Explosões: um abalo repentino no céu. Primeiro uma, depois outra. Depois, uma dezena, sons rápidos de tiros, fumaça e luz e explosões de cor em um céu azul-claro de fim de tarde.
Todo mundo aplaude quando a série final de fogos de artifício estoura acima do terraço. Meus ouvidos estão ecoando e o cheiro de fumaça faz minhas narinas arderem, mas aplaudo também.
Fred agora é oficialmente prefeito de Portland.
— Hana!
Fred vem em minha direção, sorrindo, as luzes das câmeras o rodeando. Durante os fogos de artifício, quando todo mundo subiu para os terraços do Clube de Golfe de Harbor, ficamos separados. Agora, ele segura minha mão.
— Parabéns — digo. Mais câmeras, clique, clique, clique, com mais uma série em miniatura de fogos de artifício. Cada vez que pisco, vejo uma explosão de cores atrás das pálpebras. — Estou muito feliz por você.
— Feliz por nós, você quer dizer.
O cabelo de Fred, que ele cuidadosamente penteou com gel, foi ficando cada vez mais desgrenhado ao longo da noite e migrou para a frente, uma mecha rebelde caindo sobre o olho direito. Sinto uma onda de prazer. Estes são minha vida e meu lugar: aqui, ao lado de Fred Hargrove.
— Seu cabelo — sussurro.
Ele leva a mão à cabeça e dá tapinhas no cabelo, ajeitando-o.
— Obrigado.
No mesmo momento, uma mulher que reconheço vagamente da equipe do Portland Daily aproxima-se de Fred.
— Prefeito Hargrove — diz ela, e fico emocionada ao ouvi-la se referir a ele assim. — Estou tentando falar com o senhor a noite toda. Tem um minuto…?
Sem esperar a resposta, ela o leva para longe de mim. Ele olha por cima do ombro e diz com movimentos labiais: Sinto muito. Aceno de leve para mostrar que entendo.
Agora que os fogos acabaram, as pessoas voltam para o salão, onde a recepção vai prosseguir. Todos estão rindo e conversando. É uma bela noite, um momento de comemoração e esperança. Em seu discurso, Fred prometeu restaurar a ordem e a estabilidade de nossa cidade e acabar com os simpatizantes e resistentes que se espalharam entre nós — como cupins, disse ele, erodindo lentamente a estrutura básica de nossa sociedade e de nossos valores.
Chega, disse ele, e todos aplaudiram.
Esta é a imagem do futuro: pares felizes, luzes intensas e boa música, roupas chiques e conversa agradável. Willow Marks e Grace, as casas podres de Deering Highlands e a culpa que me obrigou a sair de casa de bicicleta ontem, tudo isso parece um sonho ruim.
Lembro-me do olhar imensamente triste de Willow para mim. Pegaram você também.
Não me pegaram, eu deveria ter dito. Me salvaram.
Os últimos filetes fugidios de fumaça desapareceram. As colinas verdes do campo de golfe são engolidas por sombras roxas.
Por um segundo fico de pé na varanda, saboreando a ordem de tudo: a grama cortada e a vegetação cuidadosamente podada, o dia virando noite e virando dia de novo e de novo, um futuro previsível, uma vida sem dor.
Quando o grupo de pessoas no terraço diminui, troco olhares com um garoto de pé do outro lado. Ele sorri para mim. É familiar, embora por um momento eu não consiga lembrar seu nome. Mas quando ele começa a vir em minha direção, sinto uma onda de reconhecimento.
Steve Hilt. Quase não acredito.
— Hana Tate — diz ele. — Acho que ainda não posso chamá-la de Hargrove, posso?
— Steven.
No verão passado, eu o chamava de Steve. Agora, parece impróprio. Ele mudou; deve ser por isso que não o reconheci a princípio. Quando ele inclina a cabeça na direção da garçonete para colocar na bandeja a taça de vinho vazia, vejo que foi curado.
Mas não é só isso: está gordo, a barriga arredondada sob a camisa de botão, o maxilar se fundindo ao pescoço. O cabelo está penteado para trás, do mesmo jeito que meu pai usa.
Tento me lembrar da última vez que o vi. Deve ter sido na noite da batida em Highlands. Fui à festa mais pela esperança de vê-lo. Lembro-me de ficar no porão semiescuro enquanto o piso tremia ao ritmo da música, o suor e a umidade cobrindo as paredes, o cheiro de álcool e de protetor solar e corpos apertados em um espaço pequeno. E ele encostou o corpo no meu. Era tão magro na época, alto, magro e bronzeado, e deixei que passasse as mãos em minha cintura, debaixo de minha blusa, e ele se inclinou e encostou a boca na minha, abriu meus lábios com a língua.
