O CÉREBRO ILUMINADO

Ser iluminado seria como? A alma está ao nosso alcance? É possível encontrar Deus pessoalmente? Para muitos, responder a essas perguntas é como capturar um unicórnio, um belo sonho que nunca vira realidade. O unicórnio representava a graça perfeita na Idade Média. O cavalo branco, puro, com um chifre espiralado no meio da testa, era um símbolo de Cristo, e capturá-lo era uma jornada interior para encontrar Deus. O mito pode se tornar realidade se você encontrar o caminho certo.

A iluminação também envolve uma jornada interna, tendo Deus como destino, e isso pode ser conseguido. Existem outros destinos que não Deus, no entanto. O termo original para iluminação espiritual, moksha, em sânscrito, significava “libertação”. Libertação do quê? De sofrimento, mortalidade, dor, do ciclo do renascimento, da ilusão, do carma – a espiritualidade oriental ofereceu muitos objetivos esperançosos com seus desdobramentos no decorrer dos séculos. Embora moksha seja considerada uma meta realista, algo que todas as pessoas deveriam almejar, a realidade frustrante é que exemplos de pessoas que alcançaram a iluminação são muito raros. Analogias com unicórnios são inquietantes.

Nossa intenção é abordar a busca da iluminação como o caminho natural do cérebro. Durante séculos, antes de se conhecer a conexão mente-corpo, as pessoas não sabiam – como sabemos agora – que qualquer experiência envolve obrigatoriamente o cérebro. Você não consegue ver uma torradeira ou uma tartaruga sem ativar o córtex visual. O mesmo aconteceria se você visse um anjo, mesmo pelo olho de sua mente. No que diz respeito aos neurônios do córtex vi­sual, uma imagem pode ser vista estando-se acordado ou sonhando; ela pode existir no mundo interior ou no exterior. Nada visual acontece sem estimular essa região do cérebro. Nem acontece apenas com os anjos. Para Deus, Satã, a alma, espíritos ancestrais ou qualquer experiência existirem, o cérebro deve ser capaz de registrá-las, guardá-las e compreendê-las. Não estamos falando apenas do córtex visual. O cérebro inteiro é um território virgem para a espiritualidade.


O DESPERTAR DO CÉREBRO

Um sinal de que a iluminação é real – e acessível – vem de nos observarmos. Usamos frases comuns o tempo todo que fazem menção exatamente a isso: “acorde”, “preste atenção”, “encare a realidade”. Isso tudo aponta para um estado mais elevado de consciência. Se uma pessoa é iluminada, ela foi além. Com o esclarecimento, acordamos totalmente, enxergamos com clareza, encaramos a verdade definitiva. O cérebro, então, não está mais embotado, adormecido; ele se equipara a nosso estado iluminado, que é alerta, vibrante e criativo.

Uma grande mudança ocorreu, e não é de surpreender que numa era de fé tenhamos usado “acordar” com significado religioso. No Novo Testamento, o “preste atenção” é descrito como “ver a luz de Deus”. Quando Jesus disse “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12), quis dizer que as pessoas veriam divindade se o olhassem não como um amontoado de carne e sangue, mas como parte da existência divina. Deus é a luz suprema, e é preciso olhos novos, os olhos da alma, para senti-lo. Mas qualquer tipo de percepção, independentemente do quanto a terminologia seja poética ou sagrada, deve envolver uma mudança em como o cérebro funciona.

Quando uma transformação assim acontece, vemos tudo sob uma nova luz, inclusive nós mesmos. Jesus disse a seus discípulos para não ocultar sua luz sob um cesto, porque eles também eram parte de Deus. Eles precisavam ver a si mesmos com os olhos da alma, e então deixar o mundo ver o quanto estavam transformados. As religiões tentam patentear a transformação pessoal e torná-la exclusiva, mas este é um processo universal arraigado na conexão mente-corpo. Quando falamos “encare a realidade”, queremos dizer para ver o mundo como ele realmente é, não como uma ilusão. Uma pessoa iluminada libertou sua mente de todas as ilusões e enxerga a realidade com perfeita clareza. O que parece comum, de repente torna-se divino.

Quando a mente acorda, vê a luz e encara a realidade, o cérebro passa por transformações físicas. A neurociência não consegue mapear totalmente essas mudanças, pois há muito poucas cobaias para testar. Toda essa questão de consciência superior está sendo esculpida, e o progresso pode ser muito lento. É praticamente impossível determinar se as pessoas realmente veem anjos se os neurocientistas mal podem explicar como o cérebro vê alguma coisa. Como enfatizamos, ao olhar para o objeto mais comum – uma mesa, cadeira, um livro –, não há imagem dele no cérebro. As teo­rias da visão, junto com os outros quatro sentidos, permanecem rudimentares e basicamente um jogo de adivinhações.

Mas as evidências existentes da iluminação, apesar de chegarem aos poucos, são positivas. Por décadas, iogues indianos realizaram feitos físicos notáveis sob o olhar pasmo da ciência. Uma classe de homens puros, conhecidos como sadhus, submete o corpo a condições extremas como prática de devoção, e também para desenvolver o autocontrole. Alguns foram enterrados em um caixão fechado e sobreviveram por dias, pois eram capazes de reduzir seu batimento cardíaco e sua respiração a quase nada. Outros sobrevivem com escassas calorias diárias ou realizam proezas de força excepcionais. Por meio de práticas espirituais específicas, iogues e sadhus desenvolveram controle sobre seu sistema nervoso autônomo, ou seja, são capazes de alterar conscientemente funções corporais que geralmente são involuntárias.

Seria incrível testemunhar tamanho controle, mas é uma maravilha limitada se comparada à iluminação. Nesse caso, o cérebro adota uma visão totalmente nova do mundo, e, uma vez que o cérebro muda, a pessoa é tomada por admiração e êxtase. Você passa por uma série de experiências surpreendentes e, à medida que seu cérebro processa esses marcos, ativa uma nova maneira de ver o mundo. A cada nova surpresa, uma antiga percepção é derrubada.

A surpresa da iluminação

Uma sucessão de insights

• Sou parte de tudo. ‒ Derruba a crença de que você está sozinho e isolado.

• Sou estimado. ‒ Derruba a crença de que o universo é vazio e impessoal.

• Sou realizado. ‒ Derruba a crença de que a vida é uma batalha.

• Minha vida é importante para Deus. ‒ Derruba a crença de que Deus é indiferente (ou não existe).

