CINCO MITOS PARA ESQUECER

Relacionando-nos com o cérebro de uma maneira diferente, podemos mudar a realidade. Quanto mais os neurocientistas descobrem, mais poderes ocultos o cérebro parece ter. O cérebro processa a matéria-prima da vida como um escravo de qualquer desejo ou visão que possamos ter. O mundo físico não resiste a essa força, e precisamos de novas crenças para libertá-lo. Nosso cérebro não pode fazer o que julga não poder fazer.

Cinco mitos em particular se revelaram limitantes e obstrutivos à mudança. Todos eram aceitos como verdades há pouco mais de uma ou duas décadas.


Os danos ao cérebro são irreversíveis.

Hoje sabemos que o cérebro tem um surpreendente poder de cura, do qual não suspeitávamos no passado.


Os circuitos cerebrais são imutáveis.

Na verdade, a interação entre a estrutura física e a programação do cérebro é constante, e nossa capacidade de criar novos circuitos cerebrais permanece intacta do nascimento até o fim da vida.


O envelhecimento do cérebro é inevitável e irreversível.

Contrariando essa crença antiquada, surgem todos os dias novas técnicas para manter o cérebro jovem e preservar a acuidade mental.


O cérebro perde milhões de células por dia, que não podem ser substituídas.

Na verdade, o cérebro contém células-tronco que são capazes de desenvolver novas células cerebrais ao longo da vida. Saber como perdemos e ganhamos essas células ainda é uma questão complexa. A maior parte das novas descobertas trazem boas notícias para quem tem medo de perder a capacidade mental com o envelhecimento.


Reações primitivas (medo, raiva, ciúme, agressividade) dominam o cérebro racional.

Como em nosso cérebro estão gravadas memórias genéticas de milhares de gerações, o cérebro irracional, ou cérebro reptiliano, continua conosco, gerando impulsos primitivos muitas vezes prejudiciais, como o medo e a raiva. Mas o cérebro evolui constantemente, e conquistamos a capacidade de dominar o cérebro reptiliano com a liberdade de escolha. A psicologia positiva, um novo campo da ciência, está nos ensinando a usar melhor o livre-arbítrio para promover a felicidade e vencer o negativismo.

É muito bom que esses cinco mitos tenham sido deixados para trás. As antigas crenças faziam o cérebro parecer imutável, mecânico e sujeito a uma constante deterioração. Isso está longe de ser verdade. Você está criando a realidade neste exato minuto. Se esse processo permanecer vivo e dinâmico, seu cérebro será capaz de acompanhá-lo ano após ano.

Agora vamos desmentir mais detalhadamente esses velhos mitos que ainda influenciam nossa experiência e nossas expectativas.


Mito 1: Os danos ao cérebro são irreversíveis

Quando o cérebro sofre um dano devido a um trauma provocado por um acidente de trânsito ou um derrame, por exemplo, células nervosas e suas conexões (sinapses) são perdidas. Durante muito tempo acreditou-se que, uma vez que o cérebro sofresse uma lesão, as vítimas estariam condenadas a usar apenas as funções remanescentes. Mas, ao longo das duas últimas décadas, foi feita uma importante descoberta, e numerosos estudos a confirmaram. Quando neurônios e sinapses desaparecem devido a um trauma, os neurônios vizinhos compensam a perda e tentam reestabelecer as conexões ausentes, o que efetivamente reconstrói a rede neural danificada. Os neurônios vizinhos intensificam seu trabalho e realizam uma “regeneração compensatória” de suas principais partes (o tronco principal, ou axônio, e os numerosos filamentos, chamados “dendritos”). Isso recupera as conexões perdidas da complexa rede neural de que cada célula cerebral faz parte.

Olhando para trás, achamos estranho que a ciência tenha negado às células cerebrais uma capacidade comum a outros nervos. Desde o fim do século XVIII, os cientistas já sabiam que os neurônios do sistema nervoso periférico (os nervos que percorrem o corpo fora do cérebro e da medula espinhal) podiam se regenerar. Em 1776, William Cumberland Cruikshank, anatomista escocês, cortou meia polegada do nervo vago do pescoço de um cão. O nervo vago se conecta com o cérebro, estendendo-se ao longo da artéria carótida no pescoço, e está envolvido em algumas importantes funções – taxa de batimento cardíaco, suor, movimentos musculares da fala – e em manter a laringe aberta para a respiração. Se as duas pontas do nervo forem cortadas, o resultado é letal. Cruikshank retirou apenas uma extremidade e descobriu que a lacuna criada era logo preenchida por um novo tecido nervoso. Quando submeteu seu artigo à Royal Society, porém, o cientista foi recebido com ceticismo, passando décadas sem ser publicado.

Figura 1: Neurônios e sinapses

Figura 1: Neurônios e sinapses

As células nervosas (neurônios) são verdadeiras maravilhas da natureza graças à sua capacidade de criar nossa percepção da realidade. Os neurônios se conectam uns aos outros formando vastas e intrincadas redes neurais. Nosso cérebro contém mais de 100 bilhões de neurônios e até 1 quatrilhão de conexões, chamadas “sinapses”.

Os neurônios projetam filamentos sinuosos, conhecidos como “axônios” e “dendritos”, que carregam sinais químicos e elétricos através das sinapses. Um neurônio contém muitos dendritos para receber as informações de outras células nervosas, mas tem apenas um axônio, que pode atingir mais de 1 metro de comprimento. O cérebro de um adulto contém mais de 160.000 quilômetros de axônios e incontáveis dendritos – suficientes para dar quatro voltas à Terra.


Nessa época, outra evidência confirmava que nervos periféricos como o vago podem formar-se novamente depois de cortados. (Podemos vivenciar esse fenômeno quando um corte profundo deixa um dedo adormecido; depois de algum tempo, voltamos a senti-lo.) Mas durante séculos as pessoas acreditaram que os nervos do sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) não possuíam a mesma capacidade.

É verdade que o sistema nervoso central não pode se regenerar com a mesma qualidade e rapidez do sistema nervoso periférico. Entretanto, graças à neuroplasticidade, o cérebro pode se remodelar e remapear suas conexões depois de um dano. Esse novo mapeamento é a definição funcional da neuroplasticidade, hoje um assunto em voga. O termo “neuro” vem de neurônio, enquanto “plasticidade” se refere a maleabilidade. A velha teoria afirmava que os recém-nascidos constituíam suas redes neurais como parte natural de seu desenvolvimento, e que após essa fase o processo cessava e o cérebro se tornava imutável. Hoje vemos as projeções das células nervosas do cérebro como longos filamentos que se reconfiguram continuamente, reagindo às experiências, aos aprendizados e aos danos. Curar e evoluir são duas funções intimamente ligadas.

