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Tremores de terra
A investigação contrariou a versão que a Samarco tentara difundir, desde as primeiras horas após o desastre, de que o rompimento poderia ter sido consequência de tremores de terra ocorridos na área da barragem. De fato, no dia da tragédia foram registrados alguns abalos, o maior deles às 14h13 e de magnitude 2,6 na Escala Richter (índice considerado de baixa intensidade), com epicentros a cerca de 1,7 km a leste do reservatório. Fundão viria abaixo mais ou menos uma hora e meia depois.
Para esclarecer esse aspecto, o coordenador da força-tarefa do MPMG, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, buscou uma análise técnica, mas não conseguiu encontrar no estado uma empresa que pudesse fazer o estudo sobre o impacto dos sismos. Todas as que foram consultadas prestavam serviços para a Samarco ou para a Vale e não queriam se envolver para não ter problemas em seus contratos. O promotor, então, procurou opções fora de Minas Gerais. Uma delas foi o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, e a outra, a empresa Geomecânica, do Rio de Janeiro, afinal escolhida.
A Geomecânica é do empresário Francis Bogossian, especializado em mecânica dos solos na França e ex-presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Fundada em 1972, tem uma parceria com o Norwegian Geotechnical Institute (Instituto Norueguês de Geotecnia), fundação privada de pesquisa e consultoria em geociências (engenharia geotécnica, geologia, hidrogeologia). Os engenheiros da empresa estiveram na barragem após o desastre, acompanhados de membros do Ministério Público estadual. Coletaram amostras de solo, fotografaram e examinaram todos os documentos disponíveis até então, e fizeram cálculos e modelagens em programas de computador. Estudaram as alterações na geometria da estrutura e desvios do projeto original, as taxas de alteamento e o eventual impacto dos tremores de terra, de máquinas e caminhões trabalhando no local no dia do rompimento e da detonação de explosivos usados no processo de mineração.
O relatório da Geomecânica/NGI ficou pronto em abril de 2016, e o inquérito da Polícia Federal a ele se reporta. Além de concluir que a barragem desceu em decorrência da liquefação dos rejeitos, descartou o impacto de quaisquer fatores externos, como os tremores. Os estudos se concentraram no recuo do eixo porque os depoimentos de testemunhas indicavam que o rompimento acontecera nesse ponto.
Segundo a Geomecânica, o recuo do eixo de Fundão fora de aproximadamente 125 metros, feito numa estrutura de “alto risco” e em uma das barragens mais elevadas do Brasil. Com a intervenção, os alteamentos na área crítica passaram a se apoiar em rejeitos menos resistentes e menos permeáveis do que aqueles esperados na praia de 200 metros, conforme o projeto de Pimenta de Ávila. Diz o relatório: “Como consequência da mudança no eixo e a criação do recuo, a nova seção da barragem acima da elevação 864 m passou a ter na sua fundação zonas ou camadas onde os rejeitos eram menos resistentes e menos permeáveis do que o previsto no projeto original.”
Sobre as características do solo da fundação no local do recuo, o documento afirma:
Há várias evidências e razões físicas para a presença desta camada de baixa resistência. Sabe-se que rupturas não drenadas, rápidas, catastróficas e sem aviso, são típicas de materiais contráteis, chamados de solos suscetíveis à liquefação, como os solos arenosos e siltosos saturados, presentes na fundação dos alteamentos na região do recuo do eixo da barragem.
A Geomecânica/NGI também estudou os alteamentos de Fundão. De acordo com o parecer, “a taxa de alteamento da barragem de rejeitos deve ser lenta o suficiente para permitir a dissipação do excesso de poropressões”. Segundo os dados obtidos nos relatórios de monitoramento geotécnico relativos a um período de um ano e três meses (entre 30 de julho de 2014 e 26 de outubro de 2015), a velocidade média de alteamento foi de 12,3 metros por ano. Os engenheiros comparam esse dado a parâmetros indicados por especialistas que são referência internacional em geotecnia: “Vick (1990) e Mittal e Morgenstern (1976), citados por Martin (2002), recomendam uma taxa de elevação de 4,6 m/ano e de 9,1 m/ano para garantir que o excesso de poropressão seja dissipado durante o processo de alteamento.”