Eu acreditei que o amava. Ele acreditou que me amava.
E então: o primeiro grito.
Tiros.
Cachorros.
— Você está bonita — disse Steven.
Até a voz dele parece diferente. Mais uma vez, não consigo deixar de pensar em meu pai, na voz tranquila e grave de um adulto.
— Você também — minto.
Ele inclina a cabeça, me lança um olhar que diz ao mesmo tempo Obrigado e Eu sei. Inconscientemente, recuo alguns centímetros. Não acredito que o beijei no verão. Não consigo acreditar que arrisquei tudo, contágio, infecção, por esse garoto.
Mas não. Ele era um garoto diferente na época.
— E então, quando será o evento feliz? No próximo sábado, certo?
Ele coloca as mãos nos bolsos e se balança.
— Na outra sexta. — Pigarreio. — E você? Já foi pareado?
Não me ocorreu perguntar no verão passado.
— Claro. Celia Briggs. Você a conhece? Está na UP agora. Só vamos nos casar quando ela se formar.
Eu conheço Celia Briggs. Ela estudava na New Friends Academy, uma escola rival à St. Anne. Tinha o nariz adunco e uma gargalhada alta e rouca que sempre dava a impressão de que ela estava com uma grave infecção de garganta.
Como se adivinhasse meus pensamentos, Steven diz:
— Ela não é a garota mais bonita do mundo, mas é gente boa. E o pai é chefe da Agência Reguladora, então vamos ficar bem-estabelecidos. Foi assim que conseguimos um convite para esta festa. — Ele dá uma gargalhada. — Nada mau, devo dizer.
Apesar de sermos praticamente as únicas pessoas na varanda agora, sinto-me claustrofóbica de repente.
— Com licença. — Preciso me obrigar a olhar para ele. — Tenho que voltar para a festa. Mas foi ótimo ver você.
— O prazer foi meu — diz ele, e dá uma piscadela. — Divirta-se.
Só consigo assentir. Entro pelas portas de vidro e puxo a barra do vestido, que prendeu em uma farpa na passagem. Mas não paro; dou um puxão com força e ouço o tecido se rasgar. Passo pelo aglomerado de convidados: os integrantes mais ricos e importantes da comunidade de Portland, todos cheirosos e maquiados e bem-vestidos. Conforme ando pelo salão, ouço trechos de conversas, um fluxo constante de sons.
— Vocês sabem que o prefeito Hargrove tem ligações com a ASD.
— Não publicamente.
— Ainda não.
Ver Steven Hilt me desestabilizou por motivos que não consigo entender. Alguém coloca uma taça de champanhe em minha mão. Bebo rapidamente, sem pensar. As bolhas estouram em minha garganta, e preciso prender um espirro. Faz muito tempo que não bebo nada.
As pessoas rodopiam pelo salão, ao redor da banda, dançando pas de deux e valsa com braços rígidos, passos graciosos e definidos: desenhos abstratos se formando, se formando, me deixando tonta só de olhar. Duas mulheres, as duas altas, com a aparência régia das aves de rapina, olham para mim quando passo por elas.
— Garota muito bonita. Aparência saudável.
— Não sei. Ouvi que roubaram na pontuação dela. Acho que Hargrove poderia ter recebido alguém melhor…
As mulheres entram no rodopio dos dançarinos e suas vozes se perdem. Conversas diferentes as encobrem.
— Eles receberam permissão para quantos filhos?
— Não sei, mas ela parece capaz de gerar uma ninhada inteira.
Um calor começa a subir por meu peito e minhas bochechas. Eu. Estão falando de mim.
Olho em busca de meus pais ou da Sra. Hargrove, mas não os vejo. Também não vejo Fred, e tenho um momento de pânico: estou em um salão cheio de estranhos.
É quando percebo que não tenho mais amigos. Imagino que a partir de agora terei que fazer amizade com os amigos de Fred, pessoas de nossa classe e posição, pessoas que compartilham os mesmos interesses. Pessoas como estas pessoas.
Respiro fundo e tento me acalmar. Eu não deveria me sentir assim. Deveria sentir coragem, confiança e indiferença.