Seu cérebro está se remodelando neste exato momento. Não é necessário nenhum dano para desencadear o processo. Basta estar vivo. Podemos estimular a neuroplasticidade, principalmente, expondo-nos a novas experiências. Melhor ainda é nos prepararmos deliberadamente para aprender novas capacidades. Dar um bichinho de estimação a um idoso pode instilar nele mais disposição para viver. O fato de o cérebro estar sendo afetado faz a diferença, mas precisamos nos lembrar de que os neurônios são nossos servos. O bisturi de dissecção revela mudanças no nível das projeções nervosas e dos genes. O que de fato revigora o idoso é ter um propósito e alguém para amar.

A neuroplasticidade é a mente se tornando matéria à medida que os pensamentos geram um novo crescimento neural. No início, o fenômeno era ridicularizado, e os neurocientistas menosprezados por usar esse termo. No entanto, muitos conceitos novos que provavelmente serão aceitos daqui a décadas são julgados hoje como sem sentido e inúteis. A neuroplasticidade passou por um difícil começo antes de se tornar uma estrela.

Que a mente tenha tal poder sobre a matéria foi importantíssimo para nós, os autores, na década de 1980. Deepak estava concentrado no lado espiritual da conexão entre mente e corpo, promovendo a meditação e a medicina alternativa. Inspirava-se numa máxima com que tinha se deparado desde cedo: “Se quiser saber como eram seus pensamentos no passado, olhe para o seu corpo hoje. Se quiser saber como seu corpo será no futuro, olhe para seus pensamentos hoje”.

Para Rudy, essa quebra de paradigma foi relevante quando era aluno do curso de neurociência na Faculdade de Medicina de Harvard. Trabalhando no Boston Children’s Hospital, ele tentava isolar o gene que produz a principal toxina do cérebro no mal de Alzheimer, a proteína beta-amiloide, substância espessa que se acumula no cérebro e tem relação com os neurônios que vão se tornando disfuncionais e são destruídos. Rudy lia freneticamente todos os artigos que pudesse encontrar sobre essa doença e seu amiloide tóxico, que pode assumir a forma do beta-amiloide no mal de Alzheimer ou da proteína príon, presente nas doenças relacionadas à doença da vaca louca.

Um dia, Rudy leu um artigo que mostrava que o cérebro de um paciente com Alzheimer tinha acumulado o beta-amiloide no esforço de reconstruir a parte responsável pela memória de curto prazo, o hipocampo, que se localiza no lobo temporal (assim chamado porque fica abaixo das têmporas).

O fato de o cérebro poder tentar um caminho para superar um dano devastador mudou inteiramente a visão da doença que Rudy vinha estudando dia e noite em um laboratório do tamanho de um almoxarifado, no quarto andar do hospital. Entre 1985 e 1988, ele se dedicou a identificar o gene que leva o beta-amiloide a se acumular em excesso no cérebro dos pacientes com Alzheimer. Dia após dia, ele trabalhou lado a lado com sua colega Rachel Neve, ouvindo música, especialmente Keith Jarrett, considerado o melhor pianista de jazz.

Rudy adorava os concertos de Keith Jarrett por sua brilhante improvisação. Jarrett tinha uma palavra para isso: “extemporizar”. Em outras palavras, era uma música radicalmente espontânea. Para Rudy, Jarrett expressava na música o modo como o cérebro funciona no mundo cotidiano – reagindo imediatamente de forma criativa, com base nas experiências valiosas de uma vida. A sabedoria se renovando instantaneamente. A memória encontrando vida nova. É justo dizer que, quando Rudy descobriu o primeiro gene do Alzheimer, a proteína precursora do amiloide (APP), naquele pequeno laboratório no quarto andar, sua inspiração foi Keith Jarrett.

Nesse contexto entra o artigo de 1986, que trouxe esperança de regenerar o tecido cerebral aos pacientes de Alzheimer. Era um dia intempestivamente frio, mesmo para o inverno de Boston, e Rudy estava no terceiro andar da biblioteca da Faculdade de Medicina de Harvard, respirando o perfume familiar de papel bolorento – alguns desses artigos científicos não viam a luz do dia havia décadas.

Entre os novos artigos sobre o mal de Alzheimer, um fora publicado no jornal Science e tinha sido escrito por Jim Geddes e seus colegas com o intrigante título de “A plasticidade do circuito do hipocampo na doença de Alzheimer”. Depois de uma rápida olhada, Rudy correu para conseguir alguns trocados para comprar uma cópia da edição. (O luxo dos jornais on-line ainda estava no futuro.) Depois de ler o artigo atentamente com Rachel, eles se encararam surpresos, sem acreditar no que tinham lido. O mistério do cérebro que pode se curar tinha acabado de entrar em sua vida.

A essência desse estudo fundamental era a seguinte: no mal de Alzheimer, uma das primeiras coisas que se deterioram é a memória de curto prazo. No cérebro, as principais projeções neurais que permitem que as informações sensoriais sejam armazenadas são, literalmente, cortadas. (Estamos no mesmo campo de Cruikshank, quando cortou o nervo vago de um cão.) Mais especificamente, existe no cérebro um pequeno saco dilatado de células nervosas chamado “córtex entorrinal”, que funciona como uma estação intermediária para todas as informações sensoriais que recebemos, confiando-as ao hipocampo para uma armazenagem de curto prazo. (Se lembramos que Rudy estava trabalhando com uma colega chamada Rachel, é o hipocampo fazendo o seu trabalho.) O nome hipocampo vem da palavra latina para “cavalo-marinho”, pois sua forma lembra a do animal. Faça dois “cês” com o polegar e o indicador de cada mão, um de frente para o outro, e depois entrelace-os num plano paralelo, assim você terá a forma bastante aproximada do hipocampo.

