O estudo da geografia humana e do espaço social, dentro de uma perspectiva abrangente em que o componente internacional está presente, é um complexo de relações dinâmicas entre espaços de diferentes níveis e funções.
Esses diferentes espaços são organizados pelo homem, apresentando variados níveis de integração, onde se reflete o sistema de funcionamento político, econômico e social. Mas essa organização espacial atua também como um componente do espaço, oferecendo, por exemplo, maiores ou menores facilidades às mudanças, numa perspectiva espaço-temporal de desenvolvimento.
Para situarmos a ação do homem dentro do espaço, apresentaremos as diferentes concepções desse termo, um pequeno histórico da geografia humana, bem como sua relação com o espaço social e a conclusão do assunto.
A superfície da Terra é composta de massas continentais que representam 510 milhões de km2, diferenciadas por espaços, com características próprias e originais, e é nesses espaços que encontramos as nações do globo.
As coletividades humanas se desenvolvem nesses espaços dentro de um jogo de forças históricas, milenares, que vêm demarcando as fronteiras políticas e imprimindo a cada uma delas características sociais, culturais, econômicas e políticas, diferenciando assim os espaços entre si. Esse desenvolvimento das coletividades humanas está ligado não só às forças históricas, como também às forças naturais. Com base na definição de espaço dada por Oliver Dollfus:
Espaço geográfico é o esteio de sistemas de relações, algumas determinadas a partir de dados do meio físico (arquitetura de volumes rochosos, clima, vegetação) e outras provenientes das sociedades humanas, responsáveis pela organização do espaço em função da densidade demográfica, da organização social e econômica, do nível das técnicas, em uma palavra: de toda essa tessitura pejada de densidade histórica a que damos o nome de civilização.
Podemos afirmar que os diferentes povos da Terra estão impregnados de história, uma história que foi estabelecida através desse sistema de relações a que se refere Dollfus, que é o resultado das relações provindas das manifestações dos homens. Desses diferentes tipos de relações é que decorreram as diferentes formas de ocupação da Terra ou, ainda, as diferentes formas de organização do espaço.
A definição de Pierre George vem esclarecer essa organização do espaço:
A organização do espaço corresponde aos atuais empreendimentos destinados a modelar o espaço herdado, para neles se introduzirem as estruturas técnicas, jurídicas e administrativas que derivam de um espírito de sistematização da sua utilização.
Portanto, dentro desse tipo de organização espacial surgiram as diferentes formas de espaço: o espaço agrícola, o espaço industrial, o espaço urbano e o espaço não organizado, que é o espaço ocupado pelas sociedades primitivas.
Dentro desse quadro de existência espacial, o espaço social é o mais abrangente, pois ele faz parte de todas as outras formas de espaço e é dentro do espaço social que cada um de nós está colocado, assumindo a vida, com posições ou papéis os mais diferenciados, dentro da sociedade do mundo contemporâneo.
Sobre o assunto, Pierre George, em seu livro Geografia da população, faz a seguinte referência: “A mais inelutável das razões da desigualdade entre os homens é hoje a sua origem geográfica, isto é, o lugar onde nascem.”
O problema espacial do mundo contemporâneo é tão sério para a sociedade atual, que a própria geopolítica considera os grandes espaços como uma forma de poder, não só para aqueles que o possuem, mas também para aqueles povos que o exploram – é o caso dos países desenvolvidos e dos países subdesenvolvidos – pois as coletividades humanas, nos dias atuais, estão submetidas a sistemas de relações fixados não mais em termos de pequenas comunidades locais e regionais, mas sim em termos mundiais, isso porque com os avanços da tecnologia, dos sistemas de transportes e comunicações, o mundo pode ser considerado como uma grande ilha e, consequentemente, o espaço social deve ser analisado nas suas particularidades próprias e originais assim como no seu conjunto.
Dentro dessa filosofia apresentada, as atividades assumidas por aqueles que detêm o poder de decisão repercutem não mais de modo isolado, mas sim no todo. Para provar isso, está aí o caso das duas grandes potências – os EUA e a antiga URSS – que, politicamente, assumiram o poder de decisões no mundo contemporâneo, com suas sérias repercussões sociais, políticas e econômicas.
Atualmente, dentro dos estudos da geografia humana, podemos afirmar que o mundo atual é hoje um só, pois o espaço geográfico é um grande espaço de relação.
Pierre George, em seu livro Sociologia e geografia, define o espaço de relação:
Deve ser compreendido como sendo as diferentes categorias de espaço envolvidas pelas atividades humanas. O espaço de relação é um dado concreto. No caso de uma área de influência política ou econômica pode ter dimensões continentais ou mesmo planetária.
