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UM LAMENTÁVEL DESPERDÍCIO DE DOR

— Matem todos — ordenou Jael a seus soldados, com um mórbido bom humor.

Akiva continuava de pé no meio da sala de banho, junto com seus irmãos. Os três ainda seguravam suas espadas, mesmo sabendo que, com o mal-estar causado pelas marcas do demônio, não tinham como se defender de tantos soldados.

— Não todos — corrigiu Ur-Magus Hellas, que tinha se colocado ao lado de Jael e que, ao contrário dos demais membros do conselho, não parecia chocado com tudo o que acontecera. Um cúmplice.

— Mas é claro — concordou Jael, com uma polidez afetada. — Erro meu. — Então se virou para os guardas: — Matem todos, menos os Ilegítimos.

O olhar de presunçosa complacência de Hellas desapareceu.

— O quê?

— Certamente. Traidores merecem uma execução pública, não é mesmo? — indagou Jael, deliberadamente deturpando o significado das palavras de Hellas. Então se virou para os bastardos, ainda com aquela alegria repulsiva. — Como meu irmão disse mais cedo, sempre se pode abrir espaço no cadafalso.

— Meu senhor — insistiu Hellas, ofendido e só então começando a ficar com medo —, estou falando de mim.

— Ah, pois é. Sinto muito, velho amigo, mas você tramou a morte do meu irmão. Como posso confiar que não vai trair também a mim?

Eu? — Hellas ficou vermelho. — Eu tramei? Tramei com o senhor...

Jael estalou a língua.

— Viu? Já está inventando histórias a meu respeito. Todo mundo sabe que foi o Ruína das Feras quem matou Joram e o pobre Japheth, sangue de seu sangue. Como posso deixar que você saia desta sala e vá espalhar mentiras a meu respeito?

O rosto vermelho do mago empalideceu.

— Eu não faria isso. Sou leal. O senhor vai precisar de uma testemunha. O senhor disse...

— A criada vai servir como testemunha. Será até melhor, porque vai acreditar no que diz. Ela viu o bastardo matar o imperador. Quanto ao restante, estará confusa. Vai acreditar que viu tudo.

— Meu senhor. O senhor... precisa de um mago...

— Como se você fosse capaz de realizar alguma magia — zombou Jael. — Não preciso de impostores ou envenenadores. Veneno é para covardes. Os inimigos devem sangrar. Anime-se, meu amigo. Você morrerá em nobre companhia.

E, a um gesto sutil de Jael — pouco mais que um espasmo da mão —, os soldados se adiantaram.

Hellas procurou desesperadamente um protetor.

— Socorro! — gritou, embora certamente tivesse feito sua parte para que nenhum socorro aparecesse.

Os outros membros do conselho também gritaram. Akiva sentiu mais pena deles, embora sua infelicidade crescente não deixasse muito espaço para desperdiçar pena com aquele grupo de tolos cruéis escolhidos a dedo.

Foi um banho de sangue. Os Espadas de Prata, brutamontes inúteis e já desarmados, agonizaram e morreram. Um dos soldados do Domínio despachou Namais e Misorias — ainda inconscientes — com suaves golpes na garganta dos dois. Parecia estar ceifando ervas daninhas, tão impassíveis foram os gestos. Os olhos dos guarda-costas se abriram, e os dois se debateram um pouco antes de morrer, então escorregaram na mistura de água de banho e sangue. Nem as criadas foram poupadas; Akiva percebeu o que ia acontecer e tentou proteger a que estava mais perto, mas havia muitos soldados do Domínio, e muitos hamsás virados em sua direção. Os soldados o empurraram de volta para onde estavam Hazael e Liraz antes de silenciar os gritos da garota sem nenhum sinal de remorso.

Eram perfeitos soldados de seu líder, pensou Akiva enquanto a cena se desenrolava diante de seus olhos. Ele já testemunhara muitas carnificinas, já tomara parte de muitas também, mas aquele massacre o chocou pela frieza. E astúcia. Assistir àquilo tudo, sabendo que seria acusado por aqueles crimes — que a desonra seria dele enquanto Jael assumia o manto do imperador —, o fazia arder e suar frio, sentindo-se ao mesmo tempo furioso e impotente.

Ele procurou alucinadamente algum traço da clareza e do poder que o haviam inundado antes, mas não sentia nada além do desespero crescente. Olhou para seus irmãos, que estavam com as costas coladas um no outro. Era visível a tensão dos dois.

Os quatro conselheiros que ali estavam além de Hellas morreram mais ou menos como tinham visto seus imperadores morrerem: chocados, afrontados e indefesos. Hellas gritou. Tentou levantar voo, como se houvesse como escapar pelo teto abobadado de vidro, e nisso a espada do soldado acertou sua barriga em vez do coração. Os gritos do mago ficaram mais agudos, e ele agarrou a lâmina cravada em seu corpo; caiu olhando para o aço, sem conseguir acreditar, e quando o soldado puxou a espada, dedos voaram. Hellas ergueu as mãos mutiladas na frente do rosto — sangue, muito sangue jorrava dos cotos dos dedos —, e foi isso que viu, com horror abjeto e ainda aos berros, quando o soldado corrigiu a mira e acertou em cheio seu coração.

Ele parou de gritar.

