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8

Quando Miles voltou ao seu quarto, Ganke estava sentado diante do computador. Na mesa, ao lado do notebook, havia um saco de salgadinhos crocantes de queijo.

– Oi – disse Miles, fechando a porta atrás de si.

– Oi – cumprimentou Ganke, sem tirar os olhos da tela. Ele enfiou a mão no saco, puxou um salgadinho, jogou­-o na boca e chupou o pó com sabor de queijo das pontas dos dedos. Em seguida, olhou para Miles, que passou logo atrás dele. – Ei, Homem­-Aranha. Você saiu daqui usando um uniforme colante e máscara, e voltou com jeans empoeirados e um moletom com capuz. O que andou fazendo? Partiu para uma vida de crimes e assaltou um hipster?

– Ah! Ah! Muito engraçado. Você nem faz ideia. – Miles puxou o moletom por cima da cabeça, e o uniforme preto e vermelho com as teias ainda estava por baixo. – Acabei de voltar da casa dos meus pais.

– E você ainda está vivo? Então eu acho que eles não receberam nenhuma ligação relacionada às desventuras de hoje na sala de aula – disse Ganke, com a voz cantarolante.

– Que nada. Mas eles estão lá contando o dinheiro e calculando as contas. E, por causa disso, assaltar alguém para ajudá­-los não parece uma ideia tão ruim.

Ganke meteu os dedos de volta no saco de salgadinhos, tirou o que se parecia com um floco de isopor usado para proteger mercadorias no interior de embalagens e o jogou na boca.

– Miles, por favor – disse ele. – Você não seria capaz de assaltar ninguém.

Miles deixou o corpo cair na cama, tirou a máscara do bolso do moletom e jogou­-a para o lado. Queria contar a Ganke sobre ter dado uma surra no cara que pegou tentando afanar os tênis daquele garoto. Como ele o arrebentou. Como o sangue do ladrão respingou na calçada. Como ele arrancou os tênis dos pés do rapaz e os deu para o garoto como uma espécie de justiça feita com as próprias mãos. Miles entendia esse tipo de vingança. Era algo que ele tinha dentro de si.

No entanto, não podia contar nada disso a Ganke. Além disso, se estivesse sendo honesto consigo mesmo, Ganke tinha razão: ele não seria capaz de fazer uma coisa dessas.

“Porque, não importa o que diga, você é exatamente igual a mim.

As palavras circularam vagarosamente pelos ouvidos de Miles como a seiva escorrendo de uma árvore, e ele instantaneamente se lembrou do gato branco. E, após o gato branco, lembrou­-se do tio, rosnando, com as mãos tentando agarrar seu pescoço. Ganke prosseguiu:

– Exceto, é claro, pelo fato de que eu sei dançar. Oh, e você é um super­-herói, lembra? – Ele esfregou a mão cheia de pó alaranjado na calça de moletom que estava usando.

– Cara, me dê uns salgadinhos desses. E o que dançar tem a ver com qualquer outra coisa?

– Por que não vem até aqui e os rouba de mim? – Ganke riu, e em seguida estendeu o saco aberto para Miles, que o pegou com um movimento rápido. – Mas, falando sério… e se você… dançasse em troca de dinheiro?

O quê? – Miles retorceu o rosto.

– Não do jeito que você está pensando, cara. Estou dizendo… como aqueles garotos do metrô. Hora do show!

– Não.

– Miles, você viu o quanto aqueles garotos ganham. E você precisa…

– Ganke. – Miles ergueu a mão. – Não vou ficar me remexendo e fazendo aquelas danças pop­-lock de um lado para outro no trem em troca de moedas.

– Em primeiro lugar, você não teria que dançar pop­-lock. E, em segundo, com os seus talentos, nós ganharíamos dólares, não centavos.

– “Nós”?

– Bem, eu preciso ganhar a minha comissão de empresário. Uma porcentagem pequena. Além disso, alguém tem que recolher o dinheiro. – Ganke abriu um sorriso angelical. – Dê uma pensada nisso, pelo menos.

Miles fez que não com a cabeça. De jeito nenhum. Definitivamente não podia se tornar um assaltante, mas também não podia virar um dançarino de metrô, um garoto especializado em shows improvisados. Porque não sabia dançar. Ele tinha toda a coordenação do mundo quando era preciso saltar do alto de um prédio para outro ou se esquivar de socos, mas fazer seu corpo se mover ao ritmo de uma música era um superpoder que ele simplesmente não tinha.

– Que tal você pensar nisso? – Miles disparou teias de um lado para outro do quarto, com os filamentos grossos criando uma camada parecida com espaguete na camiseta de Ganke.

– Golpe baixo, Miles. – Ganke balançou a cabeça e nem se incomodou em tentar arrancar a teia da manga.

Miles deu de ombros.

– O que você está fazendo, afinal? – Ele pegou o saco de salgadinhos.

– Pesquisando meu nome para a lição de casa de Blaufuss, o que você ainda precisa fazer. Sei que precisava sair para tomar ar fresco, ou seja lá o que fosse fazer quando saiu pela janela, mas espero que tenha respirado um pouco de poesia. A menos que esteja planejando tentar ganhar crédito extra.

– Ah… não. Nada de crédito extra. – Mas a ideia de ter que escrever um poema a essa hora da noite, depois do dia que teve, fez Miles sentir como se sua cabeça estivesse sendo esmagada por uma morsa de oficina. – É aquela coisa de procurar o significado do seu nome, certo?

– Isso mesmo. E quer saber de uma coisa? Não acho que meu nome tenha um significado – disse Ganke.

Miles mastigou uma meia­-lua com sabor de queijo.

– Você pesquisou? – perguntou ele, com o salgadinho derretendo na boca.

– Sim, antes de você chegar aqui. Inclusive, pesquisei um monte de nomes. Por exemplo, o de Alicia. Seu nome significa “nobreza”. Oh, e um dos melhores foi Chamberlain. Cara, o nome daquele panaca significa “funcionário que administra o lar”. Ah! Mas o melhor e também o pior foi Ratcliffe. Significa “penhasco vermelho”. Uma pena que Ryan não queira saltar de um lugar assim. – Ganke apontou para o saco de salgadinhos, e em seguida continuou a falar. – De qualquer maneira, a questão é a seguinte: quando fui procurar o meu, a única coisa que encontrei foi uma definição do site Urban Dictionary, que dizia que o significado era “matar”.

– Matar?

– Isso, como… quando você mata alguém, você provavelmente gankeia elas.

O rosto endurecido pela exaustão de Miles se abriu em um sorriso. Em seguida, o sorriso se transformou em uma risada.

– Não, cara. O termo é gank. É daí que vem o verbo usado em inglês, to gank.

– Ah, gank? Eu conheço gank. A internet disse ganke. – Ganke relaxou. – Eu estava prestes a dizer: “Porra, meu nome significa ‘assassinar’”?

Miles e Ganke riram.

– Mas, falando sério, meu nome não significa mesmo nada. Acho que nem mesmo é coreano, o que é bem estranho.

– Você ligou para os seus pais? – perguntou Miles.

As risadas que haviam suavizado o clima do quarto desapareceram. A expressão no rosto de Ganke ficou grave.