Digamos que você volte para casa depois de fazer compras e queira contar a uma amiga que viu um par de sapatos vermelhos perfeitos para ela. A imagem desses sapatos, passando pelo córtex entorrinal, é transmitida por meio de projeções neurais chamadas “via perfurante”. Agora chegamos à razão fisiológica que explica por que alguém que sofre do mal de Alzheimer não se lembrará desses sapatos. Nos pacientes com essa doença, a região exata onde a via perfurante penetra o hipocampo rotineiramente contém uma abundância de beta-amiloides neurotóxicos, que interrompem a transferência de informações sensoriais. Para piorar o dano, as terminações nervosas começam a encolher e se rompem na mesma região, danificando a via perfurante.

As células nervosas do córtex entorrinal que deviam estar desenvolvendo essas terminações nervosas logo morrem, porque dependem de que fatores de crescimento, as proteínas que garantem sua sobrevivência, substituam as terminações nervosas que antes se conectavam com o hipocampo. Depois disso, a pessoa perde a memória de curto prazo e a capacidade de aprendizado, e a demência se instala. O resultado é devastador. Como se costuma dizer, a pessoa não sabe que tem Alzheimer porque esquece onde pôs as chaves do carro. Ela sabe que tem Alzheimer quando esquece para que elas servem.

Em seu estudo embrionário, Geddes e seus colegas mostraram que, nessa área de grande perda neuronal, ocorre algo que nada mais é do que mágica. Os neurônios vizinhos sobreviventes começam a brotar novas projeções para compensar as que se perderam. Essa é uma forma de neuroplasticidade chamada “regeneração compensatória”. Pela primeira vez, Rudy se deparava com uma das mais milagrosas propriedades do cérebro. Era como se uma rosa fosse arrancada da roseira e a roseira ao lado fizesse brotar uma nova rosa.

De repente, Rudy teve uma profunda constatação do poder e da resiliência do cérebro humano. “Jamais despreze a força do cérebro”, ele pensou. Com a neuroplasticidade, o cérebro se tornou um órgão maravilhosamente adaptável e extraordinariamente regenerável. Havia esperança de que, mesmo em um cérebro danificado pelo Alzheimer, se diagnosticado cedo, a neuroplasticidade pudesse ser desencadeada. É uma das mais brilhantes possibilidades para futuras pesquisas.


Mito 2: Os circuitos cerebrais são imutáveis

Durante todo o tempo em que a neuroplasticidade ainda não tinha sido legitimada, a medicina poderia ter dado atenção ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que em meados do século XVIII afirmou que a natureza não era estagnada ou mecânica, mas viva e dinâmica. Ele foi além ao propor que o cérebro estava continuamente se reorganizando de acordo com as experiências vividas. Portanto, as pessoas deveriam praticar exercícios mentais tanto quanto exercícios físicos. Essa pode ter sido a primeira afirmação de que nosso cérebro é flexível, plástico e capaz de se adaptar às mudanças do ambiente.

Muito mais tarde, em meados do século XX, o psicólogo americano Karl Lashley ofereceu evidências desse fenômeno. Lashley treinou ratos a buscar alimento em um labirinto e depois removeu uma grande porção de seu córtex cerebral, pedaço por pedaço, para descobrir quando eles esqueceriam o que tinham aprendido. Ele supunha que, dada a delicadeza do tecido cerebral e a total dependência que uma criatura tem do seu cérebro, a remoção de uma pequena parte provocaria grave perda de memória.

Surpreendentemente, Lashley descobriu que podia tirar 90 por cento do córtex de um rato, e o animal ainda conseguiria percorrer satisfatoriamente o labirinto. Ficou demonstrado que, ao aprender o caminho, os ratos criam muitos diferentes tipos de sinapses redundantes, baseadas em todos os seus sentidos. Várias e distintas partes do cérebro interagem para constituir uma variedade de associações sensoriais sobrepostas. Em outras palavras, os ratos não apenas viam o caminho até o alimento dentro do labirinto, mas também o cheiravam e o sentiam. Quando porções do córtex cerebral eram removidas, o cérebro desenvolvia novas projeções (axônios) e formava novas sinapses para tirar vantagem de outros sentidos, usando as pistas remanescentes, apesar de mínimas.

Temos assim a primeira forte pista de que a ideia de estrutura irreversível devia ser encarada com ceticismo. O cérebro tem circuitos, mas não tem fios; os circuitos são feitos de tecido vivo. E, o mais importante, são remodelados por pensamentos, lembranças, desejos e experiências. Deepak lembra um controverso artigo médico de 1980 intitulado “Será o cérebro realmente necessário?”. O texto foi baseado no trabalho do neurologista britânico John Lorber, que vinha trabalhando com vítimas de um transtorno cerebral conhecido como “hidrocefalia” (“água no cérebro”). A pressão resultante do excesso de fluido espreme a vida para fora das células cerebrais. A hidrocefalia leva ao retardo, assim como a outros danos graves e até mesmo à morte.

Lorber havia escrito antes sobre dois bebês nascidos sem córtex cerebral. Apesar desse raro e fatal defeito, eles pareciam estar se desenvolvendo normalmente, sem sinais externos do dano. Um bebê sobreviveu por três meses; o outro, por um ano. Como se isso não fosse suficientemente notável, um colega da Universidade de Sheffield enviou a Lorber um jovem que tinha uma cabeça muito grande. Ele havia se formado na universidade com méritos em matemática e possuía um quociente de inteligência (Q.I.) de 126. Não apresentava nenhum sintoma de hidrocefalia e levava uma vida normal. Entretanto, uma tomografia computadorizada revelou, nas palavras de Lorber, que ele “virtualmente não tinha cérebro”. O crânio era revestido por uma fina camada de células cerebrais de cerca de 1 milímetro de espessura, enquanto o resto do espaço craniano era preenchido de fluido cerebral.

Trata-se de uma doença terrível, mas Lorber foi em frente, registrando mais de seiscentos casos. Ele dividiu seus sujeitos de pesquisa em quatro categorias, dependendo da quantidade de fluido no cérebro. A categoria mais grave, correspondente a 10 por cento da amostra, era formada por pessoas cuja cavidade cerebral continha 95 por cento de fluido. Desses, metade apresentava retardo grave; a outra metade, porém, apresentava um Q.I. acima de 100.