— Parece que ela teve alguns problemas no último ano antes da cura. Começou a manifestar sintomas…
— Acontece com muitos deles, não é? É por isso que é tão importante que o novo prefeito se alie à ASD. Todo mundo pode ser curado. É o que eu digo.
— Por favor, Mark, deixe isso pra lá…
Por fim, avisto Fred do outro lado do salão, cercado por um pequeno grupo e com um fotógrafo de cada lado. Tento chegar até ele, mas sou impedida pela multidão, que parece estar aumentando no decorrer da noite. Um cotovelo me atinge na lateral do corpo, me lançando cambaleante contra uma mulher que segura uma taça grande de vinho tinto.
— Com licença — murmuro, e passo por ela.
Ouço um gritinho sufocado e algumas risadinhas nervosas, mas estou concentrada demais em atravessar a multidão para me preocupar com o que atraiu a atenção delas.
Vejo minha mãe vindo em disparada na minha direção. Ela segura meu cotovelo com força.
— O que aconteceu com seu vestido? — murmura ela.
Olho para baixo e vejo uma mancha vermelha se espalhando no peito. Tenho uma vontade imprópria de gargalhar; parece que levei um tiro. Felizmente, consigo sufocar a vontade.
— Uma mulher derrubou em mim — digo, me desvencilhando dela. — Eu estava indo ao banheiro. — Assim que falo isso, sinto alívio: vou ter um descanso no banheiro.
— Então ande logo. — Ela balança a cabeça, como se fosse minha culpa. — Fred vai fazer um brinde daqui a pouco.
— Não vou demorar — digo.
O corredor está bem mais frio; meus passos são absorvidos pelo tapete fofo. Sigo para o banheiro feminino e abaixo a cabeça para evitar contato visual com alguns convidados que passam pelo corredor. Um homem fala alto, com ostentação, ao celular. Todo mundo aqui tem dinheiro. O ar cheira a flores e levemente a fumaça de charuto.
Quando chego ao banheiro, faço uma pausa com a mão na porta. Ouço vozes murmurando lá dentro e uma explosão de gargalhadas.
— Ela vai ser uma boa esposa para ele — diz uma mulher claramente. — O que é ótimo, depois do que aconteceu com Cassie.
— Quem?
— Cassie O’Donnell. O primeiro par dele. Você não lembra?
Fico parada com a mão na porta. Cassie O’Donnell. A primeira esposa de Fred. Não me contaram praticamente nada sobre ela. Prendo a respiração e torço para que continuem a falar.
— Claro, claro. Quando foi mesmo? Dois anos atrás?
— Três.
— Sabe, minha irmã estudou com ela no fundamental — disse outra voz. — Ela usava o nome do meio na época, Melanea. É um nome idiota, não acha? Minha irmã diz que ela era uma vaca. Mas acho que teve o que merecia no final.
— A justiça divina tarda, mas não falha.
Ouço alguém vindo em minha direção. Dou um passo para trás, mas não rápido o bastante. A porta se abre. Surge uma mulher. Ela deve ser um pouco mais velha do que eu e está em estágio avançado de gravidez. Assustada, recua para me dar passagem.
— Você ia entrar? — pergunta, em tom agradável.
Ela não demonstra sinal algum de desconforto ou constrangimento, apesar de provavelmente desconfiar que ouvi a conversa. Seu olhar desce para a mancha em meu vestido.
Atrás dela, duas mulheres em frente ao espelho me observam com a mesma expressão de curiosidade e divertimento.
— Não — digo, e então viro e volto pelo corredor.
Posso até imaginar as mulheres se virando umas para as outras com sorrisinhos sarcásticos.
Mergulho cegamente em outro corredor, ainda mais silencioso e frio que o anterior. Não devia ter tomado champanhe; acabei ficando tonta. Apoio-me na parede.
Não pensei muito em Cassie O’Donnell, o primeiro par de Fred. Só sei que eles ficaram casados durante mais de sete anos. Uma coisa terrível deve ter acontecido; as pessoas não se divorciam mais. Não há necessidade. É praticamente ilegal.
Talvez ela não pudesse ter filhos. Se fosse biologicamente defeituosa, haveria alegação para divórcio.
As palavras de Fred voltam a minha mente: Eu estava com medo de ter recebido uma com defeito. Está frio no corredor, e eu tremo.
