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Na barragem
Na época, eu trabalhava no Fantástico e minha primeira reportagem sobre o desastre havia sido mostrar o caminho da lama ao longo do rio Doce. Eu passara uma semana percorrendo as cidades atingidas, com o repórter cinematográfico Wellington de Almeida, o produtor Alan Graça Ferreira e o assistente Rinaldo Felipe. Nosso foco era a asfixia do rio, a morte da fauna e da flora aquáticas, o desalento de pescadores e o colapso no abastecimento de água para as populações da região. Essa reportagem foi exibida no dia 15 de novembro de 2015. Para o programa seguinte, precisávamos avançar na cobertura e explicar de forma mais consistente as causas da tragédia. Nosso objetivo era entrar no complexo de barragens da Samarco e mostrar o que restara do reservatório de Fundão. Talvez assim conseguíssemos pistas mais concretas. A reportagem estava programada para o domingo, 22 de novembro, mas o tempo passava e nada de conseguirmos acesso.
Na sexta-feira, dia 20, viajei do Rio de Janeiro para Belo Horizonte com o cinegrafista Alex Carvalho. Estávamos numa pequena sala de reuniões, na sede da Rede Globo, na capital mineira, quando vi passar no corredor o diretor regional, Marcelo Matte, com quem havia trabalhado, mais de vinte anos atrás, na Globo Rio, ele como chefe de redação, eu como repórter, neófita em televisão. Matte parecia o mesmo, com a pequena diferença de alguns poucos fios grisalhos, e com a simpatia de sempre. Trocamos algumas gentilezas e me ocorreu lhe perguntar, radicado em Belo Horizonte há tantos anos, se não tinha algum canal com a diretoria da Samarco, alguém a quem eu pudesse procurar diretamente, já que não estávamos conseguindo furar a muralha de assessores. Ele lembrou que havia sido procurado, dias antes, por Juliana Machado, gerente-geral de Comunicação da Samarco, que dissera estar à disposição para esclarecimentos. Da sala em que estávamos, ligou para sua secretária, pediu o número do celular de Juliana, desejou-nos boa sorte e nos despedimos.
Lembrei-me, então, das entrevistas recentes dos executivos da empresa e de como me pareceram despreparados para lidar com a situação. Pensei que seria convincente argumentar que eles deveriam mudar de postura e se mostrar mais transparentes, como haviam prometido. E transparência, naquele momento, era expor o que sobrara da barragem e explicar o que acontecera. Liguei para Juliana Machado, expliquei meu objetivo e disse que queria uma entrevista com o diretor-presidente, Ricardo Vescovi. Aleguei que havia muitas dúvidas e suspeitas levantadas por vários especialistas ouvidos diariamente pela mídia, enquanto a empresa se mantinha fechada. Estava na hora de dar uma entrevista esclarecedora sobre possíveis causas do rompimento, o plano de emergência e os riscos ainda existentes. Desde o primeiro momento, ela foi receptiva à proposta. Pediu-me algumas horas para conversar com a direção da companhia e disse que até o fim da tarde daria uma resposta.
Por volta de 15h, Juliana deu retorno. Vescovi concordara em falar e poderíamos entrar no complexo industrial para mostrar o que restara de Fundão. Dependeríamos, contudo, das condições meteorológicas no dia seguinte. Se chovesse, seria muito perigoso trafegar na área da barragem. Topamos correr o risco. Ainda naquela tarde, antes de seguir para Mariana, gravamos uma entrevista com o engenheiro Felipe Campera, do Instituto Mineiro de Perícias, uma empresa privada que faz avaliação de barragens.
Campera fora um dos primeiros especialistas a levantar a possibilidade de o rompimento ter sido causado por algum problema no controle de água da barragem, numa entrevista ao repórter Ismar Madeira, do Jornal Nacional . Ele se baseava em imagens feitas pelo Corpo de Bombeiros dois dias depois do desastre. As imagens mostravam uma imensa mancha de água numa das estruturas da barragem, o dique da Selinha. Na entrevista gravada para o Fantástico , Campera afirmou: “Quando você faz um projeto de uma barragem, existe uma velocidade máxima que pode ser alcançada, de deposição dos rejeitos, para que dê tempo dessa água sair da barragem. No momento de uma produção crítica, ou com um volume de produção muito grande, é uma possibilidade essa água não ter tempo de sair da barragem. Então, como você aumenta muito a produção, por uma série de circunstâncias, até econômicas, pode levar ao acúmulo excessivo de água.” Para o engenheiro, as manchas de água indicavam que a estrutura interna de drenagem talvez não tivesse funcionado. A avaliação dele me preparou para a entrevista com Ricardo Vescovi, no dia seguinte.
