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Corpos

Enquanto as primeiras pistas e hipóteses começavam a ser investigadas, as famílias dos desaparecidos viviam o martírio da incerteza e da espera por notícias. O primeiro corpo a ser encontrado, dois dias depois do desastre, foi o de Waldemir Aparecido Leandro, 48 anos, funcionário da Geocontrole Sondagens, terceirizada da Samarco. A localização surpreendeu os peritos. O corpo foi arrastado da barragem de Fundão até o lago do reservatório da Usina Hidrelétrica de Candonga, a 110 quilômetros do local do rompimento. Estava impregnado de lama, parcialmente submerso no rio Doce, perto de uma ponte, no município de Santa Cruz do Escalvado. Uma tatuagem tribal no braço esquerdo e uma de mulher no braço direito ajudaram a confirmar a identidade.

Os corpos dos treze trabalhadores, de quatro moradores de Bento Rodrigues e de uma senhora que visitava parentes no povoado foram encontrados ao longo do intervalo entre a barragem e o lago da usina. Cinco estavam na área do complexo industrial; um no córrego Santarém; sete dispersos nos rios Gualaxo do Norte e Carmo; e cinco empreenderam o percurso fúnebre que os levou pelo rio Doce até o lago de Candonga.

Nada expressa de forma mais chocante a violência da lama quanto o estado em que os corpos foram achados, muitos deles mutilados, com múltiplas lesões e fraturas, e sem os cabelos. Quase todos tiveram as roupas arrancadas — o mesmo acontecera com Romeu, o sobrevivente — e foram encontrados quase que mimetizados à massa do rejeito. Uma das vítimas teve partes encontradas em três locais diferentes, separados por até 90 quilômetros. Outra teve apenas o braço direito recuperado.

O laudo pericial da Polícia Civil descreve o impacto da lama:

As lesões e segmentações foram, de modo geral, resultado do choque entre esses corpos e outras estruturas que foram também sendo agregadas no decorrer da corrida de lama, entre as quais estava volume considerável de materiais lenhosos, como caules, galhos e raízes de árvores. A ausência de vestes nos corpos resgatados também é um indicador da violência empreendida pela corrida de lama.

Os peritos Maurício Möller de Oliveira, Rodrigo Henrique Alves e Ângela Romano explicam a classificação do rompimento de acordo com parâmetros internacionais: “O número de vítimas do desastre, a violência que o caracterizou e as dificuldades no resgate de corpos justificam a classificação desse evento como um desastre de massa.”

As causas das mortes foram asfixia mecânica por soterramento, politraumatismo contuso e afogamento. Os corpos foram identificados pelas impressões digitais, arcada dentária e análise de DNA, e também reconhecidos por tatuagens, alianças de casamento e uma tornozeleira. Dos dezenove mortos no desastre, o laudo se refere aos corpos de dezesseis deles, resgatados até 18 de fevereiro de 2016. Cláudio Fiúza não consta do documento porque foi socorrido por colegas dentro da área da barragem, mas morreu a caminho do hospital, por asfixia provocada pelo soterramento. O último corpo encontrado foi o de Aílton Martins dos Santos, em 9 de março de 2016, quatro meses depois do rompimento. O corpo de Edmirson José Pessoa nunca foi achado, o único que era funcionário direto da Samarco. Os outros treze eram terceirizados: sete eram da Integral Engenharia; dois da Geocontrole, dois da Manserv; um da Vix Logística; e um da Produquímica, de São Paulo, fornecedora de produtos para a Samarco.