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A lama da Vale
Alguns dias depois do desastre, ao entrar numa sala de reuniões na sede da Samarco em Mariana, uma fotografia na parede chamou a atenção de um agente da Polícia Federal e de um engenheiro do DNPM. A imagem mostrava a barragem de Fundão e uma tubulação com uma seta, onde estava escrito “Vale”. O tenente-coronel Valmir Fagundes, que trabalhava no Núcleo de Combate aos Crimes Ambientais (Nucrim), vinculado ao Ministério Público Estadual de Minas Gerais, também tinha a informação de que haveria um “lamoduto”, que transportava lama da usina de Alegria, da Vale, para a barragem de Fundão, da Samarco.
A tubulação, com 4.309 metros de comprimento, foi localizada. Isso esvaziaria a estratégia da Vale de se apresentar apenas como acionista da Samarco e ampliaria o foco dos investigadores. As duas mineradoras apresentaram como justificativa para o lançamento de rejeitos da Vale em Fundão um contrato entre a antiga empresa Samitri (comprada pela Vale em 2001) e a Samarco, assinado em 14 de dezembro de 1989. O documento, chamado Acordo para Utilização de Barragem de Rejeitos, fora assinado dezenove anos antes da existência de Fundão, mas apresentado como válido para explicar o compartilhamento da estrutura. A Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, que licenciara a barragem em 2008, disse desconhecer o assunto. A informação de que a Vale depositava lama em Fundão não consta no processo de licenciamento. Outro documento apresentado pelas empresas foi um “Termo de acordo para disposição de rejeitos”, assinado por Vale e Samarco em maio de 2010, com objetivo semelhante ao do contrato de 1989.
A investigação evidenciaria que o aporte de lama da Vale não era desprezível. Segundo a denúncia do MPF, entre 2008 e 2015 a mineradora lançou 5.187.610 de metros cúbicos de rejeito em Fundão, com uma média anual de 648.451 m3 . Os peritos dizem ainda que a carga da mineradora “teve grande influência na elevação do nível do reservatório”, e acrescentam: “Não é possível afirmar que o lançamento de lama pela empresa Vale responda de forma isolada ou exclusiva pela má qualidade de drenagem do reservatório, mas contribuiu para isto.”
A Vale sempre contestou as conclusões da PF, dizendo que depositou apenas o equivalente a 5% dos rejeitos armazenados na barragem.