Como era de se esperar, os céticos partiram para o ataque. Alguns disseram que Lorber provavelmente não avaliara as tomografias corretamente, mas ele lhes garantiu que suas provas eram sólidas. Outros argumentaram que ele não havia pesado a matéria cerebral remanescente, ao que ele ironicamente retrucou: “Não sou capaz de afirmar se o cérebro do estudante de matemática pesa 50 ou 150 gramas, mas não resta dúvida de que ele está longe do 1,5 quilo normal”. Neurologistas mais receptivos declararam que esses resultados eram uma prova da redundância do cérebro – muitas funções são copiadas e sobrepostas. Mas outros rejeitaram essa explicação, observando que “a redundância é uma maneira de contornar algo que não se entende”. Até hoje o fenômeno está envolto em mistério, mas precisamos tê-lo em mente à medida que nosso debate prossegue. Será esse um exemplo radical do poder da mente de fazer o cérebro – mesmo um cérebro drasticamente reduzido – obedecer a comandos?

Mas devemos considerar mais do que o dano cerebral. Em um exemplo mais recente de remapeamento neural, o neurocientista Michael Merzenich e seus colegas da Universidade da Califórnia, em San Francisco, treinaram sete macaquinhos a usar os dedos para pegar alimentos. Bolinhos de banana foram colocados no fundo de pequenos compartimentos, ou poços de alimentação, sobre uma plataforma de plástico. Alguns poços eram largos e rasos, enquanto outros, estreitos e fundos. Naturalmente, quando um macaco tentava pegar o alimento, tinha mais sucesso num poço largo e raso, mas com frequência fracassava no poço estreito e fundo. Entretanto, com o tempo, todos os macacos se tornaram extremamente habilidosos e passaram a ter sucesso em todas as tentativas, não importando a distância que seus dedos estavam do bolinho.

Então a equipe fez uma tomografia de uma área específica do cérebro, conhecida como “córtex somatossensorial”, que controla o movimento dos dedos, na esperança de demonstrar que a experiência de aprender uma habilidade tinha alterado o cérebro dos macacos. Foi um sucesso. Essa região do cérebro se reconfigurou para outras regiões na tentativa de aumentar as chances de apanhar mais alimento no futuro. Merzenich argumentou que, à medida que as áreas do cérebro começam a interagir, criam-se novos circuitos. Na nossa vida cotidiana, se nos dispusermos intencionalmente a aprender novas coisas ou a fazer coisas conhecidas de uma nova maneira (como pegar um novo caminho para o trabalho ou tomar um ônibus em vez de usar o carro), estaremos reprogramando e melhorando nosso cérebro. O exercício físico cria músculos; o exercício mental cria novas sinapses para fortalecer a rede neural.

Muitos outros exemplos reforçam a ideia de que a doutrina tradicional, que acreditava em um cérebro estagnado e imutável, era falsa. Pacientes vítimas de derrame cerebral não precisam ficar paralisados o resto da vida pelo dano causado pelo rompimento de um vaso ou por um coágulo. À medida que as células cerebrais morrem, células vizinhas podem compensar a perda, mantendo íntegro o circuito neural. Para tornar a explicação mais pessoal, podemos afirmar que você imagina a casa onde cresceu, lembra seu primeiro beijo e ama seus amigos graças a um circuito neural altamente personalizado que levou toda a sua vida para ser criado.

Um exemplo da milagrosa capacidade do cérebro de se regenerar é o caso de um mecânico de automóveis que sofreu um grave trauma craniano num acidente. Ele ficou paralisado e só conseguia se comunicar piscando e acenando levemente com a cabeça. Depois de dezessete anos, porém, esse homem saiu espontaneamente dessa situação semicomatosa. Na semana seguinte, teve uma recuperação surpreendente, a ponto de retomar a fala fluente e alguns movimentos dos membros. No ano seguinte, uma tomografia proporcionou evidências visíveis de que ele estava regenerando novos caminhos que poderiam restaurar sua função cerebral. As células nervosas saudáveis estavam desenvolvendo novos axônios e dendritos para criar um circuito neural que compensaria a morte das células nervosas – isto é a neuroplasticidade clássica!

O resultado é que nosso cérebro não é imutável, mas incrivelmente maleável. O maravilhoso processo da neuroplasticidade nos dá a capacidade de nos desenvolvermos, em nossos pensamentos, sentimentos e ações, em qualquer direção.


Mito 3: O envelhecimento do cérebro é inevitável e irreversível

Um movimento conhecido como “nova terceira idade” está dominando a sociedade. O idoso, pela velha norma social, costumava ser passivo e triste, condenado a uma cadeira de balanço; contava–se com seu declínio físico e mental. Hoje, o contrário é verdadeiro.Pessoas mais velhas têm altas expectativas de continuar ativas com vitalidade. Com isso, a definição de velhice mudou. Uma pesquisa perguntou a pessoas nascidas no período após Segunda Guerra quando começava a velhice. A resposta foi, em média, 85 anos. À medida que as expectativas crescem, o cérebro acompanha o ritmo e se adapta à nova terceira idade. A velha teoria de um cérebro imutável e estagnado afirmava que seu envelhecimento era inevitável. Supunha-se que as células do cérebro morriam contínua e irreversivelmente à medida que a pessoa envelhecia.

Agora que sabemos que o cérebro é flexível e dinâmico, a inevitabilidade da perda celular não é mais válida. No processo de envelhecimento – que ocorre cerca de 1 por cento ao ano depois dos 30 –, não há duas pessoas que envelheçam da mesma maneira. Até gêmeos idênticos, nascidos com os mesmos genes, terão diferentes padrões de atividade genética aos 70 anos, e seus corpos podem ser radicalmente diferentes dependendo do estilo de vida escolhido. Essa escolha não aumentou ou diminuiu os genes com que nasceram, mas quase todos os aspectos da vida – dieta, atividades, estresse, relacionamentos, trabalho e o ambiente físico –mudaram a atividade desses genes. Na verdade, nenhum aspecto do envelhecimento é inevitável. Para cada função, mental ou física, podemos encontrar pessoas que melhoram o tempo todo. Existem corretores da bolsa com 90 anos que conduzem complexas transações e possuem uma memória que só melhorou com o tempo.