• Sou ilimitado, um filho do universo. ‒ Derruba a crença de que o ser humano é uma partícula insignificante na vastidão do universo.


Essas percepções não vêm todas de uma vez. Elas fazem parte de um processo. Como o processo é natural e fácil, todos têm momentos de despertar. Não é difícil mudar a percepção. Nos filmes (e às vezes na vida real), uma mulher pode dizer a um homem: “Ei! Não somos apenas amigos. Você está apaixonado por mim! Como não percebi?”. Esse momento de despertar, seja no cinema ou na realidade, pode mudar o rumo da vida de uma pessoa. Mas, mesmo que não mude, ela vivencia uma transformação interior. A mente – acompanhada pelo cérebro – para de computar um mundo baseado no “somos apenas amigos” em prol de uma realidade em que a conclusão “você me ama” de repente surgiu. A iluminação segue o mesmo rumo. A realidade A (o mundo secular) é alterada por um momento de insight, mudando as regras de sua vida, aquelas que se aplicam à realidade B (em que Deus é real).

Em seu anseio por mais significado e realização, as pessoas moldam a realidade B. Se alguém tivesse 100 por cento de garantia da existência de Deus, desistir da realidade A seria um prazer e um alívio. Não haveria mais sofrimento, dúvida ou medo da morte, nenhuma preocupação quanto a pecado, inferno e danação. As religiões prosperam alimentando nosso desejo de escapar das armadilhas do mundo secular, não importa o quanto a realidade A seja confortável.

A única garantia de que Deus existe vem da vivência direta. Você tem que sentir uma presença divina ou sentir Deus trabalhando, o que quer que essas frases signifiquem para você. Surpreendentemente, Deus tem uma influência relativamente pequena no processo de iluminação. A parte maior vem da mudança na percepção: acordar, ver a luz e encarar a realidade. É um erro acreditar que uma pessoa iluminada seja um tipo de Houdini espiritual, que misteriosamente se liberta da ilusão da vida mundana. O verdadeiro propósito da iluminação é tornar o mundo mais real. A fantasia vem do pensamento de que você está isolado, sozinho. Quando se percebe estar conectado a tudo na matriz da vida, o que poderia ser mais real?

Existem graus de iluminação, e você nunca sabe qual será o próximo insight. Há uma possível revelação em todos os acontecimentos se você aprender uma nova maneira de percebê-los. Aqui vai um exemplo pessoal. Em uma conferência, Deepak encontrou uma famosa neurocientista que disse se sentir mais à vontade no mundo dos pássaros do que no das pessoas. Qual seria o significado de tal afirmação? Não parecia ser um delírio. Essa mulher conhecia neurociência muito bem; era inteligente e articulada.

A essência de sua experiência foi parecida com a do encantador de cavalos: sintonizar-se com o sistema nervoso de outros seres. Há uma década tal afirmação teria soado esquisita. Como alguém pode pensar que nem um cão, como faz o treinador Cesar Millan, ou que nem um cavalo, como faz Monty Roberts, o encantador de cavalos original? A resposta é sensibilidade e empatia. Sendo autoconscientes, já conseguimos estender nossa consciência à maneira como outras pessoas se sentem. Não há mistério em sentir a alegria ou a dor de alguém.

Aparentemente podemos fazer o mesmo com animais, e a prova é que pode-se treinar cavalos e cachorros quase sem esforço, sussurrando em sua linguagem, sem recorrer a chicote, focinheira ou maus-tratos. Quando se sabe como o sistema nervoso de um animal vê o mundo, não é necessário usar a força para alterar seu comportamento. Fazemos isso mais facilmente seguindo a conduta natural de seu cérebro.

No caso da neurocientista, a prova de sua sintonia é que diversas espécies de pássaros silvestres ficam à vontade sobre seus ombros ou comendo em sua mão. Será que isso a torna a sucessora de São Francisco de Assis, que é retratado exatamente dessa forma? Sim, de certo modo. A capacidade de um santo enxergar toda a criação como parte de Deus gera uma empatia com tudo o que é vivo. Uma mudança ocorre no sistema nervoso do santo, que expressa o que a mente passa a aceitar: “Estou em paz com o mundo e com todos os seres vivos. Não estou aqui para prejudicá-los”.

É assim tão admirável que outras criaturas saibam quando estamos em paz? Nossos bichinhos sabem para quem rosnar e de quem se aproximar para ganhar um carinho. O sistema nervoso humano tem semelhanças com o de outros animais. Parece um pouco rude dizer isso de modo tão analítico, mas a verdade é bastante bela quando vemos um pássaro pousar em nossa mão.

Deepak relata seu encontro com essa mulher, mas ainda não foi uma experiência reveladora. Rudy a desencadeou quando Deepak lhe fez uma pergunta fantástica: “Se o DNA do ser humano é 65 por cento igual ao da banana, conseguimos nos identificar com bananas, ou nos comunicar com elas?” (Deepak havia lembrado de alguns experimentos famosos de Cleve Backster, que conectou plantas caseiras a sensores elétricos como um tipo de polígrafo ou um detector de mentiras, e descobriu que elas manifestavam mudanças em seu campo elétrico quando seus donos brigavam ou ficavam muito estressados. A descoberta mais surpreendente foi que as plantas revelaram maior excitação elétrica quando seus donos pensaram em arrancá-las.)

Rudy respondeu que, quando provamos a doçura da banana, os receptores em nossa língua são conectados ao açúcar da fruta. Então, até certo ponto, participamos dessa realidade no âmbito químico. A banana também fornece proteínas que se ligam a receptores semelhantes aos nossos. Desse jeito experimentamos uma espécie de comunicação “molecular”. Da mesma forma, quando se digere uma banana, a energia dela passa a ser nossa, o que é uma ligação ainda mais íntima do que a comunicação. Ao analisar todo o DNA em uma pessoa, 90 por cento vêm de bactérias que habitam o corpo dela de modo mutuamente dependente (simbiótico). Boa parte do nosso próprio DNA humano é similar ao DNA das bactérias. E as importantes organelas que nos dão energia, chamadas “mitocôndrias”, são na verdade células bacterianas que foram integradas por nossas células para essa finalidade. Portanto, somos geneticamente entrelaçados na rede da vida. Isso forma uma matriz de energia, genes e informações químicas codificadas. Nada é isolado. Essa é a grande revelação. Cada vez mais pessoas estão descobrindo isso, como pode ser observado pela espansão do movimento ecológico atual. O homem está abandonando a ilusão de que a Terra é dele e portanto pode ser manipulada e destruída a torto e a direito sem consequências terríveis. Porém, mesmo sem dados sobre a redução do ozônio e o aumento da temperatura dos oceanos, sábios antigos e profetas da Índia, como parte de sua jornada à iluminação, tiveram o mesmo insight quando declararam: “O mundo está em você”. A ecologia interliga todas as atividades que sustentam a vida, sejam as que ocorrem nas células ou em uma banana.