Uma placa indica o caminho para outros banheiros descendo um lance de escadas acarpetado. Está totalmente silencioso, exceto por um zumbido elétrico que ressoa baixinho. Seguro o corrimão grosso para me equilibrar nos saltos.
No pé da escada, faço uma pausa. O piso não é acarpetado e está quase todo tomado pela escuridão. Só vim a este clube duas vezes antes, as duas com Fred e sua mãe. Minha família nunca foi sócia, embora meu pai esteja pensando em entrar agora. Fred diz que metade dos negócios do país é conduzida em clubes como este, e que há um motivo para o Consórcio ter tornado o golfe o esporte nacional quase trinta anos atrás.
Um jogo de golfe perfeito não desperdiça um movimento sequer: ordem, forma e eficiência são suas marcas registradas. Aprendi tudo isso com Fred.
Passo por vários salões de banquete amplos, todos às escuras, que devem ser usados para eventos particulares. Acabo reconhecendo o enorme café onde Fred e eu almoçamos uma vez. Por fim encontro o banheiro feminino: um aposento cor-de-rosa, como uma gigantesca almofada perfumada.
Prendo o cabelo no alto da cabeça e seco o rosto rapidamente com toalhas de papel. Não tem nada que eu possa fazer quanto à mancha no vestido, então solto a faixa da cintura e prendo-a de forma frouxa ao redor dos ombros, amarrando-a entre os seios. Não é meu melhor visual, mas pelo menos estou parcialmente apresentável.
Agora que me recompus, percebo que posso pegar um atalho para voltar para o salão seguindo para a esquerda em vez de para a direita e indo até os elevadores. No corredor, ouço um murmúrio de vozes e um ruído de estática de televisão.
Uma porta entreaberta leva a uma espécie de copa. Há vários garçons com a gravata afrouxada, a camisa parcialmente desabotoada e sem avental — deixados sobre a bancada, enrolados — reunidos ao redor de uma televisão. Um deles está com os pés em cima da reluzente bancada de metal.
— Aumente o som — diz uma das ajudantes de cozinha.
O sujeito com os pés para cima resmunga e se inclina para a frente, baixando as pernas para apertar o botão do volume. Enquanto ele se ajeita de volta na cadeira, vejo a imagem na tela: uma área verde enorme, entrelaçada com espirais de fumaça escura. Sinto uma emoção pequena e elétrica e involuntariamente fico paralisada.
A Selva. Só pode ser.
“Em um esforço para exterminar os últimos terrenos de disseminação da doença, reguladores e tropas do governo estão penetrando na Selva…”, diz o âncora do jornal.
Corta. Imagens de tropas terrestres do governo, com roupas camufladas, correndo por uma estrada interestadual, acenando e sorrindo para as câmeras.
“Enquanto o Consórcio se reúne para debater o futuro dessas áreas descaracterizadas, o presidente fez um discurso de improviso para a imprensa, no qual prometeu capturar os Inválidos restantes e cuidar para que sejam punidos ou tratados.”
Corta. Imagem do presidente Sobel inclinando-se no palanque daquele seu jeito familiar, como se a qualquer momento fosse cair em cima das câmeras na plateia.
“Vamos precisar de tempo e de tropas. Vamos precisar de coragem e paciência. Mas vamos vencer esta guerra…”, diz ele.
Corta. Agora vemos o quebra-cabeça verde e cinza formado por fumaça, vegetação e pequenas línguas bifurcadas de fogo. E então outra imagem: mais vegetação, um rio estreito serpenteando entre os pinheiros e salgueiros. E depois outra, desta vez um lugar em que as árvores foram queimadas até a terra vermelha.
“O que vocês estão vendo agora são imagens aéreas de todo o país, onde nossas tropas foram empregadas para caçar os últimos hospedeiros da doença…”
Pela primeira vez me ocorre que Lena muito provavelmente está morta. É burrice eu nunca ter pensado nisso até agora. Vejo a fumaça subindo das árvores e imagino pedacinhos de Lena flutuando junto: unhas, cabelo, cílios, tudo cinzas.
— Desliguem isso — ordeno, sem parar para pensar.
Todos os quatro garçons se viram ao mesmo tempo. Eles se levantam imediatamente, ajeitam a gravata e começam a colocar a camisa para dentro da calça preta de cintura alta.
— Podemos fazer alguma coisa pela senhorita? — pergunta educadamente um deles, um homem mais velho.
Outro estica o braço e desliga a televisão. O silêncio que vem em seguida é inesperado.