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No dia 5 de novembro de 2015, foram registrados seis “eventos sísmicos” próximos à barragem, nas áreas do povoado de Bento Rodrigues e do município de Catas Altas, entre 13h e 16h. Todos de magnitude entre 2,0 e 2,6. Os técnicos fizeram análises de resposta aos tremores e constataram que as tensões máximas que teriam sido provocadas pelos sismos “estavam muito abaixo do valor-limite para que gerassem qualquer excesso de poropressão”. E acrescentaram: “Isto é consistente com a experiência a partir de observações anteriores de liquefação durante terremotos. Não há nenhum caso documentado de liquefação induzida por terremoto para eventos com magnitude inferior a 4.”
Outro possível gatilho da ruptura poderia ser o movimento de falhas geológicas locais. Mais uma hipótese descartada:
As falhas identificadas em mapas geológicos da área consistem em falhas comuns encontradas frequentemente em qualquer região geográfica e sua presença não significa necessariamente que elas estejam ativas. De qualquer forma, um deslocamento da superfície sensível (maior do que alguns centímetros) ao longo da falha implicaria em um evento sísmico com magnitude 5 ou superior. Sem dúvida, um terremoto desta magnitude teria sido registrado por todos os observatórios sísmicos nacionais e internacionais. Como mencionado anteriormente, o maior sismo registrado na vizinhança da barragem Fundão em 5 de novembro de 2015 foi um evento de magnitude 2,6.
O uso de explosivos pela Samarco era frequente e ocorria regularmente na mina a céu aberto vizinha a Fundão. As explosões provocam vibrações que se propagam pelo terreno e podem afetar barragens se estas não forem suficientemente resistentes. O estudo da Geomecânica também analisou a vibração das explosões como gatilho para o rompimento: “A disposição dos explosivos, a distância da barragem e propriedades do terreno determinam a intensidade da vibração na locação da barragem. Baseado [sic] nas informações disponíveis sobre estes parâmetros, foi realizada uma estimativa da força de vibração.” Do que se concluiu: “A partir das informações existentes, considera-se altamente improvável que a vibração causada pela explosão na mina a céu aberto tenha tido qualquer efeito que pudesse causar a ruptura da barragem.”
Por fim, outro aspecto explorado como estopim para a tragédia foi a vibração provocada pelo tráfego de caminhões e equipamentos. No dia do desastre, estavam em operação na barragem pelo menos 20 veículos pesados, como escavadeiras hidráulicas e caminhões carregados de brita, com capacidade para 24 toneladas. A Geomecânica/NGI afirma que “os tremores do solo causados pelos terremotos, as vibrações causadas pela detonação das operações de mineração e as vibrações causadas pelo funcionamento das máquinas sobre a barragem podem ser descartados como gatilhos viáveis para a ruptura da barragem”.
Considerando seus cálculos e análises e os depoimentos de testemunhas que assistiram ao episódio, a Geomecânica/NGI disse ainda que o rompimento se deu quando “a altura da barragem atingiu um nível crítico” e que “o ponto local em estado de ruptura se expandiu progressivamente levando a uma ruptura global como em um efeito dominó”.
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Com a tese dos tremores descartada, a PF concluiu que o rompimento foi causado pela conjugação de fatores que levaram à liquefação na região do recuo do eixo. Os elementos apontados foram: a elevação da superfície freática em função da existência de lama junto ao dique de recuo (porque a praia mínima de 200 metros não fora respeitada); a presença de lama subjacente aos alteamentos do dique de recuo; a taxa de alteamento do dique de recuo superior ao padrão construtivo recomendado; e a ineficiência do sistema de drenagem interna da barragem. “Tudo isso levando a um acréscimo de poropressões numa situação não drenada, acarretando a liquefação estática dos rejeitos granulares saturados”, registrou o laudo.
Os depoimentos dos que estavam no local reforçariam a hipótese de liquefação. Os testemunhos ajudaram a reconstituir as circunstâncias do desastre quase que com total precisão. Fernando Marques, funcionário da VOGBR, prestadora de serviço da Samarco, afirmou que o rompimento começara às 15h47. Para Anderson Rigobello, encarregado de terraplanagem da Integral Engenharia, fora às 15h45. Trabalhadores operavam equipamentos e veículos como caminhões caçamba, tratores de esteira e escavadeiras. Cumpriam suas atividades de rotina quando deu-se a ruptura “de forma abrupta, rápida, generalizada e sem que tivesse qualquer manifestação de aviso momentos antes do colapso, iniciada na área onde foi executado o recuo do eixo da barragem, junto à ombreira esquerda”. O maciço se deslocou “em blocos” e progrediu para o lado direito até o colapso total da estrutura. Depois do desmoronamento, o reservatório ficou “praticamente isento de rejeito, o que indica a fluidez do material lá existente. Tal condição não seria esperada se o rejeito não estivesse altamente saturado, propício à liquefação”.
