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— Tive muito tempo para pensar em quem poderá ter matado o Hunter — respondeu Casey, ao mesmo tempo que entregava a Laurie uma folha com cinco nomes. — Não me parece que tenha sido uma entrada forçada aleatória ou um assalto que correu mal enquanto eu estava inconsciente no sofá.
— Eu também não teria colocado essa hipótese — concordou Laurie.
— Mas quando descobri que havia vestígios de um sedativo na minha circulação sanguínea, percebi que a pessoa que matou o Hunter devia ter estado no Cipriani, na gala da Fundação Raleigh, naquela noite. Estive bem durante o dia. Só comecei a sentir-me mal cerca de uma hora depois de o evento ter começado. Alguém deve ter posto a droga na minha bebida quando eu não estava a olhar, o que significa que a pessoa tinha acesso às bebidas. Não imagino que alguém pudesse querer fazer mal ao Hunter, mas sei que não fui eu. Todas estas pessoas tinham motivos comprovados e tiveram oportunidade.
Laurie reconheceu três dos cinco nomes, mas todos eles eram uma surpresa para ela enquanto possíveis suspeitos.
— O Jason Gardner e a Gabrielle Lawson estavam na gala?
Jason Gardner era o ex-namorado de Casey, assim como o autor de uma biografia responsável pela introdução da alcunha Casey Louca no léxico popular. Laurie não se lembrava de todos os pormenores da relação de Gabrielle Lawson com o caso, mas ela era uma das colunáveis mais proeminentes da cidade. Laurie recordava-se de a imprensa sensacionalista ter lançado rumores de que Hunter supostamente continuaria interessado nela, apesar de estar noivo de Casey. Ela não se tinha dado conta de que Jason ou Gabrielle tinham estado no Cipriani, na noite do homicídio.
— Estavam. A Gabrielle aparecia sempre em todo o lado onde o Hunter ia. Lembro-me de ela se ter aproximado da mesa e de ter lançado os braços à volta dele de uma maneira típica. Ela podia facilmente ter-me posto alguma coisa na bebida. E o Jason… bom, supostamente ele estava lá em representação da firma onde trabalhava, mas a mim aquilo pareceu-me ser uma coincidência demasiado grande. A verdade é que, a dada altura, ele levou-me até um canto e disse-me que ainda me amava. Como é evidente, eu disse-lhe que ele tinha de seguir com a vida dele. Eu ia casar com o Hunter. Por isso, é óbvio que os dois invejavam aquilo que eu e o Hunter tínhamos — argumentou Casey.
— Invejavam ao ponto de matar?
— Se um júri acreditou que eu o fizesse, não sei porque é que o mesmo não poderá ser verdade para eles.
O terceiro nome conhecido era particularmente chocante.
— Andrew Raleigh? — perguntou Laurie, erguendo o sobrolho. Andrew era o irmão mais novo de Hunter. — Só pode estar a brincar.
— Oiça, a mim não me agrada acusar ninguém. Mas, tal como disse, se não fui eu… e eu sei que não fui… alguém terá sido. E o Andrew bebeu muito naquela noite.
— Tal como a Casey — acrescentou Laurie. — De acordo com várias testemunhas.
— Não, isso não é verdade. Eu bebi um copo de vinho, dois no máximo, mas parei quando comecei a sentir-me mal. Quando o Andrew bebe, é… bom, ele transforma-se noutra pessoa. O pai do Hunter nunca escondeu que o preferia em relação ao Andrew. Eu sei que ele tem uma reputação irrepreensível, mas como pai consegue ser bastante cruel. O Andrew tinha uns ciúmes loucos do Hunter.
Laurie achava aquela hipótese um exagero.
— Então e estes dois nomes? Mark Templeton e Mary Jane Finder?
Nenhum deles lhe dizia nada.