— Não, eu… Eu só estava tentando voltar para o salão de baile.
O garçom mais velho pisca uma vez, o rosto impassível. Sai para o corredor e aponta para os elevadores, que ficam a menos de três metros dali.
— É só subir um andar, senhorita. O salão fica no final do corredor. — Ele deve achar que sou idiota, mas continua a me lançar um sorriso gentil. — Quer que eu a acompanhe até lá em cima?
— Não — digo, com extrema firmeza. — Não, não precisa.
Praticamente saio correndo. Sinto os olhos do garçom em mim. Para meu alívio, o elevador chega rápido. Solto o ar com força quando a porta se fecha. Apoio a cabeça na parede do elevador: sinto-a fria. Respiro fundo.
O que há de errado comigo?
Quando a porta se abre, o som de vozes aumenta, uma trovoada de aplausos. Quando entro no brilho intenso do salão, mil vozes repetem:
— À sua futura esposa!
Vejo Fred no palco, erguendo uma taça de champanhe da cor de ouro líquido. Vejo mil rostos alegres e inchados virados em minha direção, como luas infladas. Vejo mais champanhe, mais líquido, mais balanço.
Levanto a mão. Aceno. Sorrio.
Mais aplausos.
* * *
No carro, ao voltarmos para casa, Fred está quieto. Ele insistiu para ficar sozinho comigo e mandou a mãe e meus pais na frente com outro motorista. Supus que ele tivesse algo para me dizer, mas até agora não falou nada. Está de braços cruzados, o queixo apoiado no peito. Quase parece estar dormindo. Mas reconheço essa postura: ele a herdou do pai. Significa que está pensando.
— Acho que foi um sucesso — digo, quando o silêncio se torna intolerável.
— Hmmm. — Ele esfrega os olhos.
— Cansado? — pergunto.
— Estou bem. — Ele levanta o queixo. Em seguida, abruptamente, se inclina para a frente e bate no vidro que nos separa do motorista. — Tom, pode parar por um segundo?
Tom para o carro imediatamente e desliga o motor. Está escuro, e não consigo ver exatamente onde estamos. De cada lado do carro há muros altos de árvores escuras. Quando os faróis são desligados, fica praticamente um breu. A única luz vem de um poste de rua quinze metros à frente.
— O que estamos…? — começo a perguntar, mas Fred se vira e me interrompe:
— Lembra quando expliquei para você as regras do golfe?
Levo um susto tão grande, tanto pela urgência na voz dele quanto pela aleatoriedade da pergunta, que só consigo assentir.
— Eu falei — diz ele — sobre a importância do caddy. Sempre um passo atrás, um aliado invisível, uma arma secreta. Sem um bom caddy, até o melhor jogador de golfe pode ir mal.
— Certo.
O carro parece pequeno e quente demais. Sinto o cheiro acre de álcool na respiração de Fred. Tento abrir a janela, mas é claro que não consigo. O motor está desligado; as janelas estão trancadas.
Fred passa a mão pelo cabelo com agitação.
— Olhe, o que estou dizendo é que você é meu caddy. Consegue entender? Espero que você… preciso que você esteja cem por cento atrás de mim.
— Eu estou — digo. Então limpo a garganta e repito: — Eu estou.
— Tem certeza? — Ele se inclina mais dois centímetros para a frente e coloca a mão na minha perna. — Você vai sempre me apoiar, aconteça o que acontecer?
— Sim. — Sinto uma pontada de dúvida e, por trás da dúvida, medo. Nunca vi Fred assim tão intenso. A mão dele aperta minha coxa com muita força. Estou com medo de ficar marcada. — É para isso que serve o pareamento.
Fred me olha por mais um segundo. E, de repente, me solta.
— Que bom.
Ele bate na janela do motorista mais uma vez, o que Tom interpreta como um sinal para ligar o carro e voltar a dirigir. Fred se recosta no banco como se nada tivesse acontecido.
— Que bom que nos entendemos. Cassie nunca me entendeu. Ela não ouvia. Essa era boa parte do problema.
O carro volta a andar.
— Cassie?
Meu coração salta na caixa torácica.
— Cassandra. Meu primeiro par. — Fred sorri, tenso.
— Não entendo — digo.