ONDE ESTÁ A PROVA?

Do ponto de vista cético, quando alguém acredita em Deus, o cérebro, sendo capaz de criar ilusões, engana a si mesmo para acreditar, e adota todas as armadilhas da espiritualidade. Para um cético, a simples realidade material (“Esta pedra é sólida. Isso é o que a torna real.”) é a única que existe. Toda experiência espiritual, portanto, tem que ser irreal, não importando se o manto da dúvida se aplica a Jesus, Buda, Lao-tsé e inúmeros santos e sábios reverenciados há milhares de anos. Para o cético convicto, é tudo bobagem. Richard Dawkins, o etnólogo britânico e escritor científico que se apresenta como ateu profissional, escreveu um livro para jovens, A magia da realidade [São Paulo, Companhia das Letras, 2012], sobre o que é real. Ele afirma que, quando queremos saber o que é real, usamos os cinco sentidos, e, quando as coisas são muito grandes e remotas (como as galáxias distantes) ou muito pequenas (como as células cerebrais e as bactérias), ampliamos nossos sentidos com artefatos como telescópios e microscópios. Há quem espere que Dawkins acrescente uma advertência de que os cinco sentidos nem sempre são confiáveis, como quando nossos olhos nos dizem que o sol surge no céu de manhã e se põe no crepúsculo, mas ele não faz isso.

No entender de Dawkins, nada do que sabemos emocional ou intuitivamente é válido, e a crença mais enganosa de todas é a “ilusão de Deus”. (De forma alguma ele fala por todos os cientistas. Segundo algumas pesquisas, cientistas creem em Deus e até frequentam cerimônias religiosas mais do que a população em geral.)

A lacuna entre materialismo e espiritualidade – fatos versus fé – existe há séculos, mas o cérebro ainda pode resolvê-la. Pesquisas incontestáveis sobre meditação confirmaram que o cérebro se adapta a experiências espirituais. Entre monges budistas tibetanos, que dedicam a vida à prática espiritual, o córtex pré-frontal apresenta atividade elevada; a atividade das ondas gama em seu cérebro tem o dobro da frequência da de uma pessoa comum. Coisas incríveis acontecem no neocórtex dos monges, as quais pesquisadores do cérebro nunca viram antes. Assim, menosprezar a espiritualidade considerando-a como uma mera autoilusão ou superstição é repudiado pela própria ciência.

O ceticismo não é o problema; na verdade, é uma falácia. O problema mesmo é o descompasso entre a vida moderna e a jornada espiritual. Inúmeras pessoas anseiam encontrar Deus. Passar a vida toda no caminho interior pode ser muito gratificante, mas poucos fazem isso no sentido tradicional. As necessidades espiri­tuais mudaram desde a Idade da Fé. Deus foi colocado na prateleira. Quanto à iluminação, é muito difícil, muito distante e improvável. O cérebro pode nos ajudar nisso também. Vamos redefinir o estado de iluminação em termos atualizados. Vamos chamá-lo de “estado máximo de realização”. Como seria esse estado?


• A vida seria menos difícil.

• Os desejos seriam realizados mais facilmente.

• Haveria menos dor e sofrimento.

• Os insights e a intuição se tornariam mais fortes.

• O mundo de Deus e da alma seria uma experiência real.


Haveria a percepção do profundo significado de nossa existência.

Isso nos proporciona um processo realista que pode avançar pouco a pouco. Iluminação requer transformação total, mas não instantânea. O cérebro passa por mudanças físicas conforme você, seu usuário e guia, atinge novos estágios de transformação pes­soal. É isso o que se deve procurar. Longe de serem exóticos, estes são aspectos de sua própria consciência neste momento; tudo o que você precisa é expandi-los.

Sete passos da iluminação

• Maior calma interior e desapego – você pode estar centrado em meio à atividade externa.

• Sensação maior de estar conectado – a solidão é menor, você se sente mais ligado aos outros.

• A empatia se aprofunda – você percebe o que os outros estão sentindo e se importa com eles.

• A clareza se manifesta – sua confusão e seus conflitos diminuem.

• A consciência se acentua – fica mais fácil saber o que é real e quem é sincero.

• A verdade se revela – você deixa de se ligar a crenças convencionais e preconceitos. Fica menos suscetível à opinião alheia.

• O êxtase cresce em sua vida – você ama mais profundamente.


Você não tenta alcançar esses aspectos distintos de consciência expandida com um ataque frontal. Na verdade, cada um deles surge em seu próprio tempo e em seu próprio ritmo. Nada precisa ser forçado. Uma pessoa, por exemplo, poderá notar maior êxtase antes – e mais facilmente – do que o aumento da clareza; já outra poderá perceber o contrário. Conforme o processo de iluminação se desenvolve, ele segue a sua natureza, e somos todos diferentes.

O que importa é querer a iluminação antes de tudo, processo que está ligado a toda questão da transformação.

Se você quer se transformar, que é no que consiste a iluminação, o que seu cérebro tem que fazer? Se ele pode mudar tão facilmente quanto está mudando neste exato minuto, não há grandes obstáculos. Os milhões de pessoas que anseiam por se transformar já têm isso sob controle, na verdade. Seu cérebro está em constante transformação. Assim como não dá para entrar num mesmo rio duas vezes, o mesmo ocorre com o cérebro. Ambos fluem. O cérebro é um processo, não uma coisa; é um verbo, não um substantivo.

Nosso maior erro é acreditar que a transformação é extremamente difícil. Imagine uma experiência em seu passado que tomou conta de você e o fez se sentir mudado. A experiência pode ser positiva, como apaixonar-se ou ser promovido; ou negativa, como ser demitido ou se divorciar. Em qualquer caso, o efeito no cérebro é tanto de curto quanto de longo prazo. Isso se aplica à memória, uma vez que há regiões específicas para as memórias de curto e de longo prazo, mas o efeito vai muito além. Experiências profundas mudam seu senso de self, suas expectativas, seus medos e desejos para o futuro, seu metabolismo, sua pressão sanguínea, sua sensibilidade ao estresse, e qualquer outra coisa monitorada pelo seu sistema nervoso central. Elas o transformam.