Terminada a gravação, seguimos para Mariana. Na estrada, o tempo continuava chuvoso, nada animador. Chegamos por volta das 22h. A chuva, mais fina, continuava. Nossa ida para o complexo da Samarco estava marcada para às 8h do sábado, dia 21. Só nos restava torcer para São Pedro fechar a torneira. Toda a gravação teria que ser muito rápida, até 15h, no máximo, porque ainda teríamos mais duas horas de estrada até Belo Horizonte. Tudo dando certo, pegaríamos o último voo do sábado de Confins para o Rio de Janeiro. A edição só começaria no domingo de manhã. A reportagem seria a primeira do programa. Deitei na cama calculando horários, querendo cronometrar a gravação e rezando para não chover no dia seguinte. Naquele momento, a única coisa a fazer era descansar, porque o fim de semana seria puro heavy metal , com emoção até o último segundo na ilha de edição.
O celular me despertou às 6h30, fui até a janela do quarto da pousada, instalada num casarão secular de Mariana e, aliviada, constatei que parara de chover. Havia nesgas de céu azul. A ida à área da barragem estava garantida. Seríamos nós os primeiros jornalistas a entrar no complexo depois do desastre. Encontramos com Juliana Machado no térreo da pousada. Seria um dia puxado para todos, mas, seguramente, muito mais para ela, grávida de oito meses. Trocamos algumas impressões sobre maternidade e trabalho, mas logo passamos a falar da visita que faríamos a seguir, da entrevista, do protocolo de segurança etc. Quando chegamos ao complexo da Samarco, a cerca de 15 quilômetros do centro de Mariana, fomos ao escritório para as apresentações de praxe. Lá estavam, além de assessores da empresa, Ricardo Vescovi, o diretor de Operações, Kléber Terra, e o gerente-geral de Projetos, Germano Lopes — os três seriam afastados de suas funções depois de indiciados pela Polícia Federal, em janeiro de 2016.
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As três barragens do complexo industrial da Samarco são ligadas por estradas internas, por onde circulam veículos pesados, máquinas e equipamentos. A barragem de Germano é a maior, com 170 hectares, e a mais antiga. Começou a operar em 1977 e, em 2015, ainda tinha licença operacional, embora não recebesse mais rejeito de minério. A aparência de um reservatório antigo como Germano, com quase 40 anos e o rejeito já bastante consolidado e drenado, impressiona, com sua vasta superfície de areia branca. Parece uma praia ou um deserto de sal.
Um pouco abaixo, ou a jusante, fica Fundão, que começou a operar em 2008. No dia 21 de novembro, quando entramos lá, dezesseis dias depois do rompimento, o que encontramos foi uma cratera gigantesca, que parecia resultar do choque de um meteoro com a terra. No dia do vazamento, o reservatório armazenava quase 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos, o equivalente a 21 mil piscinas olímpicas. Segundo a Samarco, 34 milhões de metros cúbicos vazaram. O restante ficara no reservatório. Com as chuvas dos dias seguintes à tragédia, no entanto, o rejeito remanescente continuava a escorrer para os cursos d’água. Foi possível localizar e mostrar o ponto exato onde a barragem rompeu. Na lateral esquerda ainda havia restos da estrutura. Caminhões e máquinas revirados, alguns semienterrados, podiam ser vistos no fundo do reservatório e nas encostas. De onde estávamos, pareciam brinquedos quebrados e abandonados.
Um pouco mais abaixo no terreno, fica a barragem de Santarém, com 60 hectares e que, diferentemente das duas anteriores, armazenava água, com capacidade para 7 milhões de metros cúbicos. Santarém é de 1994. Recebia a água drenada das outras duas barragens e a bombeava para ser reutilizada.