– Você sabe que não estou querendo ligar para eles. Além disso, vou ligar e perguntar o quê? “Ei, por acaso vocês inventaram o meu nome?” Não. Bom, eu acho que poderia até ligar para a minha mãe, mas não quero ouvir a voz dela se entristecendo. Provavelmente ela diria: “Seu pai escolheu o seu nome”. E, então, começaria a se desmanchar em lágrimas. E se eu ligar para o meu pai, ele provavelmente vai dizer: “Por quê? Você acha que não é bom o bastante?”. Ou então: “É o Lee que importa, meu filho”. – Ganke pegou um dos seus tênis e o beijou, imitando o que seu pai faria. – E você? Sabe o que o seu nome significa?

– Estou surpreso por você não ter pesquisado.

– Bem, amigos de verdade não deixam que outros amigos fujam da lição de casa – disse Ganke. – Mas não importa. Vamos ver. Miles. Miles. Hmmmm… – Ganke deixou o nome soar enquanto fingia pensar a respeito.

– Ah, provavelmente significa distância ou algo do tipo – supôs Miles.

Ganke olhou de lado para o amigo.

– Isso é a melhor ideia que você consegue ter? Sério? Talvez signifique destruidor de carteiras escolares. – Ele girou na cadeira para ficar de frente para o notebook outra vez. Seus dedos sapatearam por sobre as teclas, e em seguida seus olhos começaram a se mover rapidamente da esquerda para a direita. – Hmmmm – murmurou Ganke novamente. Ele pegou o notebook e empurrou a cadeira até onde Miles estava, colocando a máquina em seu colo. – Aí está. Leia.

Miles girou a tela para trás.

Miles – /maɪlz/ – nome masculino;

orig. latim; miles, um soldado.

– “Soldado”? – Os olhos de Miles se estreitaram, rolando a tela para cima e para baixo para verificar.

– Soldado.

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Miles devia ter desconfiado que havia alguma coisa acontecendo na aula da Sra. Blaufuss quando Alicia não quis recitar o poema sobre seu nome para a sala. Na verdade, Alicia nem chegou a participar da aula. Depois que a turma entregou seus sijos – incluindo o poema sobre soldados, do qual Miles não sentia tanto orgulho, e a composição de Ganke, intitulada “Coreano Sem Título” –, a Sra. Blaufuss começou a tagarelar nerdices sobre um poeta, U T’ak, e o sijo que ele escreveu sobre uma brisa de primavera derretendo a neve das colinas. A Sra. Blaufuss instigou a turma para que comentassem.

– O que ele quer dizer quando afirma desejar que a brisa derreta o gelo velho que se formou em suas orelhas? – perguntou ela.

Miles esperava que Alicia respondesse, porque sabia que ela compreendia a poesia de um jeito que a maioria das pessoas não era capaz de fazer. No entanto, em vez disso, Ryan ofereceu sua interpretação:

– Da maneira que eu vejo, a brisa é como uma carícia suave – começou ele.

Seu comentário foi seguido por um coral de resmungos, com exceção de Alicia, que estava com o rosto curvado sobre o caderno em sua carteira, e passou a aula inteira escrevendo ferozmente. Ela e Miles não haviam conversado, o que não era nenhuma surpresa, mas a garota não conversara com ninguém. Nem com Winnie. Nem mesmo com a Sra. Blaufuss, além de um breve “oi” no começo da aula.

Depois do almoço – quando Ganke tentou fazer Miles imaginar como seria um peixe­-espada se a criatura fosse realmente metade peixe e metade espada –, Miles foi para a aula de História. Ele entrou e sentou­-se na carteira que agora estava bamba e com as pernas tortas, enquanto o Sr. Chamberlain começava a sua rotina habitual de escrever uma citação na lousa: o texto da décima terceira emenda da Constituição. Alicia entrou junto com um grupo de alunos, os tênis rangendo, as mochilas caindo ao chão, pernas da cadeira raspando contra o piso de linóleo. Ela foi direto até a sua cadeira, sentou­-se e largou a mochila. Olhou para Miles rapidamente, apenas o tempo suficiente para que ele conseguisse ver algo em seus olhos. Não era medo, e sim fúria. Ela girou para o outro lado com um movimento rápido e marchou na direção do quadro onde Chamberlain ainda escrevia, e pegou um pedaço de giz que estava na calha sob a lousa.

– Alicia? – O Sr. Chamberlain a encarou enquanto ela começava a escrever logo abaixo da sua citação, em letras maiúsculas.

NÓS SOMOS PESSOAS

NÓS NÃO SOMOS OBJETOS

– Alicia! – gritou Chamberlain.

A garota, porém, continuou:

NÓS NÃO SOMOS SACOS DE PANCADAS

NÓS NÃO SOMOS FANTOCHES

Miles não conseguia acreditar no que estava vendo. A sala inteira estava em silêncio. Até mesmo o Sr. Chamberlain paralisara pelo choque. Finalmente, ele pegou o apagador e começou a apagar o que podia, mas Alicia foi até um lugar diferente do quadro, como se estivesse disputando um jogo intenso de pega­-pega, e continuou a escrever:

NÓS NÃO SOMOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

NÓS NÃO SOMOS OS PEÕES EM UM JOGO DE TABULEIRO

NÓS SOMOS PESSOAS

NÓS SOMOS PESSOAS

NÓS SOMOS

– Já chega, Alicia! – Chamberlain deixou o apagador cair no chão. – Você perdeu a cabeça? – Ele estendeu a mão e agarrou­-a pelo braço, puxando­-a para longe da lousa.

– Não toque em mim – disse ela, desvencilhando­-se do professor.

Miles se levantou da carteira instintivamente, com a parte de trás dos joelhos fervilhando, pronto para saltar sobre Chamberlain. O professor recuou um passo. Miles relaxou um pouco.

– Nunca, jamais coloque as mãos em mim – ela continuou. Alicia fez uma careta, e em seguida começou a recitar o que havia escrito na lousa: – “Nós somos pessoas. Nós não somos objetos. Nós não somos sacos de pancadas”.

– Vá para a diretoria agora mesmo – grunhiu Chamberlain, com as narinas dilatadas.

Alicia virou de frente para o resto da sala. Todos estavam sentados boquiabertos; alguns, como Brad Canby, surpreendentemente faziam sinais afirmativos com a cabeça.

– “Nós não somos fantoches. Nós não somos animais de estimação. Nós não somos os peões em um jogo de tabuleiro.”

– Saia da minha aula, Alicia! Isso já passou dos limites. Vou fazer você ser suspensa! Expulsa!

Alicia olhou diretamente para Miles. Diretamente para dentro dele, com os olhos embaçados.

– Nós somos pessoas. Pessoas.

Ela olhou novamente para o Sr. Chamberlain. Jogou o giz no chão, pegou a mochila e saiu.

E, assim, a quarta­-feira não foi totalmente pacífica.

Não tão pacífica quanto a quinta­-feira.

Miles vinha demonstrando seu melhor comportamento. Nada de vadiar com amigos, sua crush secreta havia sido basicamente detonada, e, infelizmente, não tinha mais o seu emprego na Conveniência do Campus para bater o cartão. Somente a escola. E pensar em Alicia. Sabia que ela havia sido suspensa, e não conseguiu evitar pensar no que ele podia ter feito, mesmo que fosse somente recitar as palavras com ela. No entanto, não podia fazer aquilo. Não, ele podia ter feito, mas simplesmente não fez.