Um bom filme é o bastante para causar grandes mudanças no sistema nervoso. Filmes de sucesso de Hollywood competem para detonar o senso de realidade do público e provocar novas excitações vibrantes. O Homem-Aranha salta pelos cânions construídos pelo homem em Nova York enquanto Luke Skywalker manobra sua nave para entrar na Estrela da Morte, e dezenas de outros efeitos fascinantes são empregados para transformar o cérebro.

Ao sair do cinema, o efeito permanece em você; é mais do que apenas temporário. Imaginar dar um beijo apaixonado, derrotar o vilão, marchar com os heróis conquistadores – sob o ponto de vista do neurônio, nenhuma dessas experiências é irreal. Elas são reais porque seu cérebro mudou. Um filme é uma máquina de transformação, e assim também é a vida. Aceitando que a transformação é um processo natural – que tem a participação de cada célula –, a iluminação deixa de estar fora de alcance.

É claro que o beijo apaixonado do filme não aconteceu na vida real. Seu cérebro é enganado por um tempo, mas você não. Você retorna à realidade (onde amor e romance levam às complicações dos relacionamentos). A chave está aí. Trazer a atenção de volta ao que é real pode ser uma prática espiritual, conhecida como “atenção plena” (consciência do momento presente). Ela pode ser adotada como um estilo de vida e, consequentemente, também a transformação que provoca, mais natural e espontânea do que qualquer pessoa imaginaria.


O MODO ATENTO

Do que você tem consciência neste minuto? Talvez a sua atenção não se volte para nada além das palavras nesta página. Porém, assim que a pergunta “Do que você tem consciência?” é feita, sua percepção desperta. Você percebe todo tipo de coisa: seu humor, o conforto ou o desconforto de seu corpo, a temperatura do ambiente, a luz que entra nele. Essa mudança que chama a atenção para a realidade é a atenção plena.

Você pode trazer sua consciência de volta à realidade sempre que quiser. Não precisa forçar nada; não é necessário ter uma força de vontade sobre-humana. Mas a atenção plena é diferente da consciência normal. Nossa consciência é geralmente focada em um objeto ou uma tarefa específica. É como treinamos nosso cérebro – para ver o que está diante dos nossos olhos, mas não o panorama, que é a consciência em si. Não damos valor ao panorama – até que somos impelidos a ter consciência dele. Imagine que você está com uma pessoa que presta muita atenção em você. Ela não tira os olhos de você. Está atenta a cada palavra. Naturalmente, você se perde no prazer dessa sensação. Mas então ela diz: “Desculpe, mas tem espinafre no seu dente”.

Nesse momento, a consciência muda. Você foi arrancado de sua agradável ilusão. Ser trazido de volta à realidade não tem que ser desagradável. Imagine que está prestes a encontrar uma pessoa importante e está muito ansioso. Pouco antes de se cumprimentarem, no entanto, alguém chega e sussurra em seu ouvido: “O Fulano ouviu coisas ótimas sobre você. Ele já quer lhe dar o contrato”. Outro tipo de mudança de consciência ocorre, desta vez de um estado ansioso para um estado confiante. A atenção plena é a capacidade de fazer isso.

Ela vem naturalmente. Algumas palavras ditas em seu ouvido podem desencadear uma mudança dramática e instantânea. No aspecto hormonal, conhecemos parte da resposta, mas estamos longe de saber como o cérebro muda sua realidade com o apertar de um botão. Contudo, existe claramente uma diferença entre ter essa capacidade e deixar que o cérebro a tenha. A atenção plena faz a diferença. Em vez de ter outras pessoas puxando-o de volta para a realidade – seja o choque agradável ou não –, você volta por si mesmo. É possível definir a atenção plena como “consciência da consciência”, mas isso soa, para nós, enigmático; a explicação simples é que você pode retornar à realidade a hora que quiser.

Infelizmente, todos renunciamos a parte dessa capacidade. Certas áreas de nossa vida são fáceis de prestar atenção, já outras, não. Mulheres gostam de falar o que sentem, por exemplo, e reclamam que os homens ou não querem, ou não conseguem. Homens geralmente ficam mais à vontade discutindo sobre trabalho, esportes e projetos diversos – praticamente nada que chegue perto de um ponto fraco emocional. Nas tradições espirituais orientais, entretanto, há um vasto campo que a maioria dos ocidentais mal chega a cogitar: a consciência da consciência. O termo usado para isso, no budismo, é atenção plena.

Toda vez que você constata algo em si mesmo, está atento. Antes de um encontro ou de uma entrevista de emprego, você avalia o quanto se sente nervoso. Durante o parto, quando o médico pergunta “Como você está?”, a mulher monitora se sua dor está ficando muito forte. Nesse tipo básico de atenção plena, você está avaliando humores, emoções, sensações físicas – tudo o que preenche a mente. E se você tirasse o conteúdo da mente? Encararia um vazio frio e assustador? Não. Um grande pintor pode acordar um dia e descobrir que todas as suas obras foram roubadas, mas ele ainda teria algo invisível e muito mais precioso do que qualquer obra-prima: a capacidade de criar novas pinturas.

A atenção plena é, assim, um estado de potencial criativo. Quando você esvazia completamente sua mente, tem o maior potencial, pois está em um estado de autoconsciência total. (Certa vez, um amante de música contou de forma entusiasmada ao renomado professor espiritual J. Krishnamurti o quanto havia sido belo um concerto. Krishnamurti respondeu: “Sim, belo. Mas você está usando a música para se distrair de si mesmo?”.) A verdadeira atenção plena é uma forma de verificar o quanto se é autoconsciente. Como você já sabe, o supercérebro depende de uma autoconsciência crescente, então, ser atento é crucial. É um estilo de vida.

Pessoas que não são conscientes podem parecer ao mesmo tempo absortas e voltadas para si. Elas são autocentradas demais para se conectar com outras pessoas; são desprovidas de tato em muitas ocasiões sociais. O contraste entre ser autocentrado e atento é bem evidente. Ambos os estados são produzidos no neocórtex, embora não sejam a mesma coisa. Ser autocentrado quase exige que você se perca em ilusões, uma vez que tudo gira em torno de sua imagem. Não estamos julgando esse comportamento; é a perspectiva que a sociedade de consumo nos treina a ter – ela nos incita a comprar coisas que nos farão mais belos, mais jovens, mais atualizados, mais entretidos e momentaneamente distraídos.