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Depois das gravações externas, voltamos à sede da empresa para a entrevista com Ricardo Vescovi. Aos 45 anos e com toda a carreira construída dentro da Samarco, premiado e respeitado no mundo da mineração, vivia o momento mais turbulento de sua vida, comparável, talvez, ao que enfrentara quando da morte do pai, de câncer, quando ele tinha 16 anos. Vescovi usava o uniforme cinza da Samarco e aparentava muita calma. Àquela altura, a tragédia alcançava sua verdadeira dimensão: a lama estava quase chegando ao oceano Atlântico; doze corpos haviam sido encontrados e onze pessoas ainda estavam desaparecidas.
O executivo falava num tom de voz baixo. Achei até que teríamos problemas para captação de áudio — o que, felizmente, não aconteceu. Perguntei por que a barragem rompera. Vescovi insistiu na tese que a Samarco vinha apresentando desde o começo das investigações, de que um tremor de terra havia ocorrido naquele dia, na área do complexo. “As pessoas que estavam aqui, elas estão dando seus depoimentos, elas sentiram um tremor, elas sentiram tudo balançar e viram, efetivamente, a barragem se deslocar como um todo. Elas não estão relatando que viram aqui ou ali. Elas viram um todo se deslocando. Daí a gravidade do que aconteceu. Os modos de ruptura de estruturas como essa são modos progressivos. E esse modo foi diferente. É isso que os especialistas estão estudando agora. Por que que ele foi diferente? O que aconteceu para ele ser diferente? São as perguntas que têm que ser respondidas.”
Perguntei o que representava a mancha de água vista no paredão do dique da Selinha, que o engenheiro Felipe Campera mencionara como um indicativo de problemas na drenagem. Vescovi foi evasivo. “Selinha é uma parede, um dique, que está sendo monitorada 24 horas por dia. Nós temos lá radares de monitoramento para verificar deformação de paredes, temos lá scanners a laser, nós temos topografia, inspeções visuais de campo, imagens aéreas. Ela está sendo monitorada desde o primeiro momento e não há qualquer sinal de desestabilização. Nós não notamos nenhuma anormalidade.”
Insisti no ponto de uma possível falha na drenagem de água do sistema e perguntei: “Esse desastre pode ter a ver com um aumento de produção de minério e, portanto, aumento de produção de lixo, de rejeito desse minério? E esse rejeito foi se acumulando de forma muito rápida na barragem e a água não drenou o suficiente?” Mais uma evasiva: “Olha, o aumento de produção da Samarco se deu através de um projeto que levou três anos de execução e nesse projeto constava tudo que deveria ser feito com seu rejeito. Tudo foi feito de forma bastante responsável, licenciado, planejado, não foi nada feito de uma hora para a outra.”
Se às perguntas sobre as possíveis causas do desastre Vescovi respondera pela tangente, quando entramos no terreno das consequências ele admitiu as falhas e, dezesseis dias depois da tragédia, finalmente apresentou um pedido de desculpas. Uma clara mudança na estratégia de comunicação. Indaguei por que as comunidades próximas não haviam sido avisadas a tempo. Para isso, bastaria uma sirene em cada localidade. Vidas poderiam ter sido poupadas. Vescovi reconheceu: “Independente se o plano anterior era bom ou ruim, nós perdemos vidas. Perder vidas não é admissível.”
Falando pausadamente, como se escolhesse as palavras, prosseguiu: “Nós não sabemos as causas do que aconteceu, mas nós sabemos as consequências. Em relação a essas consequências, eu acho muito importante que a gente venha se desculpar com as pessoas que foram atingidas, se desculpar com as famílias dessas pessoas, se desculpar com as pessoas que tiveram seus lares... [A voz embarga.] Se desculpar com os ribeirinhos, com os pescadores que têm no rio a sua fonte de sustento, se desculpar com as cidades, se desculpar com a população de Minas Gerais, com a população do Espírito Santo, se desculpar com os nossos funcionários.”
Em nenhum momento o executivo usou palavras como vítimas, feridos ou mortos. Falou, genericamente, em “pessoas atingidas”.
Nessa mesma visita, fomos levados a conhecer a sala de monitoramento de emergências da Samarco. A empresa acabara de instalar um sistema em que botões acionados ali disparam sirenes nas comunidades a jusante do complexo, caso haja uma emergência. O recurso estaria disponível 24 horas por dia. Cada sirene pode ser ouvida a 1,5 quilômetro de distância. Algo como botar o cadeado na porta depois do arrombamento.