Por um momento, ele não diz nada. E então, subitamente:
— Sabe qual era o problema do meu pai? — Vejo que ele não espera que eu responda, mas balanço a cabeça mesmo assim. — Ele acreditava nas pessoas. Acreditava que, se as pessoas pudessem ver o caminho certo, o caminho para a saúde e a ordem, uma forma de ficarem livres da infelicidade, fariam a escolha certa. Obedeceriam. Ele era ingênuo. — Fred se vira para mim de novo. Seu rosto foi envolto pela escuridão. — Ele não entendia. As pessoas são teimosas e estúpidas. São irracionais. São destruidoras. Essa é a questão, não é? É o que realmente motiva a cura. As pessoas não vão mais destruir a própria vida. Não vão ser capazes disso. Você entende?
— Entendo.
Penso em Lena e naquelas imagens da Selva em chamas. Pergunto-me o que ela estaria fazendo agora se tivesse ficado. Estaria dormindo profundamente em uma cama decente; acordaria amanhã com o sol surgindo na baía.
Fred se volta para a janela e assume um tom severo:
— Fomos complacentes. Já permitimos muita liberdade e muita oportunidade para rebeliões. Isso precisa acabar. Não vou mais permitir; não vou ver minha cidade, meu país, serem consumidos por dentro. E vai acabar agora.
Apesar de Fred e eu estarmos separados por trinta centímetros, estou com tanto medo dele quanto na hora em que estava apertando minha coxa. Também nunca o vi assim, tão grave e estranho.
— O que você pretende fazer? — pergunto.
— Precisamos de um sistema — diz ele. — Vamos recompensar as pessoas que seguirem as regras. É o mesmo princípio de treinar um cachorro, na verdade.
Lembro-me da mulher na festa: Ela parece capaz de gerar uma ninhada inteira.
— E vamos punir as pessoas que não se ajustarem. Não fisicamente, claro. Moramos em um país civilizado. Planejo indicar Douglas Finch como novo ministro da Energia.
— Ministro da Energia? — repito. Nunca ouvi o termo.
Chegamos a um sinal de trânsito, um dos poucos ainda em funcionamento no centro. Fred aponta vagamente para o sinal.
— A eletricidade não é de graça. A energia não é de graça. Tem que ser conquistada. A eletricidade, a luz, o calor serão dados às pessoas que fizerem por merecer.
Por um momento, não consigo pensar em nada para dizer. Interrupções de fornecimento de energia e blecautes sempre foram obrigatórios em certas horas da noite, e, nos bairros mais pobres, principalmente agora, muitas famílias preferem ficar sem máquina de lavar. São caras demais para manter.
Mas todo mundo sempre teve direito à eletricidade.
— Como é que é? — questiono.
Fred interpreta minha pergunta de forma literal.
— É bem simples, na verdade. A rede já existe, e é tudo computadorizado hoje em dia. É apenas uma questão de coletar dados e digitar alguns comandos. Um clique liga a eletricidade; outro clique desliga. Finch vai tomar conta de tudo isso. E podemos reavaliar o fornecimento a cada seis meses, mais ou menos. Queremos ser justos. Como falei, vivemos em um país civilizado.
— As pessoas vão se revoltar — digo.
Fred dá de ombros.
— Já estou esperando certa resistência inicial — diz ele. — Por isso é tão importante você estar do meu lado. Quando tivermos as pessoas certas atrás de nós, as pessoas importantes, todos vão entrar na linha. Vão ter que entrar. — Fred pega minha mão. — Vão aprender que se revoltar e resistir só vai piorar as coisas. Precisamos de uma política de tolerância zero.
Minha mente dá voltas. Sem energia não há luz, nem refrigeração, nem fornos funcionando. Nem fornalhas.
— O que as pessoas vão fazer para se aquecer? — pergunto de repente.
Fred dá uma risadinha como se eu fosse um filhote de cachorro que acabou de aprender um truque novo.
— O verão está quase chegando — diz ele. — Acho que o aquecimento não vai ser problema.
— Mas o que vai acontecer quando começar a esfriar? — insisto. No Maine, os invernos duram de setembro a maio. Ano passado, tivemos vinte centímetros de neve. Penso na magrela Grace, com os cotovelos que mais parecem maçanetas, as escápulas que lembram asas fechadas. — O que as pessoas vão fazer?
— Acho que vão descobrir que a liberdade não aquece — diz ele, e posso ouvir o sorriso em sua voz. Ele se inclina para a frente e bate na janela do motorista. — Que tal um pouco de música? Estou com vontade de ouvir alguma coisa. Um som animado… Concorda comigo, Hana?