Autocentrado: seus pensamentos e ações são dominados pelo “eu”, “mim”, “meu”. Você prioriza coisas específicas que pode conquistar ou possuir – estabelece metas e as atinge. O ego se sente no controle. Suas escolhas levam a resultados previsíveis. O mundo “lá fora” é organizado por regras e leis. Forças externas são poderosas, mas podem ser controladas.

pensamentos típicos

Sei o que estou fazendo.

Tomo minhas próprias decisões.

A situação está sob controle.

Confio em mim mesmo.

Se eu precisar de ajuda, sei aonde ir.

Sou bom no que faço.

Gosto de um desafio.

As pessoas podem depender de mim.

Estou construindo uma vida boa.

Atento: sua mente é ponderada. Ela se volta para dentro para monitorar sua sensação de bem-estar. O autoconhecimento é o objetivo mais importante. Você não se identifica com coisas que pode possuir. Você valoriza e muitas vezes conta com insights e com a intuição mais do que com a razão. A empatia vem naturalmente. A sabedoria desponta.

pensamentos típicos

Esta opção parece certa, a outra não.

Estou tomando pé da situação.

Sei exatamente como os outros se sentem.

Vejo os dois lados da questão.

As respostas simplesmente vêm a mim.

Às vezes, sinto-me inspirado, e esses são os melhores momentos.

Sinto-me parte da espécie humana. Ninguém é estranho a mim.

Sinto-me livre.

O estado atento é tão natural quanto qualquer outro. Quando o negligenciamos, criamos problemas desnecessários.

Há alguns anos, por exemplo, Rudy estava correndo para concluir alguns experimentos antes de pegar um voo às 19 horas para sair de Boston – ele faria o discurso de abertura de uma conferência internacional importante. Preso no famoso trânsito da cidade, ele acabou perdendo o último voo e teria que sofrer o constrangimento de não comparecer, o que o deixou ansioso e bravo. Gritar com o atendente do balcão não ajudaria em nada, mas ele ficou tentado. Sem ter qualquer consciência disso, ele estava se identificando com os sentimentos intensamente negativos que seu cérebro produzia.

Muitas pessoas considerariam tais sentimentos muito naturais nessa situação. Porém, a alternativa mais saudável teria sido Rudy passar pela frustração por um período de tempo limitado e então retomar a consciência. Recuando, ele perceberia como perder o voo desencadeou seu cérebro instintivo/emocional, produzindo uma reação de total estresse em seu corpo. Sem a atenção plena, o estresse avança e, infelizmente, com o passar dos anos, nosso corpo se estressa mais facilmente e se recupera mais lentamente de todas as situações – deixar o estresse tomar conta não é saudável. No fim, estresse gera estresse.

Tornando-se um observador ativo dos sentimentos negativos despertados em seu cérebro, Rudy teria lidado de maneira mais proativa com a situação e aprendido com ela. E, acima de tudo, não teria sido vítima da mente reativa. Esse incidente isolado resume as vantagens da atenção plena:


• Você consegue lidar melhor com o estresse.

• Livra-se de reações negativas.

• Controla mais facilmente os impulsos.

• Consegue fazer escolhas melhores.

• Assume a responsabilidade por suas emoções em vez de culpar os outros.

• Pode viver mais equilibrado e calmo.


Como cultivar a atenção plena? A resposta rápida é a meditação. Ao fechar os olhos e se voltar para dentro, mesmo que por só alguns minutos, o cérebro tem a chance de se restaurar. Não é necessário tentar ser centrado. O cérebro é projetado para retornar a um estado equilibrado e tranquilo quando tem a chance. Ao mesmo tempo, quando meditamos, ocorre uma mudança no senso de self. Em vez de nos identificarmos com humores, sentimentos e sensações, colocamos a atenção na serenidade, e, logo que isso acontece, o estresse deixa de ser tão persistente. Quando paramos de nos identificar com ele, fica muito mais difícil para o estresse permanecer.

A prática da meditação não é tão estranha à maioria das pessoas como era três ou quatro décadas atrás, e há muitos tipos avançados. Mas começar com as técnicas mais básicas geralmente produz um grande resultado. Sente-se em um lugar sossegado e feche os olhos. É importante que não haja distrações; deixe uma luz fraca.

Ao se sentar, respire profundamente algumas vezes, deixando seu corpo relaxar o quanto quiser. Agora perceba sua inspiração e sua expiração. Deixe sua atenção acompanhar a respiração, como faria se estivesse numa espreguiçadeira sentindo uma brisa gostosa de verão. Não se force a prestar atenção. Se seus pensamentos começarem a vagar sem rumo – o que sempre acontece –, delicadamente traga sua consciência de volta à respiração. Se quiser, após cinco minutos, concentre sua atenção no coração e deixe-a ali por mais cinco minutos. De qualquer forma, você está aprendendo algo novo: como é estar em um estado consciente.

Para ir ainda mais fundo, você pode usar um mantra simples. Os mantras têm a vantagem de levar a mente a um estado mais perceptivo. Sente-se tranquilamente e dê alguns suspiros profundos. Quando se sentir sereno, pense no mantra Om shanti. Repita-o como quiser, mas não force um ritmo; não é um canto mental. Não siga sua respiração. Apenas repita o mantra sempre que notar que sua atenção se afastou dele. Não é necessário pensá-lo silenciosamente – ele ficará mais silencioso por conta própria –, mas também não o pense alto. Faça isso por dez a vinte minutos.

Iniciantes naturalmente perguntarão como saber se a meditação está dando certo. Se você leva uma vida ativa e desperdiça muita energia, seu corpo precisa tanto de descanso que passará muitas meditações dormindo. Isso não é errado; seu cérebro está obtendo o que mais precisa. Porém, se você meditar de manhã, antes de começar o dia, experimentará a tranquilidade da consciência olhando para si mesma. Após dez a vinte minutos, você perceberá como sentir-se centrado é fácil, relaxante e confortável.

Dissemos que a meditação era a resposta rápida, pois há ainda todo o resto do dia para considerar. Como ter atenção plena fora da meditação? O princípio aqui já é conhecido: mudar sem esforço. Permanecer centrado e consciente o dia todo não é algo que se possa forçar. Mas você pode favorecer o comportamento típico de uma pessoa atenta:


• Não projete seus sentimentos nos outros.

• Não compartilhe a negatividade.

• Quando sentir estresse num ambiente, saia.

• Não concentre sua atenção na raiva ou no medo.

• Se tiver uma reação negativa, deixe-a fluir um pouco; então, assim que puder, recue, respire fundo algumas vezes e observe sua reação sem ceder a ela.