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A entrevista com Ricardo Vescovi foi longa, mas só exibimos na reportagem as partes que consideramos ter alguma informação relevante para a compreensão do desastre e seus desdobramentos. Um dos trechos não selecionados na edição foi o momento em que ele chora diante da câmera, ao falar de sua trajetória dentro da empresa e em como aquilo tudo o abalava pessoalmente. Contou que toda a sua vida se passara na bacia do rio Doce, entre o Espírito Santo, onde nasceu, e Minas, onde estudou e trabalhava até aquele momento. Lembrou que entrara na Samarco como estagiário, “carregando balde”, e então seus dois graúdos olhos verdes se encheram de lágrimas.
Houve um debate, entre a equipe de reportagem e os editores Paula Levy e Flávio Lordello, sobre se devíamos ou não exibir aquela passagem. O choro de qualquer pessoa na televisão sempre chama a atenção do espectador. No caso de Vescovi, parecia uma reação bastante humana desmoronar em frente a uma câmera, já que devia estar sob estresse intenso. Mas concluímos que, por mais legítima que fosse sua dor, não era o caso de mostrá-la, por dois motivos: não acrescentava informação ao caso, e não era maior que a dos parentes das vítimas, dos feridos e dos que perderam patrimônio construído em uma vida inteira de trabalho.
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A história de Ricardo Vescovi está intimamente ligada à empresa onde conseguiu seu primeiro emprego e que então presidia. Um perfil publicado na revista Encontro , em 2014, conta que ele tinha 18 anos quando deixou Vitória para estudar engenharia metalúrgica na tradicional Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. Era 1o de abril de 1988, uma Sexta-Feira Santa, e o rapaz ocupou a poltrona 33 de um ônibus da Viação São Geraldo, depois de se despedir de sua mãe, na rodoviária de Vitória.
No último ano de faculdade, em 1992, conseguiu um estágio na Samarco. Cinco dias antes da formatura, em 1993, foi contratado como engenheiro de processo e designado para trabalhar em Ubu, no Espírito Santo, onde a empresa tem seu porto de exportação. Vescovi percorreu toda a escala hierárquica da companhia. Foi chefe de departamento, gerente e gerente-geral de Marketing e de Operações. Em 2006, alcançou a cúpula, passando a ocupar a diretoria de Operações e Sustentabilidade, onde ficou até 2011. Fez cursos de especialização nos Estados Unidos, na França e na Suíça.
A carreira bem-sucedida chegou ao ápice vinte anos depois da contratação como estagiário, quando, em 1o de janeiro de 2012, foi escolhido diretor-presidente pelo conselho de administração da Samarco, composto por representantes das duas acionistas, Vale e BHP Billiton. O perfil na revista terminava com uma frase do executivo que resumia como via o seu papel, o da empresa e o da atividade: “A mineração do futuro será aquela que respeitar o bem mineral e souber compartilhar seu crescimento com a comunidade na qual está inserida. Sustentabilidade e ética são sinônimos.”
Numa série de vídeos institucionais produzidos em 2012 e disponíveis no YouTube, Ricardo Vescovi e mais três diretores da Samarco anunciam orgulhosamente o plano de expansão da empresa, batizado de Projeto Quarta Pelotização (P4P), programado para ser desenvolvido ao longo dos três anos seguintes. Vescovi destaca os valores da companhia: “Vida, sustentabilidade, ética, autonomia responsável e foco em resultados.” E discorre sobre o papel de uma mineradora: “Como é que se conquista o respeito e o reconhecimento da sociedade? É cuidando das pessoas, é cuidando do ambiente, é cuidando da inclusão da sociedade como parte da vida da mineração. A sociedade requer da gente o cuidado com aquilo que ela nos outorga, que cuidemos de forma bastante eficiente do minério que ela nos deixa minerar, da água que ela nos permite recolher nos seus rios e devolver tratada para a natureza. Enfim, que a gente trabalhe com eficiência e devolva na forma de resultados cada vez melhores para ela própria.”
