3

Laurie Moran sorriu educadamente para o empregado de mesa e rejeitou um novo reabastecimento de café. Olhou de relance para o seu relógio. Duas horas. Estava sentada àquela mesa do 21 Club há precisamente duas horas. Era um dos seus restaurantes preferidos, mas tinha de voltar para o trabalho.

— Hum, este soufflé é uma verdadeira iguaria. Tem a certeza de que não quer provar?

A sua companheira daquela que se tinha revelado uma refeição penosamente longa era uma mulher chamada Lydia Harper. Para algumas pessoas, tratava-se da corajosa viúva de Houston que estava a criar os seus dois filhos sozinha desde que um assassino perturbado, um estranho, tinha matado o pai deles, um apreciado professor de Medicina em Baylor, num acesso de fúria na estrada. Na opinião de outras pessoas, ela era a mulher manipuladora que tinha contratado um assassino profissional para matar o marido, que receava estar prestes a pedir-lhe o divórcio e a lutar pela custódia dos filhos.

Era o caso perfeito para o programa de Laurie, Sob Suspeita, uma série de emissões especiais dedicadas a crimes reais ocorridos no passado. Tinham passado duas semanas desde que, pelo telefone, Lydia tinha concordado em participar numa nova investigação ao assassínio do marido, mas ainda não tinha assinado a papelada. Depois de ter dito inúmeras vezes a Laurie que «há tempos que andava para ir aos correios», tinha subitamente declarado que queria encontrar-se com ela pessoalmente — em troca de um bilhete de avião em primeira classe e duas noites no Ritz-Carlton de Nova Iorque —, antes de firmar a sua assinatura nos documentos.

Laurie tinha partido do princípio de que Lydia estava a habilitar-se a uma viagem de cinco estrelas paga pelo programa e estava disposta a conceder-lha, se isso significasse que ela assinaria o acordo de participação. Mas, de cada vez que Laurie tentara abordar o assunto ao longo do almoço, Lydia tinha mudado o tema da conversa para o espetáculo da Broadway a que tinha assistido na véspera, as compras que fizera no Barneys nessa manhã ou a excelência do clássico peru estufado do 21 que tinha pedido para o almoço.

Laurie ouviu o seu telemóvel vibrar mais uma vez no bolso exterior da mala de mão.

— Porque não atende? — sugeriu Lydia. — Eu compreendo. Trabalho, trabalho, trabalho. Nunca para.

Laurie tinha ignorado várias chamadas e mensagens, mas teve receio de fazer o mesmo em relação àquela. Podia ser do chefe.

Sentiu um nó no estômago quando olhou para o ecrã do seu telemóvel. Tinha quatro chamadas não atendidas, duas da sua assistente, Grace Garcia, e duas do seu adjunto de produção, Jerry Klein. Também viu que tinha recebido uma sequência de mensagens escritas de ambos.

«O Brett anda à tua procura. A que horas chegas?»

«OMG. A Casey Louca está aqui por causa do caso dela. Ela diz que conhece a Charlotte Pierce. Vais querer falar com ela. Liga-me!»

«Onde é que estás? Ainda a almoçar?»

«A CL está aqui e o Brett anda à tua procura.»

«Que queres que digamos ao Brett? Liga rápido. O Brett ainda tem um ataque se não voltas depressa.»

E, por fim, havia uma última mensagem que Grace acabara de enviar.

«Se aquele tipo volta ao teu escritório, somos capazes de precisar de uma ambulância no décimo sexto andar. Que parte do “ela não está” é que ele não percebe?»

Laurie revirou os olhos quando imaginou Brett a andar de um lado para o outro nos corredores. O seu chefe era um produtor brilhante, mas era impaciente e petulante. No ano anterior, uma imagem onde a cara dele aparecia colada ao corpo de um bebé todo embrulhado e com uma roca na mão tinha feito as delícias dos funcionários do estúdio. Laurie tinha a certeza de que Jerry fora o responsável pela brincadeira, mas estava convicta de que ele tinha eliminado o seu rasto eletrónico, de modo a não ser apanhado.

A verdade é que Laurie andava a evitar Brett. Tinha passado um mês desde a emissão do último programa e ele estava ansioso para que ela começasse a trabalhar no seguinte.

Era caso para se sentir grata. Não havia muito tempo, Laurie mal conseguia dormir à noite, a pensar se ainda teria uma carreira. Primeiro, tinha ficado de baixa quando Greg, o seu marido, tinha sido morto. De seguida, quando regressara, a sua prática profissional estava, no mínimo, emperrada. A cada novo fracasso dos seus programas, tinha ouvido os jovens e ávidos assistentes de produção — todos eles mortinhos por ocuparem o seu lugar — a interrogarem-se em voz alta se ela estaria «deprimida» ou se teria «perdido o jeito».

O Sob Suspeita viera alterar tudo isso. Laurie começara a congeminar aquela ideia antes de Greg ter morrido. As pessoas adoravam mistérios, e contar a história da perspetiva dos suspeitos representava uma abordagem inovadora em relação aos casos encerrados. Porém, depois de Greg ter sido assassinado, ela ficara anos a maturar a ideia. Olhando para trás, percebia agora que não queria parecer uma viúva que tinha ficado obcecada com o homicídio não resolvido do marido. Mas, tal como diz o ditado, a necessidade aguça o engenho. Com a carreira em jogo, ela lançara finalmente aquela que sabia ser a sua melhor ideia. Já tinham emitido três episódios especiais de sucesso, cujas audiências e propagação «viral» não paravam de aumentar. Porém, como também se diz, a recompensa por um bom trabalho é mais trabalho.