• Quando estiver reagindo, não tome qualquer decisão, espere estar centrado novamente.

• Em seus relacionamentos, não use as brigas para desabafar ressentimentos. Discuta seus problemas quando ambos estiverem calmos e com a cabeça no lugar. Assim, evitam-se feridas desnecessárias no calor do momento.


Na prática, ser atento é monitorar-se sem culpa ou julgamento. Quando não há monitoria, você pode ser vítima de diversos constrangimentos. “Não sei por que fiz isso” é a queixa mais comum quando as pessoas não são conscientes, assim como “Eu estava descontrolado”. Como consequência das reações impulsivas, sentem arrependimento e culpa.

Do ponto de vista do cérebro, quando você se monitora, introduz um estado de equilíbrio maior. As reações primitivas do cérebro raramente são apropriadas para a vida moderna. Elas persistem como se o homem ainda precisasse lutar com predadores, defender-se de tribos invasoras e fugir de ameaças. No decorrer da evolução, o cérebro racional evoluiu para apresentar uma segunda reação, mais adequada ao verdadeiro grau de ameaça da situação. No entanto, para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo não há ameaça. Você não precisa das reações primitivas do cérebro reptiliano, embora elas continuem se manifestando – pois estão biologicamente conectadas.

Quando o cérebro reptiliano age inadequadamente, você pode acalmá-lo lembrando-se da realidade: você não está sendo ameaçado. Essa consciência sozinha é suficiente para reduzir muitos tipos de reações ao estresse. A atenção plena vai além, no entanto. Após meditar um pouco, você encontrará maior equilíbrio – começará a identificar um estado pacífico de alerta. Isso abrirá caminho para um tipo de experiência espiritual que de outra forma estaria fora do alcance. Um belo trecho de Mandukya Upanishad, da antiga Índia, descreve o quanto o estado atento é necessário:


Como dois pássaros empoleirados na mesma árvore, e que são amigos íntimos, o ego e o self habitam o mesmo corpo. O primeiro pássaro come os frutos doces e amargos da vida, enquanto o outro assiste, em silêncio.


À medida que se torna mais atento, ambos os lados de sua consciência serão identificados, e eles podem ser os amigos íntimos descritos na passagem acima. O ego, o incansável e ativo eu, não influencia mais seus impulsos e desejos. Você aprende que o self, a outra metade de sua natureza, contenta-se em simplesmente ser. A realização é imensa quando descobrimos a satisfação interiormente, que não precisamos de estímulos externos para ser feliz. Chamamos essa fusão de “self verdadeiro”.


SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO

Tornando Deus realidade

Queremos esclarecer o velho dilema da existência ou não de Deus. A atenção plena pode ajudar nisso, pois, quando se trata de fé e esperança, a consciência é crucial. Há uma grande diferença entre “eu espero”, “eu acredito” e “eu sei”. Isso vale para tudo o que ocorre em sua consciência, não só com Deus. Seu cônjuge o está traindo? Você encararia bem a promoção para supervisor em seu trabalho? Seus filhos usam drogas? De uma forma ou de outra, as respostas giram em torno de três opções: você espera, você acredita ou você sabe que tem a resposta certa. Mas, como Deus é a mais forte das opções, focaremos nele (ou nela).

No lado espiritual, fé seria a resposta, mas seu poder parece limitado. Quase todo mundo tomou uma decisão pessoal em relação a Deus. Dizemos que Deus existe ou não. Contudo, nossa decisão é geralmente incerta e sempre pessoal. “Deus não existe para mim, pelo menos acho que não” seria mais correto. Como saber se questões espirituais profundas têm uma resposta confiável? O mesmo Deus se aplica a todas as pessoas?

Quando crianças, fazemos as perguntas espirituais mais básicas. Elas vêm naturalmente: “Deus cuida de nós?”, “Para onde a vovó foi quando morreu?”. Crianças são muito jovens para entender que seus pais são tão perdidos nesses assuntos quanto elas. As crianças têm respostas reconfortantes, e por um tempo elas bastam. Se ouvir que a vovó foi para o céu encontrar o vovô, a criança se sentirá menos triste. Ao crescer, entretanto, as perguntas voltam. E então ela descobre que seus pais, embora bem-intencionados, nunca lhe mostraram o caminho para as respostas, não só sobre Deus, mas sobre amor, confiança, propósito de vida e o significado mais profundo da existência.

Em todos esses casos, ou você espera, ou acredita ou sabe a resposta: “Espero que ele me ame”, “Acredito que meu parceiro é fiel”, “Sei que esse casamento é forte”. Tais afirmações são muito distintas e nos vemos perdidos porque não fazemos diferenciação entre “eu espero”, “eu acredito” e “eu sei”; encaramos como se fossem a mesma coisa. Na verdade, gostaríamos que fossem. Receamos ver em que pé as coisas de fato estão.

A realidade é um objetivo espiritual assim como psicológico. O caminho espiritual leva você de um estado de incerteza (“eu espero”) para um estado um pouco mais seguro (“eu acredito”) e, em algum momento, para a compreensão verdadeira (“eu sei”). Não importa se trata-se de relacionamentos, Deus ou a existência da alma, sobre o self superior, o Paraíso, ou sobre espíritos que partiram. O caminho começa com esperança, fortalece-se com a fé e se torna sólido com o saber.

Em tempos céticos como os atuais, muitas críticas tentam minar essa progressão. Segundo elas, não é possível conhecer Deus, a alma, o amor incondicional, a vida após a morte e uma infinidade de outras coisas profundas. Mas os céticos desprezam o caminho sem ter colocado os pés nele. Se você olhar para trás, verá que já fez essa jornada, muitas vezes até. Quando criança, você esperou se tornar um adulto. Aos 20 anos, acreditou que era possível. Agora sabe que é um adulto. Esperou que alguém o amasse; acreditou que alguém sentisse isso; agora sabe que é amado.

Se essa progressão natural não acontecesse, algo estaria errado, porque o desenrolar da vida é destinado a levar do desejo à realização. Obviamente, todos conhecem as armadilhas. Você pode dizer a si mesmo “Sei que vou conseguir”, quando, na verdade apenas espera que isso aconteça. Divorciar-se pode significar que não sabia se a pessoa realmente o amava. Crianças que cresceram com ressentimento dos pais geralmente não sabem em quem confiar. Podemos dar centenas de outros exemplos de sonhos desfeitos e promessas vazias. Mas frequentemente a progressão funciona muito mais. São os desejos que levam a vida à realização. Um dia você saberá o que deseja, o que espera.