A garota, porém, estava de volta às aulas na sexta­-feira, o último dia da unidade sobre sijos. Alicia sentou­-se em sua carteira, ficando de costas para Miles. Ele tentou falar, mas não conseguiu encontrar as palavras. De algum modo, não se lembrava de onde havia deixado seus “ois”.

A Sra. Blaufuss escreveu na lousa com uma letra cursiva ornamentada: Se ao menos…

– É assim que eu quero que vocês comecem seus poemas. Todos vão escrever um e, antes que a aula termine, vamos lê­-los um após o outro como se fossem um poema único e contínuo, o encerramento perfeito para esta unidade.

A Sra. Blaufuss, que vestia uma camiseta de show de Janet Jackson das antigas, deu trinta minutos à turma. Quando o tempo acabou, ela começou na frente da sala com Shannon Offerman e foi seguindo para o fundo. O poema contínuo serpenteou pela sala, passando por problemas com as mães, o desejo de ter cabelos mais longos, até “Se ao menos eu pudesse amá­-la” – este, é claro, havia sido escrito por Ryan. Após algum tempo, chegou a vez de Alicia.

Se ao menos a vida não fosse uma trama complexa

Com cada pessoa no mundo presa nessa teia

O medo; a aranha à espera; hora de comer.

Ganke deu um tapa nas costas de Miles.

– Ela está falando de você – sussurrou ele.

– Não está, não – respondeu Miles, embora achasse que poderia estar.

Alicia, porém, não havia lhe dado nenhuma atenção, e então Miles passou a maior parte do tempo na aula tentando fingir que ela não estava ali. Toda vez que seu olhar cruzava com o dela, Miles imediatamente sentia que estava em algum ponto entre o nu e o invisível.

Winnie devia ser a próxima, mas havia faltado à aula; assim, era a vez de Miles. Perfeito. Ele limpou as teias de aranha da garganta.

– Eu… – disse ele com dificuldade. – Eu acho que devo ter feito alguma coisa errada.

– Isso não existe, Miles. Assim como o seu poema sobre o nome foi bom, tenho certeza de que esse também é. Talvez diferente, mas não errado – reconfortou­-o a Sra. Blaufuss.

Miles assentiu com um movimento curto, olhou para o seu papel e começou.

Se ao menos o que gira em minha mente nas manhãs

Antes de inalar beleza; exalar más decisões

For ao menos a brisa antes de eu destruir tudo.

Miles ouviu o papel de Ganke farfalhar atrás de si.

Os lábios da Sra. Blaufuss se abriram em um sorriso carinhoso.

– Muito bom, Miles. Próximo… Ganke.

– Eu passo – disse Ganke.

– O quê? Por quê? – perguntou a Sra. Blaufuss.

Miles olhou para trás. Ganke sempre ficava ansioso por uma chance para recitar.

– Não terminei ainda – explicou Ganke.

Miles, porém, conseguia ver que seu poema estava pronto.

– Não importa. Vamos ouvir. Tenho certeza de que o que você escreveu é bonito – disse a Sra. Blaufuss. Ela sabia ver o que há de bom em todas as coisas. Em todas as pessoas. Tripley, menos tagarela. E todo mundo adorava isso nela.

– Certo…

Se ao menos nossos pais soubessem quanto os amamos

Que precisamos que sorriam e se olhem com olhos

Que ainda dizem se amar, como nós o fazemos.

– Não era exatamente assim que eu queria dizer – explicou Ganke.

– Ficou bom, Ganke. Muito bom. Vamos continuar. Próximo!

Miles virou­-se para trás e fez um sinal de aprovação para Ganke com a cabeça.

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Embora o restante da semana na aula da Sra. Blaufuss tenha sido poesia, a aula do Sr. Chamberlain, desde a batalha de Alicia, havia sido guerra. A mesma conversa maluca sobre “os bons tempos da velha Dixie” e sobre como, depois que os estados do Sul perderam a guerra, foram forçados a dar um fim à escravidão.

“Nem escravidão nem servidão involuntária, exceto como punição por crimes pelos quais a parte tenha sido legalmente condenada, devem existir nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sob sua jurisdição.” A Décima Terceira Emenda. O Sr. Chamberlain a escreveu na lousa na quarta­-feira, mas, depois de tudo que aconteceu, ele decidiu recapitular a lição na quinta. Explicou como essa emenda surgiu, os principais envolvidos (ou “intrusos”, como ele os chamava), mas foi na sexta­-feira, depois de toda essa preparação, que ele exibiu a parte principal daquele assunto.

– A beleza de tudo isso – disse o Sr. Chamberlain. – O triunfo sutil em tamanha tragédia para a Confederação… foi este. – Ele pegou um pedaço de giz e riscou a lousa, embaixo das palavras exceto como punição por crimes. – Percebam, o Sul voltou a se erguer, devido a uma forma nova e muito mais inteligente de escravidão: a prisão. – Ele sorriu, e seus olhos estavam abertos; diferentemente da sua pose típica de gnomo cego.

Na realidade, o professor vinha mantendo os olhos abertos constantemente desde a terça­-feira, desde que Miles arrebentou a carteira – que, a essa altura, já havia se desmantelado completamente. Agora somente o tampo da mesa, sem as pernas, estava no chão. O Sr. Chamberlain ainda forçava Miles a trabalhar nela, embora o móvel houvesse se transformado em algo mais próximo de um caixote do que uma carteira escolar. E não somente ele era forçado a continuar a trabalhar naquela carteira, mas teve que abandonar sua cadeira para poder usar a superfície. O garoto estava agachado enquanto anotava outras informações sobre a emenda, junto com outras curiosidades a respeito das autoridades da época que a escreveram, em seu caderno no dia anterior. E estava agachado hoje – sexta­-feira – fazendo a mesma coisa, quando o Sr. Chamberlain decidiu que aquilo não era o bastante.

– Seria muito mais fácil se você ficasse de joelhos, Morales – sugeriu o Sr. Chamberlain a Miles. Ao dizer isso, ele olhou para Alicia também.

A garota havia retornado à aula depois de uma suspensão de um dia e Chamberlain a vigiava como se receasse que ela fosse saltar da sua carteira e pular no seu pescoço.

– Você só pode usar uma cadeira se essa cadeira estiver na mesma altura da carteira escolar com a qual faz par, e, bem… como a sua não atende a esse requisito, já que decidiu destruí­-la, eu creio que deva denunciar você à escola se escolher essa opção.

– Mas a única razão para ele…

– Oh, Alicia – interrompeu o Sr. Chamberlain. – Não vamos repetir aquele episódio aqui, vamos?

Miles percebeu o pé de Alicia batendo no chão e, embora não conseguisse ver seu rosto, sabia que ela estava mordendo o lábio.

– Você sabe que pode se juntar a ele no chão, se quiser – o professor ironizou.