O problema é que muitos de nós aderimos à norma padronizada. Quando envelhecemos, tendemos a ter preguiça e apatia em relação ao aprendizado. Qualquer mínima tensão nos perturba, e esse estresse dura muito tempo. O que costumava ser considerado uma “acomodação” natural de pessoas mais velhas, hoje está relacionado à conexão entre mente e cérebro. Às vezes o cérebro é dominante nessa parceria. Suponhamos um restaurante que esteja com dificuldades de disponibilizar mesa para seus clientes. Um jovem que está na fila de espera sente uma certa chateação, que entretanto se dissipa assim que ele se acomoda. Uma pessoa mais velha pode reagir com um ataque de raiva – e continuar chateada mesmo depois de estar na mesa. Essa é a diferença da reação de estresse pela qual o cérebro é responsável. Da mesma forma, quando pessoas idosas ficam sobrecarregadas por um excesso de estímulos sensoriais (o barulho do trânsito, uma loja de departamentos lotada etc.), seu cérebro provavelmente diminuiu a função de captar as ondas de dados do mundo agitado.

Na maior parte do tempo, porém, a mente domina a conexão entre mente e cérebro. À medida que envelhecemos, tendemos a simplificar nossas atividades mentais, muitas vezes como um mecanismo de defesa. Sentimo-nos seguros com o que sabemos e evitamos aprender qualquer coisa nova. Esse comportamento é julgado pelos mais jovens como irritabilidade e teimosia, mas sua verdadeira causa pode estar na dança entre mente e cérebro. Para muitas pessoas mais velhas, mas não para todas, o ritmo da música diminui. O mais importante é não abandonar a pista de dança, o que estaria abrindo caminho para o declínio tanto do cérebro quanto da mente. Em vez de fazer novas sinapses, o cérebro continua funcionando com as que já existem. Nessa espiral descendente de atividade mental, a pessoa idosa acabará tendo menos dendritos e sinapses por neurônio no córtex cerebral.

Felizmente, podemos tomar decisões conscientes. Você pode escolher estar consciente dos pensamentos e sentimentos que estão sendo evocados em seu cérebro a cada minuto. Pode escolher ter uma curva de aprendizagem ascendente, não importa que idade tenha. Fazendo isso, criará novos dendritos, sinapses e circuitos neurais, que melhoram a saúde do cérebro e podem até ajudar a prevenir a doença de Alzheimer (como sugerem as pesquisas mais recentes).

E quanto à irreversibilidade dos efeitos do envelhecimento? À medida que ficamos mais velhos, muitos de nós sentimos a memória falhando cada vez mais. Não conseguimos lembrar por que entramos numa sala e brincamos, na defensiva, que isso é coisa de velho. Rudy tinha um gato maravilhoso que o seguia para todo lugar como um cão fiel. Muitas vezes, Rudy levantava de sua poltrona na sala e se dirigia à cozinha com o gato a reboque, e, quando chegavam lá, os dois se olhavam, sem saber por que tinham ido parar ali. Embora possamos dizer que esses lapsos são sinais de perda de memória relacionada ao envelhecimento, eles ocorrem, na verdade, devido à falta de aprendizado – de registrar novas informações no cérebro. Quando não conseguimos lembrar um fato simples como onde colocamos as chaves, significa que não “aprendemos” ou gravamos o lugar onde as colocamos. Como usuários de nosso cérebro, não registramos ou consolidamos a informação sensorial em uma memória de curto prazo durante o processo de pôr as chaves num determinado lugar. Ninguém pode lembrar algo que nunca aprendeu.

Se nos mantivermos atentos, um cérebro saudável vai continuar a nos servir à medida que envelhecermos. Podemos contar com prontidão e vigor, em vez de medo da deficiência e da senilidade. Em nossa opinião – e Rudy fala com a autoridade de importante pesquisador do Alzheimer –, uma campanha pública que gerasse alarme sobre a senilidade teria um efeito danoso. As expectativas são um gatilho poderoso para o cérebro. Se alguém acha que vai perder a memória e observa cada mínimo lapso com ansiedade, está interferindo no ato natural e espontâneo de lembrar. Biologicamente, mais de 80 por cento das pessoas acima dos 70 anos não têm perda significativa de memória. Nossas expectativas devem corresponder a essa descoberta, e não a nosso medo oculto e, em grande medida, infundado.

Se alguém se torna apático e aborrecido com a vida, ou simplesmente não sente entusiasmo por suas experiências de cada momento, é porque seu potencial de aprendizado está enfraquecido. Como evidência física disso, um neurologista pode indicar as sinapses que devem ser consolidadas na memória de curto prazo. Mas, na maioria dos casos, um acontecimento mental precedeu a evidência física: jamais aprendemos aquilo que acreditamos ter esquecido.

Nada solidifica a memória como a emoção. Quando somos crianças, aprendemos sem esforço porque temos um entusiasmo natural por aprender. Emoções de alegria e deslumbramento, mas também de horror e medo, intensificam o aprendizado. Isso guarda a memória dentro de nós, às vezes por toda a vida. (Tente lembrar seu primeiro hobby ou seu primeiro beijo. Agora tente lembrar o nome do primeiro deputado em que votou, ou a marca do carro do vizinho quando você tinha 10 anos. Geralmente, as duas primeiras lembranças vêm facilmente, enquanto as duas últimas, não – a menos que você tivesse uma paixão precoce por política ou carros.)

Às vezes, o fator de entusiasmo que ocorre com as crianças também funciona com os adultos. Uma forte emoção é quase sempre uma chave. Todos nós lembramos onde estávamos quando ocorreram os ataques de 11 de setembro, assim como os idosos americanos lembram onde estavam no dia 12 de abril de 1945, quando o presidente Roosevelt morreu de repente enquanto estava de férias em Warm Springs, no estado da Geórgia. Como a memória ainda continua inexplorada, não podemos afirmar, em termos de função cerebral, por que intensas emoções podem gerar lembranças muito detalhadas. Algumas emoções fortes podem ter o efeito contrário: em caso de abuso sexual na infância, por exemplo, o trauma é reprimido e só pode ser recuperado com intensa terapia ou hipnose. Essas questões não serão solucionadas antes que algumas perguntas básicas sejam respondidas: O que é a memória? Como o cérebro armazena as lembranças? Que tipo de sinal físico – se é que existe algum – uma lembrança deixa na célula cerebral?

Até que as respostas surjam, acreditamos que o comportamento e as expectativas sejam a chave. Quando você novamente se apaixona por aprender, como quando era criança, novos dendritos e sinapses se formam, e sua memória pode voltar a ser tão boa como era na sua juventude. Da mesma forma, quando você lembra um acontecimento antigo recuperando-o ativamente (ou seja, quando sua mente vasculha o passado com atenção), você cria novas sinapses, que fortalecem as velhas, aumentando a possibilidade de voltar a lembrar esse fato no futuro. A tarefa é sua, como líder e usuário de seu cérebro. Você não é seu cérebro; é muito mais que isso. No final, esse é o único fato que vale a pena lembrar.