Certos aspectos da atenção plena influenciam essa progessão, e eles parecem ser universais. Eles são importantes para qualquer pessoa que não queira cair em realizações e crenças falsas. Só é possível confiar no que realmente se sabe.


O QUE VOCÊ SABE?

Quando você sabe realmente alguma coisa, ocorreu o seguinte:

• Não aceitou a opinião alheia. Descobriu por conta própria.

• Não desistiu rápido demais. Continuou investigando apesar dos becos sem saída e dos maus começos.

• Confiou que tivesse a determinação e a curiosidade para descobrir a verdade. Meias verdades o deixaram insatisfeito.

• O que você sabe de fato brotou de dentro. Tornou-o uma pessoa diferente, tão diferente como duas pessoas quando uma se apaixona e a outra não.

• Confiou no processo e não deixou o medo nem o desânimo atrapalhá-lo.

• Prestou atenção em suas emoções. O caminho certo parece seguro, satisfatório e claro; a incerteza é desconfortável e exala um cheiro ruim.

• Foi além da lógica nas áreas em que a intuição, os insights e a sabedoria realmente contam. Elas se tornaram reais para você.


O que torna esse cenário universal é que o mesmo processo se aplica à busca da iluminação budista ou a qualquer pessoa aprendendo a construir um relacionamento ou descobrindo seu propósito na vida. Dividindo o processo em seus componentes, fica mais fácil lidar com as grandes questões sobre a vida, o amor, Deus e a alma.

Você pode trabalhar um elemento de cada vez. Tende a aceitar opiniões formadas? Desconfia de suas próprias decisões? O amor é confuso e doloroso demais para ser explorado a fundo? Estes não são obstáculos insuperáveis. Eles são parte de você, e consequentemente nada pode ser mais próximo ou mais íntimo. Mas sejamos mais específicos. Pense em um problema que queira resolver, algo que tenha grande importância para você. Pode ser filosófico, como “Qual é o meu propósito na vida?”. Ou sobre um relacionamento, ou mesmo um problema no trabalho. Escolha algo difícil de resolver, em relação ao qual sinta dúvida, resistência e paralisia. Você continua esperando encontrar uma resposta, mas até agora não foi capaz de fazer isso.

Qualquer que seja a sua escolha, descobrir uma resposta em que possa confiar envolve dar certos passos.

Passar da esperança para a fé e para o conhecimento

Passo 1: Perceba que a vida é destinada a progredir.

Passo 2: Reflita sobre como é bom saber algo de verdade, em vez de apenas esperar e acreditar. Não se satisfaça com menos.

Passo 3: Escreva seu dilema. Faça três listas separadas: para as coisas que espera serem verdadeiras, para as que acredita serem verdadeiras e para as que sabe serem verdadeiras.

Passo 4: Pergunte-se por que sabe as coisas que sabe.

Passo 5: Use o que sabe nas áreas em que tem dúvidas, onde apenas a esperança e a crença existam hoje.

Aplicado a Deus ou à alma, pegamos um assunto que a maioria das pessoas considera místico, exigindo um salto de fé, e o desmembramos. O cérebro gosta de trabalhar de modo coerente e metódico, mesmo quando se trata de espiritualidade. Os dois primeiros passos são um preparo psicológico; os três últimos pedem a limpeza da mente para abrir caminho para o conhecimento. Vamos aplicar os passos para a ideia de Deus agora.


Passo 1: Perceba que a vida é destinada a progredir.

Em termos espirituais, progredir significa chegar a um acordo com Deus; você se sente merecedor e sabe que os benefícios de uma divindade amorosa seriam algo bom em sua vida. É o oposto da famosa aposta de Pascal, que diz que você deve apostar que Deus existe, pois, se não acreditar nele, mas ele for real, poderá acabar no Inferno. O problema é que a aposta de Pascal é baseada no medo e na dúvida. Nenhum deles é um bom incentivo para o crescimento espiritual. Em vez disso, pense em como será positivo saber se Deus é real, não no quanto será ruim escolher a opção errada numa aposta.


Passo 2: Reflita sobre como é bom saber algo de verdade.

Concentre sua mente em achar que Deus é uma experiência válida, não um teste de fé. Ao sentir dúvidas e pressentimentos – o que todos sentimos quando se trata de Deus –, não os subestime. Considere a possibilidade de que tudo o que é dito contra Deus pode não ser bem assim. Apesar de toda a angústia que a vida humana herdou, incluindo as piores que são levantadas contra um Deus amoroso (genocídios, guerras, armas atômicas, déspotas, crimes, doenças e morte), o assunto de forma alguma está definido. Ainda é possível a existência de um Deus afetuoso, que permite que o homem cometa erros e aprenda em seu próprio ritmo. Mas não tire conclusões precipitadas. Adote a postura de que pode solucionar os problemas de violência, culpa, vergonha, ansiedade e preconceito – as raízes dos problemas globais – em sua própria vida. Empreender o crescimento pessoal é bem melhor que lamentar a condição perene do sofrimento humano.


Passo 3: Escreva seu dilema. Faça três listas separadas: para as coisas que espera serem verdadeiras, para as que acredita serem verdadeiras e para as que sabe serem verdadeiras.

Nesse momento, evite generalizações e opiniões normalmente aceitas. A maioria das pessoas faz um julgamento geral a favor ou contra Deus e limita suas apostas de acordo com a situação. (Como diz o ditado, não há ateus nas trincheiras. E provavelmente há poucos devotos rezando em bares após a meia-noite.) Fazendo uma lista de suas esperanças, crenças e conhecimento real, você irá se surpreender. Questões espirituais são fascinantes quando se presta atenção nelas. Como benefício secundário, você irá aguçar e clarear seu pensamento, o que ajuda seu cérebro racional. Pensar é uma habilidade organizada no neocórtex, e isso inclui pensar em Deus.

Então, seja sincero. Você acredita secretamente que Deus castiga os pecadores, ou você espera que não? Se ambos forem verdade, anote em duas listas, a da crença e a da esperança. Você acha que já testemunhou um ato de graça ou de perdão? Se sim, anote como algo que sabe. Como início da exploração espiritual, este exercício é muito revelador. Não se apresse com suas listas e, ao acabá-las, deixe-as em um lugar onde você possa consultá-las no futuro – esse é um bom jeito de ver o quanto, e de maneira realista, você está progredindo.


Passo 4: Pergunte-se por que sabe as coisas que sabe.

