canteiros, caminhando entre eles enquanto trauteava uma pequena toadilha. O senhor Casona, que carregava nas suas grandes mãos uns vasos dentro de vários baldes, parou para a cumprimentar. Após trocar com ele algumas palavras amáveis, deixou-o prosseguir com os seus labores para se perder entre corredores ajardinados.

Chegou finalmente a um pequeno tanque, recentemente decorado com estátuas de mármore de René Frémin e alguma do escultor do rei, Jacques Bousseau. Aí, sentou-se e pousou a mão no ventre, pensando na vida que crescia dentro de si. Ergueu o olhar, sorrindo ao olhar para a alameda que dava para a entrada do palácio, e imaginou-se de novo no passado, quando chegava a Castamar sob os fardos carregados numa carroça e uma chuva incessante. Fechou os olhos, e essa sua visão desamparada, sem a família e perdida sob a brutalidade do mundo, começou a desvanecer-se, dando lugar a outra mais amável: ela mais velha, com os filhos crescidos, e Diego algo curvado pela idade, a acariciar-lhe o rosto e sussurrando-lhe as mesmas palavras de amor que lhe dizia agora. Soube que essa visão idílica do futuro era apenas uma miragem, e que se em dois anos passara de criada de cozinha a esposa de Dom Diego e duquesa de Castamar, então tudo podia acontecer. Se algo aprendera ao longo da sua penosa passagem pela pobreza era que a vida era imprevisível.

Enquanto refletia sobre o que sucedera nesses dois anos, pegou numa folha seca e deitou-a ao tanque. Ficou ali de pé por alguns segundos e, antes de saber se a folha acabava por se afundar ou se mantinha à tona, virou-se para regressar a casa. A cada passo que dava nessa direção, o medo dos acasos da existência dava lugar a uma tranquila aceitação do inevitável, como se soubesse que a sua vida futura pertencia mais ao reino do imaginário do que ao mundo real.

Ao chegar à sala de leitura do primeiro andar, encontrou o marido sentado na poltrona, com as pernas cruzadas e uma carta em cima de uma das mesas baixas.

– O Alfredo chegou à Florida – disse ele – e está em perfeitas condições.

Clara assentiu com um sorriso, ajoelhou-se e, apoiando a cabeça no regaço de Diego, sentiu como a mão dele lhe acariciava o cabelo. Deixou-se invadir pela extrema sensação de plenitude que esse instante lhe oferecia e desejou com toda a sua alma que essa extrema felicidade jamais pudesse ser-lhe arrebatada. Viu-se então refletida naquela folha que deitara ao tanque, sujeita ao acaso da sua viagem até à água. Então, ancorada ante esse descomunal e indecifrável enigma, compreendeu finalmente que a vida impele cada alma a governar o leme do seu próprio navio, para a tornar consciente de que, sob o mar tempestuoso que é a existência, estará sempre condenada à deriva.