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Foi sua tristeza que fez Akiva desabar. Bastou um olhar e ele entendeu. Hazael se fora.
— Não! — O grito de Liraz saiu sufocado, quase sem som, e ela avançou.
Akiva não teve forças para detê-la. Ela também não devia ter muito mais força. Mesmo depois de suportar o mal-estar causado pelos hamsás, ela carregara quase todo o peso de Hazael na longa jornada até ali — para quê?, tudo por nada —, e às vezes o peso dele também, puxando seu braço e gritando-lhe para que acordasse quando estava para se deixar levar pela escuridão. A escuridão, a escuridão. Mesmo naquele instante, ainda o envolvia.
O que ele fizera em Astrae?
Ele não sabia. Só se lembrava da vibração que sentira no crânio e da concentração, da pressão, da pressão, de pegar Liraz e abraçá-la, de cair sobre Hazael e abraçá-lo também, e de a explosão, quando veio — de onde? —, os levar embora em segurança. Para longe, muito longe, e nenhum pedaço de todo aquele vidro estilhaçado da Espada — nem um único caco — os alcançara.
Haviam levado Hazael para um campo, onde viram que ele já estava morto. Mas o que é a morte? Akiva então se lembrara de Karou. Claro. Esperança, dissera a si mesmo, de joelhos na grama, sentindo-se fraco, zonzo e entorpecido. “Karou” significa esperança.
Mas não na língua deles, não para eles.
Liraz avançou na direção de Karou. Akiva tentou alcançar a irmã, mas não foi rápido o suficiente. Ela empurrou Karou para trás. Havia uma cadeira virada no caminho. As duas caíram. Karou gritou de dor.
Liraz reencontrou o ar.
— Mentirosa! — gritou.
Gritou.
Akiva tentou chegar até elas, mas era como se ele se arrastasse com dificuldade pela escuridão. A mulher-serpente foi mais rápida — a mulher-serpente era Issa, ele a conhecia dos desenhos de Karou. Devia ser ela naquele turíbulo. Turíbulo, turíbulo, turíbulo. Por que ele não tinha um turíbulo à mão quando o irmão morrera? Mas talvez a explosão tivesse desligado a alma do corpo de Hazael; talvez sua alma já não estivesse mais ali quando eles o deitaram no campo, talvez nunca tivesse havido uma chance de salvá-lo. Eles nunca saberiam. Hazael se fora, era só o que importava.
E Liraz gritava.
Independentemente do que Karou houvesse decidido, não havia mais nada que ela pudesse fazer agora.
— Salve meu irmão! — gritava Liraz, um som terrível, doído, e tão alto que Akiva imaginou olhos se abrindo por toda a casbá.
Issa era forte, e Liraz estava fraca e arrasada. A mulher-serpente a afastou de Karou e jogou-a de volta em direção a Akiva. Poderia tê-la matado, as serpentes cravado as presas em sua pele, mas não. Issa a empurrou para Akiva, que a pegou. Liraz resistiu, começou a soluçar e desabou nos braços do irmão.
— Não não não — dizia. — Ele não pode morrer, não pode, não ele.
Akiva a abraçou e desabou junto com ela ao lado do corpo do irmão, aninhando-a em seus braços enquanto ela soluçava. Cada soluço era como uma tempestade fazendo ruir a rigidez dela, dominando-a, sacudindo-a. Akiva nunca sequer a vira chorar antes, e aquilo era muito mais que um simples choro. Ele a apertava, também chorando, e por sobre a cabeça dela viu Issa ajudando Karou a chegar até a cama.
Ele viu o cuidado com os movimentos, a dor no rosto dela, os cortes no rosto, e a tristeza nos seus olhos escuros quando ela olhou para ele, e as lágrimas silenciosas que deslizavam pelo seu rosto, mas não conseguia processar nada daquilo. A escuridão girava e se entrelaçava em volta dele, os soluços de Liraz enviando tremores direto ao seu coração, e Hazael estava morto.
A urna de cremação está cheia, ouviu dizer a voz indolente e jovial do irmão. Você não pode morrer.
E realmente, mais uma vez: ele estava vivo enquanto outros morriam. Ah, maldita exaustão. Ele só queria fechar os olhos.
Foi quando ouviram uma batida na porta. Karou olhou depressa para ele.
— Karou? O que está acontecendo aí? — perguntou uma voz gutural feminina.
Quando Karou olhou de volta para ele, ainda havia tristeza nos olhos dela, mas o desalento e a aflição distorciam sua expressão. Ela limpou as lágrimas com as costas da mão e se levantou com dificuldade. Seu rosto se contorceu com a dor — o que ele tinha feito, aquele... animal? —, e ela parecia querer dizer alguma coisa, mas não havia tempo, porque a porta começou a se abrir. Liraz ergueu a cabeça, os soluços diminuindo à medida que recuperava o controle e percebia o que tinha feito.
Ela estava alerta, o rosto pálido e os olhos úmidos e vermelhos. Pegou a mão rígida de Hazael e apertou-a. O pesar deixou seu rosto, a resignação moldando suas feições em uma calma nada natural.
Akiva entendeu que ela estava pronta para morrer.
Ele sabia que não tinha direito de se horrorizar — vinha lutando com aquele sentimento fazia tanto tempo —, mas ainda assim aquilo o abalou, lançando-o em uma espiral de desamparo. Então, prestes a se entregar à escuridão, preso na fortaleza inimiga de novo, sentiu a força voltar. Não estava pronto.
Queria viver. Queria terminar o que finalmente tinha começado com tantos anos de atraso. Queria reconstruir o mundo. Com Karou... Com Karou.
Mas duvidava muito que isso fosse acontecer.
A primeira figura a surgir à porta foi a mulher-lobo, braço direito de Thiago. Furtiva e brutal, a fera se arqueou e rosnou assim que viu os anjos. Mas Akiva nem olhou para ela, porque logo atrás, parado à porta, o rosto marcado por arranhões que confirmavam suas piores suspeitas, estava o Lobo Branco.