Após essa análise espacial, faremos uma pequena revisão do histórico da geografia humana, a partir das primeiras ideias que surgiram na Antiguidade.
Os primeiros estudos da geografia humana apareceram na Antiguidade. Muitos escritores observaram e constataram que, na superfície da Terra, existiam profundas diferenças entre os costumes dos homens. Muitos viajantes, desde Heródoto, as têm descrito, muitos historiadores e mesmo moralistas, desde Tucídides, as têm tomado como base de suas reflexões filosóficas.
A ideia de a geografia humana constituir uma ciência somente surgiu no fim do século XVIII. Até essa época, o estudo dos fatos agrupados com o nome de geografia humana consistia no modo de vida dos homens na superfície da Terra, modos de agrupamento, em uma simples descrição, olhada, sobretudo, como um conhecimento de caráter utilitário e prático, ou como uma imagem pitoresca dos costumes e das diferentes maneiras de ser dos povos.
Embora até essa época muitos autores houvessem tratado do problema das relações do homem com o meio, foi somente no século XIX que o assunto mereceu maior atenção. Os primeiros passos foram dados na Alemanha por Alexandre von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), que procuraram demonstrar em suas obras que entre os fenômenos físicos e os fenômenos da vida há relações constantes de causa e efeito.
Humboldt, autor de Cosmos, como naturalista, interessou-se em estudar os fenômenos físicos e em mostrar, por exemplo, a influência de fatores, como a altitude, a temperatura, a umidade, a seca, sobre a formação dos vegetais.
Ritter publicou sua obra, com 19 volumes, intitulada A geografia de acordo com a natureza e a história do homem, e mostra que em geografia humana a natureza não é o único poder causal e que o próprio homem é, na superfície da Terra, um agente de transformação e de vida. A natureza e o homem (Natur und Geschichte), como dizia Ritter, “são os dois termos perpetuamente associados” entre os quais deve gravitar o pensamento do geógrafo.
Entretanto, coube a Friedrich Ratzel (1844-1904) a glória de ter sido o verdadeiro criador da geografia humana quando publicou, em 1882, a obra Antropogeografia. Seguiram-se notáveis estudos feitos por cientistas alemães.
No século XX ocorre um maior destaque dos geógrafos franceses e norte-americanos. Na França, Vidal de la Blanche (1845-1918), Jean Brunhes, Camille Valaux, Lucien Febvre, Albert Demangeon, Pierre Deffontaines e outros.
As doutrinas de Ratzel e de La Blache foram divulgadas em quase todos os países do globo, inspirando diversas obras que vieram contribuir para vulgarizar a nova ciência, nas várias esferas do conhecimento humano.
Para estudar a evolução da geografia humana, a partir do início do século XX até os dias atuais, teríamos que analisar a própria evolução da ciência geográfica; como o assunto é muito complexo e não dispomos de espaço suficiente para essa análise completa que deveria ser feita da geografia tradicional, da nova geografia, da geografia humanística, da geografia idealista, da geografia radical e da geografia têmporo-espacial, analisaremos a geografia humanística e a geografia radical, ciências geográficas que estão diretamente ligadas à geografia humana e ao espaço social.
Para os estudos da geografia humanística tomamos como base os trabalhos de Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, Edward Relph e Mercer e Powell, que possuem a fenomenologia existencial como filosofia subjacente. As raízes mais antigas da ciência estão em Kant e em Hegel, mas os significativos mais recentes da fenomenologia são atribuídos à filosofia de Edmund Husserl (1859-1939).
A análise do espaço social dentro da geografia humanística é bastante complexa, pois essa geografia valoriza a experiência do indivíduo ou do grupo, visando a compreender o comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação a seus lugares. Para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão do mundo que se expressa por intermédio de suas atitudes e valores para com o quadro ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona. Dentro desse contexto, os geógrafos humanistas chegam à conclusão de que sua abordagem merece o rótulo de humanista, pois estudam os aspectos do homem que são mais diretamente humanos: significação, valores, metas e propósitos (Entrikin 1976). Dentro desses estudos, as noções de espaço e lugar surgem como muito importantes para essa tendência geográfica.
O lugar é aquele onde o indivíduo se encontra ambientado, no qual está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e suas afeições e é o “centro de significância ou um foco de ação emocional do homem”. O lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas.
Em 1974, ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a percepção, as atitudes e os valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo topofilia, definindo-o como “o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico”.