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O Relatório Cleary também avaliou o impacto dos tremores no desastre e concluiu que até poderiam ter funcionado como gatilho, mas que não foram a causa do rompimento, pois a barragem já atingira “um estado precário de estabilidade”. Dizem os especialistas:
Embora os movimentos sejam de pequeno porte e as incertezas associadas de grande porte, é provável que essa movimentação adicional tenha acelerado o processo de rompimento que já estava bem avançado. Assim sendo, o rompimento da barragem de Rejeitos de Fundão por fluxo de liquefação foi consequência de uma cadeia de eventos e condições. Uma mudança no projeto provocou um aumento na saturação que introduziu o potencial para liquefação. Como resultado de vários desenvolvimentos, lamas moles chegaram até áreas não previstas na ombreira esquerda da barragem e o alinhamento do aterro foi recuado de seu local originalmente planejado. Como resultado deste recuo, havia lama sob o aterro que foi submetida à carga imposta pelo alteamento. Isto iniciou um mecanismo de extrusão da lama movimentando-a para além das areias à medida que aumentava a altura do aterro. Com apenas um pequeno incremento adicional de carga provocado pelos tremores de terra, o desencadeamento da liquefação foi acelerado e o fluxo iniciado.
Esse documento foi elaborado pelos especialistas estrangeiros Norbert Morgenstern (presidente), Steven Vick e Bryan Watts, e pelo brasileiro Cássio Viotti. Eles não chegam a afirmar que houve um erro de projeto na barragem, mas fazem referências a mudanças que teriam provocado aumento na saturação no rejeito. Com base nessas observações, dirigentes das companhias envolvidas no caso dariam declarações atribuindo responsabilidades ao projetista de Fundão, o engenheiro Pimenta de Ávila. Entrevistei, para este livro, Roberto Carvalho, diretor comercial da Samarco por quinze anos e que substituíra Ricardo Vescovi na presidência da mineradora. Lembrei-lhe que o Relatório Cleary, contratado pelas empresas, afirmava que os tremores de terra foram um gatilho para o rompimento, mas que a liquefação já estava em andamento, e perguntei por que o sistema de monitoramento e todos os instrumentos de que a barragem dispunha não haviam sido capazes de perceber esse processo.
Eis a resposta: “Pelo que eu entendi, o sistema não era adequado para detectar esse tipo de situação. O principal monitoramento que se faz numa barragem é o nível de água, através dos piezômetros, equipamentos que medem isso. E nunca se reportou ‘tá um nível de água tal...’. Nunca ouvi falar nada disso, ‘tá acontecendo... o nível de água tá muito alto, precisa fazer isso ou aquilo’. Agora, o relatório mostrou que várias situações conduzidas e desenvolvidas ao longo da vida da barragem levaram a esse processo. Inicialmente, a questão do dreno. Foi uma falha no projeto. O dreno que foi construído — não sei se foi uma falha do projeto ou foi da construção —, mas o dreno parou de drenar. Naquele momento, parou-se a barragem, discutiu-se com todo mundo, com especialistas, inclusive de fora, e foi feito o tapete drenante. Então, foi feito um outro dreno a partir daquele nível e voltou a operar a barragem. Aí, teve o problema da galeria que precisou ser desativada, que coleta água pluvial e que passa por dentro da barragem. Para continuar fazendo o alteamento na situação que estava na galeria, teve que fazer o recuo. O manual operacional falava que na frente era só o rejeito arenoso e para trás o rejeito lamoso. Aconteceu um problema de operação que misturou esses dois rejeitos em determinadas posições da barragem. Tudo gerou as condições de liquefação. Por isso que o Norbert Morgenstern falou que o gatilho foi o tremor, mas a barragem estava condenada. Isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde por todo o processo que já tinha iniciado. Mas nunca teve esse tipo de discussão: ‘O nível de água da barragem tá muito alto.’ Não chegava para a gente aqui. ‘Nós vamos ter que fazer uma drenagem, vamos ter que parar de depositar aqui, não vai poder altear.’ Nunca teve esse tipo de discussão.”