Mito 4: O cérebro perde milhões de células por dia, que não podem ser substituídas

O cérebro humano perde cerca de 85.000 neurônios corticais por dia, ou um por segundo. Mas essa é uma fração infinitesimal (0,0002 por cento) dos cerca de 40 bilhões de neurônios de nosso córtex cerebral. Nesse ritmo, levaríamos mais de seiscentos anos para perder metade dos neurônios de nosso cérebro! Crescemos ouvindo que, quando perdemos células cerebrais, elas jamais são substituídas. (Nós, os autores, durante a adolescência ouvimos muito esse aviso nos sermões paternos sobre os perigos do álcool.) Nas últimas décadas, porém, ficou demonstrado que não havia uma perda permanente. Paul Coleman, pesquisador da Universidade de Rochester, mostrou que o número total de células nervosas no cérebro aos 20 anos é praticamente o mesmo aos 70.

O desenvolvimento de novos neurônios é chamado de “neurogênese”. Foi observado pela primeira vez há cerca de vinte anos no cérebro de certos pássaros. Por exemplo, quando o mandarim australiano está crecendo e aprendendo novos cantos para acasalar, seu cérebro cresce consideravelmente – novas células nervosas são produzidas para acelerar o processo de aprendizado. Depois que ele aprende o canto, muitas das células novas morrem, e o cérebro volta a seu tamanho original. Esse processo é conhecido como “morte cerebral programada”, ou “apoptose”. Os genes não apenas sabem quando é hora de novas células nascerem (por exemplo, quando nossos dentes permanentes crescem para substituir os dentes de leite, ou quando passamos pelas mudanças da puberdade), mas também a hora de as células morrerem, como quando trocamos células da pele e em vários outros casos. Muita gente fica surpresa ao saber desse fato. A morte existe a serviço da vida – podemos resistir a essa ideia, mas nossas células a entendem perfeitamente.

Nas décadas que se seguiram a essas descobertas importantes, os pesquisadores observaram a neurogênese no cérebro de mamíferos, particularmente no hipocampo, que é usado na memória de curto prazo. Hoje sabemos que milhares de novas células nervosas nascem nessa área do cérebro todos os dias. Fred Gage, neurocientista no Salk Institute, mostrou que exercícios físicos e um ambiente enriquecedor estimulam o crescimento de novos neurônios em camundongos. Vemos esse mesmo princípio em ação nos zoológicos. Gorilas e outros primatas se entristecem quando são mantidos em gaiolas sem o que fazer, mas se animam em ambientes cheios de árvores, balanços e brinquedos. Se descobrirmos como induzir a neurogênese com segurança no ser humano, poderemos tratar com maior eficiência doenças que provocam a perda ou danos graves às células cerebrais, como mal de Alzheimer, ferimento cerebral traumático, derrame e epilepsia. Também poderemos manter a saúde de nosso cérebro à medida que envelhecemos.

Sam Sisodia, pesquisador do mal de Alzheimer na Universidade de Chicago, mostrou que exercício físico e a estimulação mental protegem os camundongos da doença, mesmo quando eles foram projetados geneticamente para carregar uma mutação do Alzheimer humano em seu genoma. Outros estudos com roedores também oferecem perspectivas positivas para o cérebro normal. Praticando exercícios diariamente, você pode aumentar o número de novas células nervosas, assim como quando se dispõe a aprender coisas novas. Ao mesmo tempo, você promove a sobrevivência dessas novas células e conexões. O estresse emocional e o trauma, ao contrário, geram a produção de glucocorticoides no cérebro, toxinas que inibem a neurogênese em animais.

Portanto, é fácil descartar o mito da perda de milhões de células cerebrais por dia. Até a advertência paterna de que o álcool mata as células do cérebro se revelou apenas uma meia verdade. O uso do álcool na verdade mata um número mínimo de células cerebrais, mesmo entre os alcoólatras (que, entretanto, expõem-se a muitos riscos reais à saúde). A verdadeira perda decorrente da ingestão de bebida alcoólica ocorre nos dendritos, mas estudos parecem indicar que esse dano é em grande parte reversível. A conclusão por enquanto é que, à medida que envelhecemos, importantes áreas do cérebro envolvidas com a memória e o aprendizado continuam a produzir novas células nervosas, e que esse processo pode ser estimulado pelo exercício físico, atividades mentalmente estimulantes (como a leitura) e relacionamentos sociais.


Mito 5: Reações primitivas (medo, raiva, ciúme, agressividade) dominam o cérebro racional

A maioria das pessoas deve, no mínimo, ter ouvido falar que os quatro primeiros mitos mostrados não são verdadeiros. O quinto, porém, parece estar ganhando terreno.

O argumento de que os seres humanos são movidos por impulsos primitivos é em parte científico, em parte moral, e em parte psicológico. Esse pensamento pode ser resumido em uma frase: “Nascemos maus porque Deus está nos punindo, e até a ciência concorda com isso”. Um número enorme de pessoas acredita em alguma parte dessa frase, ou nela inteira.

Vamos examinar o que parece ser a opinião racional, o argumento científico. Todos nascemos com uma memória genética que nos fornece os instintos básicos que precisamos para sobreviver. A evolução visa a garantir a propagação de nossa espécie. Nossas necessidades instintivas trabalham lado a lado com nossa necessidade emocional de coletar alimento, encontrar abrigo, conquistar poder e procriar. Nosso medo instintivo nos ajuda a evitar situações perigosas que ameaçam nossa vida e nossa família.

Assim, um argumento evolucionário é usado para nos persuadir de que nossos medos e desejos, instintivamente programados desde o útero, dominam nosso cérebro racional e mais evoluído, com sua razão e sua lógica (ignorando a óbvia ironia de que o cérebro racional inventou a teoria que o rebaixou). Não há dúvida de que as reações instintivas são parte da estrutura do cérebro. Alguns neurocientistas se convenceram do argumento de que certos indivíduos são programados para se tornar antissociais, criminosos, alcoólatras agressivos, assim como outros são programados para ter ansiedade, depressão, autismo e esquizofrenia.

