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Alteamentos

Apesar das recomendações do ITRB, não só o recuo foi mantido, como o lançamento de rejeitos e os alteamentos da barragem seguiram em ritmo acentuado. Em Fundão, entre 2010 e 2015, os valores médios de alteamento foram de 11 metros por ano, sendo os maiores em 2011 (20 m/ano) e em 2014 (14,6 m/ano). Na área do recuo, constatou-se um alteamento total de 38 metros. De acordo com o MPF, foi como se tivesse sido construído “um prédio de mais de doze andares sobre lama escorregadia”. Os investigadores concluíram que o ritmo dos alteamentos “pode ter contribuído para a perda de qualidade da drenagem do sistema, bem como para acumulação da poropressão [pressão no solo], especialmente quando os valores mais acentuados foram observados, possibilitando a propensão à ocorrência de fenômeno de liquefação estática”.

E o que dizia o Manual de Operação da barragem sobre os alteamentos? O documento recomendava que “a média de alteamentos anuais não deveria ultrapassar o valor de seis”. A Polícia Federal considerou que o manual dava margem a dúvidas por não haver unidade de medida, o que poderia ser atribuído a um erro de digitação. Portanto, poderiam ser seis alteamentos por ano ou que cada um não ultrapassasse 6 metros. No laudo, a questão ficou em aberto. Posteriormente, porém, Pimenta de Ávila esclareceu não haver erro. O manual recomendava seis alteamentos por ano sem especificar quantos metros cada um deveria ter.

Ainda a respeito, a investigação apontou um episódio que tampouco ficara totalmente esclarecido. Em 2013, a Samarco encomendou à empresa Geoestável Consultoria um projeto de reforço da barragem para futuros alteamentos, entre as cotas 920 e 940 metros. A Geoestável já trabalhava para a mineradora, tendo feito as declarações de estabilidade de Fundão — documento essencial para a operação da barragem e que será abordado mais à frente — em 2011 e 2012.

O projeto foi apresentado por Leonardo Carvalho Ventura, 38 anos, sócio da Geoestável, em duas ocasiões: dezembro de 2013 e fevereiro de 2014. Segundo o engenheiro me contou em entrevista, na reunião de fevereiro, na sede da Samarco, em Belo Horizonte, a proposta foi avaliada pelos especialistas do ITRB. Leonardo disse que seu projeto propunha a realização de “sondagens e ensaios complementares para avaliação da suscetibilidade à liquefação na barragem”. Falou ainda que o trabalho fora duramente criticado, em especial por Vinod Garga (engenheiro geotécnico, professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, e ex-professor da PUC, no Rio de Janeiro), que, ao final do encontro, teria dito, de acordo com Leonardo, que a proposta geraria um “custo desnecessário de R$ 60 milhões para a Samarco”. Ainda conforme Leonardo, o custo seria, na verdade, de R$ 54 milhões. “Ele arredondou para cima”, recorda-se o engenheiro. Procurei Vinod Garga para entrevistá-lo sobre esse episódio, mas ele não quis, alegando cláusula de sigilo no seu contrato com a mineradora.

Leonardo Ventura disse ainda que, após a reunião, a Samarco não se interessou mais pela proposta e que pouco tempo depois o chamaria para um distrato, alegando “baixa performance”. “Foi uma surpresa para nós. Não tivemos chance sequer de uma defesa técnica. Até hoje estamos aguardando uma justificativa técnica para recusa do nosso projeto.” Perguntei se a razão não teria sido o custo. “Não posso afirmar que foi isso. Mas ensaios e sondagens têm custo elevado. Propusemos o estudo de liquefação e drenagem em função das características do rejeito, associado ao método de disposição [em barragem de alteamento a montante] e ao tipo de operação. Não conseguimos convencê-los. Acharam tecnicamente desnecessário”, explicou. Questionei ainda sobre se o estudo de liquefação poderia ter detectado algo errado e evitado o colapso da estrutura um ano e nove meses depois. “Não sei se teria evitado, não tenho como responder a isso.”

Leonardo disse também que, depois da ruptura da barragem, no começo de 2016, a Geoestável foi procurada pela Samarco para novos contratos. Mas a empresa não quis mais trabalhar com a mineradora.