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SUICÍDIO

Não era suicídio.

Os esquadrões não foram em direção ao sul quando passaram pelo portal. Os cinquenta e seis não voaram para ajudar as criaturas nas Terras Distantes que espiavam por entre as copas das árvores para ver por que o sol se escondia e o que o céu lhes trazia. Afinal, o que cinquenta e seis poderiam ter feito contra tantos? Thiago não acreditava em suicídio. Teria sido uma jogada sem propósito, um desperdício de soldados.

Os rebeldes não estavam presentes para testemunhar os quimeras desesperados correndo e caindo, correndo, caindo, tentando ficar de pé de novo, agarrando seus bebês e levantando os idosos pelos cotovelos. Não viram a tormenta de seu povo. Não os viram morrer às centenas, perseguidos enquanto fugiam de florestas incendiadas e mortos muito perto de chegarem a um lugar seguro. E não morreram defendendo esses quimeras, porque não estavam lá.

Estavam no império, causando uma outra tormenta.

— Estamos em vantagem dupla agora — dissera Thiago. — Em primeiro lugar, eles não sabem onde estamos, assim como não sabem quem ou o que somos. Somos fantasmas. Em segundo, agora somos fantasmas alados. Graças a nossa nova ressurreicionista, temos uma liberdade de movimento que nunca tivemos antes, o que nos permite cobrir uma distância muito maior. Eles não esperam ser atacados no próprio território. — O Lobo aguardou até que todos ficassem em silêncio para só então acrescentar, com a delicadeza perversa que lhe era característica: — Os anjos também têm seus lares. Os anjos têm mulheres e crianças.

E agora não teriam tantos.

* * *

Somente um líder de equipe desafiou as ordens do Lobo: Balieros. O corpulento touro-centauro se recusou a virar as costas para seu povo. Quando as equipes se separaram em direção aos seus territórios designados, ele apresentou a opção aos seus soldados, e todos o seguiram, com orgulho. O urso Ixander; o grifo Minas; Viya e Azay, ambos da tribo dos Cervos, como era o Comandante; e Ziri. Voaram para o sul, suas asas cortando nuvens e deixando muitas léguas para trás. Porém, por mais rápido que voassem, a terra que um dia tinham defendido era de uma vastidão imensa, e já fazia um dia que estavam voando quando por fim viram os bastiões das Terras Distantes ao longe.

Meros seis soldados em um redemoinho de asas inimigas — aquilo sim era suicídio, e só podia terminar de um jeito.

Eles sabiam, e voaram em direção a seu fim, corações ardendo e sangue pulsando, infinitamente mais vivos em sua perdição do que o restante dos soldados, que seguiu para o outro lado com toda a chance de sobreviver.

* * *

— E então — começou Hazael, aproximando-se silenciosamente de Akiva enquanto aguardavam a ordem para voar. Seguiriam Ormerod naquele dia, as duas patrulhas unidas para reforçar o Domínio, que já havia saído. — O que fazemos agora, irmão? Você acha que vamos encontrar muitos pássaros por aí hoje?

Pássaros?

Akiva olhou para ele. Nunca tinham falado sobre os quimeras na ravina. “Deve ter sido um pássaro”, eles haviam concordado na ocasião, fingindo não ver o grupo encolhido a sua frente.

— Infelizmente não muitos, acho — respondeu Akiva.

— É, imagino que não. — Hazael colocou a mão no ombro do irmão, deixando-a repousar ali por um tempo. — Mas talvez alguns.

Ele se virou; Liraz estava vindo. Hazael foi ao encontro dela, deixando Akiva sozinho com seus pensamentos.

Talvez alguns. Seu ânimo melhorou, ainda que só um pouco.

Quando receberam a ordem de levantar voo, ele deixou a desesperança no acampamento e levou consigo apenas seu empenho. Não se iludiu pensando que aquele seria um dia de atos heroicos. Seria um dia de morte e terror, como tantos outros, como muitos outros, e um — ou seriam dois? — serafim renegado não podia esperar salvar muitas vidas.

Mas talvez algumas.