Mas a ênfase no cérebro reptiliano ignora uma verdade. O cérebro é multidimensional, o que permite que qualquer experiência aconteça. Qual experiência será dominante não é algo automático nem geneticamente programado. Existe um equilíbrio entre desejo e contenção, entre escolha e compulsão. Aceitar que a biologia é um destino destrói o propósito do ser humano: devemos nos submeter ao destino apenas em último caso, mas o argumento da força do cérebro reptiliano faz da submissão a primeira escolha. Como compensar isso? Não aceitamos que nossos antepassados tenham se conformado com o erro humano porque lhes disseram que isso era herança da desobediência de Adão e Eva no Jardim do Éden. A herança genética corre o risco de induzir à mesma resignação, camuflada de ciência.

Mesmo que uma pessoa sinta medo e desejo todos os dias, numa reação natural ao mundo, não precisa ser governada por esses sentimentos. Um motorista parado numa autoestrada de Los Angeles e sufocado pela poluição sentirá a mesma reação de fuga ou luta de seus ancestrais quando caçavam antílopes na savana africana ou tigres no norte da Europa. Essa reação ao estresse, um impulso instintivo, está em nós, mas não faz o motorista abandonar seu veículo e sair correndo ou atacar os outros motoristas. Freud afirmou que a civilização depende do controle dos impulsos primitivos, de modo que valores mais altos possam prevalecer, o que é uma grande verdade. Mas, pessimista, ele acreditava que pagamos um alto preço por isso. Reprimimos nossos impulsos inferiores, mas nunca os extinguimos nem fazemos as pazes com nossos medos mais profundos e nossa agressividade. O resultado é a erupção da violência em massa, como ocorreu nas duas guerras mundiais, quando toda essa energia reprimida cobrou o seu preço de uma maneira horrenda e incontrolável.

Não podemos resumir os milhares de livros escritos sobre esse tema ou oferecer uma resposta perfeita. Mas, com certeza, rotular seres humanos como títeres do instinto animal está errado, em primeiro lugar porque denota uma total falta de equilíbrio. O cérebro racional é tão legítimo, poderoso e evolucionário quanto o cérebro reptiliano. Os maiores circuitos, que criam um ciclo de feedback entre os dois, são maleáveis. Se você é um enforcer no hóquei profissional, sua tarefa é provocar as brigas na quadra de gelo, e por isso você provavelmente escolheu moldar os circuitos de seu cérebro para favorecer a agressividade. Mas sempre existe uma possibilidade de escolha, e, se algum dia você se arrepender dela, pode se retirar para um mosteiro budista, meditar sobre a compaixão e moldar os circuitos cerebrais numa direção superior. As opções sempre existem.

Com raras exceções, a liberdade de escolha não é proibida na programação original. “Meu cérebro me fez fazer isso” é uma desculpa esfarrapada para quase todo comportamento indesejável. Podemos ter consciência de nossas emoções e escolher não nos identificarmos com elas. Isso é muito mais difícil para uma pessoa que sofre de transtorno bipolar, dependência de drogas ou fobia. Mas o caminho para a saúde do cérebro começa com a consciência. E também acaba com ela, pois a consciência permite cada passo do processo. No cérebro, a energia flui aonde a consciência vai.

Quando a energia para de fluir, ficamos bloqueados. Essa barreira é uma ilusão, mas, quando acontece, parece real. Vamos supor que uma pessoa tenha um medo mortal de aranhas. Fobias são reações paralisantes. Um aracnofóbico não pode ver uma aranha sem ter um acesso automático de medo. O cérebro reptiliano desencadeia uma complexa cascata química. Os hormônios correm pela corrente sanguínea, aceleram o coração e elevam a pressão sanguínea. Os músculos se preparam para a fuga ou para a luta. Os olhos se fixam, com a visão concentrada no objeto que provoca o medo. A aranha se torna enorme aos olhos da mente. Tão forte é a reação de medo que o cérebro racional – a parte racional, que sabe que as aranhas são na maioria pequenas e inofensivas – se desliga.

Esse é um exemplo excelente de alguém que está sendo usado pelo cérebro. Ele impõe uma falsa realidade. Todas as fobias são, no fundo, distorções do que é real. A altura não é necessariamente motivo para pânico, nem espaços abertos, nem voar de avião ou uma infinidade de outras coisas que os fóbicos temem. Desistindo do poder de usar o cérebro, quem tem uma fobia se vê preso numa reação paralisante.

As fobias podem ser tratadas com sucesso restabelecendo a consciência e devolvendo o controle ao usuário do cérebro. Uma técnica é fazer a pessoa imaginar o que tem medo. Um aracnofóbico, por exemplo, é solicitado a visualizar uma aranha e imaginar a imagem cada vez maior e depois cada vez menor. Depois, fazer a imagem andar para a frente e para trás. Esse simples ato de movimentar o objeto temido pode ser muito eficiente para eliminar seu poder, porque o medo congela a mente. Aos poucos, o terapeuta pode usar uma aranha numa caixa de vidro. O paciente é solicitado a se aproximar o máximo que puder sem sentir pânico. A distância pode mudar dependendo do nível de conforto do paciente, e com o tempo essa liberdade também restaura o controle. O fóbico aprende que tem outras opções além de apenas fugir.

É óbvio que o cérebro racional pode dominar até mesmo os medos mais instintivos, caso contrário não existiriam alpinistas (medo de altura), equilibristas (medo de cair) ou domadores de leões (medo da morte). O lado triste, porém, é que somos todos como o fóbico que nem consegue imaginar uma aranha sem suar frio. Cedemos ao medo, não de aranhas, mas de coisas normais: fracasso, humilhação, rejeição, velhice, doença e morte. É uma trágica ironia que o mesmo cérebro capaz de dominar o medo também possa nos sujeitar a medos que nos perseguem por toda a vida.

As chamadas “criaturas inferiores” estão livres do medo psicológico. Quando uma onça ataca, a gazela entra em pânico e luta por sua vida. Mas, se não existe nenhum predador por perto, esse animal leva uma vida despreocupada. Os humanos, porém, passam por terríveis sofrimentos interiores, e esses sentimentos se traduzem em problemas físicos. Os riscos são muito altos se permitirmos que nosso cérebro nos use. Mas, se começarmos a usá-lo, as recompensas serão infinitas.


SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO

Perda de memória

Até aqui enfatizamos que precisamos nos relacionar com nosso cérebro de uma maneira nova. Isso é especialmente verdade em relação à memória. Não podemos esperar que ela seja perfeita, e a maneira como reagimos às suas falhas é responsabilidade nossa. Se encararmos cada pequeno lapso como sinal de um inevitável declínio decorrente da idade ou de falta de inteligência, estamos preparando terreno para que isso se torne realidade. Toda vez que você se queixa de que sua memória está piorando, reforça essa mensagem em seu cérebro. No equilíbrio entre mente e cérebro, a maioria das pessoas culpa o segundo, quando deveriam estar prestando atenção a seus hábitos, comportamentos, atenção, entusiasmo e concentração, que são características primordialmente mentais.

Quando você deixa de prestar atenção e desiste de aprender coisas novas, não dá nenhum estímulo à sua memória. Um ditado popular diz que “o olho do dono engorda o gado”. Portanto, para estimular sua memória a melhorar, você precisa prestar atenção à maneira como sua vida está caminhando. O que isso significa especificamente? A lista é longa, mas inclui atividades que surgem naturalmente. A única diferença quando você envelhece é que precisa fazer escolhas mais conscientes.

Programa de atenção à memória

• Tenha paixão pela vida e pelas experiências com as quais a enriquece.

• Aprenda coisas novas com entusiasmo.

• Preste atenção ao que você vai precisar se lembrar mais tarde. Lapsos de memória são, na verdade, lapsos de aprendizado.

• Recupere velhas lembranças; confie menos em ferramentas como listas.

• Acredite que sua memória permanecerá intacta. Resista a expectativas negativas de pessoas que consideram a perda de memória “normal”.

• Não se culpe por lapsos ocasionais, nem tenha medo deles.

• Se uma lembrança não surge imediatamente, não a descarte considerando-a perdida. Tenha paciência e dê alguns segundos para que o sistema de recuperação do cérebro funcione. Concentre-se em coisas ou em pessoas que você associa ao que quer recordar, e provavelmente a lembrança virá. Todas as lembranças estão associadas a recordações anteriores. Essa é a base do aprendizado.

• Diversifique suas atividades mentais. Um jogo de palavras cruzadas usa uma parte da memória diferente da que você emprega para se lembrar das compras do supermercado, para aprender uma língua ou guardar o rosto de pessoas que acabou de conhecer. Exercite todos esses aspectos da memória, e não apenas os mais frequentes em sua vida.


O objetivo deste programa é manter a conexão entre mente e cérebro. Cada dia é importante. Seu cérebro nunca para de prestar atenção ao que você lhe diz, e é capaz de responder rapidamente. Um velho amigo de Deepak, editor de livros médicos, tem orgulho de sua memória desde a infância. Como ele explica, porque não tem uma memória fotográfica, “mantém as antenas ligadas”. Como presta atenção à sua vida cotidiana, é capaz de se lembrar das coisas com rapidez e confiabilidade.

Esse homem acaba de fazer 65 anos, assim como muitos de seus amigos. Eles começaram a fazer piada sobre os sinais da idade, como “Minha memória está tão boa como sempre. Só que não tenho mais um prazo de entrega rápido”. Ele começou a notar lapsos ocasionais, embora não tivesse dificuldade quando fazia pesquisas para o trabalho.

“Sem me preocupar demais com isso”, ele conta, “decidi começar a fazer lista de compras. Até então, jamais tinha feito uma lista. Eu simplesmente ia ao supermercado e me lembrava do que precisava. Isso ocorria mesmo quando eu tinha que encher a despensa.

“Passei a manter a lista no computador, e uma coisa espantosa aconteceu. Em um dia ou dois, não conseguia mais me lembrar do que queria comprar. Sem a lista em mãos, eu estava impotente. Percorria as gôndolas, na esperança de que, olhando os produtos, eu me lembrasse do que me levara até ali.

“No começo achei graça, até que numa semana me esqueci de comprar açúcar apesar de ter ido duas vezes ao supermercado. Agora estou tentando me livrar da lista, mas a gente fica dependente delas muito rapidamente.”

Com esse exemplo, pense nas coisas que deveria prestar mais atenção em vez de usar algumas muletas. Nosso programa de atenção à memória vai guiar você, já que inclui as principais áreas dignas de atenção. As coisas mais conhecidas podem parecer sem importância, mas fazem a diferença.

Você é capaz de se livrar das listas de coisas para lembrar? Tente levá-la ao supermercado, mas não a leia. Compre o máximo que puder e só depois a consulte. Quando não estiver esquecendo mais nada, livre-se dela completamente.

Você consegue parar de se culpar por lapsos de memória? Da próxima vez que se pegar dizendo “Não consigo me lembrar de nada”, tenha paciência e aguarde. Se esperar que as lembranças venham, elas quase sempre virão.

Deixe de bloquear sua memória. Recuperar uma lembrança é uma tarefa delicada: é fácil perder o rumo estando ocupado, distraído, preocupado, estressado, cansado por falta de sono ou sobrecarregado mentalmente por fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo. Examine esses fatores antes de culpar seu cérebro.

Cultive um ambiente favorável à memória, que seja o contrário dos obstáculos que acabamos de mencionar. Em outras palavras, esteja atento ao estresse, durma bem, tenha hábitos regulares, não se sobrecarregue mentalmente com múltiplas tarefas etc. A criação de hábitos regulares ajuda muito, já que o cérebro funciona mais facilmente com a repetição. Se você vive de uma maneira distraída e desordenada, a sobrecarga sensorial a seu cérebro é danosa e desnecessária.

Se você está envelhecendo e sente que pode estar sofrendo perda de memória, não entre em pânico nem se conforme. Concentre seus esforços nas atividades mentais que melhoram a função cerebral. Certos softwares de “ginástica para o cérebro” e exercícios como os incluídos em Keep your brain alive, de coautoria de Lawrence Katz, neurobiólogo da Universidade de Duke, foram concebidos para exercitar o cérebro de uma maneira sistemática. Os relatos de reversão moderada da perda de memória após exercícios para o cérebro ainda são episódicos, mas encorajadores.

Finalmente, encare este projeto como algo natural. Seu cérebro foi criado para obedecer à sua liderança, e, quanto mais tranquilo você estiver, melhor será para a parceria mente e cérebro. A melhor memória é aquela em que se pode confiar.