Hana

Na minha derradeira manhã como Hana Tate, tomo meu café na varanda, sozinha.

Eu tinha planejado dar uma última volta de bicicleta, mas já não me resta a menor esperança de fazer isso, não depois do que aconteceu ontem à noite. As ruas vão estar lotadas de policiais e reguladores. Vou precisar mostrar meus papéis e enfrentar perguntas que não posso responder.

Então, sento-me no balanço da varanda e me consolo com os ruídos rítmicos. O ar ainda está parado, frio e cinza e com textura de sal. Percebo que será um dia perfeito, sem nuvens e claro. De vez em quando uma gaivota dá um grito agudo. Fora isso, está tudo silencioso. Aqui não há alarmes, nem sirenes, nem sinal da perturbação da noite passada.

Mas no centro será diferente. Haverá barricadas e verificações de segurança, segurança reforçada no novo muro. Lembro-me de repente do que Fred me contou uma vez sobre o muro, que seria como a palma da mão de Deus nos protegendo para sempre, mantendo os doentes, perturbados, infiéis e não merecedores lá fora.

Mas talvez não seja possível ficarmos em total segurança.

Eu me pergunto se haverá novas batidas em Highlands, se as famílias que moram lá serão despejadas de novo. Mas logo afasto a preocupação. A família de Lena está fora do meu alcance. Agora vejo isso. Devia ter visto desde o início. O que acontecer a eles, se vão passar fome ou congelar, não é da minha conta.

Somos todos punidos pelas vidas que escolhemos, de uma forma ou de outra. Vou pagar minha penitência (por Lena, por ter falhado com ela; pela família dela, por tê-la ajudado) todos os dias da minha vida.

Fecho os olhos e visualizo Old Port: as ruas texturizadas, as rampas dos barcos, o sol subindo atrás da água e as ondas batendo nos píeres.

Adeus, adeus, adeus.

Traço uma rota mental do Eastern Prom até o alto de Munjoy Hill; vejo toda Portland se estendendo lá embaixo, brilhando sob a nova luz.

— Hana?

Abro os olhos. Minha mãe saiu para a varanda. Está segurando a camisola fina contra o corpo e apertando os olhos. Sem maquiagem, sua pele parece quase cinza.

— Acho que é melhor você ir tomar banho — diz ela.

Eu me levanto e a sigo para dentro de casa.