Perguntei sobre se fazer o recuo fora um erro. “É difícil julgar. Na realidade, depois que acontece... O próprio Pimenta de Ávila, que era nosso consultor, falou muito sobre isso em entrevistas dizendo ‘não, a barragem que eu fiz não tinha isso aqui’. Mas ele sabia do recuo. Ele vivia visitando a gente. Ele estava para ir lá com uma equipe de Moçambique para mostrar uma gestão eficiente de barragem. Depois que acontece, aí vêm outros motivos que as pessoas... É difícil falar.” Questionei, então, sobre se o projetista de Fundão tinha responsabilidade no desastre. “Eu acho que tem. Todo mundo tem.” Quis saber como o executivo definiria a responsabilidade do engenheiro. “Foi uma série de problemas que aconteceram na barragem que o projetista, de certa forma, tem responsabilidade. Se o dreno não funcionou... Tem que ver se foi problema de projeto ou construção. Mas a galeria foi projetada pela equipe dele. E a galeria não suportou. E a galeria foi que levou a fazer o recuo. Pelo que eu sei, tudo que se fazia na barragem era discutido. Então, acho que todo mundo tem responsabilidade. É claro que a maior responsabilidade é da Samarco porque a barragem é da Samarco. Mas a gente contava com profissionais que têm responsabilidade técnica.” Para mim não estava claro o que aquele “todo mundo” abarcava, de modo que perguntei sobre se o conjunto de responsáveis a que se referia significava Samarco e Pimenta de Ávila. “Todo mundo que tinha qualquer envolvimento: quem construiu, quem projetou, todo mundo. Tem uma parte desconhecida que estava acontecendo que agora todo mundo conhece. Mas, da mesma forma que a gente não identificou que o processo de saturação e liquefação estava acontecendo, os especialistas contratados por nós também não reportaram.”
O então presidente da Vale, Murilo Ferreira, também em entrevista para este livro, cobrou responsabilidades do projetista: “O Relatório Cleary mostra que houve um erro de projeto e outras causas acessórias. Mas o erro principal foi o projeto, o desenho de construção do projeto. Não estou apontando o dedo para ele [Pimenta de Ávila]. Mesmo grandes profissionais erram em algum momento. Mas se o projeto está certo ele suporta muito desaforo.” O executivo ainda diria: “A Vale é acionista e como tal tem responsabilidade pelo acidente. Temos responsabilidades pelas consequências, mas não pelo acidente em si.”
A BHP destacaria como porta-voz para o caso de Fundão o australiano Bryan Quinn, presidente de todas as joint ventures não operadas pela mineradora, como era o caso da Samarco. Perguntei-lhe sobre como fora possível acontecer uma sucessão tão grande de problemas na barragem sem que tivessem sido detectados. Em consonância com os outros dois dirigentes, Quinn não deixou de mencionar o “projeto” de Fundão. “Segundo o Relatório Cleary, foram múltiplos fatores. Entre eles, o design. Não acreditamos que as pessoas tivessem informação de que a barragem iria romper e nada fizeram. Não foi um ato de negligência. Não acreditamos que as pessoas tivessem as informações e as ignoraram. Não foi isso. Isso responde à questão do monitoramento. Do nosso ponto de vista, a Samarco tinha gestão de risco robusta. Como o relatório mostrou, não houve um fator apenas, mas múltiplos fatores. O relatório não aponta para um fator chave para a ocorrência do evento.”
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Uma coleção com dezesseis miniaturas da escultura O Pensador , de Rodin, destaca-se na decoração do escritório de Pimenta de Ávila, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. O primeiro item fora adquirido numa viagem à Grécia. A partir daí, amigos passaram a presenteá-lo com réplicas — assim nasceu a coleção. Conheci o projetista de Fundão em janeiro de 2016, quando fiz as primeiras reportagens para o Fantástico sobre a investigação do rompimento da barragem. Na ocasião, as causas ainda não estavam claramente definidas.