Alicia parou de falar. Simplesmente baixou a cabeça, derrotada e enojada. Miles fez o mesmo. Não podia ser mandado para o escritório do diretor outra vez. Não podia ser suspenso nem expulso. Essa escola era a sua chance. Sua oportunidade. Seus pais fizeram questão de lembrá­-lo disso. Seu bairro inteiro o lembrava disso. Assim, Miles, constrangido, ficou de joelhos e continuou a fazer as anotações usando a carteira baixa e sem pernas.

Miles precisou fazer um esforço sobre­-humano para não surtar. Para não quebrar o que restava da cadeira na cabeça de Chamberlain. Para não o quebrar em pedaços para ver se o professor estava cheio de pelos de gato branco ou coisa do tipo. Porque definitivamente havia algo esquisito ali. Miles, porém, continuava a engolir a situação, convulsionando com o seu sentido aranha que gritava sem parar, e a sua caligrafia se transformava em rabiscos entrecortados de tinta. Junto com isso, ele tinha que suportar os olhares desajeitados dos colegas de classes, suas bocas em silêncio – nada de escrachos e piadinhas sobre Chamberlain, nada, absolutamente nada. Miles imaginava que todos estavam olhando para ele agora, considerando­-o ao mesmo tempo um caso digno de pena e uma espécie de bomba prestes a explodir. Inventando todo tipo de história a seu respeito. Um bolseiro preso em seu próprio mau humor, provavelmente enfrentando problemas com a família.

Antes que Miles pudesse explodir outra vez, contudo, ele foi novamente salvo pelo gongo. Alicia imediatamente saltou da cadeira para ajudá­-lo a se levantar. E, embora aquilo fosse um gesto gentil, Miles não conseguiu evitar esquivar­-se dela, irritado. Pequeno. Miles olhou para baixo, estudou o piso por um segundo antes de lentamente erguer o rosto para observar os olhos dela, e deixando que ela visse os seus. Os olhos de Miles estavam embaçados. Os dela também. Agora ele via que ela estava realmente mordendo o lábio inferior com força, fazendo um movimento de negação com a cabeça, tentando encontrar algo para dizer.

– Eu… a minha família… – disse ela, forçando as palavras a saírem, ainda negando com a cabeça.

Miles assentiu. Ele entendia.

– A minha também – respondeu ele, sentindo como se houvesse uma bola de beisebol entalada na garganta.

Alicia se virou na direção do Sr. Chamberlain, tentou cortá­-lo com os olhos, mas ele lhe deu as costas e começou a apagar a lousa. Aquilo era um sinal de não se incomode.

Alicia saiu da sala pisando duro no meio do clamor de guinchos e gritos. Miles a seguiu.

– Morales, podemos conversar por um minuto antes de você sair, por favor? – disse Chamberlain, fazendo o garoto interromper o passo.

Miles foi até o velho, que estava com dois apagadores, um em cada mão. Ficou bem de frente para ele, perto o bastante para ver os pelos brancos que ele tinha nas narinas e a pele ressecada que lhe contornava os lábios. Perto o bastante para lhe encher de porrada.

– Sabe de uma coisa? – começou Chamberlain. – Desde que fique no lugar ao qual pertence, o lugar que criou para si mesmo, você vai sobreviver. – Em seguida, Chamberlain pegou os dois apagadores e bateu um contra o outro, perguntando: – Oh, e como vai o seu emprego? – Enquanto observava o rosto de Miles rachar por baixo da pele, no meio da nuvem de pó de giz, Chamberlain acrescentou, finalmente: – Que teia emaranhada nós tecemos.

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Depois de uma aula como aquela, uma experiência como aquela, Miles precisava fazer algo com toda aquela raiva. Podia acionar o seu modo de camuflagem, chutar algumas latas de lixo, socar as paredes até fazer buracos nelas. Podia fazer o que havia feito alguns dias antes – sair para procurar confusão e salvar alguém dela. E fazer tudo isso por trás da máscara, deixar que o Homem­-Aranha fizesse o trabalho sujo de Miles para poder se purificar de alguma forma. Ou talvez pudesse procurar Alicia humildemente e participar da organização de alguma coisa junto com os Defensores do Sonho. Algo para protestar contra Chamberlain.

No entanto, antes que pudesse se decidir a fazer qualquer uma dessas coisas – Bzzz.

Uma mensagem de texto. Miles deu um encontrão na porta do prédio para abri­-la, as dobradiças sofrendo pela força do golpe, e ficou ofuscado pelo sol. Virou de costas para o astro para bloquear o clarão e verificar o telefone. Imaginou que fosse Ganke perguntando sobre o que havia acontecido na aula de Chamberlain, mas não era.

14h51 1 Nova Mensagem de Pai

AMANHÃ CEDO

E, em seguida, outra mensagem chegou. Bzzz.

14h53 1 Nova Mensagem de Pai

AUSTIN

E aquelas três palavras foram o bastante para ajudar Miles a colocar a cabeça no lugar e se acalmar. Isso e o que ele encontrou quando finalmente voltou ao seu quarto no alojamento.

Ganke. Agindo como Ganke.

A música tocava alto. Hip­-hop dos anos 1980. Playlists com músicas de break antigas que Ganke havia encontrado na internet. Coisas a respeito das quais o pai de Miles falava sempre que estava tentando convencê­-lo sobre o que era o “verdadeiro hip­-hop”. Ganke estava saltando, deslizando e escorregando pelo quarto com as meias sobre o piso, balançando, sacolejando, chacoalhando e dançando como se houvesse acabado de ganhar na loteria.

Quando Miles entrou no quarto, Ganke se aproximou dele com movimentos iguais ao de um robô e um sorriso bobo no rosto. Ergueu a mão para um high­-five. Miles espalmou a mão do amigo e Ganke fez o braço se agitar, subindo até o ombro e descendo pelo outro braço como se Miles houvesse acabado de lhe aplicar uma descarga elétrica. Em seguida, desligou a música.

– É isso que você fica fazendo quando eu não estou por aqui e você não está jogando videogame? – perguntou Miles.

– Talvez. Digo, às vezes. Como você acha que eu mantenho este corpo em forma? – Ganke enxugou o suor da testa, largou o corpo sobre a cadeira e reclinou­-se para trás, apoiando o peso nas pernas traseiras da cadeira. – Loucura, hein? Eu soube do que aconteceu naquele reality­-show que é a aula de Chamberlain, e sabia que você iria estar com o humor azedo. Por isso, achei que isso pelo menos o ajudaria a se acalmar… e o deixaria com um astral mais… funkeado… – Ganke assentia lentamente.

– Valeu, cara. – Miles jogou a mochila sobre a cama. Sentou­-se. – Mas eu estou bem. Meu pai me disse que vamos visitar o meu primo… bem, Austin, amanhã.

– Sério?

– Sim. Mas isso não quer dizer que ver você fingindo ser o Crazy Legs… qual era o nome dele mesmo? Crazy Legs?

– O nome de quem?

– Ah, deixe para lá. Só queria agradecer por tentar fazer que eu me sinta melhor, cara.

