35

Dez minutos depois da fuga de Gabriel, Mitch tinha reunido as suas forças e dado instruções. Todos os veículos deviam ser mandados parar com a ressalva de que Gabriel estava armado e era considerado extremamente perigoso.

— E quanto ao Heath? — perguntou Chandler quando Mitch terminou o seu discurso. — Temos de mantê-lo sob vigilância.

Os jornalistas gritavam-lhe perguntas, querendo saber o que estava a polícia a fazer acerca do assassino agora solto na cidade. Como se libertara? Como iriam manter os cidadãos seguros? As perguntas continuavam a chegar rápidas como uma metralhadora.

Mitch fez uma pausa, revirando os olhos como se só naquele momento tivesse acabado de se lembrar do outro suspeito.

— Temos de nos concentrar no que não está detido, sargento.

— Concordo, mas o Gabriel está determinado a matá-lo. Por qualquer motivo. Obteve informações sobre ele? Algo em que não pensámos?

Yohan interrompeu-os. Um Holden amarelo fora visto perto de Newbury. A andar bastante depressa. Mitch mandou-o transmitir a informação aos agentes que já estavam na rua. Quase imediatamente outro relatório chegou, confirmando o primeiro avistamento, a polícia a espalhar-se, Mitch em contacto constante com a sua equipa, gritando aos homens do outro lado da linha que apanhassem Gabriel, depois a gritar aos que estavam perto para manter os malditos jornalistas à distância.

— Tenho-o na mira. — Uma voz determinada abriu caminho através da conversa no rádio. Era Tanya.

— Onde estás? — perguntou Chandler. Não se importava se Mitch não gostasse, Tanya era uma das suas agentes.

— Na Butcher’s. Ele está a tentar roubar…

O sinal de rádio foi interrompido. Chandler imaginou a Butcher’s: uma estrada de terra em direção ao sul, às minas de ferro e ao deserto árido.

— Não se aproxime muito — ordenou Mitch. — Siga-o.

O sinal voltara; respiração ofegante e movimento frenético encheram a sala. Um microfone a roçar em tecido. A voz novamente.

— Posso…

A ligação caiu.

— Merda! — Chandler olhou para Mitch, que já estava no rádio, a pedir a toda a gente que fosse para a Butcher’s.

— Eu vou — disse Chandler.

Mitch assentiu.

— Luka, arranje-me um carro! — ordenou ele.

Um minuto depois, uma sirene dividiu a horda relutante, abafando as perguntas da imprensa.

Quando estavam a entrar no carro, uma voz saiu do rádio. Era Steve Kirriboo, um mineiro e pai de seis filhos que criava gado ao longo da Butcher’s. O seu tom denotava preocupação.

— Chand? Sargento?

— Sim, Steve — disse Chandler.

— Um dos seus rapazes… raparigas… foi atingido.

Chandler susteve a respiração. Atingido… tê-lo-ia confrontado?

— Chand?

Chandler conseguiu inspirar.

— Sim, Steve… ela está bem?

Não houve resposta, a voz de Steve perdida no clamor da comunicação por rádio.

— Luka, acelera — ordenou Chandler.

Luka obedeceu, o carro da polícia a percorrer ruas que, de resto, estavam estranhamente silenciosas, toda a gente dentro de casa a ver os noticiários ou reunida em volta da esquadra e do salão da igreja.

— É melhor que ela esteja bem.

— Desde que tenha impedido a fuga dele — disse Mitch.

Chandler fitou-o furioso, o asfalto sob os pneus a transformar-se em terra, a traseira do carro a derrapar devido à súbita falta de aderência.

Alguns quilómetros adiante, encontraram o Holden junto à quinta de Chucker Nelson, enfiado na valeta como se tivesse sido forçado a parar de repente. As luzes traseiras estavam acesas, o motor ainda a trabalhar. Quando Luka parou atrás dele, Chandler saiu do veículo antes de ele parar, com outros carro-patrulha a formarem fila atrás.

Logo a seguir ao Holden vazio, Tanya encontrava-se encostada a um poste. Estava viva, para seu grande alívio, olhando para ele envergonhada, um fio de sangue a aparecer junto ao cabelo.

— Desculpa — disse ela.

— Isso não importa, estás bem?

— Sim. Algumas contusões, uma dor de cabeça — disse ela, apoiando-se ao poste.

— Porque te aproximaste dele? — perguntou num tom mais brusco do que pretendia.

— Para tentar detê-lo — respondeu ela, subitamente irritada.

Ele assentiu, pedindo desculpa.

— O que aconteceu?

— Ele estava parado perto do portão, a tentar ligar a moto-quatro do Chucker. Com o barulho da lata velha, pensei que tinha conseguido aproximar-me, mas calculo que me viu no espelho. Bateu-me antes de eu ter a oportunidade de derrubá-lo. Pensei que ia matar-me, mas em vez disso perguntou o meu nome. Quando lho disse, bateu-me com a pistola.

