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Ao chegar à aldeia silenciosa, a caravana de escravos não estranhou o céu repleto de aves de rapina. Esquisito teria sido não vê-las; naquele trabalho, aves carniceiras eram comuns. Com a diferença de que, em geral, os cadáveres eram de feras.
Não daquela vez.
Os mortos estavam pendurados no aqueduto: oito serafins com as asas abertas em leque. À distância, pareciam sorrir. De perto, porém, o horror chocaria até um traficante de escravos. Seus rostos...
— O que fez isso? — alguém conseguiu perguntar, embora a resposta estivesse bem diante deles. Uma mensagem tinha sido pintada em letras grandes, traçadas com sangue em uma pedra angular do aqueduto.
Das cinzas nós renascemos.
Em pânico, eles enviaram mensageiros para Astrae. Praticamente sem defesas, nem se deram ao trabalho de soltar os corpos dos soldados; simplesmente foram embora, às pressas, conduzindo seus escravos quimeras com chicotes. Uma grande mudança se operou nos cativos ao verem os mortos — um brilho, uma avidez entusiasmada e astuciosa. Os rabiscos feitos com sangue não eram a única mensagem; os sorrisos também.
Os cantos das bocas dos anjos mortos tinham sido cuidadosamente cortados, alargados em sorrisos forçados. Os traficantes sabiam muito bem o que aquilo significava, assim como os escravos, e portanto todos ficaram atentos — alguns por medo, outros em alegre expectativa.
A noite chegou e a caravana montou acampamento, guardas puseram-se em vigia. Pequenos sons começaram a atravessar a escuridão: passos apressados, um galho se partindo. Os guardas logo levaram as mãos aos cabos das espadas; sentiam o sangue gelar, olhavam freneticamente de um lado para o outro.
E então os escravos começaram a cantar.
Isso não havia acontecido em nenhuma das noites anteriores. Os traficantes estavam acostumados às lamúrias dos cativos, não à música, e não gostaram daquilo. A voz das feras era áspera como feridas, forte, primitiva, destemida. Quando os serafins tentaram silenciá-los, um rabo chicoteou do meio do grupo e derrubou um guarda.
E então, entre um tremular e outro das chamas da fogueira do acampamento, eles surgiram. Pesadelos. Redentores. Chegaram do alto, e os traficantes, confusos, pensaram de início que se tratava de reforços, mas aqueles não eram serafins. Asas e gritos, chifres, galhadas, rabos afiados e ombros ursinos encurvados. Pelos, garras.
Espadas e dentes.
Nenhum anjo sobreviveu.
Escravos libertos se dispersaram pelos arredores, levando consigo as espadas e os machados — e, sim, os chicotes — de seus captores. Seria mais difícil subjugá-los no futuro.
A quietude tomou conta. Ali também foi deixada uma mensagem escrita com o sangue do massacre — as mesmas palavras que seriam encontradas em muitas cenas semelhantes nos dias que estavam por vir.
Nós renascemos. É a sua vez de morrer.