– Bem, para ser honesto, fiz isso por mim, também – disse Ganke. – Cara, é sexta­-feira. E você sabe melhor do que ninguém que isso significa que eu tenho de voltar para a esquisitice da minha casa. – Ganke estalou as articulações dos dedos, olhando para o próprio reflexo na tela negra da televisão desligada. – E adivinhe só, como eu não vou estar lá no domingo, meu pai vai até lá esta noite para fazermos… sei lá, um jantar em família. Por isso, a minha noite de sexta vai ser basicamente nós três ao redor da mesa, em silêncio, comendo kimchi jjigae. E pode acreditar: a carne de porco e as batatas são uma delícia, mas o gosto não é o mesmo quando ninguém conversa. E eu aposto que vai ser ainda pior com tudo isso acontecendo em uma sexta­-feira. Uma sexta­-feira, Miles.

– É, eu entendo.

– É um saco. Então eu precisava colocar isso para fora, você sabe.

Miles pensou em todos os planos que giravam em alta velocidade na sua mente antes das mensagens de texto do seu pai.

– Sim, eu sei.

Ganke olhou para Miles.

– Você devia experimentar.

– O quê…? Não, nem pensar.

– Vamos lá, cara. Estamos só nós dois aqui. – Ganke se levantou e ligou a música novamente, com o baixo marcando forte o ritmo, o som reverberando pelas paredes revestidas com gesso. Ele agitou a cabeça. – Vamos ver o que você sabe fazer, meu camarada. É só se soltar. – Ganke agitava os braços enquanto Miles cruzava os seus.

– Temos que ir embora.

Eles tinham que pegar o trem.

– Nós vamos. Assim que você me mostrar uns passos.

– Eu sei o que você está tentando fazer, Ganke.

– E o que eu estou tentando fazer? Tentando ajudar o meu amigo a relaxar? Tentando ajudar um cara que considero meu irmão a se lembrar de que a vida ainda é boa? Tentando lembrar o grande Miles Morales de que nada pode detê­-lo, e que isso é motivo para celebrar? O que há de errado com isso?

– Deixe para lá. – Miles suspirou porque sabia que Ganke não iria parar até que ele concordasse. E precisava sair do campus o mais rapidamente possível. – Vamos acabar logo com isso.

Miles se levantou e alongou o pescoço da direita para a esquerda, da esquerda para direita, para deixá­-lo mais relaxado.

– É só sentir a música, mano – disse Ganke para encorajá­-lo.

Miles balançou a cabeça acompanhando o ritmo da música, e, quando sentiu que estava sincronizado, começou a fazer… alguma coisa. Uma das pernas foi para um lado, e a outra foi para o outro, como alguma espécie de dança folclórica irlandesa. Seus braços, rígidos como ripas, balançavam diante do seu corpo como os de um zumbi. Estava ruim. Muito ruim. Tão ruim que Ganke imediatamente desligou a música, enquanto Miles estava no meio de um… digamos… tropeço.

– Sabe de uma coisa? Isso foi uma má ideia. É melhor irmos embora.

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Hora do rush. Na sexta­-feira. Isso equivalia a um trem abarrotado e sem assentos livres. Miles e Ganke se enfiaram pelo meio das pessoas e seguraram­-se nas barras de metal acima de suas cabeças, com pessoas menores encostadas em suas axilas, pessoas maiores com as pessoas tocando o teto do vagão. A maioria delas tinha fones enfiados nas orelhas, livros abertos, ou estavam conversando com alguém ao lado.

– E a festa de Halloween amanhã? – perguntou Ganke. – Você ainda está querendo ir, não é?

– Por que você fica perguntando isso?

Ganke fez a mesma pergunta a Miles todos os dias naquela semana. Já estava conformado com a ideia de que Miles desistiria do evento. E Miles havia pensado naquilo, e estava prestes a dar para trás até perceber que o Sr. Chamberlain estaria na festa, e que isso seria digno de alguns zunidos. Se significasse que Miles teria a oportunidade de decifrar o Código Chamberlain, não havia nada no mundo que o faria perder a festa.

Havia somente um problema.

– Chegou a pedir para os seus pais? – Ganke conhecia Miles muito bem.

– Eu vivo esquecendo, mas vou pedir.

– Você sabe se eles vão deixar você sair de casa neste fim de semana? Afinal de contas, você perdeu o emprego. E, no dia seguinte, arrebentou uma carteira da sala de aula usando só as mãos.

Miles encarou Ganke com uma olhada feia, que retrucou com uma expressão de “estou só falando”. Todos os passageiros balançavam de um lado para outro com o trem que sacolejava. Todos, exceto Miles.

– Você não precisa ficar me lembrando disso. E, de qualquer maneira, eu vou, Ganke.

– Certo, ótimo. Então eu preciso lhe dizer que decidi homenageá­-lo. Vou fantasiado de Homem­-Aranha – disse Ganke em voz baixa, mantendo a expressão séria. – É só me emprestar o seu uniforme. Ele é de nylon, certo? Então vai esticar. – Ganke fez uma pausa. – A menos, é claro, que você esteja planejando se fantasiar de Homem­-Aranha. Ir fantasiado como você mesmo.

– Se você diz.

Os dois riram. Um homem cego serpenteou por entre a multidão, com a bengala tocando as canelas de vários passageiros. Ele agitava uma caneca de metal com algumas moedas dentro e pedia:

– Pode me dar um trocado? Pode me dar um trocado?

– O que acha? – sussurrou Ganke conforme o homem cego se aproximava.

Miles se concentrou no velho, estudando a hesitação em seus movimentos, os músculos ao redor dos olhos. Miles fez um sinal afirmativo para Ganke. Os dois colocaram dólares em sua caneca.

Quando o trem chegou a Prospect Park, as pessoas foram se despejando para fora do trem pelas portas, abrindo espaço para Miles e Ganke poderem respirar. Pessoas idosas e adolescentes insensíveis correram para os assentos livres, às vezes se espremendo por entre uma pessoa com fones de ouvido e outra com um livro. Miles e Ganke tiraram as mãos do corrimão superior e seguraram­-se na barra vertical enquanto as portas se fechavam. E então…

– Boa tarde, senhoras e senhores. É uma pena perturbá­-los durante a sua volta para casa, mas nós viemos até aqui para dar o início perfeito para o seu fim de semana. A maioria de vocês sabe que horas são, mas, caso tenham vindo de fora, ou de outro bairro, nós lhes damos as boas­-vindas à nossa cidade maluca com… A HORA DO SHOW!

Um garoto jovem com a voz rouca veio dançando pelo corredor, com o peito nu, a camiseta enrolada ao redor da cabeça e as mãos em concha ao redor da boca.

– HORA DO SHOW! – gritaram outros dois ou três garotos em uníssono.

– Hora do show! – repetiu Ganke, erguendo repetidamente as sobrancelhas enquanto olhava para Miles.

A música começou, e em seguida vieram as palmas.

– Prestem atenção! – gritou o mais novo, enquanto um dos garotos mais velhos começou a dar seus passos.

Em seguida, começaram as piruetas, as poses de cabeça para baixo, quando os dançarinos se apoiavam somente com as mãos, giros e truques ao redor das barras e corrimãos. Turistas olhavam a tudo embasbacados, com as bocas abertas e os queixos caídos até o colo. Dedos em bolsos e bolsas.

Trinta segundos depois, os garotos da hora do show gritaram:

– E esse é o nosso show!