— Esses precisam de um pouco mais de explicação. O Mark, além de ser um dos amigos mais próximos do Hunter, também era o diretor financeiro da Fundação Raleigh. E, se quer saber a minha opinião, ele é o principal suspeito.
— Apesar de ele e o Hunter serem amigos?
— Escute-me com atenção. O Hunter ainda não tinha feito nenhum anúncio público, mas estava a pensar candidatar-se a um cargo político, a presidente da câmara de Nova Iorque, ou a um lugar no Senado. Em qualquer dos casos, ele pensava deixar o sector privado e dedicar-se ao serviço público.
Ele podia não ter feito quaisquer declarações acerca das suas intenções políticas, mas a opinião pública tinha especulado. Hunter fazia regularmente parte das listas dos solteiros mais cobiçados do país. Quando, de repente, anunciara estar noivo de uma mulher com quem namorava há menos de um ano, muitas foram as pessoas que se interrogaram se aquele não seria o primeiro passo para vir a tornar-se candidato. Outras pessoas viam Casey como sendo uma escolha arriscada para mulher de um político. A família Raleigh era conhecida pelas suas posições conservadoras, ao passo que Casey era abertamente liberal. Ela e Hunter formavam um casal estranho do ponto de vista político.
— Antes de se candidatar a um cargo político — explicou Casey —, o Hunter tinha começado a verificar a contabilidade da fundação, para se certificar que não tinha havido procedimentos nos donativos ou nas angariações de fundos que pudessem vir a gerar controvérsia ou embaraço perante a opinião pública. Na noite da gala, o motorista dele foi buscá-lo ao Connecticut e eles vieram apanhar-me ao meu apartamento. No automóvel, ele referiu que ia contratar um contabilista forense para levar a cabo uma investigação mais minuciosa àquilo que apelidou de algumas «irregularidades». O Hunter assegurou-me rapidamente que estava a ser muitíssimo cauteloso e que tinha a certeza de que não tínhamos com que nos preocuparmos. Eu nunca mais pensei no assunto até que, quatro anos depois de ter sido condenada, o Mark despediu-se sem aviso prévio.
Era a primeira vez que Laurie ouvia falar daquela questão.
— Isso é invulgar?
Laurie não estava por dentro do funcionamento de fundações privadas.
— Ao que parece, os jornalistas especialistas em finanças acharam que era — respondeu Casey. — A biblioteca de Direito da prisão permitia-nos procurar emissões noticiosas na Internet. Aparentemente, o passivo da fundação era tão baixo que gerou especulação. Tem de entender que, quando o Hunter se dedicou àquela fundação de corpo e alma, ele conseguiu triplicar o valor das angariações de fundos. Uma coisa era a entrada de dinheiro diminuir quando o Hunter deixou de estar ao leme da fundação, mas as notícias avançavam que o património estava de facto muito em baixo, o que levantava questões sobre a possibilidade de ter havido má gestão dos fundos ou algo ainda pior.
— Como é que a fundação lidou com a especulação?
Ela encolheu os ombros.
— Eu só sei aquilo que consegui deduzir das minhas pesquisas na comunicação social, e o património de uma organização sem fins lucrativos não tem o mesmo interesse jornalístico do que, digamos, um julgamento com grande impacto na opinião pública. Mas, tanto quanto sei, quando os jornalistas começaram a comentar a demissão repentina do Mark, o pai do Hunter nomeou um novo diretor financeiro e teceu grandes elogios ao Mark. A história perdeu o interesse. Mas o facto de o património da fundação ser misteriosamente baixo persiste. O Hunter tinha detetado o problema vários anos antes. Para além disso, posso dizer-lhe que o Mark Templeton estava sentado mesmo ao meu lado na gala. Ele podia ter facilmente colocado uma droga na minha bebida.
