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A denúncia

Em outubro de 2016, a quinze dias de se completar um ano do desastre, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia à Justiça contra 22 pessoas, 21 delas acusadas pela morte de dezenove vítimas, pelos danos a 250 feridos e pela maior tragédia ambiental do Brasil e do mundo, no setor de mineração. O 22o acusado foi o engenheiro Samuel Santana Paes Loures, por emissão de laudo falso sobre a estabilidade da barragem.

Três meses antes, o coordenador da força-tarefa federal, José Adércio Leite Sampaio, havia recebido uma carta com ameaça de morte. “Dizia para eu tomar cuidado, que estava sendo muito duro e arrogante contra a empresa e mencionava o assassinato de um promotor anos atrás. O fato foi investigado, mas o autor não foi descoberto”, contou o procurador. Sua equipe era formada pelos procuradores Gustavo Henrique Oliveira, Jorge Munhóz de Souza, Eduardo Henrique de Almeida Aguiar e Eduardo Santos de Oliveira.

Desde o começo, José Adércio orientou a investigação para a cadeia de comando da Samarco e o papel de suas acionistas, Vale e BHP. “Tínhamos a impressão que mais gente sabia dos problemas da barragem, além da diretoria da Samarco. Nosso trabalho foi compreender o sistema de tomada de decisões, o fluxo de informação e entender a governança da empresa, com seus comitês, conselho diretor e conselho de administração [formado por Vale e BHP]. Era importante saber o nível de conhecimento de cada um e as deliberações tomadas”, explicou o procurador.

Os investigadores pesquisaram o estatuto, o cronograma das reuniões, a pauta, quem esteve presente, se houve exposição dos projetos e problemas, e as atas das reuniões. “O recuo, por exemplo, foi apresentado ao Conselho de Administração. Os representantes da Vale e da BHP eram informados dos problemas. E, muitas vezes, lavaram as mãos. Silenciavam ou diziam para a Samarco ter cuidado. E em vários momentos pressionaram para a redução de custos e ampliação da produção. Também olhamos o estatuto. Era obrigação do Conselho de Administração zelar pela segurança. Eles tinham ciência da gravidade da situação da barragem, principalmente a partir de 2012 [quando foi feito o recuo]. Em 2012, tinham que ter paralisado a barragem. E o que fizeram? Omitiram-se de adotar medidas que poderiam ter evitado a tragédia mesmo tendo conhecimento dos riscos. Por isso, os imputamos por homicídio qualificado”, avaliou o procurador.

Dois personagens foram muito importantes para a investigação do MPF. O engenheiro Wanderson Silvério Silva, que concebeu o primeiro recuo e que prestaria quatro depoimentos à força-tarefa, e o projetista Pimenta de Ávila, ouvido em dez ocasiões. José Adércio não considera que tenha havido erro de projeto na estrutura. “O problema da barragem foi na execução do projeto, no sistema de captação de águas externas e no sistema de drenagem interna. Não cumpriram fielmente o projeto, usaram produto de qualidade inferior, afastaram os drenos do percurso original e os alteamentos prosseguiram sobre um solo que não aguenta muita pressão”, afirmou.

Além das 22 pessoas, o MPF denunciou também quatro empresas: Samarco Mineração S/A, Vale S/A, BHP Billiton Brasil Ltda e VOGBR. As três mineradoras e 21 acusados respondem por homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), lesão corporal, inundação, desabamento e crimes ambientais. A Justiça Federal aceitou a denúncia em novembro de 2016 e os denunciados se tornaram réus. São eles:

Da Samarco:

— Ricardo Vescovi de Aragão: diretor de Operações e Sustentabilidade de 2006 ao fim de 2011, quando se tornou diretor-presidente. Participou de todas as reuniões do Conselho de Administração desde 2007. Como diretor de Operações, era responsável por apresentar ao Conselho todos os dados sobre a operação das barragens. Também participou de nove reuniões do Comitê de Operações, em que foram discutidos os problemas nas galerias, de drenagem, o recuo do eixo junto à ombreira esquerda sem projeto, contrariando o Manual de Operação, e a manutenção da praia mínima em largura inferior a 200 metros, entre outros. Segundo a denúncia, “foi responsável por executar o aprofundamento da política de redução de custos”. Esteve em oito reuniões do Comitê de Barragens, onde os problemas foram abordados. Também participava com frequência das reuniões de fechamento do ITRB, “quando os próprios consultores relatavam pessoalmente os problemas, as falhas ou não conformidades constantes dos relatórios”.

— Kléber Luiz de Mendonça Terra: diretor-geral de Operações e Infraestrutura da Samarco de 2012 até o rompimento. Era o responsável por apresentar ao Conselho de Administração todos os detalhes sobre operação das barragens. Na reunião de 8 de agosto de 2012, expôs estudo sobre o subdistrito de Bento Rodrigues e sobre os riscos da barragem para a localidade, e recebeu a incumbência de fazer o reassentamento da comunidade, o que não ocorreria.

— Germano Silva Lopes: gerente-geral de Geotecnia da Samarco de março de 2011 até outubro de 2014, quando foi transferido para a Gerência-Geral de Projetos Estruturantes, onde ficaria até o rompimento. Foi ele quem encomendou a Wanderson Silvério Silva o projeto de recuo da barragem.

— Wagner Milagres Alves: gerente-geral de Operações de minas desde outubro de 2014 até o rompimento.

— Daviely Rodrigues Silva: trabalhava na área de Geotecnia da Samarco desde 2008. Foi gerente de Geotecnia e Barragens da empresa de 2010/2011 até o rompimento. Era responsável pelo contato direto com os membros do ITRB, tendo acompanhado todas as visitas e participado de todas as reuniões desde 2008.

Da Vale, os representantes no Conselho de Administração da Samarco e na governança da empresa: Stephen Michael Potter, Gerd Peter Poppinga, Pedro José Rodrigues, Hélio Cabral Moreira, José Carlos Martins, Paulo Roberto Bandeira, Luciano Torres Sequeira e Maria Inês Gardonyi Carvalheiro.

Da BHP, os representantes no Conselho de Administração da Samarco e na governança da empresa: James John Wilson, Antonio Ottaviano, Margaret Mahon Beck, Jeffery Mark Zweig, Marcus Philip Randolph, Sérgio Consoli Fernandes, Guilherme Campos Ferreira e André Ferreira Gavinho Cardoso.

A VOGBR e o engenheiro Samuel Santana Paes Loures, autor do documento que atestou a estabilidade da barragem de Fundão, são réus por emissão de laudo falso. O processo corre na Justiça Federal em Ponte Nova. Em junho de 2018, foi ouvida a primeira das 22 testemunhas de acusação; no caso, o engenheiro e projetista da barragem, Pimenta de Ávila. A defesa arrolou outras 494 testemunhas.