O garoto sem camisa começou a bater palmas novamente. Correu de um lado para outro do vagão para recolher as doações dos espectadores. Ganke estendeu uma nota de vinte dólares no ar, mas, quando o garoto chegou à extremidade do vagão onde ele e Miles estavam em pé, Ganke fechou os dedos ao redor do dinheiro.

– Vamos fazer um duelo de dança para ver quem fica com a grana.

– Ganke, não faça isso – reclamou Miles. – Garoto, ele não…

O garoto ergueu o rosto para olhar para Ganke. Foi como se não houvesse nem mesmo escutado o que Miles dissera.

– E por que eu faria isso? Já ganhei essa grana aqui. – Ele agitou o chapéu ligeiramente.

– Porque você tem uns dez dólares que ganhou neste vagão. Eu tenho o dobro na minha mão. Você pode sair com trinta, ou com dez. Não vai perder. É uma aposta segura.

– E sou eu contra você? – perguntou o garoto. – O que você acha, que eu tenho cara de trouxa?

Ganke riu.

– Certo, o melhor de vocês.

O garoto chamou o restante do grupo. Miles tentou dar um fim naquilo, mas Ganke estava agitando a nota de vinte de um lado para outro, o que tornava o amigo praticamente invisível.

– Certo, vamos apostar. Eu contra você – disse o capitão da equipe da Hora do Show. Era um garoto esguio com o cabelo trançado e brincos enormes, que tinha diamantes obviamente falsos.

– Não, não, não. Vocês escolheram o seu melhor, então eu escolho o meu. – Ganke colocou o braço ao redor de Miles – Ele.

– Ele está só brincando. É ele mesmo quem vai dançar. Não sei d­-dançar direito – gaguejou Miles.

– É isso aí, você realmente não parece saber dançar – cutucou o garoto mais novo. – E você também não – disse ele para Ganke.

Ganke imediatamente fez um movimento circular com o corpo, agitando­-se.

– Não me desafie – avisou ele. – Mas ele é melhor.

Ganke se aproximou de Miles e sussurrou:

– É só não fazer o que você fez no quarto. – Em seguida, virou­-se para os garotos da Hora do Show e disse: – Som na caixa!

A batida começou a tocar num volume alto pelo aparelho de som portátil e surrado outra vez. Um trecho de alguma música eletrônica que Miles nunca havia ouvido, e que se repetia em ciclos. Depois, vieram as palmas.

– Prestem atenção, senhoras e senhores. Uma competição amistosa!

O rapaz com as tranças começou a contorcer o corpo, quase dando um nó em si mesmo ao som da batida. Seus braços e pernas, longos e flexíveis, eram surpreendentemente fortes enquanto ele saltou, segurou­-se nos corrimãos do alto do trem e percorreu todo o vagão girando as pernas como se estivesse pedalando uma bicicleta.

– Me dê a sua mochila – pediu Ganke, praticamente arrancando­-a das costas de Miles.

– É a sua vez – avisou o garoto mais novo.

– Cara, no que é que você está me envolvendo? – perguntou Miles.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Ganke o empurrou para dentro do círculo invisível de dança. Todos os passageiros estavam olhando. Até mesmo os nova­-iorquinos, acostumados a ignorar esse tipo de coisa. Senhores negros observavam a cena por cima dos aros dos óculos. Moças brancas estavam sentadas com as mãos sobre o colo, esperando o que estava por vir. Crianças pequenas batiam palmas ao som da música.

– Vai! Vai! Vai! – disse Ganke.

Miles ficou paralisado, mas, contra a sugestão de Ganke, começou a fazer aquela dança esquisita que mais parecia uma convulsão, as pernas e braços se projetando para todos os lados, seu rosto se contorcendo muito mais do que o seu corpo, que parecia ter se transformado em pedra. Os garotos explodiram em uma gargalhada.

– Ele… ah, ele está só se aquecendo – disse Ganke. Virou­-se para Miles e pediu: – Rasteje pela parede.

– O quê?

Rasteje… na parede. – Pisc­-pisc.

E foi naquele momento que Miles entendeu o que Ganke estava dizendo o tempo todo. Virou de costas para todo mundo e saiu correndo rumo ao lado oposto do vagão, ziguezagueando por entre as barras de suporte. Ao chegar lá, saltou contra a porta – que levava ao vagão seguinte –, apoiou os pés nela e se projetou para a frente, grudando­-se ao teto do trem e rastejando até a outra ponta. Sem se segurar nos corrimãos. Somente usando os dedos das mãos e os pés.

As pessoas que estavam no vagão foram à loucura, explodindo em uma mistura de empolgação e confusão. Até mesmo os dançarinos mais novos batiam palmas e assentiam. Eles desligaram a música, agitando os braços e gritando:

– Acabou! Acabou!

Ganke colocou os vinte dólares de volta no bolso e em seguida abriu a mochila e começou a trotar de um lado para outro no vagão, recebendo dinheiro de… todo mundo. Até mesmo os garotos da Hora do Show lhe deram um dólar.

Os jovens dançarinos olharam para Miles com uma expressão de interrogação. Tentaram até mesmo imitar a manobra de rastejar pela parede, esforçando­-se ridiculamente para agarrar o teto antes de perceber que estavam perdendo tempo. Após algum tempo, os garotos saíram do trem e foram até a próxima composição para mais um show enquanto Ganke tirava notas da mochila e as entregava para Miles.

– Quanto tem aí? – perguntou Ganke.

– Uns quarenta dólares – respondeu Miles, sem conseguir acreditar.

– Aham – disse Ganke quando o trem parou na estação Atlantic Avenue, onde o amigo precisava desembarcar para pegar a linha C rumo à Lafayette. Ele tirou quatro dólares do maço e o entregou para Miles. – A minha comissão é de vinte por cento. Além disso, essa vai ser a única coisa divertida para mim esta noite, antes do jantar da perdição, por isso… vamos lá.

Miles colocou mais quatro na palma de Ganke, levantou­-se e jogou a mochila por cima do ombro. Quando Miles correu para a porta, tentando sair enquanto as pessoas tentavam entrar, Ganke gritou para as costas de Miles:

– Eu lhe disse!

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Trinta dólares mais rico, Miles caminhou pelo parque para voltar à sua casa. Ao fim da tarde, os velhos jogavam xadrez e tocavam músicas de soul em volume alto pela janela de um carro estacionado. As crianças pequenas balançavam de um lado para outro em suas bicicletas, com as rodinhas laterais desalinhadas. Jovens envolvidos com seu primeiro amor se beijavam nos bancos de madeira – que em breve se transformariam em camas para os sem­-teto – ao lado de senhoras que distribuíam panfletos de igrejas. Havia uma brisa no ar e as árvores do parque se agitavam, com as folhas sussurrando para o Brooklyn.

Miles passou pelas pessoas que levavam cachorros para passear, conduzindo tanto pit­-bulls quanto poodles pelas coleiras. Pessoas que entravam e saíam da bodega na esquina, e a campainha da porta tilintava sem parar. Pessoas envolvidas com a moda exibindo as últimas tendências tiravam fotos diante de um carro azul­-celeste enferrujado. Aquele que costumava servir de casa para alguém. Um homem que não estava mais lá.