Laurie apenas tinha concordado em receber Casey por uma questão de curiosidade e para dizer a Brett que tinha uma pista para um possível caso, mas já estava a imaginar sentar aqueles suspeitos alternativos à frente da câmara. Deu-se conta de que, quando imaginava o programa, continuava a visualizar Alex no lugar de anfitrião. Quando tinham concluído o último programa, ele tinha-lhe anunciado que precisava dedicar-se a tempo inteiro à sua atividade como advogado de defesa criminal. A sua saída do programa deixara a forte relação pessoal entre ambos num estado ambíguo. Ela afastou aquele pensamento e prosseguiu.
— E a Mary Jane Finder? Quem é ela?
— É a assistente pessoal do general Raleigh.
Laurie sentiu os seus olhos arregalarem-se.
— E qual é a relação dela com este caso?
— Ela começou a trabalhar para o pai dele alguns anos antes de eu e o Hunter nos termos conhecido. O Hunter nunca gostou da Mary Jane, mas ele parecia preocupar-se sobretudo com o tipo de autoridade que ela passou a exercer após a morte da mãe dele. Como se ela tentasse aproveitar-se do pai ou talvez, até, quisesse casar-se com ele agora que tinha ficado viúvo.
— O filho do patrão não gostava dela? Isso não me parece ser um motivo suficientemente forte para homicídio.
— Não se tratava apenas de ele não gostar dela. Ele achava que ela era ardilosa e manipuladora. Estava convencido de que ela escondia alguma coisa e estava decidido a conseguir despedi-la. E mais, quando estávamos a caminho da gala, ouvi-o telefonar para um advogado amigo, a pedir referências de um detetive privado e a dizer que precisava de investigar o passado de alguém. E a seguir ouvi-o dizer: «É um assunto delicado.» Quando ele desligou, perguntei-lhe se era alguma coisa relacionada com a auditoria que planeava fazer à fundação.
As duas mulheres foram interrompidas por alguém a bater à porta. Jerry espreitou lá para dentro.
— Peço desculpa, mas o Brett já terminou a videochamada. Ele está com a Grace e exige saber onde tu estás.
Laurie não se atrevia a dizer a Brett exatamente onde estava, caso contrário, ele irromperia pela sala adentro e dominaria a discussão. Mas ela também não queria colocar Grace numa posição em que tivesse de mentir deliberadamente ao chefe.
— Podes fazer-me o favor de lhe dizer que falaste comigo e que eu estou no gabinete dele em menos de cinco minutos?
Brett partiria do princípio de que a conversa dos dois fora pelo telefone e isso faria com que deixasse Grace em paz, mas Laurie tinha de se apressar.
— Muito bem, então o detetive privado era para a fundação — disse Laurie, retomando a conversa onde a tinham deixado.
— Não, não era. Ou, pelo menos, não acho que fosse. Perguntei ao Hunter se estava relacionado com a auditoria. Ele olhou para o Raphael, o seu motorista, com uma expressão de cautela, como que a dizer «agora não». Fiquei a pensar que ele não queria que o Raphael ouvisse o nome da pessoa que estava a investigar.
— Talvez fosse o Raphael — especulou Laurie.
— De maneira nenhuma — respondeu ela. — O Raphael era uma das pessoas mais gentis e bondosas que alguma vez conheci e ele e o Hunter adoravam-se. Ele era quase como um tio emprestado. Mas também era muito crédulo e queria sempre pensar o melhor de toda a gente, incluindo da Mary Jane. O Hunter tinha deixado de se queixar dela na presença do Raphael, para evitar deixá-lo numa posição desconfortável em relação a uma mulher que exercia uma influência cada vez maior sobre o pessoal que trabalhava para a família. Se o Hunter estivesse certo e a Mary Jane andasse a esconder alguma coisa, é possível que ela tivesse encontrado uma maneira de o impedir de descobrir a verdade.
— E ela estava na gala? — perguntou Laurie.
— Estava, sim, sentada ao lado do general Raleigh. O Hunter tinha motivos para estar preocupado em relação às intenções dela.