A afirmação “Eu sei o que sei” esconde grande complexidade. Muitos deixam suas crenças se enraizarem sem considerar de onde vieram. Você acredita em Deus (se acreditar) porque seus pais disseram para acreditar, ou aceitou as lições da Escola Dominical? Talvez sua crença se baseie numa esperança angustiante de que o homem lá em cima esteja olhando por você; mas, para ser realista, você não sabe se de fato Deus é um homem, e lá em cima poderia ser qualquer lugar, nenhum lugar, ou todos os lugares do universo.

Para saber mesmo sobre Deus, certamente é melhor ter experiências pessoais, mas estas têm uma abrangência muito maior do que se imagina.


• Já sentiu uma presença divina e luminosa?

• Já se sentiu amado por todos os lados?

• Já sentiu um surto repentino de êxtase ou felicidade sem saber qual a causa?

• Já se sentiu seguro e protegido como se sua existência fosse aceita por todo o universo?

• Você tem momentos de calma, força ou sabedoria profundas?


Como pode ver, o termo “Deus” não tem que ser ligado a experiências de consciência expandida, seja o que seu cérebro registre e se lembre. Em pesquisas, quase a maioria das pessoas diz ter visto uma luz em torno de alguém, e muitas já vivenciaram a cura ou o poder do pensamento positivo. A questão não é se você encontrou Deus, mas sua experiência real, que pode direcionar sua mente para um mundo que vá além do material.

Ao considerar o tipo de experiência que sabe ser real em sua vida, você também pode pensar nas escrituras sagradas e em quem as escreveu. Se você sabe que gosta de ler a Bíblia ou os poemas de Rumi, se já sentiu paz junto a uma pessoa religiosa ou em um lugar sagrado, então você sabe algo que é real. Prestando atenção e tornando tais experiências significativas você vai longe, pois descobre seu lugar na matriz espiritual, assim como na matriz da vida.


Passo 5: Use o que sabe nas áreas em que tem dúvidas.

Se você seguiu os primeiros quatro passos, deve ter um bom mapa mental de seu estado de esperança, crença e conhecimento. Isso já é muito útil, pois lhe dá uma base para qualquer sinal de transformação. Mudança requer intenção, e, se você diz a seu cérebro que quer procurar Deus, sua capacidade de percepção começa a aumentar. (Isso não acontece quando você decide que quer procurar um amor? De repente, vê as pessoas ao seu redor de um jeito diferente, iluminado – desconhecidos se tornam possíveis romances, ou não.)

Deus gosta de ser envolvido, ou seja, ter interesse no crescimento espiritual não é algo passivo. É preciso abrir-se para seguir o caminho, espiritualmente falando. Ao contrário do que geralmente se acredita, não significa tomar uma resolução de ano-novo para voltar a frequentar a igreja (não estamos desaconselhando isso, de modo algum) ou decidir de uma hora para outra ser puro e devoto. Esses são mais pontos de chegada do que de partida. O âmago da questão é como agir para que a possibilidade da existência de Deus seja real.

Chamamos isso de “ações sutis”, pois ocorrem internamente. Reflita sobre as ações sutis a seguir e veja como adaptar-se a elas.

Agir como se Deus fosse real

• Medite.

• Abra sua mente em relação à espiritualidade. Avalie qualquer tendência a ser reativamente cético e fechado.

• Veja o lado bom das pessoas. Pare de fofocar, culpar e sentir prazer mesquinho quando coisas ruins acontecem a quem você não gosta.

• Leia poesias e escrituras edificantes de muitas fontes.

• Examine a vida dos santos, sábios e profetas de tradições espirituais do Oriente e do Ocidente.

• Em situações difíceis, peça para que sua ansiedade vá embora e seu fardo diminua.

• Abra espaço para soluções inesperadas. Não force a questão nem recorra à necessidade de controlar.

• Viva a alegria plena todos os dias. Faça isso mesmo que esteja apenas admirando o céu azul ou cheirando uma rosa.

• Passe um tempo com crianças e absorva sua exuberância espontânea da vida.

• Ajude quem necessitar.

• Considere a possibilidade do perdão em alguma área de sua vida onde realmente fará diferença.

• Pense sobre gratidão e nas coisas pelas quais se sente grato.

• Quando sentir raiva, inveja ou ressentimento em uma situação, pare, respire fundo e veja se consegue deixar passar. Se não, pelo menos adie sua reação negativa para uma outra hora.

• Tenha generosidade de espírito.

• Espere o melhor, a menos que tenha evidência de que algo precisa de auxílio, aprimoramento ou crítica.

• Encontre uma maneira de curtir a sua vida. Resolva os obstáculos sérios que atrapalham seu prazer.

• Faça o que sabe que é bom. Evite o que sabe que é ruim.

• Descubra um caminho para a realização pessoal, independentemente de como você defina esse conceito.


Essa lista sugere atitudes específicas para que Deus não se torne uma vaga enxurrada de emoções ou um assunto para postergar até que surja uma crise. Evitamos a religiosidade não porque estamos argumentando contra qualquer fé, mas porque nosso objetivo é aqui e agora. Você quer treinar seu cérebro para perceber e valorizar uma nova realidade. Participar dessa realidade é escolha sua. Apenas esteja ciente de que, se quiser se sintonizar com a ampla matriz da experiência espiritual, seu cérebro está pronto para isso.

De certo modo, o conselho mais simples que ouvimos sobre Deus é também o mais profundo. Pelo menos uma vez ao dia, relaxe e deixe uma situação ser resolvida por Deus, ou por sua alma, ou qualquer entidade de sabedoria superior que escolher. Veja se sua vida pode cuidar de si mesma. Porque, no fim, não é o homem lá em cima – ou um panteão inteiro de deuses – que dirige o curso da vida. A vida evolui dentro de si, e Deus é somente um rótulo que aplicamos a poderes invisíveis que existem dentro de nós e aguardam para emergir. Ao ler a seguinte parelha de versos do grande poeta bengali Rabindranath Tagore, fique atento a como se sente:

Ouça, meu coração, o sussurrar do mundo.

É como ele faz amor com você.

Ou este:

Como o deserto anseia pelo amor de apenas uma folha de grama!

A grama sacode a cabeça, ri e sai a voar.

Se você sentiu a ternura do primeiro verso e o mistério do último, um lugar dentro de você foi tocado tanto quanto Deus o teria feito. Não há diferença, exceto que as experiências aumentam até que o divino seja real para você. Isso é privilégio seu. Não há necessidade de que ele seja real para mais ninguém.