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Quando Laurie saiu do elevador no décimo sexto andar dos escritórios dos estúdios Fisher Blake, no Rockefeller Center, dirigiu-se diretamente à sala de reuniões. Grace ficara a saber através de Dana, a secretária de Brett, que ele estaria numa videoconferência nos quinze a vinte minutos seguintes, mas que iria voltar a andar à procura de Laurie quando a mesma terminasse.
Laurie perguntava-se porque estaria Brett tão ansioso para falar com ela. Sabia que ele estava a pressioná-la para concluir o seu próximo caso, mas isso não era uma novidade. Seria possível que ele tivesse previsto antecipadamente que a viúva do professor ia cancelar tudo com eles? Pôs aquele pensamento de parte. O chefe dela podia querer que as pessoas pensassem que era clarividente, mas isso não era verdade.
Quando Laurie abriu a porta, a mulher que se encontrava sentada na sala de reuniões saltou da cadeira. Laurie reconheceu Katherine «Casey» Carter imediatamente. Ela tinha acabado de sair da faculdade e estava a iniciar a sua carreira no jornalismo quando o caso da Bela Adormecida chegou às manchetes. O início da sua «carreira» consistira, na realidade, em servir cafés na redação de um jornal regional da Pensilvânia, mas naquela época Laurie estava no Paraíso, a absorver toda a formação que conseguia.
Enquanto jornalista aspirante, ficara arrebatada pelo julgamento. Quando na noite anterior tinha ouvido a notícia da libertação de Casey, Laurie não conseguira acreditar que já se tinham passado quinze anos. O tempo tinha passado muito depressa, apesar de isso provavelmente não ser verdade para Casey.
Na época em que o seu julgamento aparecia em todos os noticiários, Casey era uma mulher deslumbrante, com cabelo castanho-escuro comprido e brilhante, uma pele de alabastro e uns olhos azuis amendoados, que reluziam como se ela estivesse sempre a sorrir. Mal tinha saído da faculdade, conseguira um cobiçado emprego como assistente no departamento de arte contemporânea da Sotheby’s. Estava a fazer um mestrado e sonhava vir a ter a sua própria galeria de arte quando conhecera Hunter Raleigh III, num leilão de arte. O caso não tinha captado a atenção da nação apenas graças à proeminência do seu noivo. A própria Casey era cativante.
Passados quinze anos, ela continuava a ser uma mulher muito bonita. Atualmente usava o cabelo mais curto, pelos ombros, tal como Laurie. Estava mais magra, mas tinha uma aparência robusta. E os olhos dela continuavam a cintilar, com uma expressão inteligente, enquanto apertava a mão de Laurie com firmeza.
— Senhora Moran, muito obrigada por me receber. Peço desculpa por não ter telefonado a pedir uma reunião, mas imagino que seja completamente inundada com pedidos.
— É verdade. — Laurie fez um gesto que indicava que deviam sentar-se à mesa de reuniões. — Mas não de pessoas com nomes conhecidos como o seu.
Casey soltou uma gargalhada triste.
— E a que nome se está a referir? Casey Louca? Bela Adormecida Assassina? É por isso que estou aqui. Eu estou inocente. Não matei o Hunter e quero recuperar o meu nome, o meu bom-nome.
Para quem não o tratava pelo seu nome próprio, Hunter era Hunter Raleigh III. O seu avô, o primeiro Hunter, tinha sido senador. Os dois filhos deste primeiro Hunter, Hunter Júnior e James, tinham seguido a carreira militar depois de completarem os estudos em Harvard. Depois de Hunter Júnior se ter tornado uma das primeiras baixas da Guerra do Vietname, James, o seu irmão mais novo, dedicara a vida ao serviço do Exército e dera ao seu primogénito o nome de Hunter Raleigh III. James subiu até à patente de general de três estrelas. Mesmo quando já estava na reserva, continuara ao serviço da nação como embaixador. Os Raleighs eram uma versão mais pequena dos Kennedys, uma dinastia política.
E então Casey matou o herdeiro do trono.