Laurie quase conseguia visualizar Brett a olhar para o relógio e a contar os minutos até ela chegar.
— Casey, esta lista é um ótimo ponto de partida. Deixe-me fazer alguma investigação preliminar e eu volto a…
— Não, por favor. Eu tenho muito mais coisas para dizer. A Laurie é a minha única esperança.
— Eu não lhe estou a dizer que não. Na verdade, estou bastante intrigada.
O lábio inferior de Casey começou a tremer.
— Oh, meu Deus, peço imensa desculpa — disse ela, pestanejando. — Prometi que não ia chorar. Mas não faz ideia de quantas cartas já escrevi a advogados, a gabinetes de investigação legal e a jornalistas. Foram tantas as respostas que recebi a dizerem sempre a mesma coisa: «Estou intrigado. Deixe-me investigar melhor.» E depois disso nunca mais me disseram nada.
— Não é isso que se está a passar aqui, Casey. Quando muito, eu é que podia estar preocupada por usar imensos recursos a investigar as suas alegações e depois vir a descobrir que a Casey vendeu a sua história a um site da Internet que a vai publicar.
Ela abanou a cabeça veementemente.
— Não, de modo algum. Eu já vi os maus trabalhos que alguns autointitulados jornalistas fazem. Mas conheço o seu programa e sei que o Alex Buckley é um dos melhores advogados de defesa da cidade. Não vou contactar nenhum outro meio de comunicação social até a Laurie se decidir.
Ouvir o nome de Alex provocou um aperto no peito de Laurie.
Casey implorou:
— Quando podemos voltar a encontrar-nos?
Laurie lembrou-se da mensagem anterior de Jerry. «Ela diz que não vamos conseguir ver-nos livres dela até falar contigo.» Naquele momento, ela tinha de se ver livre de Casey.
— Sexta-feira — disse Laurie. Era dali a dois dias. Estava prestes a recuar quando pensou que seria uma boa ideia encontrar-se com Casey e com a família dela fora do escritório, antes de tomar uma decisão final em relação a avançar ou não com o caso. — Na verdade, posso ser eu a ir ter consigo. Talvez possa conhecer os seus pais?
— O meu pai já faleceu — afirmou Casey, pesarosa. — Estou a viver com a minha mãe. Mas nós moramos no Connecticut.
«Parece que vou ao Connecticut», pensou Laurie.
Estavam à porta da sala de reuniões quando Laurie se apercebeu de que se tinha esquecido de indagar acerca de uma parte da sequência de mensagens escritas.
— O meu assistente de produção disse-me que conhece a Charlotte Pierce.
Há três meses, Laurie não tinha nenhuma ideia de como seria Charlotte Pierce como pessoa. Pensava nela como sendo «a irmã» — «a irmã» de Amanda Pierce, a noiva cujo desaparecimento tinha sido o tema de cobertura da última emissão de Laurie. Mas, para sua surpresa, quando a produção do programa tinha terminado, Charlotte tinha-a convidado para almoçar. Ao cabo de várias refeições partilhadas, Laurie via agora Charlotte como uma amiga, a primeira que fizera em muito tempo.
Casey fez um sorriso embaraçado.
— Sou capaz de ter exagerado em relação à nossa ligação. A minha prima, Angela Hart, trabalha para ela. Elas são grandes amigas, mas eu nunca cheguei a conhecê-la.
Laurie ficou a observar Casey, enquanto ela punha uns óculos de sol grandes, apanhava o cabelo e puxava um boné dos Yankees de modo a esconder o rosto.
— Já foi suficientemente mau ter sido reconhecida no centro comercial — declarou com amargura.
Enquanto se dirigia, apressada, ao gabinete de Brett, Laurie ditou um lembrete a si mesma, para telefonar a Charlotte e perguntar-lhe se ela teria alguma informação privilegiada. Também reteve o facto de Casey Carter estar disposta a inflacionar a verdade se isso a beneficiasse.