Ele passou diante da sua casa e virou a esquina para ir ao mercado. Não a bodega, mas o supermercado que ficava mais à frente. Flores em baldes estavam alinhadas na fachada. Um dos homens que trabalhavam na loja estava cuidando delas.

– Quanto custam? – perguntou Miles, olhando as rosas.

– Quinze – retrucou o homem.

Miles não disse mais nada. Continuou caminhando. Rosas seriam um bom presente para a sua mãe, mas isso custaria metade do seu dinheiro. Sabia que podia ter entrado na loja e comprado comida, o que seria inteligente, e talvez até pudesse convencer o seu pai a fazer o jantar para a mãe, para variar. Ela merecia. No entanto, desastres acontecem de todas as formas, e Miles e seu pai tentando preparar uma refeição não seria nada menos do que um desastre. E, mesmo se não fosse, isso faria a mãe de Miles ficar à volta dos dois, com a mão na testa enquanto dava ordens numa mistura de inglês e espanhol e repetia sem parar: “Alluda me santos” [Santos, ajudem­-me].

Miles tinha outros planos.

A próxima parada era a loja de 1,99. Uma senhora idosa segurou a porta aberta para ele enquanto Miles entrava no reino dos pratos de papel, lembrancinhas de festa, cartões de felicitações e versões vagabundas de praticamente tudo que já havia sido inventado. Carrinhos com as rodas frouxas chacoalhavam, caixas registradoras soltavam blips e blups com cada compra que passava por elas e sacolas plásticas farfalhavam. Miles circulou pela loja, espiando ao longo de cada corredor, até encontrar Frenchie. Ela estava agachada, colocando etiquetas de preço em aromatizadores de banheiro.

– Oi, Frenchie.

– Miles? – Frenchie parecia surpresa ao vê­-lo, o que até fazia sentido, pois o garoto raramente passava por ali. – O que você está fazendo aqui?

– Procurando flores.

– Flores? – Frenchie se levantou com um sorriso malandro no rosto e cruzou os braços. – Sei que você ainda não tem idade para estar namorando. Lembro­-me de quando o seu pai costumava me pagar para cuidar de você, e você não fazia nada além de xixi nas calças, o tempo inteiro. E agora está aqui para comprar flores.

– Não são para uma garota. Digo, não são para… são para a minha mãe.

– Aham. Acho melhor que sejam – brincou Frenchie. – É uma atitude muito bonita. Espero que Martell seja tão amoroso quanto você quando crescer.

– Oh, ele vai lhe comprar um jardim de rosas inteiro quando entrar para a liga.

– Eiiii, você não disse nada além da verdade! – Frenchie ergueu os braços como se estivesse fazendo uma prece de três segundos. – Vamos lá.

Ela levou Miles até o outro lado da loja, onde ficavam as flores.

– Bem aqui. – Ela apontou para a fileira de verdes, marrons, vermelhos e amarelos, todos os tons do outono no corredor dois.

– Vocês não têm flores de verdade? Essas são de plástico – disse Miles, apertando a pétala de tecido de uma das rosas fajutas.

– Garoto, você está na loja de 1,99 – rebateu Frenchie.

Miles pegou uma das rosas, cheirou­-a e imediatamente sentiu­-se idiota por fazer aquilo.

– Mas, só para a sua informação – Frenchie emendou –, essas aí custam dois dólares.

Depois que Miles comprou a rosa, ele foi até o estabelecimento vizinho e entrou na Raymond’s Pizza, que não deve ser confundida com a Ray’s Pizza. Não eram a mesma coisa. O garoto imaginou que seria mais seguro se Raymond preparasse o jantar para a família Morales em vez de formar dupla com o seu pai na cozinha. Pizza é algo que sempre funciona e não precisa da ajuda dos santos.

As pessoas estavam diante do balcão pedindo fatias para comer.

– Duas tradicionais.

– Quero uma de pepperoni.

– Uma tradicional e duas de calabresa, por favor.

Os homens do outro lado do balcão cortavam a pizza em fatias, colocavam­-nas em um forno grande para serem aquecidas por alguns minutos antes de colocá­-las em pratos de papel, os quais empurravam para a outra ponta do balcão para serem ensacados.

– Próximo! – chamou o rapaz que estava atrás da caixa registradora enquanto fechava a gaveta do dinheiro com força.

– Quero uma pizza inteira. Tradicional – pediu Miles.

– Pizza inteira. Certo – repetiu o homem. Em seguida, atendeu à próxima pessoa na fila, um cara que parecia um pouco mais velho que Miles.

– Vocês têm de anchova? – perguntou o rapaz.

– Estamos sem anchovas, meu brother.

Pensar em anchovas na pizza fez Miles se lembrar imediatamente do seu tio, e de comprar pizzas na Ray’s perto do condomínio Baruch Houses. Um calafrio percorreu o corpo dele.

– Certo, então vou querer uma de pepperoni. Bem­-passada.

Cerca de cinco minutos depois, a pizza de Miles era retirada do forno com uma espécie de pá e enfiada numa caixa. Ela chegou deslizando pelo tampo do balcão.

– Pizza tradicional, certo? – perguntou o rapaz atrás da caixa registradora.

– Isso aí.

– Quinze.

Miles colocou o dinheiro no balcão, pegou a sua caixa e foi em direção à porta, caminhando atrás do cara que pediu pela fatia com anchovas. A porta, porém, estava aberta; outra pessoa a segurava. Alguém que era familiar. No começo, Miles não conseguiu identificá­-lo imediatamente, mas, quando começaram a andar – com o cara das anchovas na frente, o outro que segurava a porta logo atrás dele e Miles na retaguarda –, o garoto percebeu quem era o cara do meio. O ladrão, com o rosto ainda cheio de hematomas negros e arroxeados da lição que havia recebido. Miles percebeu que o rapaz, que agora segurava a fatia de pizza contra a boca, tinha tênis novinhos em folha nos pés. Air Max infravermelhos. Os mesmos que Ganke usava no dia em que passaram pela quadra de basquete. O sentido aranha de Miles zuniu. O ladrão olhava o tempo todo para a esquerda e para a direita, certificando­-se de que não havia nenhum policial por perto. Ou nenhum Homem­-Aranha.

O assaltante olhou para trás, mas só havia Miles (como Miles), encarando­-o com um olhar agressivo. Quando chegaram à esquina, o ladrão foi para a esquerda. O cara com a pizza e os tênis seguiu em frente. E Miles foi para a direita.

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Miles subiu as escadas até o seu apartamento, com a pizza e a rosa na mão. Ouviu música tocando do outro lado da porta. Girou a chave apenas o suficiente para destrancá­-la, e foi recebido por sua mãe e seu pai na sala de estar, que estavam dançando de mãos dadas. Um naipe de sopros, um cowbell para marcar o ritmo, timbales e tambores de conga berrando pelos alto­-falantes. Salsa. O som dos Fania All­-Stars.

– Oi, Miles – cantarolou a mãe, recuando com seus passos de dança, girando os braços ao redor do corpo.

O pai estendeu os braços na direção dela, e a mãe segurou na mão dele por apenas um instante, antes de soltá­-la e começar a girar pelo piso da sala. A voz de Celia Cruz os envolvia como se fosse um cobertor aconchegante enquanto Jeff puxava a esposa para um passo desajeitado em que ela quase se deixava cair no chão.