— O seu nome? Não disse mais nada? Alguma coisa sobre o seu destino? — interveio Mitch, impaciente.

Tanya abanou a cabeça.

— Nada.

— Nem mesmo uma sugestão?

— Não — respondeu Tanya, olhando para Chandler a implorar que afastasse Mitch. — Na verdade, ele pareceu não ter o mínimo interesse em mim.

— Não é de ti que ele anda atrás — disse Chandler.

— Ou talvez porque tem metade da força policial atrás dele — retorquiu Mitch. Virou-se para Tanya. — Em que direção foi?

Tanya abanou a cabeça.

— Não vi, mas acho que para o interior. Um sítio onde não podemos chegar de carro.

— Temos de ir — grunhiu Mitch, dirigindo-se a Chandler.

— Não vou deixar a Tanya.

— Ela está bem, um galo e uma contusão. Não podemos perder mais tempo. A minha equipa vai chamar uma ambulância.

Chandler olhou para a sua agente, que mal conseguia conter a fúria.

— Vai, eu fico bem — disse entre dentes.

Chandler pousou-lhe a mão no ombro.

— Não até…

— Vai — repetiu ela. — Não deixes o estupor desaparecer.

Chandler correu para o carro e encontrou Mitch ao volante. Contornando o Holden, Mitch lutou com o volante na estrada de gravilha enquanto aumentava o ritmo da perseguição, o pé pesado no acelerador.

— Porque acha que ele a deixou ir? — perguntou Chandler, pensando em voz alta.

— Não sei. Talvez não queira matar uma mulher ou um polícia?

— Havia duas mulheres entre os corpos que encontrámos.

— Talvez ele não seja tão maluco como pensamos. Talvez haja um plano por trás de tudo isto.

— Talvez — respondeu Chandler. Esperava que fosse verdade. Um plano era uma boa notícia. Os planos, pela sua própria natureza, podiam ser descobertos e frustrados; atos aleatórios de violência eram mais difíceis de determinar e prevenir. Mas para parar Gabriel, primeiro tinham de capturá-lo.

Dez minutos depois, a estrada tornava-se um carreiro que mal podia ser percorrido de carro. Mais cinco e desaparecia por completo, o mato acessível apenas por moto-quatro ou moto. Em desespero, Mitch decidiu que seguiriam a pé, mas depois de meia hora de progresso difícil e nenhum sinal do suspeito, a busca foi cancelada. Mitch chamou um helicóptero e dirigiu a polícia estadual para as saídas na outra extremidade, para o caso de Gabriel aparecer por lá.

O regresso à povoação foi dominado por perguntas sobre a fuga, as ramificações do que Gabriel fizera e o que ele poderia fazer em seguida. A única boa notícia que lhe chegou foi a confirmação de que Tanya estava bem, o corte no couro cabeludo uma coisa sem importância, e a concussão passada. Recusou-se a permanecer no hospital, insistindo em voltar ao trabalho. Chandler ficou contente. Precisava de todos os bons agentes que pudesse reunir. As ruas estavam vazias, vendo-se apenas alguns moradores intrometidos e a massa sempre presente de jornalistas em volta da estação. Enquanto atravessavam a multidão, as mesmas perguntas que Chandler tinha foram-lhe feitas, perguntas para as quais não tinha respostas; como conseguira Gabriel libertar-se e o que estavam a fazer para encontrá-lo? Quantas pessoas matara Gabriel? Quantas mais mataria? Chandler manteve a cabeça baixa e não fez comentários.

Quando entraram na estação, Chandler começou o interrogatório.

— Como conseguiu livrar-se daquelas algemas?

Os outros agentes entreolharam-se em busca de respostas. Não encontraram nenhuma.

Quando chegou à porta do gabinete, Mitch virou-se.

— Isso agora não importa. Temos é de apanhá-lo.

— Claro que importa. — Chandler franziu o sobrolho. — O protocolo falhou a certa altura. E você dá muita importância a isso.

— Dou importância a apanhar o Gabriel — respondeu Mitch. — Portanto, acabemos com a conversa e voltem ao trabalho.

A ordem foi dada à sua gente — e a Luka — e eles voltaram para as suas mesas. Chandler e a sua pequena equipa continuaram a conversa.

— Ele não partiu as algemas — observou Jim. — Eu verifiquei-as. Estavam abertas e sem arranhões.

— Então tinha as chaves — disse Nick da receção.

— Parece que sim, mas como as conseguiu? — perguntou Chandler.

— Roubou-as? — sugeriu Jim.

Chandler abanou a cabeça.

— Teve sempre as mãos atadas. E nunca ninguém chegou tão perto dele. Apenas…

Virou-se para o gabinete. De repente, Chandler soube. Na véspera, quando Mitch atacara Gabriel na sala de interrogatórios. Gabriel devia tê-las roubado na confusão, depois escondera-as, esperando o momento certo para emboscar Heath.