— Duvido que ele tenha sequer tentado fazer alguma magia — observou Jael. — E toda aquela dor para pagar o dízimo... Que desperdício. Um lamentável desperdício de dor.

Então lançou um olhar penetrante para Akiva e apontou para ele. Akiva se preparou para se defender — ou tentar. Mal conseguia segurar a espada, e a fraqueza só aumentava com a sensação nauseante que o dominava de todos os lados. Mas os soldados entendiam bem os gestos do capitão; não atacaram.

— Agora, aqui sim temos um mago — disse Jael.

Akiva ainda estava de pé, embora achasse que não fosse aguentar por muito tempo. A sensação de ter tantos hamsás voltados para ele o levava de volta ao passado, ao cadafalso na ágora de Loramendi: lembrou-se de Madrigal, de como ela olhara para ele, do momento em que tinha colocado a cabeça na rocha, de como a cabeça dela caíra e quicara, e de como ele tinha gritado, sem poder fazer nada. Onde estivera aquele verdadeiro estado de sirithar então? Ele balançou a cabeça. Não era nenhum mago; um mago poderia tê-la salvado. Um mago poderia se salvar agora, e a seus irmãos, daqueles soldados com seus troféus nodosos e afiados, de sua força roubada.

Jael confundiu sua reação com modéstia.

— Ah, vamos lá — disse ele. — Você acha que eu não sei, mas está enganado. Ah, essa demonstração de encanto, as espadas invisíveis? Isso foi muito bom, mas os pássaros? Aquilo sim foi incrível.

Ele assobiou com um som úmido e balançou a cabeça: um elogio sincero.

Akiva tomou cuidado para não entregar nada. Jael podia suspeitar, mas não tinha como saber que os pássaros tinham sido obra sua.

— E tudo isso para salvar um quimera. Tenho que admitir que me confundiu. O Ruína das Feras salvando uma fera?

Jael olhava para ele, prolongando uma pausa. Akiva não gostou do olhar, nem da pausa. Seus encontros sempre pareceram jogos altamente arriscados: cortesia exagerada encobrindo uma desconfiança mútua e um ódio profundo. Daquela vez não havia mais por que manter a polidez, mas o capitão prosseguiu com a farsa, e havia um traço de alegria naquilo. Um sorriso brincava em seu rosto.

O que ele sabe?, perguntou-se Akiva, agora certo de que havia alguma coisa. Daria tudo naquele momento para colocar um fim à alegria de Jael.

— “Ela tem gosto de contos de fadas” — disse Jael. As palavras, familiares, fizeram Akiva sentir uma pontada de medo, mas ele não conseguia lembrar onde tinha ouvido aquilo. Não até Jael acrescentar, quase cantando: — Ela tem gosto de esperança. Ah, como será esse gosto? Pólen e estrelas, disse o Decaído. Ele falou tanto sobre isso, aquela coisa hedionda. Quase senti pena da garota por ter sentido o toque de uma língua como aquela.

Akiva ficou atordoado. Razgut. De algum jeito, Jael encontrara Razgut. O que a criatura lhe contara?

— Fico pensando se você chegou a encontrá-la — disse Jael.

— Não sei de quem você está falando — replicou Akiva.

Jael abriu um largo sorriso agora, sórdido, malicioso e excitado.

— Não? — indagou. — Fico feliz em saber disso, já que não havia nenhuma menção a qualquer garota em seu relatório. — Isso era verdade. Akiva não dissera nada sobre Karou, nem sobre o corcunda Izîl, que preferira se atirar de uma torre a contar o que sabia sobre Karou, nem sobre Razgut, que, na época, Akiva acreditava ter morrido junto com o corcunda. — Uma garota que trabalhava para Brimstone — continuou Jael. — Que foi criada por Brimstone. Uma história muito interessante. Mas bastante improvável. Que interesse Brimstone teria em uma garota humana? Aliás, que interesse você teria em uma garota humana? O de sempre?

Akiva não disse nada. Jael estava tão feliz; era óbvio que Razgut lhe contara tudo. A pergunta, então, era: o que Razgut sabia? Será que sabia onde Karou estava agora? Que tinha assumido o trabalho de Brimstone?

O que Jael queria?

E o capitão — não, Akiva lembrou a si mesmo, Jael era o imperador agora — falou, dando de ombros:

— É claro que o Decaído também disse que a garota tinha cabelo azul, o que me leva a questionar sua credibilidade, então pensei: como posso confiar em todas as outras coisas que ele me disse sobre o mundo humano? Todas as outras coisas fascinantes que você não mencionou em seu relatório? Tive que ser criativo. Por fim, acreditei que ele estava falando a verdade, por mais estranho que tudo aquilo parecesse. Mas o que não consigo entender é por que vocês três não falaram sobre os avanços deles. Seus dispositivos, sobrinho. Como deixaram de mencionar as incríveis e fantásticas armas que os humanos têm?

O mal-estar de Akiva se agravou, e não só por causa dos hamsás. Tudo começava a se encaixar agora. Razgut e as armas. Túnicas completamente brancas. Harpas. Esplendor. Para impressionar o inimigo, pensara ele ao ouvir os boatos, mas não fazia o menor sentido. Ninguém imaginaria que os Stelian se impressionariam com túnicas e harpas.

Já os humanos, por outro lado...

— Você não está preparando uma invasão aos Stelian — disse Akiva. — Vão invadir o mundo humano.