Perguntei-lhe, então, se o recuo comprometera a segurança da barragem. “Esse recuo, se ele for bem controlado, em termos de controle do nível d’água na fundação, ele pode ser seguro. Mas é necessário que ele tenha um controle efetivo. Por isso, eu recomendei que houvesse um controle diário com a instalação de vários piezômetros, lidos diariamente. É preciso fazer um controle rigoroso da barragem. Rigoroso significa frequente.” Questionei sobre se deveria ser diário mesmo. O engenheiro respondeu afirmativamente: “Diário. Há casos em que se lê várias vezes ao dia.” Quis saber se considerara aquele um caso delicado. “Considerei, porque apareceram trincas que indicavam uma movimentação do maciço. Essa movimentação, para ter existido, se supunha necessário ter níveis d’água elevados. Esses níveis d’água elevados seriam um sinal de risco se não fossem controlados. Eu fiz um relatório para a Samarco escrevendo a minha interpretação para a questão das trincas, recomendando que fosse dimensionado o reforço, considerando a possibilidade de infiltração, fazendo as leituras diárias para controlar. Se o nível d’água subisse e tivesse risco de liquefação, tinha que ter um reforço conservador para o pior caso.”
Explicou ainda que o monitoramento era uma obrigação da mineradora e não dele: “A minha presença na barragem é uma presença esporádica. Presença como consultor contratado para fazer visitas periódicas. O próprio fato da periodicidade da piezometria ser diária já diz que eu não poderia verificar isso. Teria que ser alguém que estivesse diariamente na barragem, como a equipe da Samarco estava lá. E eu acredito que eles estavam atentos ao que se passava. O meu papel eu cumpri ao escrever o relatório apontando a forma de abordar o problema.”
Para este livro, pedi-lhe outra entrevista. Gostaria de aprofundar vários aspectos de sua participação na história da barragem. Seria preciso também ouvi-lo sobre o que haviam dito os dirigentes das três empresas, que apontaram erros de projeto. Pimenta de Ávila aceitou responder apenas a algumas perguntas, por escrito, depois de consultar seu advogado.
Questionei-o, então, sobre o Relatório Cleary, segundo o qual teria havido uma mudança no conceito do projeto, introduzindo o potencial de liquefação dos rejeitos: “A modificação do projeto foi feita por causa de um erro de construção e não de projeto (conforme indicado pelo resultado da perícia e reconhecido no relatório dos experts) e foi introduzido apenas no volume situado abaixo da elevação do dique de partida. Esta modificação foi feita após estudos de estabilidade e que incluíram um reforço do talude de jusante, para manter a estabilidade em condições equivalentes à do projeto inicial. Estas modificações foram submetidas à análise e tiveram a aprovação dos consultores da Samarco e de sua diretoria, antes de sua adoção. Na época foi verificada a estabilidade da barragem com a introdução das modificações. O relatório dos experts apresenta resultados de verificação de estabilidade da seção normal de barragem, na ombreira direita, portanto sem o recuo feito no lado esquerdo, e concluiu que a seção era estável. Portanto, a modificação de projeto, decorrente do erro de construção no dreno de fundo, não significou a ocorrência de liquefação e instabilidade pois o maciço de areia não estava saturado, acima da cota do dique de partida, conforme a condição de projeto.”
Perguntei-lhe sobre qual fora a causa do rompimento. “A causa não foi a modificação de projeto feita para contornar o problema do erro de construção do dreno de fundo. A causa da ruptura foi estudada por vários inquéritos e a introdução do recuo no eixo, feita pela Samarco, foi o fato reconhecido como causa da ruptura, unanimemente por todos os inquéritos feitos pelas autoridades e também pelas investigações feitas pelos experts (que atribuíram a causa da ruptura à presença de lama na fundação dos diques de alteamento, que somente existia na área do recuo).”
Quis saber sobre se o recuo não fora uma “barbeiragem” de engenharia. “O recuo poderia ter sido feito com os devidos cuidados, com a drenagem interna e/ou uma geometria adequada.” Por que não se opusera àquela intervenção? “O recuo não foi projetado por mim. Na época de sua implantação a Pimenta de Ávila não era mais a projetista de Fundão.” Fiz referência ao fato de a Samarco afirmar que nunca fora alertada sobre a real situação da barragem e lembrar que o engenheiro havia estado lá no dia do desastre. Como responderia a essas questões? “Isso foi uma ação incompreensível. Uma tentativa de me jogar uma culpa que não tenho. Mas esta ação não foi adiante, pois eu tinha toda a documentação de que minha visita se limitou a inspecionar o vale do Natividade, de onde não se enxerga, nem de longe, a barragem do Fundão. Retornei a Belo Horizonte logo após a inspeção do Natividade.”