Vescovi destaca ainda os bons resultados do ano que terminara, voltados para a saúde e a segurança do trabalhador, e as ações de “desenvolvimento social”, mostrando o “cuidado com quem está em torno da Samarco”. Os outros diretores seguem na mesma toada. O de Operações e Infraestrutura, Kléber Terra, comemora a redução dos acidentes de trabalho e dos custos de produção ao mesmo tempo que a produtividade aumentara. E também faz a sua peroração sobre segurança no trabalho: “Só as pessoas que estão conscientes dos riscos que correm e do trabalho que estão fazendo podem de fato agir de forma pró-ativa nos quesitos de segurança.” O de Implementação de Projetos, Maury de Souza Jr, ecoa o manual da empresa politicamente correta: “O respeito à vida das pessoas foi alcançado nesse primeiro ano de projeto.” Por fim, fala o diretor comercial da Samarco, Roberto Carvalho, que seria o substituto de Vescovi: “A indústria da mineração trabalha com recurso natural. Ela gera um impacto social e ambiental e isso tem que ser tratado de maneira adequada, tem que reverter em benefício da sociedade.”
A Samarco ganhou cinco vezes o prêmio Maiores e Melhores da revista Exame , sendo três deles consecutivos, em 2013, 2014 e 2015, todos na gestão de Vescovi. Para conceder o prêmio, analistas estudaram o balanço de 3 mil empresas e indicadores como crescimento de vendas, produtividade, rentabilidade e liquidez corrente. Em 1o de julho de 2015, a companhia ganhou o prêmio de melhor mineradora do Brasil, a segunda maior do setor, sendo classificada ainda como a décima exportadora e a 28a indústria do país. Conforme os dados analisados para a concessão do prêmio, a empresa havia tido um faturamento de US$ 2,6 bilhões e lucro de US$ 1 bilhão em 2014. Era, portanto, uma vaca leiteira para seus acionistas. A produção fora de 25 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro, um aumento de 15,4% em relação a 2013, graças sobretudo ao Projeto Quarta Pelotização.
Os números demonstravam que a empresa crescia e mantinha a liderança, apesar do cenário de desaceleração econômica e da queda no preço internacional do minério de ferro. A companhia tinha clientes em quatro continentes, 2.500 empregados diretos e gerava outros 3.400 indiretos. Ao receber o prêmio, Vescovi declarou: “A entrega desse projeto [a Quarta Pelotização] e o prêmio de melhor mineradora certamente materializam nossa convicção na importância do planejamento bem feito e da execução precisa.” Sorridentes na fotografia, ao receber o prêmio, aparecem Ricardo Vescovi e o diretor de Operações, Kléber Terra. Quatro meses depois, ambos estariam enfrentando a maior turbulência de suas carreiras.
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Dois meses depois da entrevista para o Fantástico , Ricardo Vescovi afastou-se da presidência da Samarco para cuidar de sua defesa, após ter sido indiciado pela Polícia Federal com base na Lei de Crimes Ambientais. Tentei várias vezes entrevistá-lo para este livro, à luz dos fatos apontados pelas investigações. Todas as tentativas foram frustradas. Em outubro de 2016, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal por homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), lesão corporal e ainda por crimes ambientais, inundação e desabamento. Em novembro do mesmo ano, o juiz federal Jacques de Queiroz Ferreira, de Ponte Nova, sob cuja jurisdição está Mariana, aceitou a denúncia e Vescovi tornou-se réu.
Casado e com dois filhos pequenos, o ex-executivo adotou a discrição e sumiu de cena. Ocasionalmente, foi visto em situações cotidianas. Em meados de 2016, um ex-colega de trabalho viu quando ele fazia uma aposta na casa lotérica Leão de Ouro, em Nova Lima, na grande Belo Horizonte. Também foi visto num supermercado Extra, perto do BH Shopping, no bairro Belvedere. Quem o observou não pôde deixar de notar que dispensava sacolas plásticas, pois trouxera de casa uma reutilizável. Em março de 2017, 16 meses depois da tragédia, um dos investigadores o encontrou na rua, no mesmo bairro Belvedere. A princípio, teve dúvidas sobre a identidade do homem que caminhava em sentido contrário, na mesma calçada. Mas, ao se aproximar, confirmou. Era Ricardo Vescovi, quase irreconhecível por trás da espessa barba que deixara crescer.