Dentro do nosso estudo, o espaço social estaria diretamente relacionado com a filosofia que se desenvolve dentro do centro de significância ou um foco de ação emocional do homem.
O espaço social e o seu relacionamento com a geografia humana tornam-se mais complexos ainda quando a abordagem é feita dentro de uma geografia radical, que teve a sua origem na década de 1960.
Surge a geografia radical dentro de um mundo contestatório, época em que os Estados Unidos se defrontavam com a Guerra do Vietnã, época da luta pelos direitos civis, da crise da poluição e da urbanização, e é dentro dessa nova geografia que uma corrente geográfica passa a ser crítica e atuante nas diferentes formas de espaço e, principalmente, visando aos aspectos socioeconômicos das populações.
Para analisar os modos de produção e as formações socioeconômicas, os geógrafos radicais têm por base a filosofia marxista. Quando inserida no contexto radical do movimento científico, ela tem por objeto colaborar ativamente para a transformação radical da sociedade capitalista em direção à socialista, pelo incentivo à revolução; por essa razão a geografia radical deve ser marxista (Folke 1972).
Como a própria filosofia desenvolvida pela geografia radical está demonstrando, as modificações do espaço social são muito complexas e profundas, pois tais modificações podem ocorrer nos mais diferentes espaços do globo, apresentando para esses espaços sociais novas características relacionadas com os aspectos econômicos e com os setores da economia.
A geografia radical já apresenta algumas tendências para a realização de seus trabalhos. Maria Dolores Garcia (1978), em sua análise sobre a geografia radical anglo-saxônica, apresenta quatro tendências básicas:
1.Orientação anarquista, centralizada na Universidade de Simon Fraser e na de Clark, nesta última salientando o trabalho de Richard Peet. Essa linha remonta suas origens aos trabalhos de Peter Kropotkin e Elisée Reclus;
2.Orientação popular radical, que se caracteriza pelo contato direto dos geógrafos com as populações das áreas e dos bairros a serem investigados. O geógrafo participa e orienta a população para solucionar seus problemas e traçar suas reivindicações. A obra de Willian Bringe (1971) é exemplo desse tipo de procedimento;
3.Orientação para o Terceiro Mundo, exemplificada pelos trabalhos de J.M. Blaut (1973, 1975, 1976), destinada a propor análises sobre o desenvolvimento e o imperialismo, entre vários outros temas;
4.Orientação marxista, que se baseia no estudo das obras de Marx e Engels, na procura de fundamentos teóricos e na sua aplicação aos problemas socioeconômicos de expressão espacial. Os trabalhos de David Harvey (1973, 1974, 1975, 1976) são expressivos como exemplos dessa orientação.
No Brasil já encontramos diversas traduções relacionadas com a geografia radical. Mencionamos as seguintes obras: Yves Lacoste, A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra (1977); Massimo Quaine, Marxismo e geografia (1979) e David Harvey, Justiça social e a cidade (1980).
Entre os geógrafos brasileiros, Milton Santos vem se salientando nessa perspectiva geográfica com diversos artigos e obras mais expressivas desenvolvidas, como Geografia nova (1978) e Economia espacial (1979). Carlos Gonçalves (1978) e Ruy Moreira (1979) também elaboram artigos relacionados com a geografia radical.
Sendo a geografia uma disciplina científica e a geografia humana uma parte dessa disciplina, todos os esforços devem ser orientados na busca de conhecimento da realidade, independentemente de posturas, correntes, modismos e temas de interesse.
Da análise que fizemos do espaço e da geografia humana, observamos que a diversidade dos fenômenos que podem ser envolvidos na perspectiva espacial e social, bem como as grandes mudanças que estão ocorrendo na geografia, fazem com que a especialização se torne uma necessidade e uma realidade.
Com a evolução e o avanço do conhecimento científico e a necessidade da grande especialização no campo da geografia, muitos temas que agora são tratados pela geografia humana passarão a ser analisados por outras disciplinas.
No caso do estudo do espaço social, os geógrafos devem se preocupar com a explicação da realidade e, para isso, buscar a essência, desenvolver e testar constantemente as teorias e não devem se preocupar em estabelecer limites em termos de técnicas, métodos, temas e campo de atuação, desde que esteja presente a preocupação com a dimensão espacial. Importantes subsídios para atingir essa finalidade são dados pela sociologia.
ADAS, Melhem. Estudos de geografia. São Paulo: Editora Moderna, 1981.
BETTANINI, Tonino. Espaço e ciências humanas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CHISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1982.
SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982.
________. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1982.