Um mês antes, Laurie achava que estava bastante adiantada na sua calendarização. Tinha o que acreditava ser um caso perfeito. Alguns estudantes do gabinete de estágios da Faculdade de Direito de Brooklyn tinham-na contactado acerca de uma jovem que fora condenada pelo assassínio da sua companheira de quarto na faculdade três anos antes. Eles tinham provas de que uma das principais testemunhas da acusação tinha mentido. O caso não encaixava no modelo típico do seu programa, que olhava para casos não resolvidos da perspetiva de pessoas que tinham vivido anos sob uma nuvem de suspeita. Mas a possibilidade de libertar uma mulher que tinha sido condenada injustamente tocava no sentido de justiça que tinha atraído Laurie para o jornalismo desde o início.

Ela tinha lutado incessantemente para que Brett aprovasse a ideia, vendendo-lhe o conceito de que as condenações injustas eram uma tendência narrativa bombástica na atualidade. Contudo, três dias depois de Brett lhe ter dado luz verde, com entusiasmo, a acusação anunciou — numa conferência de imprensa dada em conjunto com os estudantes de Direito — que tinha ficado de tal maneira convencida pelas novas provas que concordara em libertar a arguida e reabrir o caso por sua iniciativa. Fora feita justiça, mas o programa de Laurie morrera à beira da praia.

E foi assim que Laurie prosseguiu para a sua segunda escolha, o homicídio do doutor Conrad Harper, cuja viúva se encontrava naquele momento sentada à sua frente, com a sobremesa quase terminada.

— Lydia, lamento imenso, mas surgiu um assunto urgente para resolver no meu escritório. Tenho de voltar para lá. Mas disse-me que queria falar comigo pessoalmente sobre o programa.

Lydia surpreendeu Laurie quando pousou a sua colher e fez sinal, a pedir a conta.

— Laurie, eu queria de facto falar consigo pessoalmente — afirmou Lydia. — Achei que era a atitude correta. Já não vou participar no programa.

— Como…

Lydia ergueu uma das mãos.

— Falei com dois advogados diferentes. Ambos me disseram que eu tinha muito a perder. Prefiro suportar os olhares reprovadores dos meus vizinhos do que colocar-me numa situação de risco jurídico.

— Nós já falámos disso, Lydia. Esta é a sua hipótese de ajudar a descobrir quem realmente matou o Conrad. Eu sei que tem fortes suspeitas em relação a um antigo aluno dele.

O marido de Lydia tinha sido assediado por um aluno que reprovara no semestre anterior.

— E esteja à vontade para investigá-lo, se assim entender. Mas eu não me vou sujeitar a ser entrevistada.

Laurie abriu a boca para falar, mas Lydia apressou-se a interrompê-la.

— Por favor, eu sei que tem de voltar para o trabalho. Não há nada que me possa dizer que me vá fazer mudar de ideias. A minha decisão é definitiva. Só achei que devia comunicar-lhe as notícias pessoalmente.

Naquele preciso momento, o empregado de mesa chegou com a conta, que Lydia entregou imediatamente a Laurie.

— Foi um prazer que os nossos caminhos se tivessem cruzado, Laurie. Desejo-lhe tudo de bom.

Quando Lydia se levantou e a deixou ali, à mesa, sozinha, Laurie sentiu um arrepio na espinha. «Foi ela», pensou. «E ninguém vai conseguir prová-lo.»

Enquanto esperava que o empregado de mesa regressasse e lhe devolvesse o cartão de crédito, Laurie escreveu uma mensagem para Grace e Jerry.

«Digam ao Brett que chego dentro de dez minutos.»

O que ia ela dizer quando lá chegasse? Que o seu caso do professor assassinado tinha ido pelo cano?

Estava prestes a clicar em «Enviar», quando se lembrou da mensagem anterior de Jerry a propósito da Casey Louca. Seria possível? Editou a mensagem que ia enviar.

«A Casey Carter pediu mesmo para falar comigo?»

Grace respondeu imediatamente.

«SIM! Ela está na sala de reuniões A. Temos uma condenada por homicídio no edifício! Estive quase para ligar para o 112.»

Como jornalista, Laurie já tinha entrevistado várias pessoas acusadas e até mesmo condenadas por homicídio. No entanto, Grace ainda se encolhia quando pensava nisso. A resposta de Jerry chegou logo a seguir à de Grace.

«Fiquei com receio de que ela se fosse embora, mas, quando lhe disse que agradecia que esperasse, ela respondeu que não íamos conseguir ver-nos livres dela até falar contigo!»

Laurie deu consigo a sorrir enquanto assinava o recibo da conta do almoço. O facto de Lydia Harper ter desistido do programa poderia vir a revelar-se uma bênção. A libertação de Casey tinha encabeçado todos os noticiários da noite anterior e agora ela estava à procura de Laurie. Esta escreveu mais uma mensagem quando ia no táxi.

«Empatem o Brett o máximo de tempo que conseguirem. Digam-lhe que tenho um furo para um novo caso promissor. Quero falar com a Casey primeiro.»