Inicialmente, os jornais chamavam, a Casey, a Bela Adormecida. Ela alegava estar a dormir profundamente quando um ou mais desconhecidos tinham forçado a entrada na casa de campo do seu noivo e o tinham matado a tiro. Na noite anterior, o casal tinha estado presente numa gala da fundação da família Raleigh, mas tinha abandonado o evento cedo, quando Casey declarara estar a sentir-se maldisposta. Segundo ela, tinha adormecido no automóvel de Hunter e nem se lembrava de ter chegado a casa dele. Acordara horas mais tarde, no sofá da sala de estar, tendo-se arrastado até ao quarto, onde encontrara o corpo coberto de sangue. Ela era uma jovem bela, em ascensão no mundo das artes. Hunter era o amado membro de uma estimada família do mundo da política americana. Era o género de tragédia que cativava a nação.
E foi então, ao cabo de alguns ciclos de notícias, que a polícia prendeu a pobre Bela Adormecida. O caso da acusação era forte. Os jornais começaram a chamar-lhe Bela Adormecida Assassina e, mais tarde, Casey Louca. Segundo a maior parte das teorias, embriagada e com ciúmes, ela ficara furiosa quando Hunter pusera termo ao noivado e matara-o.
Agora, estava numa sala de reuniões com Laurie e continuava a alegar, ao fim de todos aqueles anos, estar inocente.
Laurie tinha noção que o tempo estava a passar e que tinha de falar com o chefe. Habitualmente, teria querido acompanhar a versão de Casey em pormenor, mas hoje tinha de ir direta ao assunto.
— Desculpe ser tão contundente, Casey, mas é difícil ignorar as provas que existem contra si.
Apesar de Casey negar alguma vez ter disparado a arma identificada como sendo a que fora utilizada no crime, havia nela impressões digitais suas. E havia vestígios de pólvora nas mãos de Casey. Laurie perguntou-lhe se ela estava a desmentir aqueles factos.
— Eu parto do princípio de que todos esses testes foram conduzidos corretamente. Mas isso apenas significa que o verdadeiro assassino pressionou a minha mão contra a arma e disparou. Pense nisso. Se eu tivesse matado o Hunter com aquela arma, porque diria que nunca a tinha disparado? Facilmente podia ter justificado o facto de ela ter as minhas impressões digitais, dizendo que a tinha disparado no campo de tiro. Já para não falar no facto de que a pessoa que matou o Hunter ter falhado duas vezes. Se eu quisesse matar alguém, e não queria, acredite que não teria falhado. E, se eu tivesse disparado a arma dele, porque haveria de consentir que pesquisassem se havia vestígios de pólvora?
— E as drogas que a polícia encontrou na sua mala?
Casey tinha descrito a sua má disposição daquela noite como tendo sido tão grave que a polícia a submetera a análises ao sangue, à procura de drogas. Quando os resultados confirmaram uma mistura de álcool com um tipo de sedativo na corrente sanguínea dela, uma busca à casa de Hunter tinha revelado a presença dessa mesma substância no saco de roupa de Casey.
— Mais uma vez, se me tivesse dado ao trabalho de me drogar, porque teria guardado os comprimidos remanescentes na minha mala? Uma coisa era acusarem-me de homicídio, mas nunca pensei que alguém acreditasse que eu era burra.
Laurie conhecia o sedativo em questão, o Rohypnol, uma benzodiazepina habitualmente usada em violações.
Até ao momento, tudo o que Casey estava a dizer era uma recapitulação dos argumentos que a sua advogada tinha tentado usar durante o julgamento. Ela alegara que alguém a tinha drogado durante a gala, tinha ido até à casa de Hunter, tinha-o alvejado e depois tinha-a incriminado enquanto ela dormia. O júri não acreditara.
— Eu acompanhei o seu caso na época — disse Laurie. — Peço desculpa por dizer isto, mas acho que um dos problemas consistiu no facto de a sua advogada nunca ter sugerido uma explicação alternativa em concreto. Ela indiciou que os polícias podiam ter plantado provas, mas nunca avançou com um motivo que os tivesse levado a fazer isso. E, o que é ainda mais importante, ela nunca chegou a propor um suspeito alternativo ao júri. Por isso, diga-me, Casey. Se não matou o Hunter, quem é que foi?