– Rio, o garoto chegou trazendo presentes – disse o pai de Miles, afastando­-se da esposa.

– Ah… eu trouxe uma pizza. – Miles estava em choque.

O garoto colocou a pizza sobre a mesa da cozinha. Não esperava que seus pais estivessem dançando e rindo. Não que nunca fizessem aquilo, mas simplesmente imaginou, depois da semana que todos tiveram, que os encontraria em casa olhando para a TV, ainda discutindo as contas, esperando que ele chegasse em casa para pensar em um possível castigo.

– Pizza! – disse a mãe de Miles com um gritinho. – Que gracinha, meu filho. Obrigada.

– Você a roubou? – perguntou o pai de Miles, erguendo a tampa da caixa e sentindo o vapor do queijo subindo para tocar­-lhe o rosto.

– Faz diferença? – disse Miles em tom de piada, enquanto seu pai enfiava o dedo em um pedaço de queijo derretido.

– Nenhuma.

Até aqui, tudo bem.

– E eu trouxe isso para você. – Miles estendeu a rosa para a mãe.

– Para mim? – Ela se fingiu de tímida. – Achei que fosse para a sua garota na escola. Tu amor.

– Não. Não é. Além disso, eu não tenho uma garota na escola – disse Miles.

A mãe pegou a rosa e a trouxe para diante do nariz.

– Você ainda não derramou o molho? – murmurou o pai, colocando uma fatia da pizza em um dos pratos que havia tirado do armário. – E essa rosa é de plástico?

Miles deixou as alças da mochila deslizarem pelos ombros e juntou as mãos.

– Essa pizza e essa rosa são apenas para dizer que eu estou arrependido do que aconteceu.

– Pare de se desculpar e venha dançar comigo – pediu a sua mãe, estendendo a mão para ele. – Você se lembra disso, Miles. Dançávamos ao som dessa música o tempo inteiro quando você era pequeno. – Ela dançava para a frente e para trás, com os braços e pernas acompanhando o ritmo em sincronia.

– Quando você não estava fazendo xixi nas calças, nem xixi na cama, e nem acabando com o meu humor – zombou o seu pai.

– Se você diz. – A mãe de Miles afastou as palavras do marido com um tabefe e colocou a rosa no sofá. – É só me acompanhar.

E, dali por diante, Miles e a mãe dançaram sem parar, seu corpo balançando e se esquivando, quase como se ele estivesse lutando boxe.

– Menos bunda, mais cintura. Quadril, quadril. Deixe o corpo fazer o que quiser. Ele está lhe dizendo como quer se mover.

Até que o seu pai interrompeu.

Yo soy un hombre sincero, de donde crece la palma… – cantou Celia.

– Uêpa! – gritou a mãe de Miles, pegando na mão do marido.

– Viu, meu filho? Depois que derrubar o molho, você a ataca com uma manobra giratória – gabou­-se o pai. – Sempre funciona.

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Algumas horas mais tarde, enquanto Miles estava sentado no quarto fazendo a limpeza semanal dos seus tênis – esfregando a sola com uma escova de dente –, ele ouviu alguém bater na porta. Miles imaginou que aquela seria a hora em que a paulada viria. Seu pai tinha fama de fazer as coisas desse jeito. Esperar um dia inteiro, rindo e contando piadas, agindo como se tudo estivesse bem antes de – bam! E estava de castigo.

– Entre.

E, exatamente como pensava, era o seu pai. Ele fechou a porta por trás de si e se encostou nela.

– Estão bonitos, cara – disse ele.

– Obrigado.

– Bom, nós precisamos conversar.

Miles suspirou, mas seu suspiro foi cortado pelas palavras que seu pai disse a seguir:

– Sobre amanhã. Eu só queria falar sobre o assunto com você, ter certeza de que você ainda está a fim de seguir com o plano. Se não quiser, está tudo bem.

– Para a prisão? Sim, estou a fim de ir até lá. – Miles, aliviado, colocou o sapato no chão. – E você?

Agora era o pai de Miles quem suspirava.

– Sim. – Ele veio até a cama e se sentou. – Vamos pelo menos ter a certeza de que tudo vai ficar bem, aconteça o que acontecer. Caso a gente descubra que ele não é quem pensamos que é. Ou se ele disser algo incômodo. A prisão, ela… faz coisas com você. Acredite em mim, eu sei.

Miles conseguia ouvir o desconforto na voz do pai, conseguia ouvir sua garganta ficando seca. O garoto, porém, não respondeu. Simplesmente olhou para o pai e fez um sinal afirmativo com a cabeça. Jeff bateu com as palmas das mãos nas próprias coxas e tomou impulso para se levantar da cama.

– Certo, isso é tudo que eu queria dizer. – Ele se abaixou e beijou a testa de Miles. – Boa noite. – Quando abriu a porta, ele se virou para trás. – Ah, e obrigado pela pizza. – Um sorriso torto se abriu. – Mas seria legal ter uma anchova ou duas.

Com o peso daquele dia ainda intenso sobre Miles, o sono entrou no quarto assim que seu pai saiu. Não levou muito tempo até que estivesse dominado por ele – um estado de sono –, quando era impossível diferenciar uma ação da outra. Miles não se lembrava de se deitar na cama ou de se cobrir. Apenas de estar sentado na cama, e em seguida, como num piscar de olhos, de estar sentado em um sofá. Um sofá de couro, mas não em sua casa. Aquela casa. Aquela onde Miles nunca havia estado, mas que conhecia muito bem. A janela pequena do seu quarto, que agora era palaciana com cortinas de linho cor de creme, fechadas. Seus pés descalços sobre os azulejos no piso, dispostos como um mosaico. O cheiro de sujeira, de umidade e de fumaça de tabaco. Pelos de gato flutuavam pelo ar como se fossem pequenos espíritos.

– Sabe qual é o problema que eu tenho com você, Miles? – A voz veio do assento ao lado dele.

O garoto não havia percebido ninguém sentado ali, apesar do tamanho enorme que a poltrona tinha. Era o Sr. Chamberlain. Todo amarelado e com a pele semitransparente. Com aquele seu bigode e os lábios rachados. Estava sentado com as mãos unidas, as unhas roídas até as cutículas.

– A sua arrogância. Você acredita que é realmente capaz de salvar pessoas. Que pode fazer o bem. Superpoderes não combinam com os galhos que vêm de uma árvore como a sua. Porque a sua árvore está apodrecida desde a raiz. Você, meu jovem, está destinado a ser cortado.

Miles não conseguia falar. Era como se a língua houvesse sido arrancada da sua boca. Em pânico, ele deslizou até o lado oposto do sofá, o couro grunhindo com cada centímetro. Bem naquele momento, um gato branco saltou e se equilibrou sobre o encosto do sofá. Miles olhou para o bicho. Em seguida, voltou a olhar para o Sr. Chamberlain, que havia se transformado numa figura ainda mais fantasmagórica. Cabelos brancos e longos dependurados no queixo. O nariz afilado. Os dentes como grãos de milho ralados.

– Homem­-Aranha – disse o homem, com a voz assombrosa e um cheiro asqueroso. – Você não me conhece, mas eu conheço você. E eu vou pegá­-lo.