Seguiu Mitch até o ar abafado do seu antigo gabinete.

— Então foi você — disse Chandler. — Ele tirou-lhe as chaves.

Mitch foi até ao canto, a cabeça baixa, tresandando a culpa. Se o Gabriel tivesse parecido tão culpado antes, esta merda toda podia ter sido evitada, pensou Chandler.

— Ele deve ter-mas tirado — disse Mitch, falando em voz baixa, recusando-se a entrar em pormenores. — Mas precisamos de abafar isso.

— Porquê?

Mitch esfregou a barba cada vez mais escura.

— Se se souber, teremos mais um milhão de perguntas. De cima e de baixo. O que importa agora é apanhar o Gabriel antes que ele tenha a oportunidade de matar novamente.

Mitch parecia desesperado. Era a primeira vez desde as buscas por Martin que Chandler via assim o ex-amigo. Se ao menos ele fosse capaz de parecer vulnerável com um pouco mais de frequência, as pessoas poderiam tê-lo considerado humano. Apesar desse vislumbre inesperado de humanidade, uma parte significativa de Chandler pensava dar a informação à imprensa, uma ou duas palavras simples que se espalhariam como um vírus e infetariam todas as estações noticiosas com a história do inspetor desastrado. Pior — o inspetor negligente. Mas, embora fosse tentador, Chandler reconheceu a verdade subjacente ao que Mitch dissera: o modo como Gabriel se libertara era menos importante do que apreendê-lo novamente. Se a distração sobre as chaves perdidas resultasse na morte de alguém, Chandler nunca seria capaz de se perdoar. Então tomou a decisão: ocultaria a informação por enquanto, guardá-la-ia como moeda de troca.

— Depois de lhas ter tirado, o Gabriel teve as chaves todo o dia. Podia ter escapado a qualquer momento, mas esperou até que o Heath fosse exposto — comentou.

— Então…?

— Então, em vez de ser eu a apanhá-lo junto à esquadra, acho que ele se entregou propositadamente para ficar perto do Heath.

— Deve haver alguma ligação entre eles.

Chandler assentiu.

— Alguma razão para arriscar a liberdade por ter aquela oportunidade de matar Heath.

Heath foi novamente levado para a sala de interrogatórios, com a advogada a reboque. Estava furioso. Daquela vez, Mitch fez questão de convidar Chandler a acompanhá-lo.

— Não há ligação — insistiu Heath. — Juro. Sou uma vítima.

— E tem a certeza de que não o encontrou antes? — perguntou Chandler. — Numa quinta ou em algum emprego? Meses, até anos atrás?

— Não.

— Poderá ter feito alguma coisa a alguém que ele conhece… ou ama? Não dormiu com a mulher, a ex-mulher, a irmã dele?

— O quê? Está a perguntar se eu provoquei isto? — perguntou Heath, inclinando a cabeça para o lado com ar confuso.

— Sim — disse Mitch. — O senhor Barwell tem uma personalidade bastante abrasiva.

Eu tenho uma personalidade abrasiva? E a anedota que é esta força policial? Eu disse-vos quatros vezes que sou a vítima, porra!

— Estamos apenas a tentar determinar se há alguma razão para ele estar tão decidido a matá-lo. Não roubou alguma coisa, socou alguém, espancou alguém?

— Socar? Espancar? — bradou Heath com incredulidade, o rosto lívido.

— Disse que agrediu uma pessoa — observou Chandler.

— Aquele tipo era amigo de um amigo — balbuciou Heath. — Olhem… tudo o que sei é que estou aqui acusado de um crime, acusado de homicídios que não cometi. Estive perto de ser morto duas vezes pela mesma pessoa, o verdadeiro assassino, e contudo continuo a ser tratado como se fosse culpado. Quero sair daqui agora. Quero sair desta esquadra e afastar-me desta porra de lugar. Encontrem-no e talvez eu volte para depor. Ou melhor ainda, faço isso pela internet e mantenho-me longe deste fim de mundo.

Heath voltou-se para a advogada.

— Há algum lugar seguro onde o meu cliente possa passar a noite? — perguntou a loira.

— Já se encontra nele — respondeu Chandler.

— Para sua própria segurança, acho que é melhor ficar aqui, senhor Barwell, onde podemos protegê-lo — disse Mitch.

Heath olhou para a advogada e depois para Mitch.

— O senhor quase fez com que me matassem.

— Isso foi um acidente.

— Sim, parece haver muitos acidentes por estas bandas. E só para que saiba, vou processá-lo depois disto. A todos vocês. Detenção ilegal, colocarem em risco a minha vida, deterem-me sem me acusarem. Vou fazer uma pipa de massa — disse ele, a sua fúria a dar lugar a um sorriso.